1.3 Pena privativa de liberdade
Na segunda metade do século XVI, passaram a ser construídas prisões, as quais na época eram chamadas instituições de correção. A finalidade desta instituição seria basicamente reformar os delinquentes, usando-os como mão de obra, impondo-as por meio de trabalho e disciplina. Ainda, um dos objetivos da instituição era desestimular a vadiagem e ociosidade dos delinquentes. Tinham como pensamento que apenas o trabalho e a disciplina sejam os meios necessários para reformar o recluso.[27]
Na Inglaterra, devido ao atual cenário, foi permitido pelo rei que fosse usado o castelo de Bridwell para recolher os vagabundos e criminosos. Essa instituição ficou conhecida como houses of correction ou bridwells.
Estabelecida no ano de 1553, a casa de correção de Bridwell tinha dois propósitos: a punição dos pobres desordenados e a moradia de crianças sem-teto na cidade de Londres. No inicio do século XVII, foram inauguradas mais duas casas de correção, as conhecidas Middlesex e Westminster. A vontade de reformar as pessoas era tanta, que em pouco tempo essas casas de correção se expandiram por diversos lugares da Inglaterra, tendo seu auge na metade do século XVII. Ainda, no ano de 1670, foi instituído um estatuto para as bridwells.
A Bridwell era inicialmente uma prisão aberta, onde diferentes categorias de infratores podiam se misturar e os visitantes podiam trazer presentes, e homens e mulheres eram mantidos em locais separados.
Ressalta-se que a Bridwell era tanto um hospital quanto uma casa de correção ou prisão. Entretanto, apesar das prisões serem em locais notoriamente insalubres, como era um hospital também, Bridwell era mais avançada do que qualquer outra prisão do século XVIII para prestar assistência médica. [28]
Praticamente todos os prisioneiros eram submetidos a trabalhos forçados, onde geralmente batiam o cânhamo ou o trabalho era feito para a indústria têxtil. Neste tempo,ainda, era usado o emprego de violência nestas pessoas, uma vez que eram chicoteados, ainda mais aqueles que eram julgados culpados por roubo, vadiagem, conduta obscena e prostituição (nightwalking).
O caráter de compromissos com as casas de correção de Londres mudou no século XVIII, o número de prisioneiros comprometidos por conduta ociosa e desordeira declinou quando os juízes começaram a cobrar prisioneiros com uma gama mais ampla de crimes. Ao mesmo tempo, um número muito maior de infratores, incluindo criminosos, eram simplesmente mantido sob custódia até os julgamentos.
Vale ressaltar que as casas de correção tinham a finalidade de tratar a pequena delinquência, uma vez que para o real controle do crime, existiam os códigos penais, que persistiam com penas pecuniárias, corporais e em penas capitais.
Segundo Dario Melossi e Massimo Pavarini[29], o trabalho forçado das casas de correção ou casas de trabalho visavam romper a resistência da força de trabalho, aceitando as condições que permitiam o grau máximo de extração da mais-valia.
Além das casas de correção, foram criadas na Inglaterra, no ano de 1697, sob os mesmos alicerces de desenvolvimento das bridwells, mas com a união das paróquias de Bristol as chamadas workhouses.
Estas casas de trabalho eram difíceis de distinguir das casas de correção. De acordo com as condições sociais vigentes, seus detentos podem ser liberados para contratados ou mantidos para impedir a concorrência no mercado de trabalho.
As casas de trabalho tinham como fim evitar que a mão de obra fosse desperdiçada e ao mesmo tempo, pretendiam ter o controle sobre estas pessoas.
Esse instituto foi o primeiro e mais significativo exemplo de detenção que não tinha como fim aprisionar o indivíduo com o fim de custódia, passando a “pena” imposta consistir em ficar no estabelecimento das casas de correção ou casas de trabalho e que suas características. A função social e organização interna eram aproximadamente as mesmas do clássico modelo prisional do século XIX (MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo, 1985)
Foram criadas em Amsterdã casas de correção no ano de 1596, porém apenas para homens, ficando denominadas como Rasphuis, sendo criada no ano subsequente a prisão Spinhi, a qual era apenas para mulheres, criando-se no ano de 1600 uma parte especial aos jovens. Essas prisões de Amsterdã alcançaram bastante êxito e por esta razão, foram imitadas por diversos países europeus.
No final do século XVI e início do século XVII, ocorreram dois fatores que impulsionaram o uso do trabalho forçado em uma estrutura diferente do modelo que funcionou em toda a Europa na época. Ainda, a criação desta nova forma de segregação punitiva responde mais a uma demanda relacionada ao desenvolvimento geral da sociedade capitalista. (MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo, 1985).
Nesta época, a Europa passava por um enorme declínio demográfico, o qual representava perigo para Holanda que, por esta razão mudou seus modelos punitivos, com o fim de desperdiçar a menor cota possível de força de trabalho, para controlá-la e regular seu uso.
Cabe ressaltar que as pessoas que faziam parte da composição dessas instituições eram bastante similar à das Bridwell, como os jovens infratores, mendigos, vagabundos e aqueles que chegam por meio de mandato judicial ou administrativo.
O segredo das workhouses ou das rasphuis está na representação em termos ideais da concepção burguesa da vida e da sociedade, em preparar os homens, principalmente os pobres, os não proprietários, para que aceitem uma ordem e uma disciplina que os faça dóceis instrumentos de exploração (BITENCOURT, Cezar Roberto. 2017).
Veja-se que um dos contextos do surgimento da pena privativa de liberdade é porque a pena de morte estava em crise, devido à grande quantidade de óbitos e que não estava trazendo bons resultados à população Europeia, porém não era o único motivo.
Ainda, na visão de Focault, em síntese, na época clássica o confinamento utilizado de maneira equivocada, fazendo-o desempenhar o papel de reabsorver o desemprego, na tentativa de apagar os seus efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houvesse o risco de subirem muito, atuando alternativamente sobre a mão de obra e os preços de produção.[30]
Acreditava-se que quando a prisão foi convertida para pena que ela poderia reformar o delinquente. No século XIX, existia uma firme convicção pela sociedade de que a pena de prisão poderia realizar todas as finalidades da pena.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, em seu livro Tratado de Direito Penal, as pequenas privações de liberdade não conseguem alcançar o seu fim social para os delinquentes habituais. A execução das penas de curta duração, sendo insuficientes para reeducar os criminosos primários e sendo suficientes para lhe corromper o senso moral, nega, portanto, uma das principais finalidades, que é a “readaptação social”.[31]
Ainda no século XIX, quando a pena privativa de liberdade atingiu seu apogeu, antes mesmo que o século terminasse, já entrava em decadência, uma vez que não atingia suas finalidades que ao invés de recuperar o delinquente, o instituto da pena de prisão estimulava a reincidência.
Em meados do século XVIII, passaram a existir movimentos que pregavam a razão e humanidade, uma vez que as leis e procedimentos aplicados na época continuavam demasiadamente cruéis. Esse movimento de ideias teve seu ponto máximo com a Revolução Francesa, surgindo ideias para reformar o sistema punitivo vigente.[32] Algumas pessoas com essa visão de mudança era John Howard, Cesare Beccaria e Jeremy Bentham.
Ainda, Cezar Roberto Bitencourt, corroborando com a decadência da pena de prisão cita pensamento de Heleno Fragoso, qual seja, “a prisão representa um trágico equívoco histórico, constituindo a expressão mais característica do vigente sistema de justiça criminal. Validamente só é possível pleitear que ela seja reservada exclusivamente para os casos em que não há, no momento, outra solução”.[33]
Assim, pode se ver que a pena privativa de liberdade levou quase dois séculos para transformar o encarceramento em pena e não um local de espera para a verdadeira pena. Então, percebe-se que a pena privativa de liberdade ainda tem um longo caminho a ser percorrido até conseguir encontrar um modo de ressocialização do preso, para voltar a incidir na sociedade.
Notas
[1] Revista dos Tribunais | vol. 688/1993 | p. 408 - 411 | Fev / 1993 DTR\1993\588
[2] Totem: símbolo sagrado adotado como emblema por tribos ou clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores.
[3] Tabu: Instituição religiosa que, atribuindo caráter sagrado a um objeto ou a um ser, proíbe qualquer contato com eles e até mesmo referência a eles.
[4] COIMBRA, Mário. Tratamento do Injusto Penal da Tortura.
[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ª edição., 23rd edição. Editora Saraiva, 2017. [Minha Biblioteca].
[6] “Desterro”: Deportação; ação ou efeito de desterrar, de expulsar da pátria. Eliminação do individuo do grupo em que está inserido.
[7] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte geral Vol. 1, 11ª edição. Editora Método, 2017. (pg. 75)
[8] GARCIA, Basileu, INSTITUIÇÕES DE DIREITO PENAL, Vol 1, Tomo I, 7ª edição revista e atualizada. Editora Saraiva, 2010. Fl. 27.
[9] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 20a Edição. Editora Vozes. Pg. 75
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 20a Edição. Editora Vozes. Pg. 75
[10] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 20a Edição. Editora Vozes.
[11] SZNICK, Valdir. “Tortura”, 1998, p.14
[12] Bitencout, Cezar Roberto. Falencia da pena de prisão: causa e alternativas. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. Pg.7
[13] Bitencout, Cezar Roberto. Falencia da pena de prisão: causa e alternativas. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. Pg.7
[14] A pessoa tinha em seu corpo atravessado por enormes estacas, onde geralmente o processo começava pelo ânus e seguia até a boca.
[15] As vítimas eram obrigadas a sentar em pirâmides de madeiras lentamente até a morte.
[16] Com os membros presos em uma roda de madeira, as pessoas viam seus braços e pernas serem atingidos pelos torturadores com grandes martelos de metal. Depois disso, eram pendurados – ainda na roda – em praça pública, para que animais se alimentassem das vítimas vivas.
[17] Gaiolas extremamente apertadas, onde os infratores eram pendurados em praça pública para que sofressem exposição ao sol e também para que animais pudessem se alimentar do ser humano, enquanto vivo.
[18] [18] Bitencout, Cezar Roberto. Falencia da pena de prisão: causa e alternativas. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2004.
[19]O réu espera a execução da verdadeira pena aplicada (morte, acoite, mutilações etc.),
[20] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ª edição., 23rd edição, p. 590
[21] García Valdés, Estudios de Derecho Penitenciario, pag. 15-6
[22] Mouros, também conhecidos como mouriscos são considerados os povos instalados na região da Península Ibérica durante a Idade Média como, por exemplo, os povos árabes e os berberes.
[23] Tribunal do Santo Ofício in Artigos de apoio a Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003/2018.
[24] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ª edição., 23rd edição, p. 592
[25] Também conhecido como cadafalso, era uma estrutura, tipicamente em madeira, usada para execução em publico, seja por enforcamento, degolação ou outra forma.
[26] Revista dos Tribunais | vol. 792/2001 | p. 477 - 500 | Out / 2001 DTR\2001\469
[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ª edição., 23rd edição, p. 594
[28] https://www.londonlives.org/static/HousesOfCorrection.jsp
[29] MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo "Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciario (siglos XVI-XIX)"
[30] FOUCAULT, Michel. História de La locura en La época clássica. México, 1967.
[31] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 1 - Parte Geral, 23ª edição., 23rd edição. Editora Saraiva, 2017.
[32] Bitencout, Cezar Roberto. Falencia da pena de prisão: causa e alternativas. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. Pg.31/32
[33] Fragoso, Heleno Cláudio, Direitos dos presos, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 15.