A relativização do direito à propriedade frente ao direito de retenção por benfeitorias nos contratos de arrendamento rural

28/03/2019 às 13:40
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A retenção das benfeitorias pelo arrendatário que possui direito de indenização traz um certo incômodo ao proprietário arrendador, que não raras as vezes vê seu pleno direito à propriedade tolhido. Surgindo assim um acalorado debate.

INTRODUÇÃO

O tema em questão é motivo de discussões judiciais acaloradas. Tema pouco discutido no ambiente acadêmico e de parcos títulos na doutrina.

Diante disso, a busca pela melhor compreensão acerca dos Contratos de Arrendamento Rural, tão comuns em nosso País, mas não tão comuns nas discussões acadêmicas pode trazer melhor segurança jurídica ao proprietário, mas também propiciar justiça social a quem de fato faz girar a roda motriz da economia rural, que na figura do arrendatário desenvolve a função social da propriedade privada.

Por experiência própria, na grande dificuldade de encontrar material de apoio para solução de um caso concreto é que surgiu o tema do presente trabalho.

Sendo assim, ao trazer ao ambiente acadêmico a discussão acerca do tema, busca-se fomentar maiores estudos relativos aos contratos de arrendamento rural, tão comuns na região oeste do Paraná, e que geram, não raras as vezes grandes conflitos.

Discutir temas de relevância que tragam soluções práticas à sociedade, é obrigação da Universidade, que retribui seu conhecimento cientifico na solução de conflitos reais.

Compreender se o atendimento à função social pelo possuidor e a vedação ao enriquecimento ilícito justificam o direito de retenção em oposição ao direito de propriedade é questão fundamental para buscar um justo equilíbrio na relação proprietário/arrendatário.

1 O conceito de contrato de arrendamento rural

Os conceitos de Arrendamento e Parceria são de fácil assimilação e estão insculpidos nos artigos 3º e 4º do Decreto 59.566/66 e assim expõem:

Art 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais da Lei.

§ 1º Subarrendamento é o contrato pelo qual o arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do ceu contrato de arrendamento.

Art 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra).

O Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1.966 apenas regulamenta  Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966.

Neste sentido, passemos a análise do texto do Estatuto da Terra no que se refere aos Contratos Rurais, tanto na modalidade de arrendamento como o de regime de parceria:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

§ 1° O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido em parceria.

§ 2º Os preços de arrendamento e de parceria fixados em contrato ...Vetado.. serão reajustados periodicamente, de acordo com os índices aprovados pelo Conselho Nacional de Economia. Nos casos em que ocorra exploração de produtos com preço oficialmente fixado, a relação entre os preços reajustados e os iniciais não pode ultrapassar a relação entre o novo preço fixado para os produtos e o respectivo preço na época do contrato, obedecidas as normas do Regulamento desta Lei.

§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.

§ 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.

§ 5º A alienação ou a imposição de ônus real ao imóvel não interrompe a vigência dos contratos de arrendamento ou de parceria ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante.

§ 6º O inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes dará lugar, facultativamente, à rescisão do contrato de arrendamento ou de parceria. observado o disposto em lei.

§ 7º Qualquer simulação ou fraude do proprietário nos contratos de arrendamento ou de parceria, em que o preço seja satisfeito em produtos agrícolas, dará ao arrendatário ou ao parceiro o direito de pagar pelas taxas mínimas vigorantes na região para cada tipo de contrato.

§ 8º Para prova dos contratos previstos neste artigo, será permitida a produção de testemunhas. A ausência de contrato não poderá elidir a aplicação dos princípios estabelecidos neste Capítulo e nas normas regulamentares.

§ 9º Para solução dos casos omissos na presente Lei, prevalecerá o disposto no Código Civil.

Basicamente os contratos rurais diferenciam-se pela forma de pagamento e compartilhamento de resultados, sejam eles bons ou ruins.

Enquanto que na modalidade de arrendamento o arrendatário, ou a figura do trabalhador rural paga quantia fixa ao proprietário ou arrendador para se utilizar de determinada área para cultivo,  no regime de parceria há percentuais de participação em que é repassado ao parceiro outorgado.

Ambas as formas de pagamento são regulamentadas pelo Decreto nº 59.566, de 14.11.1966 e em seu artigo 17 dispõe sobre os limites para precificação do arrendamento:

Art 17. Para cálculo dos preços de arrendamento em cada imóvel rural, observar-se-ão, com base no inciso XII do art. 95 do Estatuto da Terra os critérios fixados nos parágrafos seguintes:

        § 1º Nos casos de arrendamento da área total do imóvel rural, a um ou mais arrendatários, a soma dos preços de arrendamento não pode ser superior a 15% (quinze por cento) do valor da terra nua, fornecido na Declaração de Propriedade de imóvel rural e aceito para o Cadastro de Imóveis Rurais do IBRA, constante do recibo de pagamento do impôsto territorial rural (ITR)

        § 2º Nos casos de arrendamento parcial a um ou mais arrendatários, a soma dos preços de aluguel não poderá exceder a 30% (trinta por cento) do valor das áreas arrendadas, avaliado êsse com base no valor do hectare declarado e aceito, para o Cadastro de imóveis rurais do IBRA.

        § 3º Para a área não arrendada, admite-se um preço potencial de arrendamento, que será de 15% (quinze por cento) do valor mínimo por hectare estabelecido na Instrução Especial do IBRA, aprovada pelo Ministro do Planejamento, na forma prevista no parágrafo 3º do art. 14 do Decreto nº 55.891, de 31 de março de 1965.

        § 4º O preço potencial de arrendamento da área não arrendada, mais a soma dos preços de arrendamento da áreas arrendadas, não poderá exceder o preço máximo de arrendamento da área total do imóvel, estipulado no parágrafo 1º dêste artigo.

        § 5º O preço de arrendamento da benfeitorias que entrarem na composição do contrato, não poderá exceder a 15% (quinze por cento) do valor das mesmas benfeitorias, expresso na Declaração de Propriedade do Imóvel Rural.

Por sua vez, o artigo 35 da mesma norma delimita os pagamentos realizados nos contratos de parceira rural:

Art 35. Na partilha dos frutos da parceria, a cota do parceiro-outorgante não poderá ser superior a (art. 96, VI, do Estatuto da Terra).

        I - 10% (dez por cento) quando concorrer apenas com a terra nua;

        II - 20% (vinte por cento) quando concorrer com a terra preparada e moradia;

        III - 30% (trinta por cento) caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cêrcas, valas ou currais, conforme o caso;

        IV - 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas no inciso III, e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto da parceria;

        V - 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva, em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinto por cento) do rebanho onde se adotem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido.

        § 1º O parceiro-outorgante poderá sempre cobrar do parceiro-outorgado, pelo seu preço de custo, o valor dos fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação dêsse, em qualquer das modalidades previstas nas alíneas dêste artigo (art. 96, VI, "f" do Estatuto da Terra).

        § 2º Nos casos não previstos nos incisos acima, a cota adicional do parceiro-outorgante será fixada com base em percentagem máxima de 10" (dez por cento) do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro-outorgado (art. 96, VI, "g", do Estatuto da Terra).

        § 3º Não valerão as avenças de participação que contrariarem os percentuais fixados neste artigo, podendo o parceiro prejudicado reclamar em Juízo contra isso e efetuar a consignação judicial da cota que, ajustada aos limites permitidos neste artigo, fôr devida ao outro parceiro, correndo por conta dêste todos os riscos, despesas, custas e honorários advocatícios.

Nota-se que enquanto no arrendamento há fixação de um quantum devido pelo arrendatário ao arrendador, na modalidade de parceria existe um percentual, ou seja uma participação nos frutos percebidos pela atividade desenvolvida.

Outro ponto fundamental que difere completamente as modalidades de contratos, trata-se dos riscos inerentes à atividade rural, que, diga-se de passagem, é de alto risco, justamente por estar sujeita a fatores externos alheios a vontade das partes, especialmente em relação a fatores climáticos.

O Professor César Augusto Di Natale Nobre[1] traz o conceito de que “o tema está vinculado à utilização da propriedade rural em prol da comunidade”:

O contrato de arrendamento rural se insere no chamado direito agrário, campo responsável por disciplinar as relações do homem com a terra objetivando o progresso social e econômico do trabalhador e de toda a sociedade (Venosa, 2006, p. 611). O tema está vinculado à utilização da propriedade rural em prol da comunidade. Ademais, os contratos agrários não se formam à margem do sistema dos negócios jurídicos, sendo sempre regidos pelos princípios fundamentais e tradicionais dos contratos. Sendo parte integrante do direito social, situado a meio-caminho entre o direito privado e o direito público, o direito agrário prevê instrumentos para proteger o economicamente mais fraco. Desse modo, emprega normas de ordem pública, inderrogáveis pela vontade das partes, com vistas a proteger tanto o pequeno produtor não proprietário da terra quanto os recursos naturais. Isso implica forte intervenção estatal nos contratos de arrendamento rural, pois é patente o desequilíbrio material existente entre os contratantes.

Definido no artigo 3º do Decreto 59.566/66, o arrendamento rural se dá quando uma pessoa se obriga a ceder, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, assumindo os riscos decorrentes de sua utilização e usufruindo da plenitude das vantagens que ele oferece. Isso torna o arrendamento rural um contrato bilateral, consensual, oneroso e não solene. Suas especificidades serão tratadas pormenorizadamente nos itens a seguir.

Devido à sai semelhança com a locação urbana, também cabe ao arrendador entregar o imóvel ao arrendatário com suas pertenças e em estado de se utilizar do imóvel para o fim convencionado ou presumido e tratá-lo com o mesmo cuidado como o trataria se fosse seu.

Desse modo, a propriedade agropecuária alcançou um grau elevado de importância em nosso Direito, o que, a título de exemplo, explica o desenvolvimento da Política Agrária. Foi com base nisso que se optou por explorar o tema do arrendamento rural no presente trabalho, considerando a vasta gama de princípios que norteiam o direito agrário: bem-estar e condições de progresso socioeconômico; função social; justiça social; permanência na terra daqueles que a tornem produtiva; acesso à terra e à propriedade; proteção jurídica aos arrendatários; preservação dos recursos naturais renováveis; e extinção das propriedades antieconômicas (Coelho, 2006. p. 68).

2 da indenização por benfeitorias realizadas pelo arrendatário

Embora a lei civil nacional seja a principal fonte subsidiária do Direito Agrário e, particularmente, com relação  aos contratos agrários, ela ainda possa ser invocada, a Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) e o Decreto nº 59.566/66, tomaram o espaço da legislação civil, prova disso é que o Código Civil de 2002 silenciou sobre os contratos agrários[2].

Em apurada análise aos princípios norteadores dos contratos aplicados ao direito agrário, o Professor JOSÉ BEZERRA COSTA[3] conclui que: "Mesmo que se aceite - sem contestação - a teoria dos objetivistas, é moderna a constatação de que a autonomia da vontade tem espaço limitado".

Segundo BENEDITO FERREIRA MARQUES, em sua obra Direito Agrário Brasileiro, Ed. Atlas, 2015, p. 179: "Qualquer que seja a forma do contrato, as partes devem observar a obrigação de conservar os recursos naturais e o dever de proteção ao mais fraco na relação contratual, que são os arrendatários e o parceiro-outorgado. E mais do que isso, devem observar os prazos mínimos estabelecidos; a fixação do preço do aluguel de acordo com as regras legais, e não pela livre vontade das partes; a indenização, com direito de rentenção, das benfeitorias úteis e necessárias que, na hipótese, se presumem de boa-fé."

Ainda, conforme entendimento de respeitado Professor Benedito Ferreira Marques:

"Quanto às benfeitorias, o arrendatário tem direito à indenização pelas úteis e necessárias, podendo inclusive reter o imóvel, se não forem pagas, independentemente de comprovação de boa-fé, que em tal caso, se presume. É oportuno esclarecer que, para o Direito Agrário, o conceito de benfeitorias é mais amplo do que o do Direito Civil, pois abarca obras consideradas verdadeiras acessões".

A redação do § 1º do art. 25 do Decreto 59.566/66 deixa transparecer o direito de retenção ao Arrendatário, quando assim determina:

Art 25. O arrendatário, no término do contrato, terá direito á indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Quanto às voluptuárias, somente será indenizado se sua construção fôr expressamente autorizada pelo arrendador (art. 95, VIII, do Estatuto da Terra e 516 do Cód. Civil).

§ 1º Enquanto o arrendatário não fôr indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá reter o imóvel em seu poder, no uso e gôzo das vantagens por êle oferecidas, nos têrmos do contrato de arrendamento (arts. 95, VIII do Estatuto da Terra e 516 do Código Civil).

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§ 2º Quando as benfeitorias necessárias ou úteis forem feitas às expensas do arrendador dando lugar a aumento nos rendimentos da gleba, terá êle direito a uma elevação proporcional da renda, e não serão indenizáveis ao fim do contrato, salvo estipulação em contrário.

Destarte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel rural, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem tratamento especial, nas palavras do Professor Benedito Ferreira Marques:

Em havendo melhoramentos em propriedade alheia, ato contínuo, pressupõem-se os dispêndios, que são dignos de ressarcimento, observados os requisitos pertinentes. Portanto, o instituto das benfeitorias possui valoração calcada nos princípios comezinhos de direito, notadamente na equidade e na repulsa ao enriquecimento derivado do trabalho alheio. Nesse arrimo, o direito de retenção constitui uma exceção necessária para se evitarem injustiças, ensejando, ao possuidor, a faculdade de ficar com a coisa devida até ser satisfeito crédito conexo.

O princípio pacta sunt servanda, bastante defendido pelo liberalismo econômico, segundo a maioria da doutrina agrarista, encontra-se a fenecer para o Direito Agrário, posto que as disposições contratuais agrárias não podem ficar totalmente a mercê da vontade das partes, em razão do caráter cogente da maioria das normas. Da mesma forma, não constitui destempero lembrar que existem cláusulas irrevogáveis, fixadas pela legislação, com a finalidade de proteger a terra e o hipossuficiente.

A renovação da propriedade, via da aquisição de acessórios que a incorporam, constitui uma necessidade evidente, porquanto todo bem material necessita de reparos, cuidados e tratamento, e o imóvel rural não é diferente. Por conseguinte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem trato especial.

Nessa aspiração, as benfeitorias (úteis, necessárias ou voluptuárias), realizadas no plano agrário, harmonizam-se com a posse trabalho exercida temporariamente, devendo ser aplicados os permissivos legais com relação aos seus efeitos e direitos, principalmente pelo fato da posse ser efetiva e direta.

Conforme já adiantado, o Decreto nº 59.566/66 foi editado para regular os dispositivos concernentes aos contratos agrários, notadamente as cláusulas obrigatórias desses pactos. O art. 13, em seus incisos e alíneas, traz expressamente as cláusulas necessárias a assegurar a conservação dos recursos naturais e a proteger social e economicamente os arrendatários e parceiros-outorgados.

Quanto à realização das benfeitorias, foram tratadas no inciso VI, do art. 13. Nos pactos agrários celebrados deverão constar obrigatoriamente:

O direito e as formas de indenização quanto às benfeitorias realizadas, ajustadas no contrato de arrendamento; e, direitos e obrigações quanto às benfeitorias realizadas, com o consentimento do parceiro-outorgante, e quanto aos danos substanciais causados pelo parceiro-outorgado por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, instalações e equipamentos especiais, veículos, máquinas, implementos ou ferramentas a ele cedidos (art. 95, XI, c e art. 96, V, e do ET).

Da simples leitura do texto legal, vê-se a preocupação do legislador em evitar litígios acerca das benfeitorias realizadas, impondo a presença das estipulações, a fim de evitar questionamentos sobre a destinação, indenização e direitos sobre aquelas, quando for colocado termo final nos contratos agrários (BENEDITO, Marques Ferreira, 2015).

Desta maneira, há que se buscar nos contratos de arrendamento rural a forma de indenização das benfeitorias úteis e necessárias ao arrendatário, bem como das voluptuárias se autorizado. E diante do direito à indenização, advém o direito do arrendatário permanecer no imóvel, usando e gozando de suas vantagens. Trata-se de permissivo legal, grafado no inciso VIII, do art. 95, do Estatuto da Terra, regulamentado pelo art. 25 e §§, do Decreto nº 56.599/66.

Nas palavras do professor Benedito Ferreira Marques[4]:

A conservação da posse deriva agora do crédito pelas benfeitorias realizadas e em garantia de seu pagamento. A ‘faculdade’ autoriza o contratante a reter ou não o imóvel em seu poder, até que seja indenizado das benfeitorias realizadas por necessidade e utilidade.

Essa permissão ou liberdade de agir é subjetiva do possuidor ou detentor do imóvel.

O direito de retenção por benfeitorias é um dos vários meios diretos de defesa que a lei, excepcionalmente, confere ao titular de um direito. Consiste na liberdade, deferida ao credor, de conservar a coisa além do momento que a deveria restituir, em garantia de um crédito que tenha contra o credor e decorrente de despesas feitas ou perdas sofridas em razão da coisa. É um meio de defesa, no sentido de que atua com elemento compulsivo, incidente sobre o espírito do devedor, pois a recuperação da coisa só lhe será possível se efetuar o pagamento do débito. O reivindicante, vitorioso na demanda, só obterá a entrega da coisa reivindicada se indenizar o possuidor de boa-fé das benfeitorias úteis e necessárias, por ele levantadas. Enquanto o não fizer, é legítima a retenção da coisa, por parte do credor.

Conforme entendimento de respeitado Professor Benedito Ferreira Marques, o arrendatário possui direito de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias:

"Quanto às benfeitorias, o arrendatário tem direito à indenização pelas úteis e necessárias, podendo inclusive reter o imóvel, se não forem pagas, independentemente de comprovação de boa-fé, que em tal caso, se presume. É oportuno esclarecer que, para o Direito Agrário, o conceito de benfeitorias é mais amplo do que o do Direito Civil, pois abarca obas consideradas verdadeiras acessões, conforme §1º do art. 6º do Decreto nº 84.685, de 6.5.80, assim expresso:

§1º Consideram-se benfeitorias as casas de moradia, galpões, banheiros para gado, valas, silos, currais, açudes, estradas de acesso e quaisquer edificações para instalações do beneficiamento, industrialização, educação ou lazer." (MARQUES, 2015, p. 180).

Os contratos agrários são dotados de formalidades, neste ponto, merece transcrição o art. 12 do Decreto nº 59.566/66, que aduz:

Art 12. Os contratos escritos deverão conter as seguintes indicações:

I - Lugar e data da assinatura do contrato;

II - Nome completo e endereço dos contratantes;

III - Características do arrendador ou do parceiro-outorgante (espécie, capital registrado e data da constituição, se pessoa jurídica, e, tipo e número de registro do documento de identidade, nacionalidade e estado civil, se pessoa física e sua qualidade (proprietário, usufrutuário, usuário ou possuidor);

IV - característica do arrendatário ou do parceiro-outorgado (pessoa física ou conjunto família);

V - objeto do contrato (arrendamento ou parceria), tipo de atividade de exploração e destinação do imóvel ou dos bens;

VI - Identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais do IBRA (constante do Recibo de Entrega da Declaração, do Certificado de Cadastro e do Recibo do Imposto Territorial Rural).

VII - Descrição da gleba (localização no imóvel, limites e confrontações e área em hectares e fração), enumeração das benfeitorias (inclusive edificações e instalações), dos equipamentos especiais, dos veículos, máquinas, implementos e animais de trabalho e, ainda, dos demais bens e ou facilidades com que concorre o arrendador ou o parceiro-outorgante;

VIII - Prazo de duração, preço do arrendamento ou condições de partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos, com expressa menção dos modos, formas e épocas desse pagamento ou partilha;

IX - Cláusulas obrigatórias com as condições enumeradas no art. 13 do presente Regulamento, nos arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra e no art. 13 da Lei 4.947-66;

X - foro do contrato;

XI - assinatura dos contratantes ou de pessoa a seu rogo e de 4 (quatro) testemunhas idôneas, se analfabetos ou não poderem assinar.

Parágrafo único. As partes poderão ajustar outras estipulações que julguem convenientes aos seus interesses, desde que não infrinjam o Estatuto da Terra, a Lei nº 4.947-66 e o presente Regulamento. (GRIFO NOSSO)

Portanto, da formalidade que permeia as relações contratuais agrárias, têm-se cristalino a obrigatoriedade de se atribuir em cláusula específica o direito à indenização por benfeitorias realizadas pelo arrendatário na propriedade rural, sendo esta cláusula obrigatória, portanto, irrenunciável.

3 do direito a retenção do imóvel decorrente da realização de benfeitorias e o direito à propriedade

As benfeitorias, sejam elas úteis ou necessárias, deverão se indenizadas. Em Artigo publicado, os autores Patrícia José de Almeira e Antônio Márcio Buainain, trazem clara e objetivamente conceitos de benfeitorias e forma de suas indenizações[5]:

De maneira geral, as benfeitorias que forem feitas no imóvel rural pelo arrendatário e ou pelo parceiro-outorgado são passíveis de indenização, no ato da extinção ou rescisão dos contratos de arrendamento e parceria. O art. 24, I, II e III, do Decreto n. 59.566/66 define basicamente três categorias de benfeitorias: voluptuárias, úteis e necessárias.

As voluptuárias são aquelas relacionadas ao deleite ou recreio, que não elevam o uso habitual do imóvel rural, embora o tornem mais agradável ou sejam de maior valor. As úteis aumentam ou facilitam o uso do imóvel rural. E as necessárias têm a finalidade de conservar o imóvel ou evitar que se deteriore, bem como cumprir as normas estabele- cidas no Decreto para a preservação dos recursos naturais.

O arrendatário e/ou parceiro-outorgado que realizarem benfeitorias úteis e ou necessárias no imóvel rural terão direito à indenização, conforme a regra do direito comum. Já a benfeitoria voluptuária somente será indenizada quando o arrendador expressamente autorizar. Em virtude disso, Opitz e Opitz apontaram a importância da caracterização exata do tipo de benfeitoria para evitar equívocos. Alertaram que “mister se torna verificar as circunstâncias regionais, porque, muitas vezes, uma ben- feitoria é voluptuária num ponto e útil noutro” (1969, p. 246).

Por um lado, pelo art. 25, § 1º, do Regulamento, assegura-se a permanência no imóvel rural ao arrendatário e ao parceiro-outorgado, enquanto não receberem inde- nização por benfeitorias necessárias e úteis, no uso e gozo de todas as vantagens por ele oferecidas, nos termos das cláusulas contratuais.

Por outro lado, “quando as benfeitorias necessárias ou úteis forem feitas às expensas do arrendador dando lugar a aumento nos rendimentos da gleba, terá ele direito a uma elevação proporcional da renda, e não serão indenizáveis ao fim do contrato, salvo estipulação em contrário” (art. 25, § 2º, Decreto n. 59.566/66). O Regulamento, entretanto, no art. 17, § 5º, dispõe que o preço do arrendamento das benfeitorias, incluídas na composição do contrato, não poderá ultrapassar 15% do valor destas. Opitz e Opitz, perspicazmente, interpretaram que essa “regra se coadu- na com o art. 95, XII do Estatuto da Terra, em que o preço do arrendamento não poderá ser superior a 15% do valor cadastrado do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato” (1969, p. 246).

O direito à propriedade advém de cláusula pétrea, é, antes de tudo garantia do cidadão, insculpida no artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXII -  é garantido o direito de propriedade;

Contudo, o mesmo comando normativo que prevê como garantia fundamental o direito à propriedade ao indivíduo, também determina que “a propriedade atenderá sua função social”, conforme previsão do inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988.

E neste mesmo viés que o direito agrário busca fundamentar a indenização pelas benfeitorias realizadas pelo arrendatário, com base no Princípio da Função Social do Contrato, conforme difundido pela autora Helena Maria Bezerra Ramos[6]:

Todo e qualquer contrato deve ser entabulado visando a uma função social, não mais admitindo o individualismo absoluto da iniciativa privada. Em acréscimo, deve o contrato ser elaborado para o proveito das partes, é verdade, mas também para o proveito da coletividade. O principio da função social do contrato estabelecido pelo Código Civil deve ser observado pelos contratantes no contrato de arrendamento rural, sob pena de violar a liberdade de contratar, como sói acontecer a todo e qualquer contrato, di-lo o art. 421 do código civil de 2002. Ao lado do principio da função social da propriedade, o princípio da função social do contrato também foi destacado pelo legislador civil em suas disposições transitórias (art. 2.035, parágrafo único). A função social do contrato disciplinada pelo Código Civil de 2002, de caráter de ordem pública, dverá ser observada obrigatoriamente pelas partes contratantes do arrendamento rural.

O princípio da função social do contrato determina que nenhum contrato e, portanto, também o de arrendamento rural, seja transformado em instrumento de abuso e arbitrariedade que cause dano à outra parte ou a terceiros ou, ainda, que traga privilégios excessivos a somente uma das partes contratantes, qualquer que seja o contrato, deve ele trazer benefício à sociedade, ainda que seja de pequena monta.

Como bem dias Claudio Luiz Bueno de Godoy, “cuida-se mesmo de o Estado invadir a autonomia da vontade para, em primeiro lugar, por meio da lei, garantir uma desigualdade que faça o papel de equilibrar a desigualdade inversa que a situação das partes intrinsecamente envolve”.

Deve-se observar a função social do contrato, inicialmente, entre as próprias partes envolvidas no contrato, de maneira a assegurar contratos mais equilibrados, levando-se em consideração substancialmente os iguais que se garante dignidade social aos indivíduos, ou seja, que respeita a dignidade da pessoa humana.

Por segundo, o contrato atinge terceiros, ou seja, tem o contrato uma face externa., o contrato deixa de ser um fato individual entre as partes, para ser de interesse da coletividade, trazendo-lhe vantagens e, principalmente, não pode trazer desvantagem  a terceiros ou à coletividade. Portanto, o contrato tem importância para toda a sociedade. Valor este ressaltado no art. 170, caput, da Constituição Federal, que estabelece o valor geral, para ordem econômica, da livre-iniciativa.

Podemos destacar que o contrato de arrendamento rural, que é eminentemente para a exploração agropecuária da propriedade, é um contrato de interesse social, pois produzirá alimentos para o povo. (GRIFO NOSSO)

Observa-se que o contrato de arrendamento rural ganha contornos de interesse coletivo, à medida que traz segurança alimentar, sendo estratégica sua proteção.

Neste viés, a indenização pelas  benfeitorias realizadas pelo arrendatário passa a ter notoriedade, mesmo diante da impossibilidade de eventual renúncia a tal direito. Tal entendimento está sendo consolidado em nossas Cortes de Justiça, inclusive no julgamento do Recurso de Apelação Cível 363.724-1 o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná mantém o dever de indenização das benfeitorias:

APELAÇÃO CÍVEL N° 363.724-1, DE CASCAVEL - 3a VARA CÍVEL.

APELANTES : MAURÍCIO MONTEIRO DE BARROS VIEIRA E OUTROS

APELADOS: NERY ANTONIO CARRE E OUTRO

RELATOR: Juiz Conv. D'Artagnan Serpa Sá

ARRENDAMENTO RURAL - RESCISÃO CONTRATO C/C DESPEJO - ACOLHIMENTO - BENFEITORIAS - INDENIZAÇÃO - RENÚNCIA DESCONSTITUÍDA POR ENSEJAR ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM ADEQUAÇÃO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº. 363.724-1 - 3a Vara Cível de Cascavel, em que são apelantes MAURÍCIO MONTEIRO DE BARROS VIEIRA, PAULO MONTEIRO DE BARROS VIEIRA e NESTOR DALMINA e apelados NERY ANTONIO CARRE e ORLANDO JOSÉ CHEMIM.

1. EXPOSIÇÃO FÁTICA

Trata-se de Apelação Cível manifestada por MAURÍCIO MONTEIRO DE BARROS VIEIRA, PAULO MONTEIRO DE BARROS VIEIRA e NESTOR DALMINA em face dos termos da r. sentença prolatada nos autos de Ação de Rescisão de Contrato c/c Despejo que moveram em face de NERY ANTÔNIO CARRE e ORLANDO JOSÉ CHEMIM, a qual, julgando procedente o pedido, declarou rescindido o contrato firmado entre as partes, ordenando o despejo dos réus, e condenou os autores ao pagamento de indenização pelas benfeitorias introduzidas no imóvel e, em vista da sucumbência recíproca dos litigantes, atribuiu aos autores o custeio de 40% das despesas processuais e o pagamento de honorários adversos que arbitrou em R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais), e aos réus o saldo remanescente das custas, e honorários que fixou em R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), autorizando a compensação.

Sustentam os autores apelantes que a sentença merece reparos na parte em que determinou o pagamento de indenização pelas benfeitorias, uma vez que tal conclusão conflita com expressa cláusula contratual pela qual os apelados renunciaram a tal benefício, sendo certo que mencionada condição não conflita com os dispositivos legais em vigor.

(...)

2. VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Quanto ao mérito, o inconformismo posto pelos apelantes não merece guarida.

Com efeito, primeiramente, é necessário ressaltar que o recurso trazido pelos autores, embora reflita simples reiteração da argumentação expendida no curso do processo, impugna expressamente a condenação imposta. Vem daí a possibilidade de se conhecê-lo, quanto mais para se evitar eventual alegação de cerceamento de defesa.

Entretanto, embora cognoscível, o recurso não comporta provimento, senão vejamos.

Do que se extrai da sentença invectivada, a condenação ao pagamento de indenização em favor dos apelados, relativamente às benfeitorias que introduziram no imóvel durante a vigência do prazo contratual, decorreu do reconhecimento de que a cláusula que estabeleceu a renúncia foi estabelecida à míngua de boa-fé, e em manifesta violação ao disposto pelo art. 95, inciso III, da Lei nº. 4.504/64.

Não bastasse isso a sedimentar o acerto da decisão combatida, é certo que a renúncia estabelecida no pacto ensejaria injustificado enriquecimento dos apelantes, e isso em detrimento do esforço dos apelados, o que é defeso. (GRIFO NOSSO) (...)

Não só há observância do julgador em relação ao texto do art. 95, inciso III, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), como também sua fundamentação de que a renúncia de indenização por benfeitorias causa enriquecimento injustificado do arrendador. Nada mais do que brilhante tal conclusão, facilmente constatada em singela observância da aferição do hectare de uma propriedade rural apta a desenvolver plenamente sua atividade econômica em detrimento de uma que necessita de investimento para uso.

Sobre o tema, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça foi criado com o julgamento do Recurso Especial nº 1.182.967-RS:

DIREITO AGRÁRIO. NULIDADE DE CLÁUSULA DE RENÚNCIA À INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS NOS CONTRATOS AGRÁRIOS.

Nos contratos agrários, é nula a cláusula de renúncia à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis. Os contratos de direito agrário são regidos tanto por elementos de direito privado como por normas de caráter público e social, de observância obrigatória e, por isso, irrenunciáveis, tendo como finalidade precípua a proteção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva e dela extraem riquezas, conferindo efetividade à função social da propriedade. Apesar de sua natureza privada e de ser regulado pelos princípios gerais que regem o direito comum, o contrato agrário sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer emprestar ao homem do campo, à função social da propriedade e ao meio ambiente, fazendo com que a máxima do pacta sunt servanda não se opere em absoluto nestes casos. Tanto o Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) como a Lei 4.947/1966 e o Decreto 59.566/1966 (que os regulamenta) dão ênfase ao princípio fundamental da irrenunciabilidade de cláusulas obrigatórias nos contratos agrários, perfazendo dirigismo contratual com fito de proteger e dar segurança às relações ruralistas. Como se vê, estabelece a norma a proibição de renúncia, no arrendamento rural ou no contrato de parceria, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos (nos termos dos arts. 13, I, do Decreto 59.566/1966 e 13, IV, da Lei 4.947/1966). Isso ocorre, fundamentalmente, porque, na linha de entendimento doutrinário, no "direito agrário, a autonomia da vontade é minimizada pelas normas de direito público (cogentes) e por isso mesmo devem prevalecer quando há uma incompatibilidade entre as normas entabuladas pelas partes e os dispositivos legais concernentes à matéria. Não é possível a renúncia das partes a certos direitos assegurados na lei tidos como indisponíveis/irrenunciáveis ou de ordem pública". E, com relação à cláusula contratual de renúncia à indenização por benfeitorias, há dispositivos legais que preveem expressamente a vedação de sua previsão. Nessa linha de raciocínio, ficando estabelecido que, no contrato agrário, deverá constar cláusula alusiva quanto às benfeitorias e havendo previsão legal no que toca ao direito à sua indenização, a conclusão é a de que, nos contratos agrários, é proibida a cláusula de renúncia à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso. REsp 1.182.967-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/6/2015, DJe 26/6/2015.  (GRIFO NOSSO)

Ainda no mesmo cenário, ao analisar o REsp  acima, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, explicou: “Ficando estabelecido que no contrato agrário deverá constar cláusula alusiva quanto às benfeitorias, e havendo previsão legal no que toca ao direito à sua indenização, a conclusão, a meu juízo, é a de que, nos contratos agrários, é proibida a cláusula de renúncia à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso.”

A decisão proferida pelo eminente Ministro é de tamanha importância que merece um aprofundamento nas razões de seu voto, onde dá ênfase na relevância social do contrato de arrendamento rural, tendo o Estatuto da Terra papel de proteção ao lavrador, que de fato é quem produz a terra e dá pleno uso e cumprimento à real função social da propriedade, valorizando e priorizando a labuta que garante segurança alimentar e geração de riqueza:

Como sabido, os contratos de direito agrário são regidos tanto por elementos de direito privado como por normas de caráter público e social, de observação obrigatória e, por isso, irrenunciáveis, tendo como finalidade precípua a proteção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva e dela extraem riquezas, conferindo efetividade à função social da propriedade.

Realmente, apesar de sua natureza privada e de ser regulado pelos princípios gerais que regem o direito comum, o contrato agrário sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer emprestar ao homem do campo, à função social da propriedade e ao meio ambiente, fazendo com que a máxima do pacta sunt servanda não se opere em absoluto nestes casos.

Tanto o Estatuto da Terra, como a Lei n. 4.947/1966 e o Decreto 59.566/1966 (que o regulamenta) dão ênfase ao princípio fundamental da irrenunciabilidade de cláusulas obrigatórias nos contratos agrários, perfazendo dirigismo contratual com fito de proteger e dar segurança às relações ruralistas.

Como se vê, estabelece a norma a proibição de renúncia, no arrendamento rural ou no contrato de parceria, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos (nos termos dos arts. 13, I, do Decreto e 13, IV, da Lei n. 4.947/1966).

Isso ocorre, fundamentalmente, porque "no direito agrário, a autonomia da vontade é minimizada pelas normas de direito público (cogentes) e por isso mesmo devem prevalecer quando há uma incompatibilidade entre as normas entabuladas pelas partes e os dispositivos legais concernentes à matéria. Não é possível a renúncia das partes a certos direitos assegurados na lei tidos como indisponíveis/irrenunciáveis ou de ordem pública (Oliveira, Marcelo Borges Proto de. Direito agrário contemporâneo. Organizador Sergio Matheus Garcez. Goiânia: Editora Vieira, 2012, p. 198).

Seguindo essa linha de intelecção é que o STJ já reconheceu que "o prazo mínimo do contrato de arrendamento é um direito irrenunciável que não pode ser afastado pela vontade das partes sob pena de nulidade" (REsp 1339432/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 23/04/2013).

Com relação à cláusula contratual de  renúncia à indenização por benfeitorias, há dispositivos legais que preveem expressamente a vedação de sua previsão.

Com efeito, por um lado, conforme sedimentado pela jurisprudência do STJ, "nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção" (Súm. 335 do STJ), seguindo o disposto no art. 35 da Lei n. 8.245/1991. Por outro, o Código do Consumidor, em sentido oposto, prevê, no art. 51, XVI, que são nulas de pleno direito as cláusulas que "possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias".

Trata-se, portanto, de disposições díspares que limitam ou vêm externar maior garantia no que tange à autonomia privada dos contratantes e que, se não houver exceção expressa, deverá prevalecer o que foi livremente pactuado.

Nesse sentido:

Compra e venda de fazenda. Ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais. Retenção por benfeitorias: renúncia. Cláusula penal.

Não há vedação para que seja contratada a renúncia do direito de retenção por benfeitorias, afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porquanto operação de compra e venda entre particulares, destacando o acórdão que não existe desequilíbrio entre as partes.

Nos termos postos pelo acórdão, que não desafiou especificamente a

questão da redução, nada impede que as partes estabeleçam cláusula  penal em torno da devolução das importâncias pagas, considerando a realidade dos autos e a ausência de impugnação quanto à redução do percentual.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 697.138/SC, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2005, DJ 23/05/2005, p. 288)

No presente caso, o recorrente, valendo-se justamente da cláusula geral para os contratos agrários que proíbe a renúncia de direitos ou vantagens, aventa ser nulo o dispositivo contratual da parceria agrícola no qual abdicou de seu direito à indenização por benfeitorias.

(...)

Deveras, a cláusula geral da função social nas avenças agrárias deve ter como diretiva a socialidade, com interpretações que busquem "a proteção do hipossuficiente, que, indubitavelmente, é retratado pelos arrendatários e parceiros-outorgados, eis que os mesmos não dispõem de nenhum poder de barganha, submetendo-se, por isso mesmo, ao completo alvedrio do outro contratante" (MACHADO, João Sidnei Duarte, op. cit., p. 82).

É de levar em conta, ainda, que os contratos agrários devem observar o preceito de "proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais" (Lei n. 4947/1966, art. 13, V).

Na hipótese, todavia, da moldura fática e das cláusulas esmiuçadas pelas instâncias ordinárias, verifico que não houve renúncia ao direito de reparação; ao revés, ao que se percebe, as partes acordaram forma de composição por meio de extensão do prazo de parceria.

4 Conclusão

Compreende-se, a partir do processo utilizado para a construção do conhecimento nesse artigo que, os Contratos Agrários possuem grande relevância no cenário legislativo nacional, eis que ainda no ano de 1964 houve a preocupação de se criar o Estatuto da Terra, onde fora avençado questões estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do Estado.

Tal preocupação das autoridades à época ganha ainda mais notoriedade no ano de 1.966, mais precisamente em 14 de novembro, com a promulgação do Decreto 59.566, cujo texto regulamentaria as Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, as quais tratam especificamente dos Contratos de Arrendamento e Parceria Rural.

Há muito ainda que avançarmos como sociedade, seja por maior conhecimento da legislação, seja por um maior acompanhamento pelo Estado nos Contratos firmados com o fito de produção agrícola, justamente por ter importante lugar na balança comercial com geração de commodities e abastecimento.

Para produção em larga escala, há a necessidade de vultosos investimentos nas propriedades rurais, aplicando tecnologia e conhecimento científico de ponta, que elevaram o Brasil ao status de “celeiro do Mundo”.

Contudo, para que haja grandes investimento, há que se ter segurança jurídica ao produtor rural não proprietário, daí a necessidade ainda nos anos 60 de se regulamentar os contratos de arrendamento rural, bem como suas benfeitorias.

Note neste ponto, que houve relevante interesse em proteger justamente aquele que de fato produz as riquezas da terra, que é a pessoa do arrendatário, conferindo-lhe não só o direito a ser indenizado das benfeitorias realizadas em propriedades de terceiros, como lhe veda a renunciá-lo, reputando nula a cláusula neste sentido, consoante decisão do STJ em Recurso Especial nº 1.182.967-RS .

A propriedade rural em nosso País é tratada como tema de relevante interesse social e econômico, não podendo ser diferente diante de nossa realidade

Portanto, é necessária a efetivação da proteção ao direito da indenização por benfeitoria, inclusive com sua retenção, que não se confundo com esbulho possessório, eis que é regulamentado e não dá o domínio ao arrendatário, apenas e tão somente lhe garante o direito de não ter frustrado todo o fruto de um trabalho bem como impede um injusto enriquecimento por parte do proprietário.

                                  

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Patrícia José de; BUAINAIN, Antônio Márcio. Os contratos de arrendamento e parceria no Brasil. Revista Direito GV, [S.l.], v. 9, n. 1, p. 319-343, jan. 2013. ISSN 2317-6172. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/20926>. Acesso em: 21 Mar. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 181.636-1, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 6 dez. 1994. Disponível em: <endereço eletrônico>. Acesso em: 18/02/2019.

RAMOS, Helena Maria Bezerra, Contrato de arrendamento rural. 2º edição. Curitiba: Juruá, 2013

NOBRE, Cézar Augusto Di Natale. Arrendamento Rural e Direitos Fundamentais: Engenharia Jurisprudencial e Tendências. KBR Editora Digital. 2016.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro / Benedito Ferreira Marques. - 11 ed. rev. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2015.


[1] NOBRE, Cézar Augusto Di Natale. Arrendamento Rural e Direitos Fundamentais: Engenharia Jurisprudencial e Tendências. KBR Editora Digital. 2016. p. 10.

[2] MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro / Benedito Ferreira Marques. - 11 ed. rev. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2015. p. 174.

[3] MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro / Benedito Ferreira Marques. - 11 ed. rev. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2015. p. 175

[4] MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro / Benedito Ferreira Marques. - 11 ed. rev. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2015. p. 184.

[5] ALMEIDA, Patrícia José de; BUAINAIN, Antônio Márcio. Os contratos de arrendamento e parceria no Brasil. Revista Direito GV, [S.l.], v. 9, n. 1, p. 319-343, jan. 2013. ISSN 2317-6172. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/20926>. Acesso em: 21 Mar. 2019.

[6] RAMOS, Helena Maria Bezerra, Contrato de arrendamento rural. 2º edição. Curitiba: Juruá, 2013. P. 42/43.

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Tema de relevância estratégica para nosso País, que tem na atividade rural parcela relevante do PIB. Somos uma Nação que preserva o direito à propriedade privada, mas que também impõe que sua utilização cumpra com a função social. Diante disso ressurge a discussão calorosa do direito à retenção das benfeitorias realizadas pelos Arrendatários. Seria uma forma de mitigar o direito à propriedade, ou seria um mecanismo de defesa à função social?

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