Legítima defesa: excesso e ofendículos

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CAPITULO III – EXCESSO E OFENDÍCULOS

3.1 Conceito de excesso

A palavra excesso tem origem no latim excessu, entendido como algo que passa dos limites ou quando há algum exagero. Segundo o Dicionário Aurélio, a palavra excesso é definida como:Substantivo masculino. 1.  Diferença para mais entre duas quantidades; 2.  Aquilo que excede ou ultrapassa o permitido, o legal, o normal: excesso de barulho; 3.  Sobra, sobejo; 4. Redundância; 5. Violência, desmando: Vive, impunemente, cometendo excessos; 6.  Extremo, cúmulo: excesso de bondade, de pobreza.”[72]

O estudo do excesso na legítima defesa faz sentido porque este instituto autorizado pelo legislador tem que fundar-se em regras. Estas regras são necessárias para que a legítima defesa caracterize-se pela resposta a uma agressão injusta e atual ou iminente a repelir e não por uma vingança pessoal, ou seja, a lei determina até onde o agredido pode ir.

Por se tratar de resposta imediata para repelir a agressão, ultrapassar qualquer dos limites estabelecidos por lei pode ser valorado como excesso, ou seja, ir além da limitação ao uso dos meios necessários e proporcionais, sendo a proporcionalidade um dos seus principais requisitos.

Para Magalhães Noronha, “Excesso significa a diferença a mais entre duas quantidades. Há, em tese, excesso nos casos de exclusão de ilicitude quando o agente, ao início sob o abrigo da excludente, em sequência vai além do necessário”.[73]

Nos dizeres de Aníbal Bruno:

6. Para que a repulsa se conserve dentro dos limites em que a defesa é legitima, há de manter aquela moderação, aquela justa, embora relativa, proporcionalidade entre o ataque e a reação. Se o agredido ultrapassa tais limites, usando meio além do necessário ou empregando-o sem a moderação devida, pode cair no chamado excesso na defesa.[74]

Encontra-se previsto na legislação vigente, no artigo 23 do Código Penal, o excesso punível, nos termos do seu parágrafo único: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”[75].

Assim, nas palavras de Victor Eduardo Rios Gonçalves:

3. Excesso (art. 23, parágrafo único). É a intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada. O excesso sempre pressupõe um início de situação justificante. A princípio o agente estava agindo coberta por uma excludente, mas, em seguida, a extrapola.[76]

E, Rogério Greco se manifesta no seguinte sentido sobre o excesso:

Raciocinemos com a legítima defesa: se alguém está sendo agredido por outrem, a lei penal faculta que atue em sua própria defesa. Para tanto, isto é, para que o agente possa afastar a ilicitude da sua conduta e ter ao seu lado a causa excludente, é preciso que atenda, rigorosamente, aos requisitos de ordem objetiva e subjetiva previstos no art. 25 do Código Penal.

Se, mesmo depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento já estará incorrendo em excesso.

Geralmente, o excesso tem início depois de um marco fundamental, qual seja, o momento em que o agente, com a sua repulsa, fez cessar a agressão que contra ele era praticada. Toda conduta praticada em excesso é ilícita, devendo o agente responder pelos resultados dela advindos. Os resultados que dizem respeito às condutas praticadas nos limites permitidos pela legítima defesa estão amparados por esta causa de justificação; os outros resultados que surgiram em virtude do excesso, por serem ilícitos, serão atribuídos ao agente, que por eles terá que ser responsabilizado.[77]

Como se observa, o excesso é sempre enfatizado pela doutrina e é assunto relevante nos dias atuais, tendo em vista que a sociedade, em sua maioria, não conhece específica e tecnicamente tais conceitos para praticá-los numa realidade de violência rotineira que torna importante essa causa de justificação.

Conforme a citação anterior de Greco é preciso que o excesso seja proibido pela lei por ser um ato indesculpável cujos resultados devem ser atribuídos ao agente, que por eles será responsabilizado porque existe um crime que a legítima defesa não justifica; ao contrário dos resultados advindos dos limites permitidos pela legítima defesa, que estão amparados.

Mas, sendo a situação complexa, deve ser apreciada com muito rigor. A violência do ataque, tendo em vista a importância do bem a resguardar, produzirá, muitas vezes, um ânimo do agredido para agir em sua defesa legitima contra agressão injusta atual ou iminente, uma determinada perturbação que não lhe consente guardar a exigida paridade entre o acometimento e a repulsa.

Há, portanto, certa relevância acerca das circunstâncias, das condições do ataque, da natureza ou da situação do bem e dos meios de que, no determinado momento, o ofendido podia dispor para repelir com eficácia a agressão injusta; ou seja, se no exato momento da repulsa, ou da defesa, o ofendido tem consigo apenas um meio excessivo para utilizar e, nas palavras de Aníbal Bruno, esse meio pode ser legitimamente empregado.[78]

A doutrina enumera vários tipos de excesso, mas a lei traz somente dois tipos: o doloso e o culposo; sendo, portanto, relevante o estudo da conduta do agente para averiguar se é dolosa ou culposa.

3.2 Os tipos de excesso

3.2.1 Excesso doloso

É muito importante determinar se a conduta do agente é dolosa ou culposa para determinar quais atos praticados estão sob a proteção da justificativa e quais não a alcançam.

O dolo está conceituado no artigo 18 Inciso I da Lei Penal Brasileira como sendo a conduta que nasce da vontade e da consciência do agente quando ele quer o resultado, agindo voluntariamente. E o excesso doloso significa que mesmo com a consciência do ilícito ele opta por ultrapassar tais limites, excedendo em sua ação.

 Tendo em vista, que o requisito da moderação dos meios é um dos principais para que configurar a legítima defesa, o que interessa é a finalidade pretendida pelo agente com sua conduta, uma vez que se a inicia usando sua vontade livre somente para a repulsa defensiva, abrigado, dessa forma, pela defesa legítima prevista pelo legislador e em seguida dolosamente se excede e extrapola os limites estabelecidos desrespeitando a regra, incorre em excesso doloso.  

Aníbal Bruno comenta de forma clara:

O excesso pode ser doloso. O agredido pode, tomado de ira, exceder consciente e voluntariamente, no emprego dos meios, os limites do necessário ou da moderação devida. Falta, então, um dos elementos do instituto, e o resultado será punido, sem mais consideração, como crime, doloso.[79]

Assim, segundo Bruno agindo o agente em plena consciência do seu ato excessivo, não é possível considerar legítima defesa, mas, sim, crime doloso.

Do mesmo modo, explana Victor Eduardo Rios Gonçalves: “a) Doloso. Descaracteriza a legítima defesa a partir do momento em que é empregado o excesso e o agente responde dolosamente pelo resultado que produzir”.[80]

Conforme a seguinte posição Jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

77. 1472059-1 (Acórdão). Relator: Naor R. de Macedo Neto; Processo: 1472059-1; Acórdão: 53171; Fonte: DJ: 1814; Data Publicação: 07/06/2016; Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal; Data Julgamento: 19/05/2016.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS SIMPLES E GRAVE. IRRESIGNAÇÃO COM CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. NÃO COMPROVAÇÃO. EXCESSO DOLOSO NA UTILIZAÇÃO DOS MEIOS NECESSÁRIOS E MODERADOS PARA REPELIR INJUSTA AGRESSÃO. RECURSO DESPROVIDO[81]

É necessária cautela e analisar a situação em partes, pois como o excesso doloso ocorre somente depois que o agredido excede a repulsa e a partir disso a legítima defesa deve ser excluída, todavia, antes de praticar tal excesso, o agente estava amparado pela causa de justificação conforme conclui Damásio E. de Jesus que o agente agredido somente poderá ser punido pelos resultados do excesso após sua ocorrência; e os resultados advindos dos atos anteriores ao excesso estarão resguardados pela legítima defesa.[82]

3.2.2 Excesso culposo

Por outro lado, existe a figura do excesso culposo (ou excesso inconsciente, ou não intencional) do agente. Assim, como no excesso doloso, o excesso culposo também se inicia por uma conduta adaptada à excludente tipificada no artigo 18, inciso ll, do Código Penal.

Ocorre que em seguida da repulsa o agente, seja por imprudência, imperícia ou negligência e sem consciência do fato, ultrapassa os limites ferindo a moderação no revide e incidindo no excesso culposo. Dessa forma, se o agente utilizar meio além do necessário, ou praticar a extensão de sua defesa por desatenção não intencional, ou por não ter tido zelo necessário para tratar a situação, nasce o excesso culposo.

Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves:

b) Culposo (ou excesso inconsciente, ou não intencional): É o excesso que deriva de culpa em relação à moderação, e, para alguns doutrinadores, também quanto à escolha dos meios necessários. Nesse caso, o agente responde por crime culposo. Trata-se também de hipótese de culpa imprópria.[83]

Aníbal Bruno expõe, ainda, outro pensamento importante sobre o tema:

Mas, no outro extremo, o excesso pode resultar sem dolo nem culpa do agredido, reduzindo-se a um puro fortuito, que não afeta a legitimidade da defesa. Pode, enfim, o agredido, por erro inescusável quanto à força real da agressão ou à violência da repulsa, penetrar no excesso, e o resultado, então, punir-se-á como crime culposo, se a espécie admitir a forma culposa. Se o erro é escusável, não funciona a causa de exclusão do injusto, mas o agente ficará isento de pena por ausência de culpabilidade.[84]

Nessa linha, existe a possibilidade de erro inescusável, ou seja, indesculpável, uma vez que o agredido age de tal forma que não é possível desculpá-lo pela atitude imoderada na repulsa e deve ser punido por crime culposo se a lei estabelecer dessa forma; e também a do erro escusável, uma hipótese de perdão a determinado fato perfeitamente desculpável, na qual o agente ficará isento de pena por ausência de culpabilidade. Então, se o excesso resultar sem dolo e sem culpa quando a imoderação não for considerável ao ponto de culpar-se o agente agredido por crime culposo, tendo em vista a hipótese de puro fortuito, ele não afeta a legítima defesa.

Rogério Greco mostra quando ocorre o excesso culposo e o define com precisão:

a) Quando o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese na qual será aplicada a regra do art. 20, § 1º, segunda parte, do Código Penal; ou b) quando o agente, em virtude da má avaliação que o cercavam, excede-se em virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação” (excesso culposo em sentido estrito).

Da mesma forma que o excesso doloso, no excesso culposo o agente responderá por aquilo que ocasionar depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra sua pessoa. Percebe-se que, nessa hipótese, podemos cogitar da chamada descriminante putativa. A situação de agressão só existia na mente do agente que, por erro quando à situação de fato, supõe que ainda será agredido e dá continuidade ao ataque. Aplica-se, portanto, no caso de excesso culposo, a regra contida no art. 20, § 1º, do Código Penal. Se o erro for escusável, haverá isenção de pena; se inescusável, responderá o agente pelas penas correspondentes ao delito culposo. É a chamada culpa imprópria.[85]

Sobre isso, a seguinte posição Jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

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13.1586452-3 (Acórdão); Relator: Miguel Kfouri Neto; Processo: 1586452-3; Acórdão: 56663; Fonte: DJ: 1970; Data Publicação: 14/02/2017; Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal; Data Julgamento: 02/02/2017.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART.121, § 2.º, I E III, DO CP). CONSELHO DE SENTENÇA VOTOU PELA DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO, POR ENTENDER QUE O RÉU AGIU COM EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. PLEITO DE NULIDADE DO JULGAMENTO, SOB A ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ACOLHIMENTO. VERSÃO DEFENSIVA ISOLADA E DESTOANTE DO CONJUNTO DE PROVAS CONSTANTE DOS AUTOS. POR OUTRO, TESE ACUSATÓRIA AMPARADA EM PROVA ORAL E PERICIAL. ÓBITO DA VÍTIMA DECORRENTE DE TRAUMATISMO CRANIANO E TORÁCICO. ALÉM DISSO, VÍTIMA APRESENTAVA MÚLTIPLAS FISSURAS PERIANAL. QUALIFICADORAS MANTIDAS. RECURSO PROVIDO, A FIM DE DETERMINAR QUE O ACUSADO RICARDO DE MELO SEJA SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO.[86]

É oportuno salientar que, da mesma forma que no excesso doloso, no excesso culposo o agente responderá por aquilo que ocasionar depois de ter feito cessar a agressão injusta, pois o excesso não provoca a exclusão total da legítima defesa.

O contexto deve ser avaliado com ressalvas, mas se não foi o agente agredido que caucionou tal situação de fato então ele se encontrava em defesa legítima da agressão que foi repelida e, por inconsciência e sem intenção, veio a se exceder-se na repulsa, ele responderá apenas por aquilo que ocasionar depois de ter feito cessar a agressão que vinha sendo praticada contra sua pessoa; se desculpável ou invencível haverá isenção de pena; se indesculpável ou vencível ele responderá pelos resultados advindos do excesso culposo, com as penas correspondentes ao do crime culposo caso haja descrição no dispositivo legal.

3.2.3 Excesso intensivo

O excesso intensivo está ligado aos requisitos indispensáveis para a configuração da legitima defesa, quais sejam: os meios empregados ou o grau de sua utilidade; e se dá no momento em que o agente que repele a agressão injusta passa agir de forma imoderada e até mesmo desproporcional à ação agressora inicial, mesmo quando poderia atuar de forma mais branda e proporcional na intensidade da conduta defensiva ainda em curso.

Para melhor compreensão deste tipo de excesso, a explicação de Rogério Greco:

“Há excesso intensivo se o agente, durante a repulsa à agressão injusta, intensifica-a imoderadamente, quando, na verdade, para fazer cessar aquela agressão, poderia ter atuado de forma menos lesiva”.

Exemplificando: Se alguém, ao ser atacado por outrem, em razão do nervosismo em que se viu envolvido, espanca o seu ofensor até a morte, pois não conseguia parar de agredi-lo, como o fato ocorreu numa relação de contexto, ou seja, não foi cessada a agressão para, posteriormente, decidir-se por continuar a repulsa, o excesso, aqui será considerado intensivo.[87]

Assim, a mera reação exagerada do agente vítima não desconfigura a justificativa, persistindo a excludente de ilicitude com base no emprego dos meios adequados mesmo que imoderadamente.

3.2.4 Excesso extensivo

Já o excesso extensivo diz respeito depois do termino do curso da conduta defensiva, ou seja, dar-se-á quando o agredido praticar a repulsa a uma agressão injusta atual ou iminente amparado pelos requisitos da legítima defesa e, depois de fazer cessar a agressão, der continuidade à repulsa quando já não mais se fazia necessário, praticando uma conduta ilícita.

Na lição de Rogerio Greco,

Diz-se extensivo o excesso quando o agente, inicialmente, fazendo cessar a agressão injusta que era praticada contra a sua pessoa, dá continuidade ao ataque, quando este já não mais se fazia necessário. O excesso extensivo ocorre quando o agente, tendo atuado nos limites impostos pela legítima defesa, depois de ter feito cessar a agressão, dá continuidade à repulsa praticando, assim, uma conduta ilícita.

Exemplificando: Agora, se alguém, após ter sido agredido injustamente por outrem, repele essa agressão e, mesmo depois de perceber que o agressor havia cessado o ataque porque a sua defesa fora eficaz, resolve prosseguir com os golpes, pelo fato de não mais existir agressão que permita qualquer repulsa, o excesso será denominado extensivo.[88]

O excesso extensivo, também chamado de excesso na causa por alguns doutrinadores, ocorre quando o agente dá continuidade à repulsa e pratica uma conduta ilícita.

Nessa modalidade de excesso, o agente inicialmente defende-se e sem que cometa excesso, consegue cessar a agressão de forma legal e eficiente e amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa; mas depois, mesmo sabendo que sua conduta inicial já havia feito cessar a agressão sofrida, o agente dá continuidade ao ataque e prossegue atuando, caracterizando o excesso extensivo.

Mas, Damásio E. de Jesus retrata uma possibilidade de simulação de legitima defesa como pretexto para justificar a desproporção da agressão, conforme:

Difere do excesso extensivo (excesso na causa), hipótese em que o autor simula uma situação de legítima defesa (pretexto de justificação) ou há desproporção entre a agressão e a reação. (Ex.: morte de uma criança que, na feira, estava furtando uma maça). Neste caso, o excesso extensivo exclui as características de legítima defesa.[89]

Nessa hipótese de simulação, como esclarece Damásio, o excesso extensivo exclui as características e a excludente da legítima defesa inicial.

3.3 Ofendículos

Apesar da nomenclatura pouco utilizada ou ouvida, pode-se dizer a Doutrina dá ênfase aos ofendículos por serem tema de grande significado e relevância que se encontra no dia a dia da vida das pessoas, sendo questão pertinente a utilização efetiva e legal das ofendículas ou offendiculum, que na língua pátria se traduz por ofendículos, significando obstáculo, impedimento ou tropeço.

Tendo em vista, o significativo aumento da violência, a sociedade e os cidadãos utilizam cada vez mais de meios próprios para protegerem a si mesmos e aos seus bens, providenciando em suas casas obstáculos, tropeços e armadilhas com a finalidade de impedir ou interromper ações de agentes delituosos, tornando-os um recurso importante para a proteção efetiva do patrimônio particular.

E como o direito à propriedade está garantido no ordenamento jurídico brasileiro, podendo perfeitamente ser protegida contra qualquer ameaça de atrapalho, a utilização dos referidos recursos para sua defesa incide na esfera da exclusão de ilicitude.

Na visão de Rogerio Greco o esclarecimento: “(...) entendemos que os ofendículos não se prestam somente à defesa do patrimônio, mas também à vida, à integridade física etc., daqueles que os utilizam como artefato de defesa”.[90]

Entende-se que os ofendículos são os instrumentos utilizados para tal finalidade, que na maioria das vezes são arames farpados, cacos de vidro, corrente elétrica e vários outros. Além de objetos, também são assim denominados os cães como animais de guarda, ou seja, todos aqueles aparatos para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça.

Neste sentido e na mesma linha de pensamento, explica claramente Damásio E. De Jesus:

Ofendículos significa obstáculos, impedimentos ou tropeços. Em sentido jurídico, significa aparato para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça. Ex.: cacos de vidro no muro, ponta de lança na amurada, armas de fogo que disparam mediante dispositivo predisposto, corrente elétrica na maçaneta da porta, corrente elétrica na cerca, células fotoelétricas que acendem luzes e automaticamente fecham portas, dispositivos eletrônicos que liberam gases, arame farpado no portão etc.[91]

A título de conceito também diz Guilherme de Souza Nucci:

Questão importante diz respeito aos ofendículos (ou ofendículas). Proveniente o termo da palavra offendiculum, que quer dizer obstáculo, impedimento, significa o aparelho, engenho ou animal, utilizado para a proteção de bens e interesses. São autênticos obstáculos ou impedimentos posicionados para atuar no momento da agressão alheia.[92]

E nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt:

Offendiculas são as chamadas defesas predispostas, que, de regra, constituem-se de dispositivos ou instrumentos objetivando impedir ou dificultar a ofensa ao bem jurídico protegido, seja patrimônio, domicílio ou qualquer outro bem jurídico. Há, no entanto, autores que distinguem os ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os ofendículos seriam percebidos com facilidade pelo agressor, como fragmentos de vidros sobre o muro, ponta de lanças, grades, fossos etc., que representam uma resistência normal, natural, prevenindo quem tentar violar o direito protegido. As defesas mecânicas predispostas, por sua vez, encontrar-se-iam ocultas, ignoradas pelo suposto agressor, como, por exemplo, armas automáticas predispostas, cercas eletrificadas ou qualquer tipo de armadilha pronta para disparar no momento da agressão.[93]

Tenha-se presente que a discussão maior a respeito dos ofendículos está na sua natureza jurídica, sendo um motivo de grandes divergências entre doutrinadores. Alguns consideram que a utilização dos ofendículos representa uma situação de legítima defesa; outros entendem que é exercício regular de direito, gerando outra excludente de ilicitude.

Segundo a doutrina tradicional e minoritária, a predisposição dos referidos aparatos (ofendículos) constitui exercício regular de direito, ao passo que a doutrina majoritária e mais atual os classifica no campo da legítima defesa (preordenada), ou defesa mecânica predisposta.

As críticas da corrente majoritária, que defende a teoria do exercício regular de um direito, à tradicional se radicam principalmente na suposta ausência dos requisitos da legítima defesa como a atualidade da agressão e a moderação da repulsa e, ainda, na questão da exigência da vontade de defesa, que deve estar presente no momento da agressão; dizendo que os ofendículos podem ser percebidos facilmente pelo agressor, como cacos de vidros, por exemplo, que representam uma resistência normal, notória e conhecida.

Aqueles que defendem que a utilização de tais aparatos tem natureza jurídica de legítima defesa (preordenada) asseveram que estes funcionam em face de uma agressão, ou seja, nada mais são que uma repulsa a um ataque que encontra-se oculta, despercebida pelo agressor; um exemplo são as armas automáticas predispostas. Assim se posiciona Damásio E. De Jesus, conforme:

Há doutrinadores que distinguem os ofendículos da defesa mecânica predisposta. Para eles, os ofendículos podem ser percebidos facilmente pelo agressor, como os cacos de vidro sobre a amurada, pontas de lança etc., que opõem uma resistência normal, notória e conhecida, que advertem, prevenindo, a quem tenta violar o direito alheio. Nestes casos, afirmar, o sujeito se encontra no exercício regular de um direito, aplicável ainda na hipótese de resultados danosos produzido na pessoa do violador. Pelo contrário, nas hipóteses de defesa mecânica predisposta, o aparato se encontra oculto, ignorado pelo atacante, como no caso da cerca eletrificada, e disso resulta geralmente a sua eficácia. Em face disso, afirmam, os casos devem ser resolvidos nos termos da legítima defesa, desde que presentes os seus requisitos. Para nós, porém, nos dois casos é mais correta a aplicação da justificativa da legítima defesa. A predisposição do aparelho, de acordo com a doutrina tradicional, constitui exercício regular de direito. Mas, quando funciona em face de um ataque, o problema é de legítima defesa preordenada, desde que a ação do mecanismo não tenha início até que tenha lugar o ataque que a gravidade de seus efeitos não ultrapasse os limites da excludente da ilicitude. A agressão injusta ocorre, v.g., quando o ladrão tenta forçar a fechadura da porta interna da residência.

A solução das várias hipóteses depende do caso concreto. Assim, se o proprietário eletrifica a maçaneta da porta da rua, responde pelo resultado produzido em terceiro que a toque (a título de culpa ou dolo). Se eletrifica a maçaneta de uma porta interna contra ataque de ladrão, encontra-se em legítima defesa. Se o dono de uma fazenda eletrifica a cerca de local onde passam crianças, responde pelo resultado causado em algumas delas. Se, satisfeitos os requisitos da justificativa há ferimento em terceiro inocente, trata-se de legítima defesa putativa.[94]

Cezar Roberto Bitencourt também se posiciona nesse sentido:

Na verdade, acreditamos que a decisão de instalar os ofendículos constitui exercício regular de direito, isto é, exercício do direito de autoproteger-se. No entanto, quando reage ao ataque esperado, inegavelmente, constitui legítima defesa preordenada. Adotamos esse entendimento uma vez que oferece melhores recursos para análise de cada caso concreto, diante da necessidade dos diversos requisitos da legítima defesa.[95]

Cumpre lembrar que independentemente de sua natureza jurídica, terão os ofendículos que estar de acordo com os preceitos legais e requisitos exigidos de ambas as características, meios adequados e moderados, portanto exige-se redobrada atenção no seu uso, dado que os danos causados a título de excesso serão de responsabilidade de quem se utilize dos ofendículos; pois quando se trata de legítima defesa, para total amparo da excludente,  a cautela terá que ser tomada diante dos requisitos exigidos a sua configuração. Tudo, no entanto, vai depender da análise sistemática do caso em concreto.

A título de informação, primeiramente verifique se existe uma lei municipal ou estadual sobre cerca elétrica. Se não houver nenhuma legislação sobre o tema em sua região se oriente pelo projeto de lei 3.080 de 2008, a legislação dispõe sobre a instalação e manutenção de cercas eletrificadas e dá outras providências:

Art. 2º Os serviços de projeto, implantação e manutenção da cerca eletrificada deverão ser realizados por empresa ou profissional legalmente habilitado, nos termos da Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, que regula o exercício da profissão de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo, e as instalações deverão observar as seguintes exigências: I - o primeiro fio eletrificado deverá estar a uma altura compatível com a finalidade da cerca eletrificada, sendo que em áreas urbanas deverá ser observada uma altura mínima de dois metros e dez centímetros entre o primeiro fio eletrificado e o piso externo à cerca; II - o equipamento instalado para energizar a cerca deverá prover choque pulsativo em corrente contínua, com amperagem que não seja mortal, observados os seguintes limites máximos: a) tensão: 11.000 V. (onze mil Volts); 2 b) corrente: 5 mA (cinco miliampéres); c) duração do pulso: 10 mseg. (dez milisegundos); III – fixação na cerca eletrificada, em lugar visível, de placas de aviso que alertem sobre o perigo iminente de choque e que contenham símbolos que possibilitem a sua compreensão por pessoas analfabetas; IV – a manutenção das instalações deverá ser realizada em intervalo de tempo não superior a doze meses, contados a partir da implantação da cerca eletrificada ou da realização da manutenção anterior; V – É vedada a instalação de cercas eletrificadas a menos de três metros de recipientes de gás liquefeito de petróleo, conforme NBR 13523 (Central Predial de GLP – Gás Liquefeito de Petróleo) da ABNT. Parágrafo único. As placas de aviso citadas no inciso III deste artigo devem ser visíveis em ambos os lados da cerca eletrificada e instaladas, no mínimo, a cada quatro metros de distância, quando a cerca eletrificada se encontrar ao lado de via pública, e a cada dez metros, nas demais hipóteses, possuindo as dimensões mínimas de quinze centímetros de altura por trinta centímetros de largura.[96]

Portanto, conforme o que segui, o seu artigo segundo da referida lei, disciplina as normas básicas que deverão seguir os denominados ofendículos: cerca elétrica. Assim, o proprietário que se utilizará desses aparatos terá que ficar atento em utilizar conforme a legislação, tendo que tomar determinadas precauções, sendo que, quando for contratar uma empresa que instalam esses objetos, tomar nota que a mesma segui rigorosamente as regras determinadas e que são profissionais, para que não esteja mau instaladas e vindo a exceder o permitido no momento de seu funcionamento.

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Sobre o autor
Alison Henrique Gabelone de Paula

Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE) - 2017.

Informações sobre o texto

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