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Inconstitucionalidade material da PEC 6/2019

06/04/2019 às 19:28
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A PEC 6/2019, intitulada de reforma da previdência, afronta os princípios constitucionais da segurança jurídica, do direito adquirido e acumulado, além do ato jurídico perfeito.

I- Breve histórico.

Pela regra atual da previdência referente ao servidor público federal, a paridade remuneratória e a integralidade no cálculo dos proventos são devidas ao servidor que ingressou no serviço público antes da Emenda Constitucional 41/2003, desde que observadas as regras de transição previstas nos arts. 2° e 3° da EC 47/2005.

Com a redação trazida  na PEC 6/2019, intitulada de reforma da Previdência, foi suprimida a regra de transição, os servidores que ingressaram até 31 de dezembro de 2003 só terão direito a aposentadoria com o último salário (integralidade) e reajustes iguais aos da ativa (paridade), caso cumpram as idades mínimas de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens.

 Verifica-se que os servidores que ingressaram antes de dezembro de 2003, data da última reforma previdenciária, terão que cumprir requisitos que não estavam previstos, como a adoção de uma idade mínima e a elevação dos pontos necessários para a inatividade (soma da idade com o tempo de contribuição).

Como visto, o projeto exclui as regras transitórias previstas na reforma de 2003 e nas alterações previstas em 2005. Como o somatório de idade e tempo já começa a crescer ano que vem (caso seja aprovada), quem está chegando na casa dos 50 anos vai acabar tendo de ficar até a idade mínima de  62 anos, para mulheres, e 65 anos, para homens.

Ou seja, os servidores que ingressaram até 31 de dezembro de 2003 só terão direito a aposentadoria com o último salário (integralidade) e reajustes iguais aos  da ativa (paridade) CASO CUMPRAM AS IDADES MÍNIMAS DE 62 ANOS PARA MULHERES E 65 ANOS PARA HOMENS.

PEC 06/2019:

(...)

CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS RELACIONADAS AOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL Recepção da Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, e disposições transitórias aplicáveis aos benefícios até a edição de lei complementar de que trata o § 1º do art. 40 da Constituição 25 Art. 12. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o § 1º do art. 40 da Constituição, aplicam-se as normas gerais de organização e de funcionamento, de responsabilidade previdenciária na gestão dos regimes próprios de previdência social e de benefícios previdenciários estabelecidas  pela Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, que será recepcionada com força de lei complementar, e o disposto neste artigo.

(...)

§ 3º Os servidores públicos abrangidos por regime próprio de previdência social serão aposentados:

I - voluntariamente, observados, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) sessenta e dois anos de idade, se mulher, e sessenta e cinco anos de idade, se homem; e b) vinte e cinco anos de contribuição, desde que cumprido o tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e de cinco anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria;

II - por incapacidade permanente para o trabalho, no cargo em que estiver investido, quando insuscetível de readaptação, hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão da aposentadoria; ou

III - compulsoriamente, aos setenta e cinco anos de idade. § 4º Os servidores públicos com direito a idade mínima ou tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria a que se refere a alínea “e” do inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição poderão se aposentar, observados os seguintes requisitos:

(…)

Art. 46. Ficam revogados:

I - os seguintes dispositivos da Constituição:

a) os § 18, § 19, § 20 e § 21 do art. 40; e b) os § 12 e § 13 do art. 201;

II - os seguintes dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998: a) o art. 9º; b) o art. 13; e c) o art. 15;

III - os seguintes dispositivos da Emenda Constitucional nº 41, de 2003: a) o art. 2º; b) o art. 6º; e c) o art. 6º-A; e IV - o art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 2005. Art. 47. Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.

(grifamos)


II – A  regra de transição tem natureza jurídica de direito adquirido.

Podemos afirmar que a supressão das regras de transição previstas na Emenda Constitucional 41/2003 e nos arts. 2° e 3° da EC 47/2005, pela  PEC 6/2019 fere o disposto o artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal, vez que afronta os princípios constitucionais da confiança, da solidariedade, da responsabilidade e da segurança jurídica

Com efeito, a Constituição pode ser modificada formalmente (do que se deduz a possibilidade de alteração do texto constitucional no âmbito do processo legislativo) por meio de emendas, as quais podem ser efetivadas por meio de iniciativa dos  legitimados elencados na CF.

Porém, na elaboração das emendas à Constituição, o constituinte derivado (Congresso Nacional) tem de observar as limitações implícitas e as expressas, sendo que estas últimas compreendem: a) as limitações circunstanciais (cuidam de evitar modificações na Constituição em períodos de anormalidade social ou política – estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal, art. 60, § 1º); b) as limitações procedimentais ou formais, segundo as quais o órgão do poder de reforma há de proceder com respeito a certas regras expressamente delineadas pela própria Constituição e referentes ao processo legislativo (art. 60, I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º); c) as limitações materiais (o constituinte originário determinou a exclusão de certas matérias da incidência do poder de reforma; são as denominadas cláusulas pétreas, invulneráveis à mutação por meio de emendas – art. 60, § 4º). (CABRAL, Francisco de Assis, Do processo Legislativo, in: Constituição federal interpretada: Artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, Coord. de Anna Cândida da Cunha Ferraz e Costa Machado, editora manole, 10ª edição: 2019).

Dito isto, verifica-se que as regras de transição propostas para o trabalhador/servidor ter direito à aposentadoria no Texto enviado ao Congresso têm três opções para os trabalhadores do regime geral e APENAS UMA REGRA PARA OS SERVIDORES ATÉ INÍCIO DA IDADE MÍNIMA DE 62 ANOS MULHER E 65 HOMEM, fato esse que fere princípio da isonomia, da segurança jurídica e da razoabilidade.

Conforme observa Damares Medina, o segurado que contribui para usufruir no futuro, precisa ter a certeza de que as mudanças irão proteger proporcionalmente o que já ocorreu na relação previdenciária, o tempo que ele já contribuiu, sob pena de ver a previdência e a seguridade social transformadas em pura insegurança social.

A natureza jurídica dos direitos previdenciários impõe que a alteração do regime jurídico seja acompanhada, sempre, de uma regra de transição que permita a preservação das situações jurídicas individuais legalmente constituídas, quando da vigência do regime jurídico revogado. Portanto, a regra de transição em matéria previdenciária é uma imposição principiológica em apreço ao instituto da segurança das relações jurídicas e do ato jurídico perfeito.

A não previsão de regras de transição que visem à garantia das situações em curso na mudança ou alteração do regime previdenciário, importa na aplicação retroativa da alteração e em consequente violação aos princípios, já referidos, da segurança jurídica, do direito adquirido e acumulado e do ato jurídico perfeito.

Importante destacar, ainda, que, como o nome bem diz, as regras de transição possuem o objetivo de efetuar a transição das situações jurídicas consolidadas sob a égide do regime antigo para a vigência do novo regime, sem a violação de garantias individuais. Por isso, as regras de transição em matéria previdenciária levarão em consideração, necessariamente, as condições individuais dos sujeitos de direito envolvidos, como o tempo de serviço, dentre outras, conforme já destacado.

As regras de transição não estabelecem regime jurídico, mas instituem relação jurídica de transição que, em razão de sua natureza especifica, merece ser individualizada e protegida. Tal proteção se dá, ainda, mediante a cristalização no tempo da relação jurídica tutelada, com a sua consequente incorporação ao patrimônio jurídico subjetivo dos destinatários da regra, tendo em vista o esgotamento do seu objeto: assegurar a transição razoável, em obediência ao princípio da segurança jurídica.

Em razão de seu objeto específico e de sua eficácia pré-determinada, as regras de transição, uma vez instituídas, não podem mais ser alteradas, pioradas ou suprimidas, pelo simples fato de uma transição que era ‘boa e razoável’ em 1998, não mais o ser em 2003, apenas a título de ilustração.

Por fim, verifica-se que as regras de transição antepõem-se às leis em geral, na medida em que instituem uma relação jurídica determinada e específica. O regime jurídico é, necessariamente, geral e abstrato. As regras de transição, por sua vez, são direcionadas e específicas, destinadas a assegurar determinados direitos a indivíduos discriminados, esgotando-se em si próprias, conforme amplamente explicitado.

As regras de transição viabilizam a alteração do regime jurídico, sem a violação a direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, as regras de transição em matéria previdenciária propiciam a contagem do tempo de serviço ou de contribuição prestado antes da alteração do regime de forma diferenciada, de acordo com a situação individual do segurado (MEDINA, Damares. Regras de transição em matéria previdenciária, in: https://jus.com.br/artigos/29171/regras-de-transicao-em-materia-previdenciaria).

A propósito do tema em discussão, o STF firmou entendimento no sentido de que a paridade remuneratória e a integralidade no cálculo dos proventos são devidas ao servidor que ingressou no serviço público antes da Emenda Constitucional 41/2003, desde que observadas as regras de transição previstas nos arts. 2° e 3° da EC 47/2005.

Confira-se nesse sentido, o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO POR ATIVIDADE DE MAGISTÉRIO, INSTITUÍDA PELA LEI COMPLEMENTAR 977/2005, DO ESTADO DE SÃO PAULO. PARIDADE ENTRE A REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS QUE INGRESSARAM NO SERVIÇO PÚBLICO ANTES DA EC 41/2003. APOSENTADORIA APÓS A REFERIDA EMENDA. TEMAS 26 E 139 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I - As razões do agravo regimental são inaptas para desconstituir os fundamentos da decisão agravada, que, por isso, se mantêm hígidos. II - O acórdão recorrido não diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do RE 567.110, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, julgado sob a sistemática da repercussão geral, reafirmou o entendimento firmado no julgamento da ADI 3.817 no sentido de a Lei Complementar 51/1985 ter sido recepcionada pela Constituição Federal (Tema 26). III – Este Tribunal firmou orientação no sentido de que a paridade remuneratória e a integralidade no cálculo dos proventos é devida ao servidor que ingressou no serviço público antes da Emenda Constitucional 41/2003, desde que observadas as regras de transição previstas nos arts. 2° e 3° da EC 47/2005. Esse entendimento foi consolidado no julgamento do RE 590.260-RG (Tema 139). IV - É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever o conjunto fático-probatório e as normas infraconstitucionais locais, o que atrai a incidência das Súmulas 279 e 280/STF. A afronta à Constituição, se ocorresse, seria apenas indireta. V - Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa (art. 1.021, § 4°, do CPC). Decisão A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, com aplicação de multa (art. 1.021, § 4°, do CPC), nos termos do voto do Relator. Segunda Turma, Sessão Virtual de 23.11.2018 a 29.11.2018. (AARE 1129998 AgR/S) AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO-Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKIJulgamento:  30/11/2018 Órgão Julgador:  Segunda Turma Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-262  DIVULG 05-12-2018  PUBLIC 06-12-2018)

Conforme adverte Paulo Modesto e outros, a regra de transição não contempla um simples período adicional proporcional, popularmente denominado de pedágio, buscando assegurar  a proteção da confiança de quem tem muitos anos de contribuição e pouca idade, prejudicando aquele que ingressou jovem no mercado de trabalho e contribui há mais de 25 ou 30 anos e que planejou sua vida previdenciária:

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Essas pessoas estão sujeitas a um regime de transição desde a Emenda Constitucional 20/98, alterada pela Emenda Constitucional 41/2003[3], as quais empregaram o chamado pedágio para aposentadoria como regra de transição, certo que o critério eleito pelo poder constituinte reformador foi de 20% do tempo que da data da promulgação de emenda faltaria para atingir o limite (artigo 9º, parágrafo 1º, “b” da Emenda Constitucional 19/98 e artigo 2º, III, “b”, da Emenda Constitucional 41/2003).

Algumas dessas pessoas estão há cinco ou dez anos da aposentadoria e merecem respeito à confiança, posto que algumas estão sujeitas a regime de transição há 21 anos, aproximadamente. Regras de transição são normas de passagem, pontes temporais que se esgotam com o implemento da situação que regulam. O legislador reformador não pode alterar ou suprimir regras de transição por meio de novas regras de transição posteriores, sobretudo sem considerar — proporcionalmente — a eficácia passada da norma de transição implementada.

(..)

As disposições transitórias — como normas excepcionais e provisórias — cumprem o papel de pacificar e conciliar expectativas em sucessões normativas, assentando em marcos temporais precisos o planejamento de indivíduos, agentes públicos e econômicos. Se não há certeza sobre a vigência no tempo de normas constitucionais transitórias, como é possível projetar o futuro? Por isso, caracteriza forma qualificada de deslealdade normativa a alteração retroativa (aditiva, modificativa ou revogadora) ou retrospectiva (sobretudo em relações de longa duração) de norma constitucional transitória”[4].

Se o reformador o faz, viola a segurança jurídica de modo grave e inconstitucional. É dizer: no mínimo, em situações de transição, a PEC 6/2019 deveria adotar pedágio proporcional ao tempo que falta para os agentes preencherem todos os requisitos à aposentação.

Portanto, sem a adoção de parâmetros de proporcionalidade claros, temos que a regra de transição adotada pela proposta de emenda à Constituição da Previdência é injusta e não razoável, violando o princípio da proteção da confiança, um dos elementos da segurança jurídica, essencial no Estado Democrático de Direito, que possui dimensão tanto institucional como individual, afigurando-se direito e garantia fundamental (artigo 60, parágrafo 4º, IV da Constituição). As normas de transição da PEC 6/2019 devem sofrer ajustes e adaptações para respeitar tais mandamentos.” (Conjur)

O repórter José Luiz Datena foi até a casa do presidente Jair Bolsonaro no dia 5/11/2018 [6] e lá obteve o seu compromisso em termos da reforma previdenciária, nos seguintes termos:

Todo mundo diz que nós devemos honrar os nossos contratos, não é isso, nós temos um contrato com o aposentado, com quem está na iminência de se aposentar e com quem está trabalhando, você vai mudar uma regra no meio do caminho, então você não pode simplesmente mudar sem levar em conta que tem um ser humano que está ali e que vai ter a sua vida completamente modificada. (...) fazendo acertos de forma gradual, você atinge o mesmo objetivo sem colocar em risco e sem levar pânico à sociedade.

Portanto, esperamos que exista coerência entre o discurso e a ação, garantindo-se voz aos segmentos da sociedade que serão impactados pela reforma que se avizinha, garantindo-se voz à sociedade e a seus representantes, garantindo-se a formação de uma cognição exauriente dos agentes políticos envolvidos e garantindo-se regras de transição proporcionais e justas, que respeitem o princípio da proteção da confiança. Enfim, honrando-se a palavra empenhada, não há o que se temer e certamente alcançaremos uma reforma previdenciária efetiva e justa, à altura do nosso tempo.” (Regra de transição adotada pela PEC da Previdência é injusta e irrazoável, por Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Paulo Modesto e Rafael Miranda Gabarra, Conjur 22/02/2019)

No julgamento da ADI 4429, o Plenário do STF, o Relator, rel. Min. Marco Aurélio, consignou que, embora possível a alteração do regime jurídico em âmbito previdenciário, não caberia levar às últimas consequências essa admissão. Reputou que a relação jurídico-previdenciária seria tipicamente de longa duração.

Consignou que, embora possível a alteração do regime jurídico em âmbito previdenciário, não caberia levar às últimas consequências essa admissão. Reputou que a relação jurídico-previdenciária seria tipicamente de longa duração. Desse modo, o participante de um plano de previdência, normalmente, só desfrutaria do benefício após extenso período de contribuição. Concluiu que a desvinculação de um plano de previdência, depois de determinado período, resultaria em prejuízo ao participante quando comparada à permanência, ainda que contribuições fossem resgatadas. Por outro lado, sublinhou que, como toda relação jurídica de longa duração, a previdenciária seria, de certo modo, aberta, por ser impossível prever, desde logo, todas as mudanças passíveis de desequilibrar o vínculo e exigir adaptação.Portanto, a expectativa de alguma modificação de regras para restabelecer o equilíbrio entre direitos e obrigações seria implícita, fosse a relação de natureza contratual, fosse estatutária. Assentou que a adequação, no entanto, não poderia olvidar princípios como os da confiança, da solidariedade, da responsabilidade e da segurança. Dessa forma, a modificação da realidade, por mais grave, não se poderia impor à força da Constituição. Admitiu a alteração ou supressão de certo regime jurídico, mas afastou a colocação em segundo plano de direitos adquiridos e de situações subjetivas já reconhecidas. ADI 4291/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 14.12.2011. (ADI-4291) Informativo 4429

Quanto às regras de transição, torna-se imperioso sua aplicabilidade e  manutenção,  por já se encontrarem  incorporadas  ao patrimônio do servidor, foi  nesse sentido que votou o  ministro Edson Fachin (relator) no julgamento ADI 5039/RO, consignando que a Emenda Constitucional 41/2003 não suprimiu paridade e integralidade por completoOs artigos 2º e 3º da Emenda Constitucional 47/2005 previram regra transitória que manteve esses direitos para os servidores que houvessem ingressado no serviço público até a publicação da Emenda Constitucional 41/2003, desde que cumpridas condições estabelecidas em ambas as emendas:

“O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra os artigos 45, § 12 e 91-A, §§ 1º, 3º, 4º, 5º e 6º1 da Lei Complementar 432/2008, com a redação conferida pela Lei Complementar 672/2012, ambas do Estado de Rondônia, que dispõem sobre regras especiais de aposentadoria e pensão aos servidores públicos ocupantes do cargo de policial civil. O ministro Edson Fachin (relator) conheceu parcialmente da ação e, no mérito, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do § 12 do art. 45 e dos §§ 1º, 4º, 5º e 6º do art. 91-A da lei impugnada. O relator não conheceu da ação quanto ao § 3º do art. 91-A da lei estadual, por deficiência de fundamentação quanto à possível violação à Constituição Federal (CF). O relator afirmou a compatibilidade do “caput” do art. 45 da norma estadual com a CF e a Lei federal 10.887/2004, que dispõe sobre a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores públicos federais. Entretanto, entendeu que o § 12 desse dispositivo estadual garantiu aos policiais civis do Estado de Rondônia a manutenção da paridade entre os proventos dos aposentados e os servidores da ativa, em violação ao § 8º do art. 40 da CF, na redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional 41/2003, vigente quando da edição da lei ora impugnada, a qual substituiu a paridade pela determinação quanto ao reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real. A citada Emenda Constitucional 41/2003 também extinguiu a integralidade, que consiste na possibilidade de o servidor se aposentar com os mesmos valores da última remuneração percebida quando em exercício no cargo efetivo por ele titularizado no momento da inativação. O atual regramento a respeito do cálculo do valor da aposentadoria, disposto na Lei federal 10.887/2004, consiste na aplicação de fórmula matemática, que observa o disposto no § 3º(2) do art. 40 da CF, por meio da qual se obtém a média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição correspondentes a todo o período contributivo do servidor. Por isso, o § 1º do art. 91-A da lei estadual ofende a Constituição Federal por garantir a paridade, mas não quando garante proventos integrais, porque a Constituição e a Lei Complementar 51/1985 reconhecem o direito ao pagamento de proventos integrais aos servidores que se aposentem voluntariamente depois de cumprido o tempo de contribuição mínimo fixado em lei, dispensada a idade mínima para os policiais civis, por se enquadrarem na exceção do art. 40, § 4º, II, da CF, consoante reiterada jurisprudência da Corte. O relator observou que o mesmo raciocínio não se aplica aos §§ 5º e 6º do art. 91-A, da lei estadual que expressamente preveem a integralidade, em contrariedade do § 3º do art. 40 da CF. Ressaltou que a Emenda Constitucional 41/2003 não suprimiu paridade e integralidade por completo. Os artigos 2º e 3º da Emenda Constitucional 47/2005 previram regra transitória que manteve esses direitos para os servidores que houvessem ingressado no serviço público até a publicação da Emenda Constitucional 41/2003, desde que cumpridas condições estabelecidas em ambas as emendas. Contudo, a lei impugnada não trouxe qualquer regra de transição que garantisse o direito adquirido de aposentados ou pensionistas ou dos servidores públicos que tivessem ingressado no regime próprio até a data da publicação da Emenda Constitucional 41/2003. ADI 5039/RO, rel. Min. Edson Fachin, pendente de julgamento  (ADI-5039)  Informativo nº 903.”

Oportuno ressaltar que a questão do direito adquirido ao regime jurídico do servidor é tema pacífico na jurisprudência do STF, no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. Contudo, não se pode confundir o fato inteiramente realizado que nasce um  direito, que se incorpora imediatamente ao patrimônio  do servidor, ou seja,  regra jurídica  de transição prevista  nos artigos 2º e 3º da Emenda Constitucional 47/2005 previu regra transitória que manteve esses direitos para os servidores que houvessem ingressado no serviço público até a publicação da Emenda Constitucional 41/2003,   consubstanciando direito adquirido que a lei (emenda) posterior não pode desrespeitar.

No julgamento da  ADI 3133/DF, o então Presidente da Corte asseverou que os direitos adquiridos desde o início da vigência da Constituição até a data da EC 41/2003 não poderiam ser alcançados por uma norma constitucional superveniente, editada pelo constituinte derivado.

A Corte examinou o art. 5º da EC 41/2003. A respeito, não se conheceu do pedido, em razão de inobservância do que exigido no art. 3º, I, da Lei 9.868/99. Após, em relação ao art. 9º da EC 41/2003 (“Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”), a relatora e os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes julgaram a pretensão procedente, para dar interpretação conforme ao preceito, de modo que ele seja interpretado no contexto da emenda. O Min. Gilmar Mendes salientou que esse artigo seria norma expletiva, a enfatizar a existência do limite imposto pelo art. 37, XI, da CF. Evitar-se-ia, então, que o teto fosse superado, independentemente do regime a que o servidor estivesse submetido: anterior ou posterior à EC 41/2003. De outro lado, os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso de Mello e Presidente julgaram procedente o pedido. O Presidente asseverou que os direitos adquiridos desde o início da vigência da Constituição até a data da EC 41/2003 não poderiam ser alcançados por uma norma constitucional superveniente, editada pelo constituinte derivado. Assim, o art. 9º da aludida emenda seria inconstitucional na medida em que determina a aplicação do art. 17 do ADCT (“Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. ... § 1º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta. ... § 2º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta”) a situações estabelecidas na vigência da Constituição, portanto não transitórias. A respeito, o Min. Celso de Mello lembrou que emendas constitucionais não poderiam ofender o direito adquirido, por limitação material imposta pelo art. 60, § 4º, IV, da CF (“§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... IV - os direitos e garantias individuais”). O Min. Ricardo Lewandowski apontou que o art. 9º da EC 41/2003 abrangeria apenas situações anteriores à CF/88, de modo que a menção expressa ao art. 17 do ADCT — referente a eventos pretéritos — seria uma séria deficiência técnica na redação do dispositivo. Destacou, ainda, que a mantença desse artigo na ordem jurídica poderia implicar conflito interpretativo com o art. 3º da EC 41/2003. ADI 3133/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.9.2011.(ADI-3133). 

Portanto, podemos afirmar que as REGRAS DE TRANSIÇÃO CRIAM RELAÇÃO JURÍDICA QUE NÃO SE CONFUNDE COM REGIME JURÍDICO. A relação jurídica de transição é sempre específica, determinada e esgota o seu objeto no momento de sua criação. As regras de transição criadas pela EC nº 20/98, exemplificativamente, esgotaram o seu objeto no momento de sua criação (16.12.1998), na medida em que, após o evento publicação, nenhum outro sujeito de direito além dos já determinados por ela, poderiam se enquadrar em suas hipóteses (Damares Medina, Regras de transição em matéria previdenciária, in: https://jus.com.br/artigos/29171/regras-de-transicao-em-materia-previdenciaria).


III  - Conclusão

Por todas essas razões, as regras de transição criam um direito subjetivo que se incorpora imediatamente ao patrimônio jurídico de seu destinatário, não podendo mais ser alteradas, o que permite a cristalização da relação jurídica de transição.

Dito de outro modo, o princípio é este: assegurada a regra de transição, o direito, dele resultante, incorpora-se, desde logo, no patrimônio do servidor público, independentemente da atualidade de outros direitos. Logo, lei (emenda) posterior não poderá dar como inexistente o fato, ou tirar-lhe a qualificação de direito adquirido.

Como dito, no caso dos servidores públicos, haverá apenas uma transição própria, que vai  considerar a soma de uma idade mais o tempo de contribuição, ou seja,  não estabelece regras de transição (pedágio) para os servidores que ingressaram no serviço público antes de 1988, contrariando princípios constitucionais que, se não forem afastados no exame de controle político de constitucionalidade exercido por essa egrégia CCJ, maculará a PEC 65 do insanável vício de inconstitucionalidade material.


Referência bibliográfica.                       

CABRAL, Francisco de Assis, Do processo Legislativo, in: Constituição federal interpretada: Artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, Coord. de Anna Cândida da Cunha Ferraz e Costa Machado, editora manole, 10ª edição: 2019.                                              

MEDINA, Damares. Regras de transição em matéria previdenciária, in: https://jus.com.br/artigos/29171/regras-de-transicao-em-materia-previdenciaria.

FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves, Paulo Modesto e Rafael Miranda GabarraRegra de transição adotada pela PEC da Previdência é injusta e irrazoável, , Conjur 22/02/2019.

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Sobre o autor
Francisco Cabral

Francisco de Assis Cabral Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pelo UNIPÊ/JPA (1991). Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO-SP. (concluído em 2005, sob orientação da Profa. Dra. Anna Cândida da Cunha Ferraz - Livre Docente e Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FD-USP). Ex-Procurador da FUNDAC/PB – Fundação de Desenvolvimento da Criança. Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, ao Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI) . Advogado em São Paulo de 1993 a 2003. Ex-Professor de Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Integrada do Recife – Primeiro colado na seleção pública de docente para a disciplina de Direito Constitucional – I na Faculdade Integrada de Pernambuco - FACIPE (2008). Obras do autor: a) coautor da obra Constituição Federal Interpretada - artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Coordenador/Organizador: Machado, Antônio Cláudio da Costa & Ferraz, Anna Cândida da Cunha. São Paulo: 10ª edição, Editora Manole, 2019; b) Controle de constitucionalidade. Editora Schoba, Salto-São Paulo 2009; c) Controle de constitucionalidade, 3ª edição, amazon.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Francisco. Inconstitucionalidade material da PEC 6/2019. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5757, 6 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72999. Acesso em: 2 nov. 2024.

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