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A tutela jurídica da hierarquia e da disciplina militar:

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17/09/2005 às 00:00
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CAPÍTULO 3: A TUTELA PENAL MILITAR

            1 O DIREITO PENAL MILITAR

            JOÃO ROMEIRO [85] já ressaltava que o assim chamado "CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO", de 16 de dezembro de 1830, ressalvava em seu art. 308: "Este Código não compreende: § 2º - Os crimes puramente militares, os quais serão punidos na forma da lei respectiva".

            Ainda no Império, segundo o mesmo ROMEIRO [86], foram criados os CONSELHOS DE DISCIPLINA, para verificar a deserção das praças de pré; os CONSELHOS DE INVESTIGAÇÃO para estudar atos criminosos em geral e deserção de oficiais de patentes; os CONSELHOS DE GUERRA para julgar em Primeira Instância os crimes militares; o CONSELHO SUPREMO MILITAR, tribunal de segunda instância para julgamento dos referidos crimes; e as JUNTAS DE JUSTIÇA MILITAR e os Conselhos para faltas disciplinares.

            Por aviso do Ministério da Guerra (atual Ministério do Exército), de 18 de dezembro de 1865, foi incumbida a Primeira Seção para constituir a comissão de exame da legislação do Exército e formular um projeto de CÓDIGO PENAL MILITAR E DE PROCESSO., para substituir os ainda vigentes artigos de guerra do Conde de Lippe.

            Tudo desaguou no CÓDIGO PENAL DA ARMADA (ARMADA era, então, o nome da Marinha do Brasil), que, pela Lei nº 612, de 29 de setembro de 1899, foi estendido para o Exército Nacional, e até acabou extensivo à Força Aérea, pelo Decreto-Lei nº 2.961, de 20 de janeiro de 1941.

            A denominação CÓDIGO PENAL MILITAR, de aplicação comum às Forças Armadas, ocorreu com o Decreto-Lei nº 6.227, de 24 de janeiro de 1944, e que só foi revogado pelo atual CPM, datado de 21 de outubro de 1969, introduzido pelo Decreto-Lei nº 1.001, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1970, conforme prescreve o art. 410 do referido diploma adjetivo.

            Como visto, faz parte da nossa tradição jurídica – como herança do Direito Romano e Lusitano - a adoção de um diploma penal próprio para definição dos crimes militares, bem como a existência de um juizado especializado para o julgamento desses delitos. Tal justificativa baseia-se em assegurar a realização dos fins essenciais das instituições militares - a defesa da Pátria. Assim, a preservação dessas instituições militares, onde preponderam a hierarquia e a disciplina militar, exigem obviamente do Estado, mirando a seus possíveis violadores, um elenco de sanções de naturezas diversas, que de acordo com os diferentes âmbitos e graus de violação serão: penais, administrativas e disciplinares.

            As sanções penais surgem com o direito penal militar, que é o conjunto de normas e princípios que definem os crimes contra a ordem jurídica militar [87], cominando-lhes pena.

            A fonte imediata ou primária do direito penal militar é a lei (ordinária federal), consoante os arts. 22, I, 124, caput, e 125, §4°, da CF. Consideram-se como fontes mediatas ou secundárias do direito penal militar o costume e a jurisprudência. O costume resulta da prática constante e uniforme de um comportamento de caráter geral, alicerçado no convencimento jurídico de sua necessidade. A jurisprudência resulta de decisões judiciárias reiteradas no mesmo sentido sobre determinada matéria de direito.

            Entretanto, o caráter especial do direito penal militar advém, em nosso ordenamento, de a Constituição Federal [88] atribuir com exclusividade aos órgãos da justiça castrense o processo e o julgamento dos crimes militares definidos em lei. No magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES:

            "Direito comum e direito especial dentro do nosso sistema político são categorias que se diversificam em razão do órgão que deve aplicá-los jurisdicionalmente. Se a norma penal objetiva somente se aplica através de órgãos especiais, constitucionalmente previstos, tal norma agendi tem caráter especial, se a sua aplicação não demanda jurisdição própria, mas se realiza através da justiça comum, sua qualificação será a de norma comum. Atendendo a esse critério, teremos um direito penal comum e um direito penal militar." [89]

            2 O CÓDIGO PENAL MILITAR (CPM)

            O CÓDIGO PENAL MILITAR [90] (CPM) vigente é, ainda, produto de Decreto-Lei da lavra dos Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, consoante as atribuições que lhes conferiam os Atos Institucionais n° 5 e n° 16 do regime militar.

            Por orientação constitucional do inc. XXXIX, art. 5°, todo nosso Direito Penal, Comum ou Militar, é regido pelo Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal, como se reproduz no art. 1° do CPM: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal." Desse super princípio decorrem outros que serão melhor aprofundados neste capítulo.

            O CPM adotou o conceito de crime, baseado na teoria formulada por ERNEST BELLING. É o denominado conceito analítico de crime, no sentido de ser o crime uma ação em conformidade com o modelo (tipo) estabelecido na lei, contrária ao direito e culpável.

            3. O CRIME MILITAR

            A atual Constituição Federal, ao determinar que "à justiça militar compete processar e julgar os crimes militares, definidos em lei" [91] (destaquei), manteve o único critério existente em nosso direito, desde a Constituição de 1946 [92], para a conceituação dos militares: o denominado critério ratione legis. Logo, crime militar é o que a lei define como tal.

            Os arts. 9° e 10 do CPM são os mais importantes de sua parte geral, pois são a chave reveladora para a configuração do crime militar, em tempo de paz e de guerra, respectivamente. CÉLIO LOBÃO, asseverando que é antiga a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da complexidade abrangida no conceito de crime militar, leciona que:

            "(...) crime militar é a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados a destinação constitucional das instituições militares, as suas atribuições legais, ao seu funcionamento, a sua própria existência, e no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, da proteção a autoridade militar e ao serviço militar." [93] (destaquei)

            Nesse esteio, cabe ressalta que nem toda conduta tipificada na parte especial do CPM, configura-se como crime militar. É preciso que essa conduta se realize dentro das condições específicas contidas no art. 9° ou 10, que utiliza os critérios em razão da pessoa, em razão do local, ou, ainda, em razão da matéria. Da mesma forma, se preenchidas as condições do art. 9° ou 10 e a conduta não estiver tipificada na parte especial do CPM, não se aperfeiçoará o crime militar, como ocorre no caso de abuso de autoridade praticado por militar, em razão do serviço, ainda que em local sujeito a administração militar. Esta conduta será considerada crime comum por não estar tipificado na parte geral do CPM.

            Se a justificativa da existência do direito penal militar é a tutela da hierarquia e da disciplina, pilares base das Forças Armadas, será correto afirmar, também, que todo crime militar visa à proteção dos bens jurídicos hierarquia e disciplina?

            4. HIERARQUIA E A DISCIPLINA MILITAR COMO BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELO DIREITO MILITAR

            CÉLIO LOBÃO, respondendo a questão anterior, defende que:

            "as ofensas definidas na lei repressiva castrense que dizem respeito à desatinação constitucional, às atribuições legais das instituições militares, à autoridade militar e ao serviço militar, têm, como agentes, tanto o civil quanto o militar, enquanto as que atingem a disciplina e a hierarquia têm como destinatário somente o militar." [94] (destaquei)

            Remando na proa ofertada por Lobão, não resta dúvida que a hierarquia e disciplina militar são bens jurídicos tutelados pelo direito penal militar, todavia, nem sempre elas serão o bem jurídico protegido em várias normas da parte especial do CPM.

            A presente questão é freqüentemente discutida por operadores do direito militar e especialistas no tema e, não raro, a defesa da tese de que todo crime militar ofende, ainda que de forma subsidiaria ou reflexa, a hierarquia e a disciplina militar. Nesse sentido é a jurisprudência do STM:

            "O FURTO PRATICADO POR UM OFICIAL DAS FORÇAS ARMADAS EM ÁREA SOB ADMINISTRAÇÃO MILITAR, POR MENOR QUE SEJA O VALOR DA COISA FURTADA, JAMAIS PODE SER TIDO COMO INSIGNIFICANTE. SERÁ SEMPRE GRAVE, PELOS EFEITOS DELETÉRIOS QUE TEM SOBRE A HIERARQUIA E A DISCIPLINA NO SEIO DA OM. (...). UNÂNIME." (Apelação 2002.01.049092-2/RJ - DJ 06/02/2003 - Rel. Ministro JOSÉ JULIO PEDROSA) – (grifei)

            "STM.REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. I - ESTABELECE O ART. 30, DO CPPM QUE A DENÚNCIA DEVA SER APRESENTADA SEMPRE QUE HOUVER PROVA DO FATO QUE, EM TESE, CONSTITUA CRIME E INDÍCIOS DE AUTORIA, SENDO CERTO QUE, NO CASO CONCRETO, ESSES PRESSUPOSTOS SE FAZEM PRESENTES. II - A INSIGNIFICÂNCIA DE UM DELITO ESTÁ NO FATO DELE NÃO TER CONSEGUIDO VULNERAR OU AMEAÇAR O BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA QUE, EM SE TRATANDO DE CRIME MILITAR, VEM REPRESENTADO PELO SEU BEM MAIOR: O BINÔMIO HIERARQUIA E DISCIPLINA. III - RECURSO PROVIDO PARA RECEBER-SE A DENÚNCIA. IV - DECISÃO UNÂNIME." (Apelação 2001.01.006928-9 / RS - DJ 08/04/2002 - Rel. Ministro EXPEDITO HERMES REGO MIRANDA) – (grifei)

            Tal entendimento jurisprudencial, passa ao longe do exame do Princípio da Reserva Legal e da Taxatividade, como pode-se, ainda, comprovar nos casos do porte, para uso próprio, de pequena quantidade de entorpecente (maconha), por militar ou civil, no interior de Organização Militar:

            "APELAÇÃO. POSSE DE ENTORPECENTE POR MILITAR NO INTERIOR DA OM. COMETE O CRIME TIPIFICADO NO ART. 290 DO CPM O MILITAR QUE, NO INTERIOR DA OM, GUARDA CONSIGO A SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE VULGARMENTE CONHECIDA COMO MACONHA. NÃO DESCARACTERIZA A PRÁTICA DO DELITO EM TELA A CIRCUNSTÂNCIA DE SER PEQUENA A QUANTIDADE DE MACONHA APREENDIDA EM PODER DO ACUSADO, UMA VEZ QUE, CONSIDERADAS AS ESPECIAIS RELAÇÕES QUE CARACTERIZAM A VIDA ORGÂNICA DAS FORÇAS ARMADAS, O USO E A DIFUSÃO DE ENTORPECENTES TRADUZEM NÍVEIS ESPECIAIS DE PREJUÍZOS, DE TAL MODO QUE, AVANÇANDO ALÉM DO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO DA INCOLUMIDADE DA SAÚDE DA COLETIVIDADE MILITAR, ALCANÇAM OUTROS IGUALMENTE VITAIS PARA A SUA PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA, DENTRE ELES, DESTACADAMENTE, O DA SEGURANÇA DE SEU FUNCIONAMENTO, O DA OPERACIONALIDADE DE SEUS EFETIVOS E O DA DISCIPLINA INTERPESSOAL. IMPROVIMENTO DO APELO DA DEFESA. DECISÃO POR MAIORIA [95]."

            (STM - Apelação 2002.01.049213-5/PE – DJ11/07/2003 – Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MARQUES SOARES).

            Tal conduta é tipificada no Capítulo "Dos crimes contra a saúde pública", sob a rubrica "tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar". A objetividade jurídica visa a tutela da saúde pública, semelhante ao que preconiza o CP comum, consoante estabelecido no nomem iuris do Capitulo ( Dos crimes contra a saúde pública) em que está inserido. Se a objetividade jurídica desse delito fosse a disciplina militar ou hierarquia, o mesmo deveria estar inserido no capítulo ou título do CPM que trata da tutela da hierarquia e disciplina e, consequentemente, o civil não poderia cometê-lo.

            A presente discussão ganha maior complexidade nos casos em que o civil comete crime militar. Como se justifica que um civil venha a lesionar a hierarquia e a disciplina militar se ele não faz parte da cadeia de comando militar, nem a ela está subordinado, como exemplo, a testemunha civil que presta falso testemunho [96] em processo penal militar comete, em tese, crime militar. Todavia não há ofensa a hierarquia e a disciplina militar, apenas lesão à boa administração da justiça militar, que é um órgão civil do poder judiciário.

            Assim, a argumentação de que todo crime militar ofende a hierarquia e a disciplina destoa da sistemática do Direito Penal, que encontra seus princípios maiores esculpidos na Constituição Federal.

            4.1 O princípio da taxatividade

            A Constituição Federal de 1988 incluiu em seu texto uma série de princípios especificamente penais. Dentre estes princípios, cita-se o da intervenção mínima (do direito penal), o da humanidade, o da pessoalidade da pena, o da individualização da pena e, merecendo especial destaque para esse trabalho, o da legalidade. No plano infraconstituiconal, o princípio constitucional da legalidade está explicitado, intencionalmente, nos artigos 1° do Código Penal (comum) e Código Penal Militar.

            Para LUIS LUIZI, referindo-se à doutrina mais contemporânea, o princípio da legalidade [97] desdobra-se em três postulados:

            "Um quanto as fontes das normas penais incriminadoras. Outro concerne a enunciação dessa normas. E um terceiro relativo a validade das disposições penais no tempo. O primeiro dos postulados é o da reserva legal. O segundo é o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade." [98]

            Interessa ao presente estudo, o postulado da determinação, também dito da taxatividade, a que LUIS LUIZI prefere chamar de determinação taxativa.

            O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras, certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador, vetando a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equivocadas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da determinação taxativa norteia, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme.

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            Sem esse corolário implícito, o princípio da legalidade não alcançaria seu objetivo, pois de nada vale a anterioridade da lei, se esta não estiver dotada de clareza e da certeza necessária (e indispensáveis) para evitar formas diferenciadas, e, consequentemente, arbitrárias na sua aplicação, ou seja, para reduzir o coeficiente de variabilidade subjetiva na aplicação da lei.

            Dessa forma, o principal fundamento do postulado da determinação taxativa é de índole política. A exigência de normas penais de teor preciso e unívoco decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio judiciário, posto que fixada, com a certeza necessária, a esfera do ilícito penal fica restrita à discricionariedade do aplicador da lei.

            Se o CPM possui um capítulo denominado "dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar" e outros denominados "dos crimes contra a saúde" e "dos crimes contra a administração da justiça militar", causa ofensa ao princípio da determinação taxativa a interpretação no sentido de que os crimes contra a saúde ou contra a administração da justiça militar ofendem, ainda que subsidiariamente ou reflexamente, a hierarquia e a disciplina militar, que são bens tutelados no capítulo "dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar", conforme sistemática penal adotada pelo legislador.

            4.2 A intervenção máxima e mínima do Direito Penal Militar

            Outro aspecto relevante na tutela penal militar da hierarquia e da disciplina militar, diz respeito a aplicação estatal do Direito Penal Militar. Se, de um lado, impõem-se limites ao arbítrio judicial, por meio do princípio da legalidade; de outro, deve-se impor limites ao Estado, para evitar a criação de figuras delitivas iníquas e injustas e de penas vexatórias a dignidade humana, restringindo e, se possível, eliminando o arbítrio do legislador.

            Entendendo ser necessário enfrentar e dar solução ao problema em foco, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu art. 8° determinou que "A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias (...)". Punha-se, assim, um princípio orientador e limitador do poder criativo do crime. Surgia o princípio da necessidade, ou da intervenção mínima, preconizando que só se legitima a criminalizado de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Se outra formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima.

            Nas legislações constitucionais e penais contemporâneas, o princípio em causa, em geral, não se encontra explicitado. Mas, – segundo a lição de EVERARDO DA CUNHA LUNA [99] - é um princípio imanente que por seus vínculos com outros postulados explícitos, e com os fundamentos do Estado de Direito, se impõem ao legislador e mesmo ao hermeneuta.

            A Constituição vigente no Brasil assevera a inviolabilidade [100] dos direitos à liberdade, vida, igualdade, segurança e propriedade, e estabelece como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana [101]. Decorrem, sem dúvidas, desses princípios constitucionais que a restrição ou privação desses direitos invioláveis somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tutela de bens fundamentais do homem.

            Todavia, apesar de o princípio da intervenção mínima ter sido consagrado no texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, editada na Revolução Francesa, e, pois, ser um princípio vinculado ao pensamento iluminista que pretendeu reduzir as legislações, em geral, e especialmente a penal, a poucas claras e simples leis, a verdade é que a partir da segunda década do século XIX, as normas penais incriminadoras cresceram desmedidamente, ao ponto de alarmar os penalistas dos mais diferentes parâmetros culturais.

            No nosso século têm sido inúmeras as advertências sobre o esvaziamento da força intimidadora da pena como conseqüência da criação excessiva e descriteriosa de delitos. O código penal de 1940, - cuja parte especial está ainda em vigor – foi acrescido por uma série vultuosa de leis que prevêem novos tipos penais, que se apresentam, em muitos casos, conflitantes, paradoxais e até mesmo hilariantes, chegando até a comprometer a seriedade e a sistemática da legislação penal vigente.

            Nesse aspecto, a legislação penal militar caminhou em sentido oposto a legislação comum, sofrendo mínimas alterações, desde a sua vigência em 1° de janeiro de 1970. Talvez pelo pouco interesse ou repercussão legislativa que essa matéria proporcione, o fato é que não existe legislação extravagante em matéria penal castrense, que aliado ao caráter especial e autônomo do CPM, proporciona um sistema penal harmônico.

            Algumas poucas, porém relevantes, modificações foram introduzidas no CPM pelas leis n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; n° 9.299, de 7 de agosto de 1996, que altera dispositivos do CPM e do CPPM; e n° 9.839, de 27 de setembro de 1999, que exclui a aplicação da lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar.

            Por vezes, a ausência de modificação nos diplomas substantivo e adjetivo castrense, tem sido motivo de críticas justificadas pelos operadores desse ramo especializado do direito, principalmente na parte especial, haja vista o seu descompasso com a legislação penal comum no que tange o quantum da pena em abstrato, que em grande parte tornaram-se mais gravosas no CP, a ausência de alguns tipos penais no CPM e existentes no CP, como exemplo, o abuso de autoridade, que se cometido por militar da ativa, ainda que em local sujeito a administração militar, não configura crime militar, uma vez que não está tipificado no CPM. É competente para julgar tal conduta a Justiça Comum Federal, se o delito for praticado por militar das Forças Armadas, e a Estadual, se praticado por policiais ou bombeiros militares.

            5. O DIREITO PENAL MÍNIMO

            Felizmente, o fenômeno do crescimento desmedido do direito penal, levou a maioria dos países do ocidente a adotarem medidas visando de um lado despenalizar os chamados crimes de bagatela ou irrelevantes penais, e, de outro, impor ao legislador determinados critérios que devem orientá-lo na atividade legislativa de criminalizar. LUIZ LUISI [102], referindo-se ao esforço italiano na luta pela deflação penal, iniciado na década de 1960, destaca que importantíssima transformação deu-se no estabelecimento de critérios a orientar o legislador na elaboração de tipos penais. Tais critérios são o da proporção e da necessidade. A criminalização se faz necessária quando a conduta tipificada atinja a valores fundamentais, valores básicos da convivência social, e que a ofensa a esses bens jurídicos, seja de efetiva e real gravidade. E por outro lado, é indispensável que não haja outro meio jurídico capaz de prevenir e reprimir tais fatos com a mesma eficácia da sanção penal. Ou seja: é preciso que haja a necessidade inquestionável e inalterável de tutela penal. Condição, portanto, para a criação de um novo tipo penal é que o bem jurídico a tutelar seja de relevância para o convívio social, e que a forma em que o fato o violenta seja realmente grave.

            Evidentemente, não se pode ignorar as dificuldades práticas com que o legislador se defrontará para, em muitos casos, usar com correção, o critério da proporcionalidade e o da necessidade. Todavia, a simples presença de tais axiomas orientadores na elaboração das normas penais, ainda que difícil, por vezes, sua aplicação prática, tem o mérito de fazer o legislador tomar consciência da necessidade lógica e legal de que ele tem o direito e o dever de intervenção mínima em se tratando da criação de tipos penais, ou seja, tem o direito de criar o tipo penal quando o caminhão da tutela penal se apresente como inarredável e inalteralvelmente necessário [103].

            Os ecos desse espírito reformista, fizeram-se presentes no Brasil principalmente pelas leis 9.099/95 e 10.259/2001, que dispõem sobre a instituição dos Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Estadual e Federal, respectivamente, provocando reflexos no âmbito da Justiça Militar.

            5.1 As leis 9.099/95 e 10.259/01

            Inicialmente, cabe registrar que se pretende analisar apenas os aspectos da lei que possuem relação com a tutela da disciplina militar, até porque sua aplicação na Justiça Militar ficou excluída com o advento da lei n° 9.839/99. Contudo, nesse espaço temporal, aplicou-se os novos institutos penais-processuais introduzidos pela lei 9.099/95, contrariando o entendimento da maioria dos magistrados da Justiça Militar, representantes do Ministério Público Militar e oficiais de alto escalão das Forças Armadas e Polícias Militares.

            "STM. HABEAS CORPUS. LEI Nº 9099 DE 1995. REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. INAPLICABILIDADE À JUSTIÇA MILITAR. Os institutos previstos na Lei dos Juizados Especiais não se compatibilizam com os princípios da hierarquia e disciplina, basilares da vida castrense e bens tutelados pela lei penal militar. Entendimento da Corte Castrense, já sumulado no verbete de nº 09/STM. Ordem denegada. Decisão unânime." (HC 033383-5/AM - Rel. JOSÉ JULIO PEDROSA - DJ de 21.12.98)

            As justificativas para a inaplicabilidade desses novos institutos são muito óbvios: eles enfraquecem a hierarquia e a disciplina militar, sustentáculos basilares das instituições militares. Como admitir que uma composição civil entre dois militares da ativa colocasse termo a um crime militar em que eles fossem, respectivamente, sujeito ativo e sujeito passivo. Como admitir que um subordinado hierárquico tivesse a discricionariedade para a representação criminal nos crimes de lesões corporais leves ou culposas, se toda a tradição do CPM pauta-se nas ações penais públicas incondicionadas. Como admitir que os crimes militares de menor potencial ofensivo não tivesse a sua autoria penalmente apurada, a fim de promover a prevenção geral e o conseqüente fortalecimento da hierarquia e da disciplina militar.

            Argumentos dessa natureza fundamentaram a jurisprudência do Superior Tribunal Militar acerca da inaplicabilidade da lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar, até que a referida questão foi apreciada, em grau de recurso, pelo Supremo Tribunal Federal, que proferiu decisão reformando o entendimento da Justiça Castrense.

            "Habeas corpus. (...) Tem razão, porém, a impetração quanto à aplicação do disposto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95 à Justiça Militar. Habeas corpus deferido em parte para, mantida a condenação, cassar-se o acórdão prolatado no S.T.M. na parte em que não admitiu a aplicação do citado dispositivo legal, a fim de que o processo volte à primeira instância para que se abra ao Ministério Público a possibilidade de propor a suspensão do processo, sendo que, se o processo vier a ser suspenso, ficará, então, desconstituída a condenação já imposta." (HC 79285 / RJ - Primeira Turma - Rel. Min. MOREIRA ALVES - DJ de 12.11.99). (destaquei)

            Assim, os representantes do Ministério Público Militar e os Magistrados da Justiça Militar fizeram uso dos dispositivos da lei n° 9.099/95, mesmo sem a criação de um Juizado Especial Criminal Militar.

            5.2 A lei n° 9.839/99

            A pretensão dos defensores da inaplicabilidade da lei n° 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar fez-se ecoar no Congresso Nacional por meio da edição da lei n° 9.839, de 27 de setembro de 1999, que acrescentou o artigo 90-A à lei n° 9.099/95, nos termos: "As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar."

            Todavia, a inaplicabilidade da lei n° 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar não pôde incidir sobre os fatos ocorridos antes da vigência da lei n° 9.839/99, conforme obediência ao princípio constitucional da irretroatividade penal [104].

            STF: "Crime Militar – Delitos praticados antes da vigência da LEI 9.839/99 – Aplicabilidade da Lei 9.099/95, no que se refere aos institutos de direito material, ainda que o inquérito policial ou processual penal sejam iniciados posteriormente – Eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica que deve prevalecer sempre que ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente – Inteligência do art. 5°, XL, da CF. (...)

            (RT 785/529).

            Essa é a orientação jurisprudencial pacífica no STF, conforme RHC nº 80907/SP – Segunda Turma do STF - DJ de 29.06.01; HC 80542/MG - Segunda Turma do STF - DJ de 29.06.01.

            6 O CONTROLE DO JUDICIÁRIO

            No Brasil, a Justiça Militar compõe o Poder Judiciário desde a Constituição de 1934, estando disposto na Constituição Federal que: "São órgãos do Poder Judiciário: (...); VI – Os Tribunais e Juízes Militares; (...)" [105]. Mas, essa composição judiciária é pioneira e estranha aos modelos de justiça militar de outras nações.

            Na grande maioria dos países do ocidente, a justiça castrense tem natureza administrativa-penal, como as Cortes Marciais utilizadas nos Estados Unidos [106], compostas apenas por militares, cabendo recursos para a Corte de Apelação, também de natureza administrativa, compostas por juízes togados, e em pouquíssimos casos, recurso para a Suprema Corte Norte-Americana. Modelo semelhante aplica-se na jurisdição militar do Reino Unido [107].

            Outros modelos de jurisdição militar, como os adotados na Espanha [108], Coréia [109] e Turquia [110], respeitadas as suas peculiaridades, realizam-se por meio de juizados de 1° grau, compostos por oficiais com formação jurídica, também denominados juízes-auditores, que possuem carreira própria, alcançando promoções na hierarquia militar até serem designados para os Tribunais Militares e Cortes de Apelação, todos órgãos de natureza administrativa-penal.

            Consoante dispõe o art. 124, da CF/88, o controle do Poder Judiciário na tutela da hierarquia e da disciplina militar realiza-se, majoritariamente, na apreciação dos crimes militares previstos em lei, cuja competência constitucional atribui-se à Justiça Militar. Entretanto, procedimentos ou processos especiais, que visam a tutela da hierarquia e da disciplina militar, também foram atribuídos [111] ao Superior Tribunal Militar, como exemplo, as declarações de indignidade e incompatibilidade com o oficialato e as declarações de perda de posto e patente.

            6.1 A indignidade, a incompatibilidade para o oficialato e a perda do posto e da patente

            A pena acessória de perda de posto e patente aplicava-se, como pena acessória, compulsoriamente [112], ao oficial que fosse condenado a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, conforme disposto no art. 99 do CPM, que é anterior a CF/88. Tal dispositivo, que não faz distinção se a condenação foi proferida na justiça militar ou comum, está em desacordo com a Lei Maior.

            Atualmente, no que diz respeito ao militar federal, os incisos VI e VII do art. 142, §3°, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n° 8, dispõem:

            "VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno para o oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de um tribunal especial, em tempo de guerra;

            VII – o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior." (destaquei)

            Fica sujeito a pena acessória de declaração de indignidade para o oficialato [113] o militar condenado, qualquer que seja a pena, nos crimes de traição, espionagem ou covardia, peculato, falsificação de documento, falsidade ideológica, pederastia ou ato de libidinagem, furto, roubo simples, extorsão simples ou mediante seqüestro, chantagem e estelionato, todos previstos no CPM.

            Sujeita-se a pena acessória de declaração de incompatibilidade [114] com o oficialato o oficial condenado nos crimes de entrar em entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil ou de tentativa contra a soberania do Brasil, ambos previstos no CPM.

            O processo para o julgamento a que se refere os incs. VI e VII, acima transcrito, está previsto no regimento interno do STM (arts. 112 a 114, para a incompatibilidade ou indignidade com o oficialato; e arts. 157 a 161, para os casos oriundos do Conselho de Justificação [115]). Desta forma, a perda de posto e patente, a declaração de incompatibilidade e indignidade com o oficialato perderam a sua natureza de pena acessória, passando a natureza de processo ou procedimento próprio sui generis.

            Cabe ressaltar que os referidos processos, iniciam-se somente com a Representação formulada pelo Procurador-Geral da Justiça Militar ao Superior Tribunal Militar, regendo-se por todas a s garantias constitucionais processuais

            No caso das praças [116] das Forças Armadas, a condenação a pena privativa de liberdade superior a dois anos na justiça militar, poderá implicar na pena acessória de exclusão das Forças Armadas [117], desde que conste de forma expressa e fundamentada na sentença condenatória.

            Quanto as praças das Polícias ou Bombeiros Militares, nos termos do art. 125, §4°, compete ao Tribunal Militar estadual, onde houver, ou ao Tribunal de Justiça, decidir "sobre a perda do posto e da patente dos oficiais, e da graduação das praças". Em que pese a grande injustiça cometida pelo legislador, conforme assevera ROMEIRO [118].

            Todavia, algumas condutas praticadas pelo militares da ativa, mesmo que em razão do serviço, ou ainda que em lugar sujeito a Administração Militar, que não previstas na parte especial do CPM, não se configuram como crime militar, como exemplo, o aborto, consentido ou não, praticado por oficial médico da ativa contra paciente, militar da ativa ou não, ainda que dentro de hospital militar. Tal conduta é tipificada apenas no CP, assim como o crime de abuso de autoridade, tipificado apenas na legislação penal comum.

            Nesse casos, condutas típicas e antijurídicas, que claramente produzem reflexos na disciplina militar, serão julgados pela justiça comum. Tais situações inspiram os defensores da tese de que deveriam ser considerados crimes militares apenas os crimes propriamente militares, ou seja, aqueles que somente os militares da ativa poderiam cometê-lo, utilizando o critério rationi materiae, como a deserção, o abandono de posto, a insubordinação, a revolta, o motim, etc. Por sua vez, há os defensores de que a justiça militar deveria julgar todos os crime praticados pelos militares ou contra eles, utilizando o critério rationi personae, sob o fundamento de que toda conduta ilícita praticada pelo militar traz reflexos para a hierarquia e a disciplina.

            Assim, resta claro, mais uma vez, que nem toda ofensa penal a hierarquia e disciplina militar são tutelados pelos crimes militares, nem pela Justiça Militar.

            7 O CONTROLE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

            A tutela da hierarquia e da disciplina militar, junto a Justiça Militar da União, é de competência do Ministério Público Militar (MPM), e nas justiças estaduais, os respectivos órgãos ministeriais estaduais, por meio do exercício das seguintes atribuições [119]:

            I – promover, privativamente, a ação penal pública;

            II – promover a declaração de indignidade para o oficialato;

            III - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial-militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;

            IV – exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária militar; e

            V – fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como base da organização das Forças Armadas [120].

            Como dissemos, a ação penal utilizada na Justiça Militar é exclusivamente a ação penal pública incondicionada, salvo três exceções: a) nos crimes previstos nos arts. 136 a 141 do CPM, a ação penal, quando o agente for militar ou assemelhado, depende da requisição do Ministério Militar a que ele estiver subordinado [121]; b) no caso do art. 141 do CPM, quando o agente for civil e não houver co-autor militar, a requisição será do Ministro da Justiça [122]; e c) caberá ação privada nos crimes de ação pública, se está não for intentada no prazo legal, é a chamada ação penal privada subsidiaria da pública [123]. Assim, salvo a exceção constitucional, compete sempre ao representante do Ministério Público o oferecimento da denúncia na Justiça Militar.

            A representação do Procurador-Geral da Justiça Militar para a declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato junto ao STM foi inovação trazida pela Constituição de 1969, com redação introduzida pela Emenda Constitucional n° 1, conferindo maior legalidade à tutela da hierarquia e da disciplina militar, bem como conformação com os princípios que regem o Estado de Direito Democrático, haja vista que nem sempre a perda de posto e patente se faz necessário em decorrência de uma condenação penal, como já decidiu o STM:

            "Representação para Declaração de Indignidade. Oficial do Exército, condenado a pena privativa de liberdade no quantum de cinco anos e quatro meses pelo Tribunal do Júri, pela Prática do crime de homicídio, tendo como motivação relevante valor social e moral. Ausência na hipótese sub exame de desvalor ético-moral a recomendar a indignidade para o oficialato, em face da singularíssima ambiência que presidiu o conjunto fático dos acontecimentos, onde a violação de um princípio não afrontou, repete-se, in casu, a constelação dos valores que integram a ética militar. Indeferida a Representação. Decisão por maioria (DJU, Seção I, 27.07.93, p.13952)".

            A possibilidade do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial-militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas tem relevância maior no âmbito das Forças Armadas, onde todas as relações são regidas pela hierarquia e disciplina. Por vezes, torna-se extremamente difícil para o subordinado que sofre uma lesão de direito por parte de um superior hierárquico, que por vezes, é o seu chefe imediato ou próprio comandante da organização militar. Assim, a possibilidade de o subordinado hierárquico dirigir-se ao representante do MPM e pôr a termo um crime em tese, é medida preventiva e fortalecedora na tutela da hierarquia e da disciplina militar.

            Por meio do controle externo da atividade da polícia judiciária militar, a qual é exercida, diretamente ou por delegação de competência, pelos comandantes de unidades militares, as Organizações Militares tem providenciado dependências carcerárias em conformidade com a lei, tem atuado efetivamente na legalidade das prisões em flagrante e emitindo recomendações às autoridades militares.

            "RECOMENDAÇÃO Nº 1, DE 4 DE OUTUBRO DE 2002 (*)

            O Procurador de Justiça Militar da União em Minas Gerais, no cumprimento de suas atribuições legais, com fundamento no art. 6º, XX da Lei Complementar nº 75/93, resolve editar Recomendação às autoridades militares federais em Minas Gerais, fundada nos seguintes termos:

            (...)

            Recomenda-se às autoridades militares federais em Minas Gerais:

            I - A instauração de Inquéritos Policiais Militares visando deverá ser imediatamente comunicada a esta Procuradoria de Justiça Militar da União, a qual está sediada em Juiz de Fora/MG, no seguinte endereço: Av. Barão do Rio Branco, 2817, 5º andar, Centro, Cep. 36010-012, Juiz de Fora/MG, Telefax: (32) 3215-0625;

            II - Quaisquer outras investigações na mesma abrangência espacial, ainda que sigilosas e que tenham por objeto apuração de delitos militares federais, também deverão ser participadas, com antecedência, a este Órgão Ministerial (art. 8º, § 2º da LC 75/93);

            III - Os pedidos de prorrogações de prazos para cumprimento das diligências requisitadas deverão ser formulados diretamente a esta Procuradoria (art. 8º, § 5º da LC 75/93);

            IV - Toda e qualquer orientação alusiva aos Inquéritos Policiais Militares ou investigações congêneres acerca da prática de delitos militares federais, deverá ser buscada, exclusivamente, junto aos Membros do Ministério Público Militar lotados nesta Procuradoria, que são os legítimos e privativos detentores da função de controle externo da atividade de Polícia Judiciária Militar em Minas

            Gerais, de acordo com os princípios insertos na constituição em vigor e na Lei Complementar nº 75/93;

            V - As Sindicâncias instauradas no contexto das Organizações Militares Federais situadas no Estado de Minas Gerais e que resultarem na identificação de indícios de práticas delituosas deverão ser convoladas em, Inquéritos Policiais Militares, ou, remanescendo dúvidas, encaminhadas a esta Procuradoria para o adequado e necessário exame;

            VI - A comunicação da prisão de qualquer pessoa por parte de autoridade militar federal de Minas Gerais, que guarde vinculação com a prática de crime militar, deverá ser imediatamente comunicada a este Órgão Ministerial, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão (art. 10 de LC 75/93).

            ANTÔNIO PEREIRA DUARTE

            (*) Republicado por ter saído com incorreção, do original, no D.O.U. nº 203, de 18-10-2002, Seção 1, pág. 74." [124]

            O Ministério Público Militar tem sido importante instrumento de fortalecimento da hierarquia e da disciplina, haja vista a sua disponibilidade em estabelecer contato direto e freqüente com as instituições militares, por meio de palestras nas Organizações Militares e assistência na apuração de fato delituoso de excepcional importância ou de difícil elucidação [125].

            8 O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR

            8.1 A Polícia Judiciária Militar

            A Administração Militar participa da tutela penal da hierarquia e da disciplina, exercendo a atividade policial judiciária militar. Conforme estabelece o artigo 7° do CPPM, esta atividade é exercida pelos comandantes de forças, navios ou unidades, cujas atribuições estão previstas no art. 8° do mesmo diploma, como exemplo, apurar os crimes militares, cumprir mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, realizar diligências que lhe forem solicitadas pela Justiça Militar e Ministério Público Militar. Aspecto interessante do CPPM [126] é a previsão expressa de que as suas omissões serão supridas pela legislação processual penal comum.

            O Inquérito Policial Militar é a apuração sumária de fato, que configure crime militar, e de sua autoria. Tem caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários a propositura da ação penal militar. Assim, a competência da policia judiciária militar é estritamente ligada aos delitos militares.

            O encarregado do IPM é sempre oficial [127], de posto não inferior ao de capitão, observado que, o encarregado deverá possuir patente superior ao indiciado [128], a fim de preservar o princípio da hierarquia.

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Sobre o autor
Alexandre Reis de Carvalho

capitão-aviador da Força Aérea Brasileira, bacharel em Direito pela USP, especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público pela FESMPDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Alexandre Reis. A tutela jurídica da hierarquia e da disciplina militar:: aspectos relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 806, 17 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7301. Acesso em: 26 abr. 2024.

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