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A tutela jurídica da hierarquia e da disciplina militar:

aspectos relevantes

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17/09/2005 às 00:00

Resumo:


  • A hierarquia e a disciplina militar são fundamentais para a estrutura e funcionamento das Forças Armadas, estando sua tutela garantida pelo Direito Penal Militar, pela Justiça Militar e pelos Estatutos Militares.

  • O Direito Penal Militar define e pune os crimes que afetam a ordem jurídica militar, com a Justiça Militar sendo responsável por julgar tais delitos, enquanto os Estatutos Militares regulam as condutas e punições disciplinares dos membros das Forças Armadas.

  • Transgressões e crimes militares não se limitam apenas a ofensas contra a hierarquia e disciplina, mas também incluem delitos que afetam outros bens jurídicos, como a saúde pública e a administração da justiça militar, não sendo todos os delitos militares julgados pela Justiça Militar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPITULO 4: A TUTELA ADMINISTRATIVA

            1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

            MARIA SYLVIA, referindo-se a OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, indica duas versões da origem do vocábulo administração:

            "Para uns, vem de ad (preposição) mais ministro, as, are (verbo), que significa servir, executar; para outros, vem de ad manus thaere, que envolve a idéia de direção ou gestão. Nas duas hipóteses, há o sentido de relação de subordinação, de hierarquia." [129] (destaquei)

            Em resumo, o vocábulo tanto abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como a atividade subordinada de executar. Em ambas as atividade, há sempre uma vontade externa ao administrador a impor-lhe a orientação a seguir. No caso da administração pública, a vontade externa decorre da lei que fixa a finalidade a ser perseguida pelo administrador.

            A lei é a principal fonte de cognição dos princípios e regras que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado, ou seja, do Direito Administrativo [130].

            1.2 Os princípios que regem a administração pública

            Os princípios representam papel relevante na administração pública, haja vista que o Direito Administrativo não é codificado, ou seja, não é um sistema, onde há uma parte geral organizando e harmonizando a aplicação das partes específicas. Dessa forma, os princípios permitem que a Administração e o Judiciário estabeleçam o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados (liberdade do indivíduo) e as prerrogativas da Administração (autoridade da Administração).

            Os dois princípios fundamentais que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrativo são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que não são específicos do direito administrativo, mas essenciais para todo os ramos do direito público.

            A Constituição Federal inovou ao fazer expressa menção a alguns princípios a que se submete a Administração Pública, como os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade e eficiência [131].

            Outros princípios foram introduzidos por legislações extravagantes, - leis n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), n° 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações e Contratos) e n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 ( Lei de Concessões e Permissões públicas) – como os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

            2. A ADMINISTRAÇÃO MILITAR

            A administração militar compõe-se de um conjunto de órgãos distribuídos pelos diferentes escalões das Forças Armadas, objetivando operacionalizar suas atividades, ou seja, a consecução da sua desatinação constitucional: salvaguarda da Pátria, garantia dos Poderes constituídos, da lei e da ordem [132].

            Além das funções mencionadas, as Forças Armadas ainda são responsáveis por inúmeras outras atividades subsidiárias, entre as quais, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil; orientar e controlar a Marinha Mercante e sua atividades correlatas, no que interessa a defesa nacional; prover a segurança da navegação aérea e operar o Correio Aéreo Nacional [133].

            Portanto, a Administração Militar é espécie especialíssima da administração pública comum, que dela não discrepa, mas antes com ela se coaduna, que em decorrência da natureza única da sua atividade estatal, impõe-se-lhe direitos e deveres especiais, que devidos a sua importância são tutelados de forma distinta na CF/88.

            2.1 Os princípios que regem a administração militar

            Além dos princípio que regem a administração pública comum, o texto constitucional destacou que a administração pública militar rege-se pelos princípios da hierarquia e disciplina [134]. Toda a administração pública rege-se pelos princípios da hierarquia e da disciplina, de onde decorre o poder disciplinar, contudo esses princípios estão expressos na CF/88 somente no Capítulo da Forças Armadas, para demonstrar a sua relevância para as instituições militares.

            A CF/88 destacou, ainda, em capítulo separado, as disposições específicas a serem aplicadas aos militares [135], além das que vierem a ser fixadas em lei, consideradas as peculiaridades de suas atividades.

            Parece inequívoco que os princípios constitucionais que regem a administração militar possuem relativa autonomia e especialidade em relação aos princípios regentes da administração pública comum, sendo delegado a lei ordinária a disposição de grande parte deles.

            3. O ESTATUTO DOS MILITARES

            A lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, que foi recepcionado pela CF/88, regula a situação, obrigação, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas. Ela é a principal fonte de natureza administrativa na tutela da hierarquia e disciplina militar.

            O Estatuto dos Militares sintetiza toda a especialidade da atividade militar ao expressar o conceito de dever militar [136]:

            "Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar a Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente: I

            I – a dedicação e a fidelidade a Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida;

            (...);

            IV – a disciplina e o respeito a hierarquia; (...)" (destaquei)

            Para o militar, a Pátria é um bem jurídico superior a sua própria vida. Desse modo, um mesmo fato do mundo, possui valor diferente quando aplicáveis ao militar e ao cidadão comum são diferentes. É dentro desse contexto que surge a necessidade da existência de normas especiais (diferentes) para tutelar os fatos que envolvem a administração militar. Daí, a razão porque os membros das Forças Armadas constituírem uma categoria especial de servidores da Pátria.

            A violação dos referidos deveres e obrigações militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específica. Os regulamentos disciplinares da Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas a amplitude e aplicação das penas disciplinares. [137]

            4. OS REGULAMENTOS DISCIPLINARES DA FORÇAS ARMADAS

            Inicialmente, cabe ressaltar que as disposições dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas aplicam-se apenas ao militares da ativa, da reserva e reformados, haja vista que os civis empregados na Administração Militar não se submetem ao princípio da hierarquia e da disciplina militar, mas ao princípio da hierarquia e da disciplina comum a Administração Pública.

            Consoante disposição do Estatuto dos Militares, cada Força deverá elaborar regulamento disciplinar próprio. Desta forma, um decreto da Presidência da República ou uma portaria do Ministério da Defesa torna-se instrumento formalmente adequado para operacionalizar a referida matéria. Desse modo, foram instituídos os Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer) - Decreto 76.322, de 22 de setembro de 1975; Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM) – Decreto 88.545, de 26 de julho de 1983; Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) – Decreto 90.608, de 4 de dezembro de 1984, revogado pelo Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, o atual R-4.

            Os referidos regulamentos disciplinares dispõem sobre a conceituação de transgressão disciplinar, a especificação das condutas consideradas transgressão, a competência e a forma de apuração dessa condutas, as punições e os recursos cabíveis.

            Todavia, os requisitos formais acerca da elaboração das normas que tratam das punições disciplinares foram modificados com o advento da CF/88, conforme o art. 5°, inc. LXI:

            "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."

            Da referida norma, extraí-se que em ambos os casos (transgressão militar e crime propriamente militar) exige-se a elaboração de lei ordinária para a garantia da legalidade das referidas prisões. Logo, pelos regras de recepção das leis, os decretos que instituíram os regulamentos disciplinares foram recepcionados pela nova Constituição Federal como lei ordinária, naquilo que não for com ela incompatível.

            Recentemente, o Exército Brasileiro alterou o seu regulamento disciplinar por meio de decreto [138] presidencial, causando grande divergência doutrinária acerca da matéria. Aqueles que defendem a atual instituição de regulamento disciplinar por meio de decreto, justificam que a exigência constitucional de lei ordinária para regulamentar as transgressões disciplinares, encontram-se satisfeitas nos art. 42 e 47 do Estatuto dos Militares, que delega competência para que cada Força possa regulamentar essa matéria por meio de Decreto:

            "Art.42 – A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas."

            "Art.47 – Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares."

            Divergindo da tese anterior, MAURÍCIO ZANÓIDE [139] entende que somente lei ordinária poderá satisfazer a exigência legal do art. 5°, inc. LXI, da CF/88, haja vista a clareza da norma constitucional. Assevera, ainda, que o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) é anterior a CF/88, logo o disposto nos arts. 42 e 47 do Estatuto não foram recepcionados pela Lei Maior.

            A presente questão ainda foi apreciada pelo Judiciário e tem sido cerne de boas divergências doutrinárias. Nosso entendimento acerca do tema encontra-se inserido no Capítulo que trata do cabimento de habeas corpus em ato administrativo que aplica punição disciplinar.

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            5. A TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

            Transgressão disciplinar militar, em síntese, é "qualquer violação dos preceitos da ética, dos deveres e das obrigações militares, na sua manifestação elementar e simples" [140]. Os regulamentos disciplinares de cada Força estabelecem o seu respectivo rol de infrações disciplinares, 84 na Marinha, 100 na Aeronáutica e 121 no Exército.

            Todavia, os regulamentos disciplinares trazem expresso "que são também consideradas transgressões todas as omissões do dever militar não especificadas no regulamento disciplinar e não classificadas como crimes nas leis penais militares, contra os símbolos nacionais, contra a honra e o pundonor individual, contra o decoro de classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente." [141]

            Na lição de HELY LOPES [142], "não se aplica ao poder disciplinar o princípio da pena específica que domina inteiramente o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistência da infração penal sem prévia lei que a defina e apene: ‘nullum crime nulla poena sine lege’", no mesmo sentido MARIA SYLVIA [143].

            Assim, o superior hierárquico exercendo essa característica discricionária do poder disciplinar, verificará os deveres do infrator em relação ao serviço e a falta cometida, aplicará a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas. Não se trata de "tipo administrativo aberto" ou "norma administrativa em branco", mas de discricionariedade do administrador, que deverá fundamentar o ato administrativo que aplicou a punição disciplinar, conforme exigência constitucional [144].

            5.1 O procedimento e o processo disciplinar militar

            A apuração regular da falta disciplinar é indispensável para a legalidade da punição interna da Administração. O discricionarismo do poder disciplinar não vai ao ponto de permitir que o superior hierárquico puna arbitrariamente o subordinado.

            O procedimento adotado na administração militar para a apuração das transgressões disciplinares são a audiência ( procedimento sumária) e a sindicância (processo administrativo). As disposições da lei do processo administrativo no âmbito da administração federal aplicam-se subsidiariamente aos referidos procedimentos específicos e plenamente na apuração das faltas dos servidores civis da Administração Militar que são regidos pela Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou pela CLT.

            Audiência, como o próprio nome já explica, é o procedimento sumário de apuração dos fatos realizado pelo oficial responsável (normalmente o chefe imediato na Marinha e no Exército; na Marinha, além do chefe imediato, o subordinado é ouvido pelo Sub-Comandante e pelo Comandante da Organização Militar) pela suposta infração, quando ele ouve o subordinado e se necessário realiza diligências simples e aplica a punição cabível, publicando-a em Boletim Interno da Organização Militar. Esse procedimento é sumário porque a sua solução deve ser apresentada em três dias [145] úteis ou 48 horas [146] a contar da ciência dos fatos pelo oficial responsável pelo subordinado transgressor, e rege-se exclusivamente pelo princípio da oralidade.

            Quando forem necessários maiores esclarecimentos sobre a transgressão, deverá ser procedida sindicância [147]. Será designado um oficial de hierarquia superior ao sindicado, acompanhado de um escrivão, para realizar todas as diligências necessárias, e apresentar relatório e conclusão do que restou apurado para o Comandante da Organização Militar, que decidirá as medidas cabíveis, inclusive no que tange a aplicação de punições.

            Em ambos procedimentos, as legislações militares que regulam a matéria explicitam a observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como o cabimento de pedido de reconsideração e recurso hierárquico.

            6. A PUNIÇÃO DISCIPLINAR

            O ato da administração que aplica a punição disciplinar, espécie de ato administrativo, que por sua vez, é uma espécie de ato jurídico.

            Ensina HELY LOPES MEIRELLES que "ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria." [148]

            A formação de todo ato administrativo, da qual o ato administrativo disciplinar é espécie, revela nitidamente a existência de cinco requisitos essenciais: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Sem a convergência desses elementos não se aperfeiçoa o ato e, consequentemente, não terá condições de eficácia para produzir efeitos válidos

            Caracteriza-se o ato administrativo punitivo pela larga margem de discricionariedade com que age a administração pública, quer quanto a escolha da penalidade ou quanto a gradação da pena, desde que conceda ao interessado a possibilidade de defesa

            Assim, a punição administrativa disciplinar decorre da supremacia especial que o Estado exerce sobre os administrados, visando o controle do desempenho das funções estatais e a conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas [149].

            A punição disciplinar militar é o ato administrativo que objetiva a preservação da hierarquia e da disciplina militar, tendo em vista o benefício ao punido, pela sua reeducação, e à Organização Militar, pelo fortalecimento da disciplina e da justiça.

            Segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão disciplinar, as punições a que estão sujeitos os militares, em ordem de gravidade crescente, são: advertência (verbal ou por escrito), repreensão, detenção, prisão (fazendo ou não serviço) e licenciamento e exclusão a bem da disciplina (demissão ex officio das fileiras da corporação aplicáveis aos praças), observando que as punições de detenção e prisão não podem ultrapassar 30 dias.

            As punições de detenção ou prisão na retenção do transgressor em local apropriado no interior da Organização Militar. Os cabos, soldados e taifeiros punidos com prisão disciplinar devem recolher-se ao "xadrez".

            A motivação da punição disciplinar é imprescindível para a validade da pena. O discricionarismo do poder disciplinar circunscreve-se a escolha da penalidade dentre as várias possíveis, a gradação da pena, a oportunidade, e conveniência da sua imposição. Inadmissível porém é que deixe de indicar claramente o motivo e os meios regulares que usou para a verificação da falta, objeto da punição disciplinar.

            7. O CONTROLE DO JUDICIÁRIO

            O controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado Democrático de Direito. De nada adiantaria sujeitar-se a administração pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão externo dotado com as garantias de imparcialidade necessária para apreciar e invalidar os atos ilícitos praticados pela referida administração. [150]

            No nosso sistema de jurisdição judicial única, consagrado pelo preceito constitucional [151] de que não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, individual ou coletivo, a Justiça tem a faculdade de julgar todo ato de administração praticado por agente de qualquer dos órgãos ou Poderes de Estado.

            O controle do Judiciário, entretanto, limita-se apenas ao controle da legalidade e legitimidade do ato impugnado, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre a conveniência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito administrativo. No entendimento de HELY LOPES MEIRELLES [152], legalidade é a conformidade do ato com a norma que o rege; legitimidade é a conformidade do ato com os princípios básicos da Administração Pública, em especial: os de interesse público, moralidade, finalidade e razoabilidade - princípios indissociáveis de toda administração pública.

            Esse entendimento é confirmado pela orientação do STF, ao julgar que:

            "a legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidade extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo." [153]

            Em síntese, a punição disciplinar deve conter todos os requisitos essenciais do ato administrativo para produzir eficácia jurídica. Sujeita-se, como todo ato administrativo, discricionário ou não, aos limites do controle do Judiciário. Dessa forma, a punição disciplinar militar, instrumento de tutela administrativa da hierarquia e da disciplina, imposta pela Administração Militar Federal será submetida a apreciação da Justiça Federal Comum, conforme disposto no art. 109, I, da CF/88. Tal atribuição tem sido objeto de discussão no âmbito da Justiça Militar, sob o enfoque de ser ou não conveniente a ampliação de sua competência para julgar as questões administrativas que envolvam a tutela da hierarquia e disciplina militar.

            7.1 O habeas corpus nas punições disciplinares

            Grande é a polêmica acerca do cabimento de habeas corpus em punição disciplinar, o que enseja estudo próprio. Todavia, este não é o objeto deste trabalho.

            A Constituição do Brasil preconiza de forma expressa, que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares" [154]. A interpretação literal desse dispositivo deixa antever que, em hipótese alguma, caberá a medida constitucional de habeas corpus em face de punições disciplinares aplicadas aos servidores militares.

            Por certo, a essência ou a razão da referida vedação constitucional é a salvaguarda da hierarquia e da disciplina militar, pilares das instituições militares, e que as fazem subsistir ao longo dos séculos, como já apresentado.

            Todavia, a jurisprudência é pacífica no conhecimento de habeas corpus impetrado em relação a punição disciplinar, no que tange à restrita apreciação dos aspectos de legalidade [155] e legitimidade [156] do ato administrativo punitivo:

            "O entendimento relativo ao parágrafo 20 do artigo 153 da Emenda Constitucional n°1/69, segundo o qual o princípio de que nas transgressões disciplinares não cabia habeas corpus, não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a função susceptível de ser aplicada disciplinarmente), continua válido para o disposto no parágrafo 2° do artigo 142 da atual Constituição que é apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessa transgressões disciplinares, pois a limita às de natureza militar". (STF – 1ª Turma – HC 70648/RJ – DJ 04.03.94 – Rel. Min. Moreira Alves). (destaquei)

            "Habeas Corpus. Militar. Pena disciplinar. Art. 142, § 2°, da Lei Magna. Incabível nos termos do art. 142, § 2°, da Carta da República, habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. A restrição, todavia, circunscreve-se ao exame de mérito. Os aspectos extrínsecos do ato que aplicou a punição disciplinar podem, contudo, ser objeto de apreciação pela via do Mandamus." (STJ - HC 5397 – DJ 08.04.97 – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca). (destaquei)

            Todavia, o Juiz Federal CÁSSIO GRANZINOLI [157] apresenta uma outra possibilidade do cabimento de habeas corpus, até então pouco aventada pela doutrina e jurisprudência pátria – sobretudo no que pertine as transgressões disciplinares militares – que é a do aparente conflito entre normas constitucionais.

            Como já dito no início, a CF/88 preconiza em seu art. 142, § 2°, de forma expressa, que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares". Essa mesma Constituição, todavia, prevê em seu art. 5°, XIII, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer".

            Logo, o que fazer para solucionar o conflito aparente de normas [158] resultante da prisão disciplinar de um militar que não pede autorização administrativa de seu comandante para prestar concurso público?

            Já se sabe que os métodos tradicionais [159] para a solução de antinomias não são suficientes para resolver o conflito de normas constitucionais.

            Portanto, para o deslinde dessa questão há necessidade de socorrer-se a outros métodos, como a da ponderação de bens e interesses. Segundo este método, devem ser analisadas todas as normas e valores envolvidos no casos concreto, sendo o objetivo maior do intérprete o de lograr, dentro do possível, a concordância prática entre eles, de modo a atingir cada um apenas no limite necessário.

            No caso em exame, a norma disciplinar que exige a autorização prévia para a realização de concurso público não está a tutelar a hierarquia e a disciplina militar, afigurando-se mais como norma restritiva e ameaçadora àqueles que não querem mais pertencer as instituições militares, do que resguardar ao próprio regime militar.

            Em suma, pela aplicação do princípio da ponderação de bens em disputa, deve ser afastada no caso em concreto a interpretação literal e absoluta do preceito do art. 142, § 2°, da CF/88, que impede o uso de habeas corpus em face de punições disciplinares, para se dar maior aplicação a norma constitucional que garante o livre acesso a qualquer trabalho, ofício ou profissão.

            8. O CONTROLE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

            Na tutela administrativa da hierarquia e da disciplina militar, a atividade ministerial somente pode ser exercida pelo Ministério Público Federal (âmbito das Forças Armadas) ou Estadual (âmbito das Polícias e Bombeiros Militares).

            Nesses casos, o Ministério Público participará como fiscal da lei nos habeas corpus em relação a punições disciplinares.

            9. O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR

            Na lição do mestre HELY [160], controle administrativo é todo aquele que o Executivo e os órgãos de administração dos demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando a mantê-la dentro da lei, segundo as necessidades do serviço, pelo que é um controle de legalidade e de mérito. [160]

            Os meios de controle administrativo, de um modo geral, bipartem-se em fiscalização hierárquica e recursos administrativos.

            A fiscalização hierárquica é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma administração. Na administração militar, todo superior hierárquico é responsável pela correção de atitudes dos subordinados, devendo comunicar a autoridade competente toda conduta irregular de subordinado. [161]

            Os recursos administrativos, em sentido amplo, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame da decisão interna pela própria administração, por razoes de mérito administrativo ou de legalidade.

            Conforme já exposto, nos regulamentos disciplinares estão contemplados os pedidos de reconsideração e os recursos hierárquicos, proporcionando ao subordinado a possibilidade de terem suas punições disciplinares revistas pela Administração.

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Sobre o autor
Alexandre Reis de Carvalho

capitão-aviador da Força Aérea Brasileira, bacharel em Direito pela USP, especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público pela FESMPDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Alexandre Reis. A tutela jurídica da hierarquia e da disciplina militar:: aspectos relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 806, 17 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7301. Acesso em: 25 dez. 2024.

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