INTRODUÇÃO
A Lei nº 12.414/2011 regula os bancos de dados que contenham cadastros positivos de consumidores.
Tais cadastros indicam o nível de adimplemento dos consumidores, formando um histórico de crédito. Possuem a finalidade de subsidiar a concessão de crédito, a realização de venda a prazo ou de outras transações comerciais e empresariais que impliquem risco financeiro. Por tais razões, tornaram-se popularmente conhecidos como cadastro de bons pagadores.
Recentemente, a Lei Complementar nº 166/2019 introduziu diversas inovações na Lei nº 12.414/2011, alterando as normas sobre o cadastro positivo de consumidores. Com o intuito de realizar uma breve análise sobre o novo panorama normativo, tecemos as considerações a seguir.
2. REGRAMENTO DO CADASTRO POSITIVO DE CRÉDITO APÓS AS INOVAÇÕES DA LEI COMPLEMENTAR Nº 166/2019
De início, cumpre registrar que a Lei nº 12.414/2011 abarca os dados tanto de pessoas físicas quanto jurídicas. Contudo, somente disciplina os bancos de dados privados. Há expressa determinação de que os bancos de dados instituídos ou mantidos por pessoas jurídicas de direito público interno serão regidos por legislação específica.
Dito isso, passemos, efetivamente, à análise da Lei nº 12.414/2011, com as inovações da Lei Complementar nº 166/2019.
Dentre as inovações introduzidas pela Lei Complementar nº 166/2019, está a modificação do conceito de gestor. A redação original apresentava amplo conceito, considerando como gestor a pessoa jurídica responsável pela administração de banco de dados, bem como pela coleta, armazenamento, análise e acesso de terceiros aos dados armazenados. Contudo, a partir do novel diploma legislativo, o conceito passou a ser mais restrito, devendo o gestor atender aos requisitos mínimos de funcionamento previstos na Lei nº 12.414/2011 e em regulamentação complementar.
Houve alteração, também, no que se refere ao conceito de cadastrado. Na redação original da Lei nº 12.414/2011, considerava-se como cadastrado a pessoa natural ou jurídica que tivesse autorizado inclusão de suas informações no banco de dados. A partir do advento da Lei Complementar nº 166/2019, tal autorização tornou-se despicienda. Com a nova lei, a inclusão de uma pessoa em um cadastro poderá ser realizada independentemente de sua prévia anuência. Restará ao consumidor tão-somente a possibilidade de requerer a exclusão de seus dados do cadastro, com fulcro no artigo 5º, I, da Lei nº 12.414/2011.
O conceito de fonte também foi modificado. Na redação original da Lei nº 12.414/2011, considerava-se fonte a pessoa natural ou jurídica que concedesse crédito ou realizasse venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais que lhe impliquem risco financeiro. A partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 166/2019, o conceito será mais abrangente. Será considerada fonte a pessoa natural ou jurídica que conceda crédito, administre operações de autofinanciamento ou realize venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais que lhe impliquem risco financeiro, inclusive as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e os prestadores de serviços continuados de água, esgoto, eletricidade, gás, telecomunicações e assemelhados.
Foi mantido o dever de as informações armazenadas no banco de dados serem objetivas, claras, verdadeiras, de fácil compreensão e necessárias para avaliar a situação econômica do cadastrado. Do mesmo modo, continuam proibidas as anotações de informações excessivas (que não estiverem vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor) ou sensíveis (pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas).
Como já dito, a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 166/2019, não mais se exigirá a autorização da pessoa natural ou jurídica para sua inclusão no cadastro. O gestor estará autorizado a, nas condições estabelecidas na Lei 12.414/2011: abrir cadastro em banco de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas, bem como fazer alterar tal cadastro; compartilhar as informações cadastrais e de adimplemento armazenadas com outros bancos de dados; e disponibilizar aos consulentes a nota ou pontuação de crédito elaborada com base nas informações de adimplemento armazenadas e o histórico de crédito, mediante prévia autorização específica do cadastrado.
Apesar de não ser mais necessária a prévia autorização, o cadastrado deverá ser comunicado da inclusão, no prazo de até trinta dias após a abertura do cadastro no banco de dados. Tal comunicação deverá ser realizada pelo gestor (diretamente ou por intermédio de fontes), com base nos dados cadastrais fornecidos pela fonte, e não terá custo para o cadastrado. E deverá informar, de maneira clara e objetiva, os canais disponíveis para o cancelamento do cadastro no banco de dados. Mas tal comunicação ficará dispensada no caso de o cadastrado já possuir cadastro aberto em outro banco de dados.
As informações do cadastrado somente poderão ser disponibilizadas aos consulentes sessenta dias após a abertura do cadastro, devendo ser observada a obrigação do gestor de manter procedimentos adequados para comprovar a autenticidade e a validade da autorização específica do cadastrado quando a disponibilização do histórico de crédito.
No que toca ao prazo de permanência das informações no banco de dados, não houve alteração. As informações de adimplemento não poderão constar de bancos de dados por período superior a quinze anos.
Ademais, as informações continuam podendo ser acessadas apenas por consulentes que com ele mantiverem ou pretenderem manter relação comercial ou creditícia.
No que tange aos direitos do cadastrado, a Lei Complementar nº 166/2019 alterou o rol do artigo 5º da Lei nº 12.414/2011. Agora, o cadastrado pode: obter o cancelamento ou a reabertura do cadastro, quando solicitado; acessar gratuitamente, independentemente de justificativa, as informações sobre ele existentes no banco de dados, inclusive seu histórico e sua nota ou pontuação de crédito, cabendo ao gestor manter sistemas seguros, por telefone ou por meio eletrônico, de consulta às informações pelo cadastrado; solicitar a impugnação de qualquer informação sobre ele erroneamente anotada em banco de dados e ter, em até dez dias, sua correção ou seu cancelamento em todos os bancos de dados que compartilharam a informação; conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de risco, resguardado o segredo empresarial; ser informado previamente sobre a identidade do gestor e sobre o armazenamento e o objetivo do tratamento dos dados pessoais; solicitar ao consulente a revisão de decisão realizada exclusivamente por meios automatizados; e ter os seus dados pessoais utilizados somente de acordo com a finalidade para a qual eles foram coletados.
A Lei Complementar nº 166/2019 trouxe a expressa previsão de que as solicitações de cancelamento e de reabertura do cadastro deverão ser realizadas de forma gratuita, do cadastrado ao gestor, por meio telefônico, físico e eletrônico. Tais solicitações criam para o gestor as obrigações de encerrar ou reabrir o cadastro (no prazo de até dois dias úteis) e de transmitir a solicitação aos demais gestores. Aliás, os demais gestores também deverão, no mesmo prazo, atender à solicitação do cadastrado.
É imperioso ressaltar que, se a pessoa natural ou jurídica tiver manifestado previamente (por meio telefônico, físico ou eletrônico), a vontade de não ter aberto seu cadastro, o gestor deverá proceder, automaticamente, ao cancelamento do cadastro.
Cancelado o cadastro, as informações do histórico de crédito não mais poderão ser usadas, pelos gestores, para os fins previstos na Lei nº 12.414/2011. Inclusive para a composição de nota ou pontuação de crédito de terceiros cadastrados.
Com relação às obrigações dos gestores, foi mantida a de fornecer ao cadastrado todas as informações sobre ele constantes de seus arquivos, no momento da solicitação. E, no prazo de dez dias (e não mais de sete dias), os gestores também devem indicar as fontes das informações, os outros gestores com os quais as informações foram compartilhadas, e todos os consulentes que tiveram acesso a qualquer informação sobre ele nos seis meses anteriores à solicitação. No mesmo prazo de dez dias, também deve fornecer ao cadastrado cópia de texto com o sumário dos seus direitos, definidos em lei ou em normas infralegais pertinentes à sua relação com gestores, bem como a lista dos órgãos governamentais aos quais o cadastrado poderá recorrer, caso considere que esses direitos foram infringidos. Cabe ao gestor, ainda, fornecer ao cadastrado confirmação de cancelamento do cadastro.
Além disso, os gestores de bancos de dados não podem estabelecer políticas ou realizar operações que impeçam, limitem ou dificultem o acesso a informações sobre ele existentes no banco de dados, inclusive o seu histórico.
É importante destacar que as informações disponibilizadas nos bancos de dados continuam podendo ser utilizadas somente para fins específicos, expressamente determinados no artigo 7º da Lei nº 12.414/2011. Ou seja, somente podem ser utilizadas para a realização de análise de risco de crédito do cadastrado ou para subsidiar a concessão ou extensão de crédito e a realização de venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais que impliquem risco financeiro ao consulente.
A nova norma inseriu, ainda, o artigo 7º-A, que estabelece a vedação de utilização, nos elementos e critérios considerados para composição da nota ou pontuação de crédito de pessoa cadastrada, das informações: que não estiverem vinculadas à análise de risco de crédito e aquelas relacionadas à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, ao sexo e às convicções políticas, religiosas e filosóficas; de pessoas que não tenham com o cadastrado relação de parentesco de primeiro grau ou de dependência econômica; e relacionadas ao exercício regular de direito pelo cadastrado, de acesso gratuito às informações sobre ele existentes no banco de dados.
Verifica-se, assim, que Lei Complementar nº 166/2019 positivou a utilização do escore de crédito, prática que já havia sido considerada válida pela jurisprudência, conforme enunciado 550 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 550: A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo. (STJ. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015)
Em atenção ao princípio da transparência, o gestor deverá disponibilizar em seu sítio eletrônico, de forma clara, acessível e de fácil compreensão, a sua política de coleta e utilização de dados pessoais para fins de elaboração de análise de risco de crédito. A política de coleta e utilização de dados sujeita-se a verificação, na forma de regulamentação a ser expedida pelo Poder Executivo.
Dentre as obrigações das fontes, a Lei Complementar nº 166/2019 revogou os incisos I e II do artigo 8º da Lei nº 12.414/2011, mas manteve os deveres de: manter sistemas seguros, por telefone ou por meio eletrônico, de consulta para informar aos consulentes as informações de adimplemento do cadastrado; manter os registros adequados para verificar informações enviadas aos gestores de bancos de dados; e de fornecer informações sobre o cadastrado, em bases não discriminatórias, a todos os gestores de bancos de dados que as solicitarem, no mesmo formato e contendo as mesmas informações fornecidas a outros bancos de dados. Além disso, ampliou para dez dias o prazo para atualização e correção das informações enviadas aos gestores.
Apesar de ter sido conferida nova redação ao parágrafo único do artigo 8º, continua sendo vedado às fontes estabelecer políticas ou realizar operações que impeçam, limitem ou dificultem a transmissão a banco de dados de informações de cadastrados.
No que tange ao compartilhamento de informações de adimplemento, foi excluída a exigência de prévia autorização do cadastrado, por meio de meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada. O compartilhamento poderá ser realizado na forma do inciso III do “caput" do art. 4º da Lei 12.414/2011.
Importante ressaltar que o gestor com o qual a informação foi compartilhada é equiparado ao gestor que anotou originariamente a informação, inclusive quanto à responsabilidade por eventuais prejuízos a que der causa e ao dever de receber e processar impugnações ou cancelamentos e realizar retificações. E o gestor originário é responsável pela manutenção, de forma atualizada, das informações cadastrais nos demais bancos de dados com os quais compartilhou informações, sem nenhum ônus para o cadastrado.
Também cabe ao gestor assegurar, sob pena de responsabilidade, a identificação da pessoa que promover qualquer inscrição ou atualização de dados relacionados com o cadastrado.
No que diz respeito às limitações do gestor, foi mantida a proibição de o gestor exigir exclusividade das fontes de informações.
Dentre as alterações normativas temos, ainda, a que se refere ao fornecimento de dados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. A partir da entrada em vigor das novas normas, tais instituições fornecerão, somente aos gestores registrados no Banco Central do Brasil, as informações relativas a suas operações de crédito, de arrendamento mercantil e de autofinanciamento realizadas por meio de grupos de consórcio e a outras operações com características de concessão de crédito.
As hipóteses de previsão de regulamentação pelo Poder Executivo foram ampliadas, e agora serão realizadas em especial quanto: ao uso, à guarda, ao escopo e ao compartilhamento das informações recebidas por bancos de dados; aos procedimentos aplicáveis aos gestores de banco de dados na hipótese de vazamento de informações dos cadastrados, inclusive com relação à comunicação aos órgãos responsáveis pela sua fiscalização, nos termos do § 1º do art. 17; e ao disposto nos arts. 5º e 7º-A.
Foi mantida a previsão de responsabilidade objetiva e solidária do banco de dados, da fonte e do consulente, pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado,. Contudo, foi introduzida a especificação de que a responsabilidade será nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
Também restou inalterada a previsão de que, nas situações em que o cadastrado for consumidor, aplicam-se as sanções e penas previstas no CDC. O §2º do artigo 17 teve a redação adaptada ao novo paradigma criado pela Lei Complementar nº 166/2019, passando a prever que, em tais casos, a fiscalização e a aplicação das sanções serão exercidas concorrentemente pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação administrativa.
Os órgãos de proteção e defesa do consumidor continuam podendo aplicar medidas corretivas, estabelecendo obrigações de fazer para a exclusão do cadastro de informações incorretas e para o cancelamento dos cadastros de pessoas que não autorizaram a abertura. Mas o prazo para cumprimento das medidas pelos bancos de dados foi alterado de sete para dez dias.
Foi introduzida, ainda, a previsão de que a quebra do sigilo previsto na Lei Complementar nº 105/2001 sujeita os responsáveis às penalidades previstas no art. 10 da referida norma, sem prejuízo do disposto no CDC.
No que toca à vigência das alterações introduzidas pela LC 166/2019, há duplicidade de regramento. As modificações relativas ao “caput" e ao § 6º do art. 12 da Lei nº 12.414/2011 entraram em vigor na data de sua publicação. Enquanto isso, as outras alterações terão “vacatio legis” de 91 dias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, pode-se concluir que a principal modificação introduzida pela Lei Complementar nº 166/2019 na Lei nº 12.414/2011 foi a relativa à previsão da possibilidade das pessoas físicas e jurídicas serem incluídas nos bancos de dados de cadastro positivo sem sua prévia solicitação.
Contudo, tal inovação, mesmo que por via transversa, não excluiu a necessidade de anuência do cadastrado para permanência dos dados no banco. As informações do cadastrado somente poderão ser disponibilizadas aos consulentes sessenta dias após a abertura do cadastro. Além disso, o cadastrado pode requerer o descadastramento a qualquer tempo.
Também foi relevante a positivação do instituto do escore de crédito, cuja licitude já havia sido reconhecida pela Superior Tribunal de Justiça.
REFERÊNCIAS
BESSA, Leonardo Roscoe. Cadastro Positivo: comentários à Lei 12.414, de 9 de junho de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BRASIL. Lei nº 12.414/2011. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12414.htm>. Acesso em: 10/04/2019.
BRASIL. Lei nº 12.414/2011. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp166.htm>. Acesso em: 10/04/2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 550, Segunda Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. LC 166/2019: <altera as regras do cadastro positivo de crédito. Publicado em 09/042019. Disponível em https://www.dizerodireito.com.br/2019/04/lc-1662019-altera-as-regras-do-cadastro.html>. Acesso em: 10/04/2019.