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Justiça Militar e o Estado Democrático de Direito

24/09/2005 às 00:00
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A Justiça Militar existe no Brasil desde 1808, quando D. João VI veio para a Colônia Portuguesa da América juntamente com a família Real, deixando a Corte sediada na cidade de Lisboa em decorrência das hostilidades que estavam sendo praticadas pelo General Napoleão Bonaparte, Imperador dos Franceses, que impôs o Bloqueio Continental contra a Inglaterra.

A Justiça Militar da União possui previsão constitucional desde a Constituição Federal de 1934, e a Justiça Militar Estadual desde a Constituição Federal de 1946, ou seja, em data muito anterior ao movimento de 1964. Os Juízes-Auditores integram o Poder Judiciário, Federal ou Estadual, com todas as garantias asseguradas aos magistrados, vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos. A Constituição Federal de 1988 seguindo a tradição constitucionalista inaugurada com texto de 1934 novamente fez previsão expressa tanto no aspecto federal como estadual da Justiça Militar.

Afirmar que a Justiça Militar Estadual é originária do regime de exceção é contrariar os textos constitucionais que foram promulgados durante a República. A Justiça Militar possui autonomia e independência, e não pertence a Polícia Militar ou ao Corpo de Bombeiros Militar. A Justiça Castrense integra o Poder Judiciário, e no decorrer dos anos vem cumprindo com as suas funções constitucionais.

No Estado de Minas Gerais, a Justiça Militar Estadual, no ano de 2004, completou 67 anos de existência. Com base neste fato, qual o fundamento para se afirmar que a Justiça Militar possui origem no regime totalitário que foi instalado no Brasil no ano de 1964?

É importante se observar que a Justiça Militar possui uma função essencial no Estado democrático de Direito, uma vez que exerce de forma efetiva o controle das atividades desenvolvidas pelas Forças Policiais, que são responsáveis pela preservação dos direitos e garantais fundamentais do cidadão previstos no art. 5 º, da CF, e nos tratos internacionais que foram subscritos pela República Federativa do Brasil.

O fato de a Justiça Castrense ser um órgão colegiado em 1º grau não configura nenhuma violação a tradição constitucional e processual. Nos países europeus, que seguem a tradição da família romano-germânica, a mesma observada pelo Brasil, como por exemplo, a Itália e a França, o juízo de 1 ª instância é constituído por um órgão colegiado, como muito bem retratou Piero Calamandrei em sua obra, "Eles os juízes vistos por um advogado", Editora Martins Fontes.

Na Justiça Militar não existe nenhum privilégio aos jurisdicionados, mas um efetivo controle dos atos policiais que são praticados, condenando-se o acusado quando existem provas de autoria e materialidade que demonstrem a sua culpabilidade, e absolvendo-o quando não existem elementos que possam levar a certeza da violação dos atos descritos na denúncia. Afinal, este é o fundamento da teoria geral do processo que se aplica no Estado democrático de Direito.

A Justiça Castrense é uma Justiça Especializada como a Justiça do Trabalho e a Eleitoral, e nos Estados-membros da Federação cumpre com as suas funções previstas na Lei de Organização Judiciária, e na Constituição Federal, com um orçamento inferior a 1% do orçamento destinado ao Poder Judiciário Estadual.

Os crimes militares, se fossem remetidos a uma Vara Criminal Comum, exigiriam muitas vezes conhecimentos que não são peculiares aos operadores do direito, como o significado de uma deserção, insubmissão, motim, abandono de posto, crimes contra a Administração Militar, desacato contra superior, crime contra o comandante do navio, oficial de quarto, dia, entre outros ilícitos próprios da vida na caserna.

O Estado de Direito não impede a existência de uma Justiça Militar, ou mesmo de Forças Policiais uniformizadas. O Estado organizado com base em uma Constituição Federal pressupõe o respeito à lei para que os grupos sociais possam conviver em harmonia, o que permite inclusive a existência de uma Lei de Segurança Nacional para julgar os crimes contra o Estado.

A Justiça Militar Estadual possui previsão constitucional e uma função essencial no ordenamento jurídico, a qual vem sendo cumprida no decorrer dos anos. A população busca uma ordem pública efetiva que é garantida pelas Forças Policiais, e a Justiça Militar assegura que a lei seja observada e respeitada pelos integrantes das Forças Auxiliares no exercício de suas funções.

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Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

DOM PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito Titular da 2ª Unidade Judicial da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Justiça Militar e o Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 813, 24 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7326. Acesso em: 20 abr. 2024.

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