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Cooperativas de trabalho:

fraude aos direitos dos trabalhadores

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28/09/2005 às 00:00
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3. O cooperativismo de trabalho e suas diferenças

O cooperativismo de trabalho é um eficiente e justo distribuidor de rendas, elimina a intermediação, proporciona autonomia de trabalho e dá mais segurança ao trabalhador associado, o empregado deixa de ser submisso a terceiros e passa a ser o próprio chefe.

O trabalho cooperado é solidário e autodemocrático, uma alternativa desde mantidos os ideais do cooperativismo para gerar, manter e recuperar postos de trabalho.

Pois se configura o dolo, a má-fé do empregador que induz o empregado a erro a constituir uma cooperativa de trabalho, passasse para o campo da fraude ao direito dos trabalhadores.

Há substanciais diferenças, entre o trabalhador cooperado e o celetista: [19]

TRABALHADOR COOPERADO

EMPREGADO CELETISTA

Não há grau de subordinação entre os trabalhadores ou entre estes e seus clientes

O trabalhador é subordinado a um empregador ou patrão

Participa das decisões

Não participa das decisões

Não tem salário: seus rendimentos são variáveis, pois recebe por produção

Recebe salário e nem sempre recebe por acréscimo na produção

Não tem carteira assinada, pois é trabalhar autônomo e contribuinte do INSS

Tem carteira assinada

Possibilidade dos cooperados constituírem um fundo de descanso anual

Férias

Possibilidade dos cooperados constituírem um fundo para abono natalino

13º salário

Possibilidade dos cooperados constituírem um fundo de poupança compulsório

FGTS

Conforme a atividade, sugere-se o seguro de acidentes, provisionado por decisão da Assembléia Geral

Seguro de acidentes descontados em folha e gerenciado pelo governo

FATES – Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (obrigatório, desde que hajas sobras)

Capacitação profissional, quando houver interesse da empresa

Os cooperados trabalhadores podem conceder-se quaisquer benefícios, já que são proprietários da empresa cooperativa

Benefícios obrigatório pela CLT e outros que a empresa queira conceder (assistência médica, refeição, etc)

Conforme pode ser visto no quadro supra mencionado, há diferenças substanciais entre o cooperado e o empregado celelista. Primeiramente o cooperado é o próprio patrão, presta seus serviços através de contratos civis, entre o cooperado e o produto final não há intermediários, todos os cooperados ter poder de decisão na cooperativa, são trabalhadores autônomos que se unem para fins econômicos e sociais, ajudando mutuamente uns aos outros, almejando benefícios aos associados cooperados, o único inconveniente dos cooperados é que eles não são protegidos por leis de direito do trabalho e previdenciárias, por serem considerados entes civis. Já os empregados celetistas, são estritamente submissos e subordinados aos seus patrões que os assalaria por isso, são regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho que disciplina os direitos e deveres dos trabalhadores, bem como jornada de trabalho, salário, férias, FGTS, etc. A diferença essencial entre o cooperado e o empregado celelista são direitos trabalhistas mencionados, que o cooperado não tem.

Há de diferenciar também a sociedade cooperativa e a empresa mercantil: [20]

Conceitos

Cooperativas

Empresa Mercantil

O que é

Sociedade de pessoas com fins econômicos

Sociedade de capital com fins lucrativos

Objetivo

Prestar serviços

Buscar o lucro

Nº de pessoas

20 pessoas

Indeterminado

Formação do capital

Quotas-partes

Ação ou quotas

Fator gerador de receitas

Atividade especifica

Atividade com maior rentabilidade

Núcleo de decisão

Cada cooperado tem um voto

Nº de ações ou proporcional ao nº de quotas

Retorno das sobras liquidas

Proporcional às operações realizadas pelos associados ou conforme decisão da Assembléia Geral

Proporcional ao nº de ações

Responsabilidade

Proporcional ao capital subscrito

Proporcional ao nº de ações, quotas ou capital

Remuneração dos dirigentes

Podem receber Pro-labore

Pro-labore

Área de ação

Limitada ao ramo de atividade e admissão de Cooperante

Limitada ao ramo de atividade ou foro

As Cooperativas se diferenciam das Empresas mercantis, pela simplesmente pelo sua Ideal, as cooperativas não visam unicamente o lucro, objetivam fins econômicos, prestando serviços e benefícios aos seus associados. E também a participação dos cooperados é democrática, todos participam e tem caráter decisivo e diretivo na cooperativa, não há hierarquia ente os cooperados. Já na empresa mercantil o escopo é totalmente oposto, visam unicamente o lucro, principio maior do capitalismo. Já a cooperativa tem uma visão mais socialista, em trabalho mutua e a divisão final dos lucros e dividendos entre os associados.


4. Fraude ao direito dos trabalhadores

4.1.Conceito de Fraude

A palavra fraude tem origem do latim fraus, fraudis (engano, má-fé, logro), a fraude é normalmente compreendida como o engano malicioso, o procedimento astucioso, intentado de má-fé, destinando a encobrir a verdade ou a contornar um dever.

O Direito Romano já conhecia a figura da fraude à lei. Assim é que no Digesto, Livro I, tit. III, de legibus, p. 29, de Paulus, esta dito que agem em fraude à lei quem, respeitadas as suas palavras, contorna o seu sentido (contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet in fraudem vero, qui salvis verbis legis sentetiam rius circumveni).

O ato é intrinsecamente verdadeiro, mas deriva de causa ilícita que foge de seu objetivo social e legal. Para tanto, utiliza-se o fraudador de atos que o direito permite ou simplesmente não proíbe. [21]

O dolo, a fraude, a simulação fraudulenta representam a negação desta boa-fé, que deve presidir a celebração e a pratica de todos atos e negócios jurídicos.

A fraude tem como alicerce atos que causem prejuízos a outrem, de forma que sua prática tem a finalidade o não cumprimento de deveres legais.

Acrescenta, ainda, De Plácido e Silva [22]:

"...Fraude. Além do sentido de contravenção à lei, notadamente fiscal, possui o significado de contrafação, isto é, reprodução imitada, adulteração, falsificação, inculcação de uma coisa por outra. Aliás, em todas as expressões, esta no sentido originário de engano, má-fé e logro, todos fundados na intenção de trazer um prejuízo, com o qual se locupletará o fraudulento ou fraudador. "

Os atos fraudulentos, não impedem a devida aplicação da norma que se buscou burlar. [23]

Na clássica conceituação de Clóvis, " fraude é o artifício malicioso para prejudicar terceiro, de persona ad personam. [24]

No Direito do Trabalho ocorrerá a figura da fraude sempre que o individuo pratica atos com a finalidade de desvirtuar, impedir ou dificultar que o trabalhador obtenha e usufrua, de seus direitos trabalhistas e previdências a que fez jus, em função de seu vinculo empregatício.

As normas trabalhistas em sua generalidade são imperativas cogentes e de ordem pública, sendo de sua importância a legislação trabalhista no combate a fraude à lei, devidamente rechaçada pelo contundente art. 9º da CLT.

A nulidade absoluta do ato ilegal ou em fraude à lei no Direito do Trabalho, prende-se à indisponibilidade do direito assegurado, à natureza predominante do interesse protegido pela norma. [25]

O artigo nono da Consolidação das Leis do Trabalho exsurge em defesa do trabalhador, repulsando referidos atos, tendo-os por nulo de pleno direito:

" Art. 9. – São nulos de pleno direito os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação."

A fraude à lei tipifica nulidade absoluta e não apenas anulabilidade como se dá com a fraude contra credores.

Para Eduardo Gabriel Saad, em sua CLT comentada afirma que: [26] "Tanto faz que o ato praticado ostente todos os requisitos legais para sua validade ou sua licitude, se a real intenção do agente é a de conseguir os resultados que o art. 9º da CLT preceitua. E o exercício abusivo de um direito pode, sem dúvida alguma, desvirtuar ou impedir a aplicação de uma das disposições consolidadas. Aí o ato é como se não existisse. A fraude à lei, na maioria das vezes, tem em mira causar prejuízos ao trabalhador.

A noção de fraude à lei, com uma interpretação aplicada tanto no direito civil e no direito do trabalho é assim definida por Silvio Rodrigues: " Age em fraude à lei a pessoa que, para burlar principio cogente, usa de procedimento aparentemente lícito. Ela altera deliberadamente a situação de fato em que se encontra, para fugir à incidência da norma. O sujeito se coloca simuladamente em uma situação em que a lei não atinge, procurando-se livrar de seus efeitos." [27]

No direito penal a fraude é equipada ao estelionato que em seu artigo 171 consiste: " Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer meio fraudulento.

A fraude penal apresenta-se sempre como ato lesivo à coletividade, e na defesa desta, a lei penal impõe sanções ao fraudador.

4.2.Cooperativa de trabalho, contrato de trabalho e fraude

Qualquer conceituação de cooperativas de trabalho irá remeter e considerar a constituição de pessoas físicas, trabalhadores autônomos ou eventuais, no exercício de uma atividade profissional, com objetivos de auferir benefícios, em regime de autogestão democrática e livre adesão e sem subordinação.

As cooperativas de trabalho, estão fugindo destes ideais supramencionados, empresas inescrupulosas estão elaborando relações trabalhistas com as cooperativas, onde estão visivelmente presentes os preceitos do art. 2º e 3º da CLT.

Destaca o art. 2º da CLT que considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos das atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços.

Já o artigo 3º da CLT determina que "considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Enfatiza-se nestes artigos, as características que configuram a relação empregatícia, ou seja, a pessoalidade, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade.

Toda a celeuma acerca da existência de cooperativas que objetivam tão somente fraudar a legislação trabalhista veio à tona com introdução do parágrafo único ao art. 442 da CLT, através da Lei nº 8.949 de 09/12/94.

O parágrafo único do art. 442 da CLT dispõe comando impeditivo à formação do vínculo de emprego entre a cooperativa de qualquer ramo de atividade e seu associado. Até, aí, mera repetição do art. 90 da Lei nº 5.764/71. A novidade introduzida pela Lei nº 8.949/94 reside no afastamento do vínculo de emprego do associado com o tomador de serviço da cooperativa. A proposição colima viabilizar a terceirização. Terceirização de serviços terceirizáveis – bem claro -, não de atividade fim da empresa. Indispensável que, sob o manto da Lei nº 8.949/94, não se acoberte uma simulação ao contrato de trabalho. [28]

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Todavia, não se pode conceber uma interpretação deste teor, considerando o sistema jurídico brasileiro que é pautado pela proteção aos direitos dos trabalhadores, preceitos garantidos pela nossa Constituição Federal de 1988.

Hoje, contabilizam-se, no País, mais de mil falsas cooperativas, espalhadas por todas as regiões, que, sob o inocente rótulo de trabalho cooperativo, multiplicam fraudes, como enfatiza o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto Pinto, ocultando relações de trabalho permanente, em regime de subordinação, mediante pagamentos de importância com características de salários. E, por assim o fazerem, não recolhem os encargos trabalhistas. Fraude à Previdência. Passam por cima ou ao largo de um verdadeiro "pesadelo" para quem se obriga a cumprir todas as exigências legais, como licença-maternidade, aviso prévio, 13º salário, férias, limitação de jornada, descanso semanal remunerado, indenizações, recolhimento dos encargos previdenciários e do FGTS, seguro de acidentes, etc. Até no campo, o falso cooperativismo floresceu. As falsas cooperativas estão aparecendo para substituir os antigos "gatos", que arregimentavam os trabalhadores rurais por salários irrisórios, sem nenhuma proteção trabalhista. [29]

Há uma tendência nas empresas em dispensar empregados e "recontratá-los" como cooperados, incentivando a constituição da cooperativa de trabalho para prestação de serviços.

O manual de cooperativas do Ministério do Trabalho [30] registrou os tipos mais freqüentes de fraudes que caracterizam as falsas cooperativas de trabalho: arregimentação de mão-de-obra para atender ao progressivo aumento de serviços; contratação de serviços por meio de cooperativas de ex-empregados recentemente dispensados ou demissionários; prestação de serviços ininterruptos pelos mesmos associados à determinada tomadora, simulando-se a eventualidade por meio de pactuação sucessiva com distintas sociedades cooperativas; prestação de serviços diversos dos contratados; e celebração de contratos de prestação de serviços com cooperativas, seguidos invariavelmente da contratação, como empregados, de associados que tiveram desempenho diferenciado.

Pontificasse que o parágrafo único do art. 442 da CLT declarou a inexistência do vinculo empregatício entre a cooperativa e seus associados e a tomadora de serviço daquela. Entretanto em diversas situações fica vidente a relação de emprego, sendo gritante a fraude ao direito dos trabalhadores.

As "pseudocooperativas, frauderativas" fogem do ideal máximo do cooperativismo, infligindo e desvirtuando os princípios cooperativistas como o affectio societatis. A adesão à cooperativa deve ser livre e voluntária, porém a maioria dos trabalhadores adere às cooperativas atraídos pela oferta de trabalho, muitas vezes anunciada em jornais e cartazes.

4.3.Terceirização fraudulenta

A cooperativa pode ser uma forma de terceirização, quando a empresa necessita de bens ou serviços prestados por aquela.

Para tal entendimento é imprescindível conceituar terceirização, que segundo Sergio Pinto Martins [31] consiste na possibilidade de contratação de terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa e essa contratação pode envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários.

O fenômeno da terceirização permite que uma empresa repasse a outra, mais especializada, uma etapa de seu processo produtivo, ou de comercialização, ou prestação de serviço.

Todos os setores da economia e até a Administração Pública utilizam os serviços dos terceirizados, através de empresas especializadas em conservação e limpeza, vigilância, eletricidade, contabilidade, advocacia, informática, etc.

A utilização desse sistema de contratação de pessoal locado, mesmo através de cooperativa, visa reduzir custos operacionais, pois que sabido que o trabalhador assim contratado não recebe o mesmo salário e vantagens asseguradas aos demais empregados admitidos diretamente pela empresa beneficiária desses serviços então intermediados. Com isso, a empresa tomadora dos serviços locados, obtém uma vantagem econômica de imediato, reduzindo-lhe os custos de produção, mas impondo ao trabalhador um prejuízo econômico atual, já que fazendo trabalho igual, recebe menos pelo mesmo serviço.

O vertiginoso crescimento desse tipo de intermediação de mão de obra locada por intermédio de cooperativa teve início a partir da inclusão do parágrafo único no art. 442 da CLT (que trata da questão do Contrato Individual do trabalho), quando reafirma inexistir vínculo de emprego, quer entre os associados e a cooperativa, quer entre a cooperativa e o tomador dos serviços, regra esta já existente no art. 90 da própria Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, quando estabelece: "Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados".

Primeiramente é preciso ter em mente que não se terceirizam empregados, mais sim serviços. [32]

Nada impede que uma terceirização seja realizada por uma lícita e verdadeira cooperativa e sim a precarização dos direitos dos trabalhadores.

Na verdade, o parágrafo único do art. 442 da CLT não autorizou a intermediação de mão de obra por cooperativa, apenas cuidou de disciplinar o trabalho sem vínculo empregatício de associados de cooperativa, desde que atendidas finalidades legais da cooperativa previstas nos artigos 3º e 4º da Lei 5.764/71, dispondo que a caracterização de uma sociedade cooperativa se dá pela prestação direta de serviços aos associados, sem o objetivo de lucro. Portanto, quando uma cooperativa é criada, não para prestar serviços aos associados, mas para locar mão de obra, visando lucro, há na verdade um desvio de finalidade, já que a cooperativa visa primordialmente o bem comum dos sócios-cooperados.

Assim, para que haja a prestação de serviços por intermédio da sociedade cooperativa e não exista vinculo de emprego, é mister que os serviços seja geralmente de curta duração, de conhecimentos específicos. Quando a prestação dos serviços é feita por prazo indeterminado, deve haver rodízio dos associados na prestação de serviços, para não se discutir a existência dos vinculo de emprego. [33]

Não se pode usar a cooperativa para substituir mão-de-obra permanente da empresa e nem dispensar empregos e readmiti-los com cooperados, pois persiste os preceitos e empregador e empregado constantes nos artigos 2º e 3º da CLT.

Comprovada a fraude, o vínculo de emprego formar-se-á normalmente, sendo aplicado o art. 9º da CLT.

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes Garcia

advogado em Piracicaba (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Rodrigo Fernandes. Cooperativas de trabalho:: fraude aos direitos dos trabalhadores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 817, 28 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7328. Acesso em: 26 abr. 2024.

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