UMA PREOCUPANTE INVESTIGAÇÃO
Rogério Tadeu Romano
I – OS FATOS
É de extrema gravidade para a democracia o teor da informação aqui trazida pelo site do Estadão, em 16 de abril do corrente ano:
“O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou bloquear as redes sociais de sete investigados no inquérito sobre as supostas fake news contra seus colegas da Corte. São alvo de buscas da Polícia Federal nesta terça-feira, 16, o general da reserva Paulo Chagas, o membro da Polícia Civil de Goiás Omar Rocha Fagundes, Isabella Sanches de Sousa Trevisani, Carlos Antonio dos Santos, Erminio Aparecido Nadini, Gustavo de Carvalho e Silva e Sergio Barbosa de Barros.
Na decisão, Alexandre afirmou que documentos e informações coletados pela investigação apontam ‘sérios indícios da prática de crimes’. Segundo o ministro, as postagens em redes sociais contêm ‘graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem’.
O ministro mandou bloquear contas no Facebook, no WhatsApp, no Twitter e no Instagram. “Autorizo desde logo o acesso, pela autoridade policial, aos documentos e dados armazenados em arquivos eletrônicos apreendidos nos locais de busca, contidos em quaisquer dispositivos”, ordenou Alexandre. “Após a realização das diligências, todos os envolvidos deverão prestar depoimentos.”
Segundo Alexandre, as mensagens escritas por Paulo Chagas são ‘propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política e social com grande repercussão entre seguidores’. O ministro destacou que ’em pelo menos uma ocasião, o investigado defendeu a criação de um Tribunal de Exceção para julgamento dos ministros do STF ou mesmo para substitui-los’.
Omar Rocha Fagundes, de acordo com Alexandre, publicou uma mensagem em 14 de março de 2019 com a frase ‘O nosso STF é bolivariano, todos alinhados com narcotraficantes e corruptos do País’. O ministro destacou que Omar anda ‘constantemente armado’.
“Em outra postagem, incita a população a impedir o livre exercício dos Poderes da União, afirmando que ‘O Peru fechou a corte suprema do país. Nós também podemos! Pressão total contra o STF (publicação de 16 de março de 2019)”, citou Alexandre.”
Na avaliação do vice-presidente, general Hamilton Mourão, em lúcida manifestação dada à imprensa, a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes de mandar retirar do ar de uma matéria da revista Crusoé que cita o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, “vai além da censura”.
“Não tenho dúvida de que é censura, mas vai além da censura. No momento em que (a decisão), além de interditar a publicação, convoca os jornalistas a depor (significa que) já estão respondendo a inquérito”, disse Mourão ao site O Antagonista, também atingido pela decisão tomada na segunda-feira, 15.
O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, demonstra, mais uma vez, naquela manifestação, seu compromisso com a democracia.
Está certo o vice-presidente da República ao manifestar sua preocupação contra essa decisão inquisitiva de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que confunde a atividade investigatória, que não é de um órgão de cúpula do Judiciário, com medidas de caráter inibitórias, que somente poderiam ser tratadas em meio ao devido processo legal.
A Rede Sustentabilidade reforçou pedido de liminar ao ministro Edson Fachin, para que barre inquérito que mira supostas ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal. O requerimento de ‘urgência’ vem após o ministro Alexandre de Moraes mandar multar em R$ 100 mil a revista Crusoé por considerar que o veículo não tirou do ar reportagem que citava menção ao presidente da Corte, Dias Toffoli, em e-mails da Odebrecht. A publicação nega que tenha descumprido a decisão que mandou excluir a matéria.
Atingimos com essa atuação do Supremo Tribunal Federal um estágio desgraçado além do que era tomado, na escuridão da ditadura militar, sob o império do triste e famigerado AI-5.
Exerce o Supremo Tribunal Federal com essa triste iniciativa uma censura à imprensa, porta-voz da democracia e da liberdade de opinião.
Como bem sintetizou o advogado Horácio Neiva, em seu Twitter, "o STF é, ao mesmo tempo, i) o autor da denúncia; ii) o responsável pela investigação; iii) quem decide os fatos relacionados à investigação; iv) quem determina atos judiciais no curso da investigação; v) quem define o escopo da investigação."
Com o devido respeito as medidas aqui historiadas aparecem como forma de intimidar a imprensa.
A história não perdoará semelhante atitude.
II – A PROIBIÇÃO DA CENSURA
A Constituição proíbe a censura à imprensa.
A Constituição, repita-se, proclama a liberdade de informação.
A palavra informação, como situa José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), entende-se como “o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções: “a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado”. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.
Sendo assim, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte.”
Na liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação.
A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las.
É a liberdade de imprensa, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia.
Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão, por sua segunda turma, no AI 705.630 – AgR/SC, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu o que segue: ´a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar; o direito de buscar a informação, o direito de opinar, o direito de criticar; a crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais; a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade; não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, vincule opiniões em tom de crítica severa, dura, ou até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações foram dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender´.
III – A TUTELA INIBITÓRIA
No caso em tela, houve uma utilização da tutela inibitória com o intuito de impedir publicação, mas sem o devido processo legal, sem o necessário contraditório. Utiliza-se tal instrumento, às avessas, com o devido respeito, como forma de "calar a boca".
Na linha do antigo artigo 461 do CPC de 1973, utiliza-se de uma ação mandamental para impedir o que entendem como ilícito ou prosseguimento do ilícito, de forma preventiva.
Tutela genérica é toda forma que tenda à obtenção de dinheiro no âmbito da responsabilidade patrimonial do devedor. A tutela específica é aquela que tende à consecução de bens jurídicos outros, que não dinheiro. É o caso da tutela estabelecida no artigo 461 do CPC, que tem origens nos interditos romanos e na cominatória lusitana (Ordenações Manuelinas, Livro III, tít. 62, §§ 5-7). Reprodução bastante fiel ao art. 84 do Código de Defesa do Consumidor no entender de Cândido Rangel Dinamarco , diz respeito a obrigações legais e contratuais.
O artigo 461 do Código de Processo Civil é a base da tutela inibitória, que, para ser efetiva, deve contar com a tutela antecipatória (art. 461, § 3.º ). A ação inibitória visa a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito e não tem o dano como um dos seus pressupostos. É tutela preventiva, porém não cautelar.
Por certo, Eduardo Talamini , destaca que o artigo 461 do CPC não se limita a estabelecer a tutela que consideramos inibitória, por ser preventiva. As regras, pois, para o Prof. Eduardo Talamini disciplinam a consecução do resultado de deveres derivados de direitos relativos (obrigacionais ou não) e absolutos (reais, da personalidade, etc.), públicos e privados, dando a expressão obrigação um sentido larguíssimo de dever jurídico.
Não é surpresa para o leitor que o Professor Talamini, em sua obra citada, de folhas 427, sintetiza que, “depois da reforma do Código, apenas deixou de se formar, como ‘título executivo judicial’, a sentença condenatória proferida no processo civil (art. 584, I), que tenha por objeto “obrigações de fazer e não fazer”.
Primordialmente, o provimento concessivo de tutela do art. 461 é de eficácia mandamental (tendente à tutela específica), na terminologia da lei, e, ao seu lado, executivo lato senso, pois autoriza a tomada de providências destinadas à obtenção do resultado prático equivalente, independente do concurso do réu, operando-se a substituição da conduta do demandado pela do próprio Estado, através de seus agentes. É assim, na tutela inibitória, na tutela preventiva executiva, na tutela reintegratória (eliminação do ilícito) e na tutela ressarcitória, em que se permite a postulação das sentenças mandamental (ordem sob pena de multa) e executiva (determinação de que o fazer seja prestado por um terceiro às custas do réu).
Presta-se a tutela do artigo 461 do CPC à proteção de direitos absolutos, cuja eficácia é erga omnes. Tal é o caso dos direitos da personalidade, deveres decorrentes de prestações estatais. Isso porque, na lição de Salvatore Satta , Calamandrei, a sentença condenatória adequa-se a “direitos a posições instrumentais, entre os quais o direito de crédito, cuja violação se dá pelo ressarcimento do equivalente”. Esse é o terreno dos direitos relativos.
Devem ser ponderados os chamados interesse na proteção à personalidade e ao segredo pessoal, com relação ao máximo princípio constitucional da liberdade de informação.
Realmente entre princípios, já dizia Dworkin, não se fala em revogação, mas de ponderação, de forma que através da concordância prática, deve haver a devida conciliação entre esses dois princípios magnos, em discórdia.
Afronta-se a liberdade de pensamento, que, segundo Sampaio Doria(Comentários à Constituição de 1946, pág. 602), “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”.
A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria(Debate sobre a liberdade de imprensa e comunicação - série de artigos publicados no Rhemische Zeitung, in 5,8, 10, 12, 19.5.1842, in Karl Marx, A liberdade de imprensa, Porto Alegre).
A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, e de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer a sua atividade, sua missão, mas especificamente tem um dever. Reconhece-se o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original; do contrário, se terá não informação, mas deformação, como ensinou Albino Grego(La Libertà di Stampa nell’ Ordinamento Giuridico Italiano, 1974, páginas 52).
A liberdade de informar é um direito fundamental, que não pode ser objeto de um cerceamento abertamente inibitório.
No ensinamento de Afonso Arinos de Melo Franco(Pela liberdade de imprensa, in seus Estudos de Direito Constitucional, 1957, pág. 323), a liberdade de imprensa constitui uma defesa contra todo excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa e sobre não poucas manifestações de abuso de relevante importância para a coletividade.
IV – INCONSTITUCIONALIDADE DA INVESTIGAÇÃO E A NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO ARTIGO 40 DO CPP
Não se tem notícia anterior com relação a esse procedimento que se afigura frontalmente inconstitucional.
Com o devido respeito, dir-se-á que não cabe ao Poder Judiciário investigar. Esse papel é do Ministério Público com atuação da polícia, nos limites de sua atribuição. Aliás, se pode falar em investigação, ela há de ser pública. Se não bastasse, as pessoas seriam ou estariam sendo investigadas, ao que se tem notícia, não têm prerrogativa de foro no Pretório Excelso.
Repita-se que o exercício da ação penal e ainda das investigações, é do Parquet. Se este concluir pela não propositura da ação penal, nada mais fará senão manifestar a vontade do Estado, de que é órgão, no sentido de não haver pretensão punitiva a ser deduzida.
O Ministério Público tem o poder de ação, e o juiz, o poder jurisdicional. Não cabe assim ao STF, em situação que se pensa isolada, desvirtuar, alongando, contra a Constituição, seu mister constitucional.
Ademais, sob pena de agredir a Constituição, permitir que haja investigação criminal sem a participação do Parquet. Isso é de uma inconstitucionalidade patética.
Deixa-se, erradamente, com o devido respeito, de se aplicar o artigo 40 do CPP, ainda em vigência:
“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.”
Os autos mencionados no artigo 40 concernem a processo ou procedimento, de que tratam, bem como papeis que corram por qualquer motivo, em juízo civil de jurisdição contenciosa ou voluntária em juízo penal, como ensinou Sérgio Marcos de Moraes Pitombo(Do artigo 40 do Código de Processo Penal, in Análise Jurisprudencial, São Paulo, 1977, n. 3, pág. 70, n 10).
O cumprimento do disposto nesta disposição, decidiu o STF, não acarreta o impedimento do julgador que dá a notitia criminis e sugere a abertura do processo(RTJ 48/321).
Aliás, o fato de o juiz ou Tribunal haver determinado a remessa de cópias de peças ao Ministério Público não constitui ilegalidade, uma vez que o órgão da acusação poderá entender inexistir infração penal(STF, RTJ 84/830; no mesmo sentido; RTJ 46/717). Não há que se falar em reformatio in pejus, em tal procedimento(STF, HC 57.354, DJU 30.11.79, pág. 8983).
Lembro, por fim, que o exercício da jurisdição pressupõe provocação da parte que o faz justamente quando exercita o direito de ação. Jurisdição sem ação é corpo sem alma, sendo impensável uma investigação iniciada por portaria da autoridade judicial e muito menos ação.
Como deverá agir o magistrado diante de uma noticia crime que lhe é apresentada? Poderá remetê-la ao titular da ação penal pública incondicionada para as providências cabíveis, ou requisitar a instauração de inquérito policial para presidi-lo, nunca fazendo as vezes do Parquet ou da Polícia, para instauração de inquérito, que é um procedimento de índole eminentemente administrativa, de caráter informativo e preparatório da ação penal, regendo-se pelas regras da Administração em geral.
Aos prejudicados por atos de coação no procedimento que foi aqui noticiado ou a qualquer do povo, cabe o ajuizamento do habeas corpus perante o próprio STF, tendo como autoridade coatora que o preside.
De antemão é correta a interposição de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) uma vez que há ferimento a princípios basilares honrados pela Constituição-cidadã de 1988.
Numa democracia ninguém é intocável.