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Os consórcios públicos na prestação de serviço de iluminação pública nos municípios brasileiros

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7. Dos fundamentos políticos e jurídicos para a criação de consórcio público para serviço de iluminação pública

Uma vez, verificada a absoluta correção técnico-jurídica da instituição da contribuição para custeio da iluminação pública nos municípios e Distrito Federal, cabe agora, focalizar a atenção nas razões políticas que fundamentariam a criação de um consórcio público para a prestação do serviço de iluminação pública entre os municípios consorciados e de que forma tal gestão associada se daria no plano dos fatos. Tal exame pode causar certa estranheza por parecer descabido sob a ótica jurídica que se imprime no presente trabalho. Contudo, ousa-se divergir desse entendimento, pois como pontua Paulo Bonavides, "toda ordem administrativa supõe de necessidade uma filosofia política e uma concepção de Estado" [58], demonstrando o entrelaçamento entre o direito administrativo e as ações políticas dos entes federativos.

Ademais, como anotado por Maria Paula Dallari Bucci [59], que defende uma redefinição do âmbito de ação da atividade administrativa para considerar as políticas públicas como limite positivo do direito administrativo, ampliando sua incidência para além das proposições legais, importa considerar que, efetivamente, existem incontestáveis pontos de contato entre o direito administrativo e o implemento das políticas públicas. Assim, por essa razão, acredita-se ser importante abordar as motivações políticas para a criação de dito consórcio porque este instituto jurídico é inequivocamente um desses pontos de contato entre o Direito e as políticas públicas.

7.1. Dos fundamentos políticos

É sabido que as atribuições chefe do Poder Executivo, nos três níveis federativos, são de natureza governamental e administrativa [60]. As primeiras (atribuições governamentais) são aquelas relativas à condução dos negócios públicos, integradas por opções de conveniência e oportunidade na sua realização. Nesse aspecto, importante referir enfaticamente a superação, entre nós, da equivocada idéia de que os atos administrativos discricionários não se sujeitam aos diversos tipos de controle (interno, externo, social e judicial) [61] existentes em nosso sistema jurídico. É que até os atos praticados segundo a oportunidade e conveniência do agente público deverão atender aos princípios fundamentais do direito administrativo, como bem leciona Juarez Freitas, ao referir que "a discricionariedade, no Estado Democrático, quer dos atos administrativos, quer dos atos judiciais, está sempre vinculada aos princípios fundamentais, sob pena de se traduzir em arbitrariedade e de minar os limites indispensáveis à liberdade de conformação como racional característica fundante do sistema administrativo" [62].

Assim, diante da inexistência da discricionariedade pura, todos os atos administrativos praticados pelos agentes políticos restarão vinculados aos diversos controles, a fim de que se verifique o atendimento obrigatório aos aludidos princípios.

As segundas (atribuições administrativas), são as que viabilizam a concretização das ações de governo através de atos jurídicos, também sempre sujeitas aos diversos tipos de controle dos atos de administração pública.

A decisão pela criação de um consórcio público é, sem dúvida, uma atribuição governamental. O chefe do Executivo avaliará, na estrita ótica de suas políticas públicas, a necessidade e a viabilidade relativas à participação do ente federativo que comanda em contrato de consórcio público. Portanto, a decisão é originariamente política. Mas ainda assim, como já se explicitou anteriormente, deve ser respaldada em argumentos plausíveis, consentâneos ao interesse público, que justifiquem a aplicação de recursos financeiros e humanos na aludida empreitada, a serem oportunamente sindicados por ocasião da fiscalização procedida pelos controles já elencados.

Como fundamentos políticos de criação de um consórcio público para a iluminação pública, pode-se arregimentar, como se mencionou no início do presente estudo, pelo menos dois relevantes argumentos: a) compartilhamento pelo ente federativo, de estrutura especializada na disponibilização eficiente e eficaz da prestação de serviços de iluminação pública às comunas associadas, de forma mais econômica e racional que os padrões atualmente disponíveis; e b) a aglutinação de entes federativos, em torno de uma prestação de serviços comum a todos, transforma o consórcio público em importante ferramenta política, face ao seu relevante significado econômico no cômputo das receitas da empresa fornecedora de energia elétrica, aumentando o poder de negociação dos municípios envolvidos, na busca de melhores serviços e tarifas, tudo em nome do interesse público.

7.2. Dos fundamentos jurídicos

Conforme mencionado no início deste trabalho, o instituto do consórcio público foi positivado em nosso ordenamento pátrio, através da Emenda Constitucional n.º 19/98 que o inseriu, de modo expresso, no artigo 241 da Carta Magna. Eis, aí, o primeiro, e mais importante alicerce desta nova figura do direito administrativo brasileiro. Em segundo lugar, cabe referir que o regime jurídico a ser obedecido para criação de consórcios públicos em nosso país foi regulamentado pela Lei Federal n.º 11.107, de 06/04/2005.

Portanto, felizmente, hoje, resta absolutamente superada a insegurança jurídica que grassou durante mais de seis anos, desde o advento da Emenda Constitucional n.º 19/98 até a sanção e publicação da atual Lei Consorcial, entre os municípios brasileiros que necessitaram ou desejaram criar consórcios públicos. E o artigo 2º da Lei Federal n.º 11.107/05 estabelece que os objetivos dos consórcios "serão determinados pelos Entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais". Nesse tocante, vale apontar que, não obstante o considerável enxugamento normativo do marco regulatório consorcial, em comparação com o texto do Projeto de Lei n.º 3.884/04 (que lhe deu embasamento), como já referido [63], o aludido projeto efetivamente serviu de verdadeiro farol orientador, na medida em que a lei que lhe sucedeu manteve-se fiel a essência axiológica propugnada pelo PL n.º 3.884/04, utilizando-se, inclusive, de vários conceitos definidos no texto do projeto de lei em comento.

7.2.1. Do conceito de serviço público

De se perceber que a Constituição Federal delimita a criação de consórcios públicos, na expressa dicção de seu art. 241, à gestão associada de serviços públicos. Assim, agora, importa examinar o conceito de serviço público.

Como já observado por ocasião do exame da Lei Consorcial [64], verifica-se que tal conceito – examinadas as definições de consagrados juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, José Cretella Júnior, Juarez Freitas, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Odete Medauar – compõe-se de uma idéia nuclear, comum a todas as definições estudadas, caracterizada pelo entendimento de que serviço público é prestação estatal que visa à satisfação de necessidades coletivas [65].

Portanto, o serviço de iluminação pública amolda-se perfeitamente ao conceito de serviço público, sendo, portanto, possível de ser implementado através de consórcios públicos.

Apenas como reforço argumentativo, faz-se a seguinte ilação: imagine-se, nos conturbados dias de hoje, em que a segurança pública passa por grave colapso em todo o país, uma cidade, de qualquer porte, completamente às escuras após o pôr-do-sol. O tão só fato de inexistir iluminação pública sujeitaria todos a um tenso clima de insegurança, pois o simples andar pelas calçadas escuras se constituiria em evidente exposição do pedestre a agressões de todas as espécies, potencialmente violadoras de seu patrimônio e, até mesmo, de sua própria integridade física.

Certamente, pequeno exercício de memória é suficiente para relembrar notícias, veiculadas pela mídia, dando conta da ocorrência de saques, furtos, roubos e tantos outros crimes, por ocasião de interrupções involuntárias de energia elétrica (blecautes e apagões) em cidades espalhadas por todo o mundo.

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Portanto, é evidente que a iluminação pública está diretamente ligada à segurança pública. E segurança pública é necessidade coletiva. A sociedade necessita dela para subsistir e se desenvolver como tal. Sem segurança pública, a coletividade está fadada à sua inviabilização e conseqüente desagregação.

Esta linha pragmática de raciocínio também permite concluir, via de conseqüência, que o serviço de iluminação pública, pela sua vinculação direta às questões de segurança pública, também se reveste da essencialidade e necessidade próprias do serviço público strictu senso, caracterizando-se como um serviço próprio do Estado, "que são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde pública etc)" [66].

7.2.2. Das prerrogativas licitatórias do consórcio público

Cabe referir que há outro relevante fundamento jurídico, agora, sob a ótica do direito administrativo, que enseja a proliferação de consórcios públicos em nosso país. É que em termos de licitações, os consórcios públicos foram agraciados com substanciosas vantagens em relação as outros entes e entidades da administração pública. Por exemplo, o percentual do valor estabelecido, abaixo do qual, a Lei das Licitações prevê dispensa de procedimento licitatório para compras, obras e serviços será de 20% para as aquisições feitas pelos consórcios públicos, contra os 10% estabelecidos [67], em regra, para a Administração Pública, conforme determina a alteração procedida pelo art. 17 da Lei Federal 11.107/05 na dicção do parágrafo único do artigo 24 da Lei Federal n.º 8.666/93 [68]. Trata-se de incentivo legal à consolidação da figura consorcial entre nós, atribuindo-se-lhe a mesma faculdade outorgada às sociedades de economia mista, empresas públicas, autarquias e fundações qualificadas na forma da lei, como agências executivas [69].

Além disso, há outra importante novidade em termos licitatórios, trazidas pelo Diploma dos Consórcios Públicos [70]. Trata-se da inclusão do parágrafo oitavo (8º) ao art. 23 do Diploma das Licitações, cujo texto autoriza significativa ampliação dos valores determinantes das modalidades licitatórias contidas no art. 23 da Lei Federal n.º 8.666/93, nos casos de consórcios públicos, disciplinando que, quando o consórcio for formado por até três (3) entes da Federação, será aplicado o dobro dos valores mencionados no caput do aludido artigo e o triplo quando formado por número maior de entes.

Assim, examinados os fundamentos políticos e jurídicos do tema em debate, pode-se afirmar que é absolutamente viável instituir um consórcio público para a prestação de serviços de iluminação pública. Certo que tal iniciativa necessitará, como se viu, de esforço redobrado no que pertine ao estabelecimento, em cada município consorciado, da lei tributária instituidora da contribuição para custeio de iluminação pública, fonte de receita eleita, pelo poder derivado constituinte, para fazer frente aos encargos do consórcio especialmente criado para o referido fim.

Por derradeiro, cabe consignar que o instituto consorcial, por ser inovador, implicará necessária mudança de comportamento dos gestores dos Poderes Executivos, nos três níveis federativos, no que tange à busca de soluções viáveis aos inúmeros problemas atrelados à prestação de serviços públicos em nosso país, tudo em conformidade aos princípios fundamentais do direito administrativo, sobretudo os atinentes à economicidade, eficiência e eficácia.

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Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. Os consórcios públicos na prestação de serviço de iluminação pública nos municípios brasileiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7343. Acesso em: 26 abr. 2024.

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