A responsabilidade do médico-cirurgião plástico nas relações de consumo

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Caracterizar a relação médico-paciente sob a ótica da responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor, além de explicar a modalidade da obrigação assumida diante do serviço prestado e as excludentes de responsabilidade.

Resumo: O problema de pesquisa baseou-se na seguinte questão: como ocorre a responsabilidade do médico-cirurgião plástico nas relações de consumo? O objetivo geral é estudar a responsabilidade do mencionado profissional, ao caracterizar a relação médico-paciente sob a ótica da responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor. Explicar a modalidade da obrigação assumida diante do serviço prestado, além de descrever as excludentes de responsabilidade. Através de uma fonte bibliográfica e documental, quanto aos objetivos, classifica-se como uma pesquisa explicativa que prima pelo aprofundamento dos conceitos, aspectos jurídicos e as modificações trazidas pela lei consumerista para o instituto da responsabilidade do médico. Por meio da abordagem qualitativa responde os aspectos qualitativos da questão-problema e realça a relevância de tais aspectos também para os estudos das relações sociais. Utiliza o método lógico-dedutivo, pois o conhecimento parte de uma análise geral (Teoria da Responsabilidade Civil) para uma análise particular (Responsabilidade do médico cirurgião plástico). Conclui-se que a responsabilidade é subjetiva e de resultado, pois o paciente ao contratar a cirurgia plástica de estética, deseja que o resultado seja tão objetivo e claro conforme o acordo preestabelecido.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil – Responsabilidade do Médico-Cirurgião Plástico – Relações de Consumo.

Sumário: 1. Introdução; 2. Teoria geral da responsabilidade civil: 2.1 pressupostos do dever de indenizar: 2.1.1 Conduta humana como elemento da responsabilidade civil; 2.1.2 culpa genérica (sentido amplo); 2.1.3 Nexo de causalidade; 2.1.4 Dano. 2.2. Da responsabilidade subjetiva e objetiva. 3. A relação médico-paciente e a incidência do código de defesa do consumidor: 3.1.1 Das peculiaridades do contrato de serviço médico: 3.1.2 O dever de informar e os reflexos no consentimento voluntário; 3.1.3 Dever de assistência e perícia e a hipervulnerabilidade; 3.2 Fundamentos da responsabilidade médica: 3.2.1 Da culpa médica e o ônus da prova; 3.2.2 A dicotomia da obrigação de meio e de resultado: 3.2.2.1 Das obrigações do médico relacionadas à cirurgia plástica 4 Excludentes de responsabilidade médica em face do CDC 5 Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Durante muitos séculos, a relação do médico com o paciente era restrita pela confiança. A figura “médico da família” e “médico amigo da família” era comum. A medicina tinha um caráter, veementemente, religioso, assim, a vida e a morte eram consideradas como desígnios de Deus e, neste cenário de vontade divina, o médico não era responsabilizado, pois não se cogitava questionamentos sobre a qualidade dos serviços prestados.

Considerando que a atividade cirúrgica não é recente, Graeff-Martins (2010) relembra que o próprio Código de Hamurabi trazia penas diante das falhas da prática cirúrgica.

No Brasil, a saúde é um direito constitucionalmente protegido, bem como resguardado pelo Código Civil de 2002 e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990). Muito além das modificações normativas trazidas pela legislação de consumo, justifica-se, pois, o presente estudo, pela significativa influência da indústria da beleza e da mídia a qual contribui pela procura avassaladora de cirurgias plásticas. Faz-se ainda valoroso este artigo pelo crescente número de ações judiciais ligadas ao erro médico.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça3, as acusações por erro médico somam 70 novas ações por dia no Brasil, o que equivale a três ações por hora. O Conselho compila dados enviados pelos tribunais estaduais e federais, além dos dados do Superior Tribunal de Justiça, contabilizando pelo menos 26 mil processos em 2017. Em julho de 2018, as estatísticas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica4 revelaram que os brasileiros estão no topo do ranking da cirurgia plástica estética, especialmente, entre os jovens, pois só em 2017, foram registradas mais de 90 mil no Brasil, ultrapassando as 66 mil realizadas nos Estados Unidos.

Diante do dever de reparação pelo profissional liberal previsto no art. 14, §45, a culpa deverá ser apurada, como determina os exatos termos do mencionado Código, constituindo, portanto, uma exceção à regra geral de responsabilidade civil objetiva adotada pela legislação consumerista. Assim, levanta-se o questionamento: como ocorre a responsabilidade do médico-cirurgião plástico nas relações de consumo?

Objetiva-se, portanto, estudar a responsabilidade do profissional supracitado, ao caracterizar a relação médico-paciente sob a ótica da responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor; explicar a modalidade da obrigação assumida diante do serviço prestado, além de descrever as excludentes de responsabilidade.


2. TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra “responsabilidade” originária do latim re-spondere remete, como bem nos ensina Gonçalves (2016), a uma “garantia de restituição ou compensação do bem sacrificado”. Nesse sentido, é mister ressaltar que essa teoria tem por escopo uma reparação pecuniária.

A responsabilidade no campo do Direito Civil refere-se ao descumprimento de uma obrigação oriunda de uma lei civil ou de algum contrato. Fala-se, então, da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana e contratual ou negocial.

Corroborando com Gonçalves (2018), Venosa (2018) afirma que os princípios da responsabilidade civil têm por finalidade a restauração do equilíbrio patrimonial e moral do prejudicado.

Se no Direito Romano a responsabilidade sem culpa era a regra e, como tal, trouxe muitas injustiças. A humanidade acompanhou a introdução do elemento culpa em sede de responsabilidade (responsabilidade subjetiva). Era como se houvesse uma inquietação social, capaz de evidenciar a necessidade de comprovação daquele elemento.

2.1. PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR

Muito embora não seja uma unanimidade doutrinária, o entendimento que se prevalece é de que são quatro elementos que estruturam a responsabilidade civil, a saber: a conduta humana; a culpa genérica, o nexo de causalidade e o dano.

2.1.1. Conduta humana como elemento da responsabilidade civil

A ação ou omissão voluntária, negligência, imperícia e imprudência são caracterizadores da existência do dolo e culpa na relação. Como observa Tartuce (2018), a voluntariedade acarreta a responsabilidade do agente diante de um ato próprio:

Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e se a ofensa tiver mais de um autor, todos respondem solidariamente pela reparação (BRASIL, Lei 14.406/02, Art. 942).

Muito além que ser responsável por ato próprio, o Código Civil preocupou-se com a possibilidade do evento atingir terceiros (art. 932), ou fato de animal (art. 936. do CC), ou por fato de uma coisa inanimada (arts. 937. e 938 do CC) ou mesmo por um produto colocado no mercado de consumo (Lei 8.078/1990).

Clarifica-se, em tempo, que a conduta humana está intimamente inserida em um cenário de ilicitude indesejável à lei ou contrato.

2.1.2. Culpa genérica (sentido amplo)

A importância da culpa genérica para a responsabilização civil será consoante o considerado para a fixação da indenização. Incluem-se, neste pressuposto, os elementos dolo e a culpa em sentido estrito.

De acordo com os conceitos de Tartuce (2018) apud Giorgio (1930):

A culpa, em sentido geral, significa qualquer violação a um dever jurídico, o que inclui a violação dolosa. No sentido mais restrito, afirma, a culpa exclui o dolo, querendo dizer a voluntária omissão de um dever de diligência, para o qual o agente não previa as consequências.

A respeito do dolo, Cavalieri (2015) cita dois elementos significativos para a sua caracterização: a previsibilidade do resultado e a consciência da ilicitude.

2.1.3. Nexo de causalidade

Considerando que o dano só pode causar alguma responsabilidade, caso for possível estabelecer o liame deste (o dano) com a autoria, Gonçalves (2016) esclarece os obstáculos enfrentados para se determinar juridicamente qual fato ilícito produzir o dano.

Dentre as teorias do nexo de causalidade registradas pelo campo doutrinário, Gonçalves afirma que o Código Civil adotou a do dano direto e imediato, conforme traduz o art. 403:

Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Nesse contexto, a responsabilidade recai sob o último agente da cadeia causal.

2.1.4. Dano

A violação de um direito alheio, moral ou patrimonial, é definida como dano. Nader (2016) alerta que nem toda violação, gera ressarcimento, pois, segundo a sua visão, é preciso que alcance a ordem jurídica.

Diante do exposto, compreende-se que a violação de um direito não resulta, em absoluto, na certeza da reparação.

Seguindo a classificação esposada por Rizzardo (2015), expõem-se algumas das modalidades de dano a qual varia conforme o interesse a ser protegido: patrimonial ou material refere-se a diminuição do patrimônio da pessoa, com a qual pode alcançar eventos futuros que impeçam o lesado de usufruição; dano moral ou não patrimonial diz respeito às lesões psíquicas que atingem valores espirituais, além do dano contratual ou extracontratual, dano direto, indireto e coletivo.

Ainda trazendo à baila a argumentação proposta por Nader (2016), o autor explica que para reparar um dano, vai além que um ato de comprovação, pois tanto a natureza quanto a extensão do dano são requisitos a serem levados em consideração.

2 .2. DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A ideia de culpa era o fundamento da responsabilidade. Gonçalves (2016) arremata o pensamento de que, em face da teoria clássica, se não há culpa, não há de se falar em responsabilidade. Isto, pois, denota que a subjetivação da responsabilidade ampara-se no elemento culpa.

Todavia, quando a própria lei, determina as situações capazes de ensejar uma reparação de dano, diz-se, então, de responsabilidade legal ou objetiva.

O Código Civil, art. 186, manteve a culpa como um fundamento da responsabilidade, mas, adotou amplamente a responsabilidade objetiva a qual é baseada na Teoria do Risco, lembra Cavalieri (2015).

No tocante a esta Teoria, Nader (2016) apresenta a desvantagem da responsabilidade subjetiva, pois, nas atividades que implicam em riscos à integridade física e patrimonial, “ tais danos ficariam sem qualquer reparação; daí o pensamento jurídico haver concebido a teoria do risco ou responsabilidade objetiva, para a salvaguarda das vítimas”.

O Código Civil adota a Teoria do Risco Criado (art. 927, parágrafo único), através da qual a atividade praticada produz riscos, devendo, portanto haver a reparação.

A predileção pela responsabilidade objetiva faz-se presente na Constituição Federal, art. 37, §6º, no caso da responsabilidade do Estado, com também nas situações de danos nucleares (art. 21, XXIII, d). Em igual sentido, o Código do Consumidor (arts. 12 e 18) e Código Brasileiro de Aeronáutica (arts. 246 a 287), dentre outras exemplificadas por Nader (2016).

Verifica-se, pois, que tanto a responsabilidade subjetiva quanto a objetiva se completam, porém a responsabilidade objetiva cumpre uma função de justiça, como leciona Nader (2016).


3. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Incontestavelmente, a relação entre o médico e paciente existe há muitos séculos e, desde então, renova-se o pensamento da sociedade de como é vista e desenvolvida a atividade médica. Isso porque, a cura era concebida, outrora, como algo místico e milagroso e, como consequência, o papel do médico foi também se transformando, ao mesmo tempo, em que a cura, o tratamento e a assistência ganharam uma nova significação ao serem incorporadas a um conhecimento científico diverso da crença sacerdotal e ritualista de antes.

Se de um lado, o médico recebia recompensas pelo combate de doenças, por outro, o insucesso do profissional era combatido com severas penas. Considerado o primeiro documento que normatiza a relação entre o médico e o paciente, o Código de Hamurabi de 1.694 a.C. elencou punições no caso de erro médico e responsabilizava o profissional diante do dano (EFING E NEVES, 2014).

Uma das leis que fazia parte daquele Código era a Lei de Talião, mais conhecida como “olho por olho, dente por dente”, que configurava o dever de reparar o dano. O médico era penalizado com a amputação das mãos quando o paciente era um homem livre. No entanto, quando o atendimento era prestado a algum escravo ou animal, a pena imposta era em forma de pecúnia (KFOURI NETO, 2010).

Os princípios gerais da responsabilidade civil foram publicados na Lei das XII Tábuas. Os romanos entendiam que, embora o médico não fosse negligente, imperito ou imprudente, mas os resultados da obrigação não condisseram com o esperado pelo paciente, a responsabilidade era imputada ao profissional (BORGES, 2014).

O exercício da vingança privada, que era comum ao lesado, passou a não ser admitido pelo Estado Romano que começou a intervir coibindo as pessoas o direito de punir.

Com as novas legislações que previam a responsabilidade civil do médico, surgia a possibilidade da abertura de uma ação de indenização e a composição entre as partes, conforme ressalta Borges (2014).

Desta forma, percebe-se que o Direito Romano deu início à “demarcação” dos limites do instituto da responsabilidade civil. Dentre as legislações, cita-se a Aquilia que consagrou a noção de culpa para obrigar o médico a reparar o dano.

Consoante Borges (2014), a Lei Aquilia foi considerada a base para as novas leis e sua importância está associada também pela substituição, diante de uma imperícia, da pena de morte pelo exílio e deportação e por obrigar o médico a indenizar os proprietários de terras pela morte de escravos.

A medicina começou a ser considerada como uma ciência na Grécia com o aprimoramento do uso de técnicas, indagações mais racionais e o surgimento das universidades no século V a.C. Melo (2014), Efing e Neves (2014) corroboram a respeito do caráter científico da medicina o qual, segundo os citados autores, provocou mudanças na responsabilização da atividade médica, bem como promoveu o encorajamento dos profissionais para criarem cooperativas.

É inegável o longo tempo percorrido pela sociedade brasileira sem a disposição da responsabilidade prevista em um texto legal. Nas lições de Efing e Neves (2014), a medicina passou a ser qualificada como uma ciência somente com a chegada da Coroa Portuguesa e a primeira abordagem da responsabilidade médica apareceu em um Código - o Penal - apenas em 1890.

Ademais, a positivação civilista da responsabilidade do profissional pelo Direito Brasileiro ocorreu, em 1916, com o Código Civil. Este diploma legal adotou a teoria subjetiva que exige como pressuposto para o dever de reparação a prova de culpa ou dolo, porquanto eram poucas as situações ensejadoras de culpa presumida pelo lesante, rememora Gonçalves (2017).

Não somente a teoria subjetiva foi incorporada como fundamento da responsabilidade do condutor do dano. Vieram várias teorias e em cada uma delas a ideia de culpa foi ganhando novas acepções diante do instituto da responsabilidade civil.

O contexto da Primeira Guerra Mundial contribuiu para o surgimento da especialidade de cirurgia estética, pois os sobreviventes buscavam uma melhora na aparência ou, muitas das vezes, a reconstituição e correções de partes do corpo (GOMES, 2010). O que se pode inferir é que, nesta época, a procura não se dava restritamente pela autopromoção do embelezamento, mas, sim, em razão das seqüelas do momento de guerra.

Confirmando tal afirmativa, Graeff-Martins (2010) ensina que as referências históricas da cirurgia plástica eram justificadas por doenças, lesões, queimaduras, e deformidades.

Mas essa concepção mudou e, hoje em dia, é mais forte a consagração da cirurgia plástica como método de satisfação pessoal, ou seja, a classificada como estética. Diante da evolução da atividade cirúrgica, compreende-se que ela se desenvolve sob duas funções. A primeira é a reparadora quando existe uma enfermidade a ser controlada ou anulada através da cirurgia plástica reparadora. A segunda é aquela realizada para fins de modificação da aparência por meio da cirurgia plástica estética (GRAEFF-MARTINS, 2010).

Para Gomes (2010), a classe médica que realizava este procedimento recebia muitas críticas até chegar ao ápice da popularização e ser reconhecida de forma legítima.

Após a consagração da saúde pela Carta Magna de 1988 e da imagem como direito constitucional, o Código de Defesa do Consumidor foi editado, em 1990, reconhecido como uma lei especial e de ordem pública.

Não há mais dúvidas da aplicabilidade do Código Consumerista aos serviços prestados pelo médico de modo individualizado ou em hospitais e clínicas, seja por meio de seguro ou de plano de saúde (VIEGAS; MACIEL, 2017).

A doutrina brasileira valoriza o vínculo jurídico criado a partir do Código de Defesa do Consumidor, pois ele é capaz de sustentar características próprias e princípios singulares. Revela-se, logo, como um microssistema jurídico denominado relações de consumo que contribui para a compreensão dos conceitos, dos requisitos para a aplicação da lei consumerista e da responsabilidade civil do fornecedor de um produto ou serviço (LISBOA, 2012).

Em 2002, o Código Civil em vigor permaneceu, assim como o 1916, apostando na teoria subjetiva, isto é, há a necessidade da existência de culpa para que incorra em responsabilidade o autor do ato ilícito, confirmando o que ensinam os arts. 186. e 1876 deste diploma legal.

O Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil não trazem expressamente a responsabilidade médica, em contrapartida, quando regulam sobre a responsabilidade na prestação do serviço e responsabilidade dos profissionais liberais referem-se também aos danos provocados pela atividade do médico. O parágrafo único do art. 9277 da legislação civil, por exemplo, exalta a obrigação de reparar os prejuízos diante de uma atividade que causa riscos a outrem. Assim como evoluiu a normatização dos deveres médicos na prestação de serviços, em conjunto, a relação entre médico e o paciente conquistou avanços.

Diante das transformações tecnológicas, não se pode negar que o paciente passou a ter mais acesso a respeito das doenças e formas de tratamento, assim, por via indireta a postura do médico também foi modificada, uma vez que ele tem consciência de que não mais existe, assim como antes, um grau de hierarquia na relação com o paciente (EFING; NEVES, 2014; FARAH, 2010).

Converteu-se, portanto, a confiança entre as partes em uma relação contratual.

3.1.1. Das peculiaridades do contrato de serviço médico

A relação jurídica de consumo traduz a busca pelo equilíbrio contratual entre o consumidor e o fornecedor. Em razão de o consumidor ser eleito como receptor da proteção legal, não se pode afirmar que há uma oferta de privilégios, pois é coerente que o que se verifica é a outorga de direitos com a finalidade de obtenção da igualdade material.

De acordo com Khouri (2013), para se caracterizar uma relação de consumo, não importa qual é o objeto (dar, fazer ou não fazer um produto ou serviço), mas, sim, para qual fim este objeto é adquirido.

Neste cenário acerca dos elementos fundamentais da relação consumerista (consumidor, fornecedor e finalidade), é mister ressaltar que o contrato de serviço médico é do tipo sui generis com especificidades contidas na natureza da obrigação e deveres jurídicos entre médico e paciente.

É um contrato especial e diferente dos demais contratos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, não somente pelo aspecto financeiro (pagamento pela prestação do serviço), como também pelo aspecto da sua formação o qual agrega os direitos e deveres das partes, a hipervulnerabilidade do paciente, a inexigibilidade de formalidades, uma vez que o contrato é aceito na forma livre e até verbal (EFING; NEVES, 2014).

A submissão sem ressalvas da responsabilidade de um profissional liberal – como o médico - às regras do Código Consumerista é um equívoco. Isso porque é preciso haver uma típica relação de consumo para a sua aplicação. A atuação de um profissional na rede pública de saúde, por exemplo, configura-se uma relação civil e, portanto, inexiste uma relação consumerista.

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Em que pese à qualidade do serviço, o que precisa ser levado como escopo é o âmbito da prestação da atividade (SOUZA, 2016). Logo que, para ser uma relação de consumo, também não basta identificar se uma das partes é o consumidor e a outra é o fornecedor, visto que é preciso existir o requisito remuneratório do serviço prestado, conforme determina o conceito estampado no art. 3º, §2º do Código8.

Muitas discussões a respeito da natureza do serviço médico, contratual ou extracontratual, foram levantadas pelas correntes doutrinárias e jurisprudenciais. No entanto, tais controvérsias já foram superadas e o que se observa é que a singularidade proposta por este tipo de serviço não o descaracteriza como um contrato.

O caráter contratual está imerso na figura de uma obrigação médica consciente e responsável pela aplicação de técnicas e instrumentos disponíveis (MELO, 2014).

Inclusivamente, a natureza contratual é formada pelo consentimento das partes ao estabelecer uma consulta, exame ou assistência. A liberdade contratual atribui ao paciente o poder de escolha do profissional que será contratado.

Pontifique-se, assim, o que pode ser extraído da responsabilidade contratual é a aplicação tanto da lei civil quanto da consumerista, além de outras leis relacionadas ao objeto do contrato, perante o inadimplemento da obrigação (VASCONCELOS, 2011).

A excepcionalidade da espécie contratual é ilustrada pelo socorro dado pelo médico a um paciente na rua. Ora, nesta situação, não há um contrato firmado, longe disso, a obrigação médica de fato surgiu fora do âmbito contratual (KFOURI NETO, 2010).

Note-se que a responsabilidade médica não está filiada a único regime, porém a dimensão para aplicar uma ou outra - contratual ou extracontratual - vai ao encontro da compreensão do valor da prova.

Quando há um contrato firmado entre o médico e o paciente, a culpa é presumida, bastando a vítima apresentar o contrato, o dano e o nexo da causalidade. Diante da inexistência de contrato é preciso demonstrar o dolo, negligência, imperícia ou imprudência9 do profissional (MIRAGEM, 2010).

Em oposição a este entendimento, o conceituado doutrinador em responsabilidade civil, Aguiar Dias (1954), citado por Melo (2014), afirma que considerar a responsabilidade médica como sendo contratual não significa dizer que a culpa será presumida, uma vez que o médico não tem compromisso com a cura, embora atue para tal fim.

O dever é pela oferta de um serviço com técnica e inserido na ética profissional, o que na verdade é a configuração de que o médico presta-se aos meios para a cura e não para o alcance dela propriamente dita.

Para Aguiar Dias (apud MELO, 2014), então, o contrato médico não tem a cura como objeto, mas, sim, a diligência racionalizada.

Nesse ínterim, consagra-se a relação pessoal entre o profissional e o paciente, com obrigações recíprocas contributivas a alcançar um resultado aguardado.

Destaque-se, ainda, que a atmosfera protetiva do consumidor não exalta a diferença entre a responsabilidade contratual ou extracontratual, pois a prioridade está no reconhecimento de responsabilidade do fornecedor manifestado no vínculo jurídico do consumo, seja este contratual ou não.

A Política Nacional de Relações de Consumo prevista no Código de Defesa do Consumidor realça a proteção do consumidor sem distinção do tipo de responsabilidade adotada.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...] (BRASIL, LEI 8.078/1990, ART. 4º CAPUT, grifo nosso).

O debate da natureza contratual não pode prosperar diante de direitos básicos do consumidor. Frisa-se a saúde, mas ela é apenas um, dentre os inúmeros direitos fundamentais tutelados na relação médico-paciente, como: direito à vida; à segurança; ao bem-estar; à integridade física e mental; a solidariedade; à liberdade; à dignidade da pessoa humana e também os direitos elencados no rol exemplificativo do art. 6º do referido diploma legal.

3.1.2. O dever de informar e os reflexos no consentimento voluntário

Na seara do médico e paciente, os conflitos existem assim com em qualquer forma de relacionamento. O Código de Ética estabelece regras práticas com vistas à orientação, mas, independente da regulação é fato que o tratamento respeitoso pode ser afetado e, mais, o paternalismo de outrora ganha evidência.

A veracidade, privacidade, confidencialidade e fidelidade são regras da medicina que beiram ao insucesso pela falta de uma formação moral constante. De modo habitual, encontra-se um profissional apenas preparado tecnicamente (ARMENDANE, 2018).

Imagine-se a possibilidade de um paciente ser abandonado pelo médico, embora estivesse sendo submetido a um tratamento longo ou que não houvesse o repasse de informações sobre um novo medicamento lançado pelo fabricante quanto às reações, riscos e cuidados.

Em ambas as circunstâncias, houve a ruptura mais significativa de uma regra prática - a fidelidade. No tocante a última, encontra-se o dever de informar previsto no rol das vedações do médico nos arts. 34 e 5510 do Código de Ética Médica (2018).

Mais do que estas normas proibitivas, o Código de Defesa do Consumidor, antes mesmo do Código de Ética Médica, já sacramentava a informação como um direito11, bem como regramento para a proteção e segurança, práticas comerciais, acesso ao banco de dados e cadastros e atribuição de responsabilidade.

Para além da atividade médica, o dever de informar é, inexoravelmente, um mandamento consumerista (VASCONCELOS, 2011).

Considerando que o vínculo com o paciente deve ser respaldado na verdade, omitir informação pode afetar a confiança no relacionamento. A ausência de informação transmitida também gera insegurança, julgamentos e refuta expectativas.

Todas as informações quanto ao diagnóstico, prognósticos, riscos e eventuais soluções deverão ser transmitidas também nas cirurgias estéticas. O consentimento do paciente passa por este dever de aconselhamento e informação (GOMES, 2010).

Segundo Bergestein (2013), cria-se uma liberdade no paciente quando a informação é escassa ou nula para responsabilizar o médico, pois há uma omissão diante do encargo de informar. Posto que, para o autor, valorar a informação é compreender o seu papel no envolvimento de expectativas do paciente com as quais são medidas pela legitimidade e razoabilidade do serviço prestado.

Informar é elevar a autodeterminação do paciente e respeitar a sua dignidade. Nunes e Almeida (2018) acreditam que esclarecer aos doentes sobre as técnicas empregadas, os detalhes do procedimento, os riscos e os motivos pelos quais o médico irá optar por esta ou aquela forma de tratamento é uma faculdade dada a eles de escolherem livremente diante das alternativas especializadas fornecidas pelo profissional de saúde.

Confirmando os autores supracitados, a faculdade pode também ser justificada pela renúncia no recebimento de informações.

Esta manifestação também deve ser livre, voluntária e partir do desejo do paciente que pode transferir ao próprio médico ou a terceiros as decisões sobre seu corpo, porém consciente de que a desistência gera ônus a si mesmo (BERGESTEIN, 2013).

A atuação médica abrange também prestar o serviço de forma emergencial o que inviabiliza o repasse de informações e menos ainda o consentimento.

Não há dúvidas de que direitos basilares como a vida e a saúde serão priorizados, resgatando, logo a cessação do perigo, a autonomia do paciente (MATOS, 2007).

Ressalvados os limites no dever de informar, a carga informativa torna-se um pressuposto para o consentimento informado e voluntário do enfermo.

Caso algum procedimento médico seja realizado sem a concessão, a autonomia do paciente é violada, pois esta é obtida por meio de uma capacidade racional de tomada de decisão, conhecimento de informações adequadas, direito de escolha e autorização formal, muito embora a autonomia não esteja relacionada a uma garantia do resultado com sucesso (NUNES; ALMEIDA, 2018)

A prevenção de práticas que inobservam a autonomia é realizada por meio de documentos e protocolos. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é um destes, contudo o que se percebe é que o seu papel não caminha em consonância com a adesão expressiva por parte da classe médica.

Um estudo feito no Brasil constatou que os profissionais não consideram importante o repasse de todas as informações e chegam a omitirem partes delas acreditando que haverá recusa do procedimento, ao se depararem com os riscos (RODRIGUES FILHO; JUNGES, 2017).

A respeito do significado deste Termo para a prática médica, ressalta-se a seguinte contradição por parte do Conselho Federal de Medicina: o Parecer CFM nº 22/2004 julga indispensável o Termo, porém não aprova a tese que valoriza a pontuação dos riscos e obrigações no documento.

Muito além disso, o parecer ainda acrescenta os casos12 em que o consentimento é aceito na forma escrita.

Com esta posição, deduz-se que as restrições em comento podem transparecer que nem todo procedimento é digno de ser transmitido com informações densas e cuidadosas ou que a ética médica trilha pela desnutrição das expectativas do paciente, perante a informação coerente e deliberada que nem sempre é apresentada.

Exemplifique-se, a recente Resolução nº 2.172/2017 pela qual o Conselho reconheceu a necessidade de elaboração do Termo como uma das exigências para que seja realizada a cirurgia metabólica13. Neste tipo de intervenção, a entidade determina a especificação de vários critérios constantes no documento, como: taxa de mortalidade, riscos, necessidade de acompanhamento por uma equipe médica multidisciplinar logo após a cirurgia e os riscos.

Relevante é o entendimento de Bergestein (2013) que explica a inutilidade de repassar informações de cunho aprofundado pela linguagem técnica ao ponto do doente não compreendê-las.

Significa, portanto refletir as limitações do dever de informar com o qual os excessos, os dados irrelevantes, os comentários desapropriados não residem no objetivo de desenvolver a autodeterminação do enfermo.

3.1.3. Dever de assistência e perícia e a hipervulnerabilidade

O consentimento informado está intimamente ligado ao estado de vulnerabilidade do paciente, pois o paciente quando busca pelo atendimento médico encontra-se frágil e carente por assistência e cuidado, bem como requer saber o que se passa em seu corpo.

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 4º, I,14 reconhece a vulnerabilidade do consumidor, assim como no art. 39, IV,15 onde ela se mostra mais agravada. A doutrina denomina de hipervulnerabilidade a situação onde há um desequilíbrio significativo entre as partes.

A leitura feita por Khouri (2013) a respeito dessa característica do consumidor é associá-la a um princípio informador na relação consumerista, através do qual se identifica facilmente quem é o lado mais frágil e tenta-se minimizar as diferenças.

Na oportunidade, ressalta-se que a vulnerabilidade é, portanto um atributo universal, alcançando todo o consumidor não profissional.

Não há o que se discutir, não há prova em contrário, pois é presumida, absolutamente, a vulnerabilidade de todo consumidor (KHOURI, 2013).

Na esfera médico-paciente, o desprezo pela análise do grau de vulnerabilidade do consumidor resulta em um tratamento menos protetivo. Por isso, é fundamental, desde o início do estabelecimento da relação jurídica de consumo, obedecer aos deveres de informação até que chegue o momento da execução dos procedimentos.

Para Rodrigues Filho e Junges (2018), um doente crítico necessita de um consentimento específico, pois é notório que a vigilância deve ser constante para fins de examinar se o paciente consegue entender a informação, já que a vulnerabilidade prejudica a capacidade decisória.

Ademais, o dever de assistir persiste no momento anterior ou depois de uma cirurgia, diante de casos de pacientes com doenças mentais, com desníveis de depressão ou que ingerem medicamentos com reações alucinógenas. O objetivo, conforme os estudos de Branco (2010), é impedir que o próprio paciente cause dano a si mesmo.

A visita médica é uma prova de contínua diligência e cuidado. No entanto, assim como no consentimento informado, a falta de assistência também reduz ou anula as expectativas do doente.

O abandono é considerado uma prática comum de negligência, visto que se espera que o contrato conduza a um tratamento permanente, sendo permitida a falta do dever de vigilância somente em casos de força maior ou por acordo (FRANÇA, 2017).

Outro ato negligente é a apresentação do prontuário mal elaborado e vazio de informações relevantes. Ora, o paciente tem o direito ao acesso deste documento, salvo às exceções trazidas pelo próprio Código de Ética Médica.

O art. 7616 deste Código determina que é dever profissional permitir a consulta tanto do prontuário quanto da ficha clínica que poderão servir de análise pericial para a investigação de culpa.

O enquadramento consumerista, o vasto conhecimento técnico e científico do médico aliado a previsão normativa dos demais deveres do profissional (de prudência, de atualização e aperfeiçoamento, de sigilo, dentre tantos outros) não o exime da incidência de responsabilização diante de vício ou defeito de qualidade por inadequação ou insegurança.

3.2. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE MÉDICA

Como já se referiu neste estudo, a responsabilidade do médico não se submete apenas a único regime: podendo ser aplicadas às regras do Código Civil e do Código Consumerista. Na visão de Marques (2003), apoiada nos argumentos da doutrina alemã de Erick Jayme, a ciência jurídica de hoje prima muito mais pela convergência das leis do que pela exclusão de uma em detrimento da outra.

É um equívoco pensar, segundo a autora, que há um conflito entre as leis, quando, na verdade, o diálogo de fontes busca a complementaridade e a subsidiariedade. Com efeito, este diálogo é necessário entre a lei civil, a de consumo e o Código de Ética Médica para promover um tratamento especial aos vulneráveis e preencher lacunas em favor a eles. (BORGES, 2014).

A responsabilidade civil sob a égide do Código de Defesa do Consumidor assumiu a forma objetiva a qual equivale reparar o dano, independentemente do pressuposto de culpa.

Porém, a excepcionada obrigação médica, já mencionada neste estudo outrora, é expressa pela lei consumerista, nos termos do art. 14, §4º, como a obrigação de todo e qualquer profissional liberal.

A excetuada objetividade da responsabilidade para esses profissionais implica na aplicação subsidiária da lei civil quando a matéria versar sobre a responsabilidade, permanecendo a aplicação das regras consumeristas nas demais matérias (GONDIM; STEINER, 2009).

Ao defender a teoria do risco, Lisboa (2012) acredita que não se pode concluir e limitar a responsabilidade do profissional liberal como sendo exclusivamente subjetiva.

No entanto, o Código de Defesa do Consumidor foi bem claro quando disciplinou a subjetividade da responsabilidade do profissional, como também foi transparente e enfático ao limitar tal subjetividade a uma responsabilidade pessoal. Excluindo-se, tão logo, a pessoa jurídica com a qual o profissional atue de forma subjetiva.

De qualquer forma, a divergência da aplicabilidade da responsabilidade médica como sendo objetiva, é imputada, sob a ótica da teoria do risco, quando houver acidente de consumo como: a ocorrência de um dano a algum bem de personalidade do consumidor (vida, saúde, segurança). Deve haver, então, uma responsabilidade pelo fato do serviço17 (LISBOA, 2012).

Por esta teoria, é importante mencionar uma das modalidades de risco dentre as várias classificações trazidas pela doutrina: o risco da atividade.

Também chamado de risco-proveito ou risco criado, a modalidade trata-se de incumbir à pessoa, praticante de alguma atividade que possa gerar algum risco, o ônus de assumir a responsabilidade pelos prejuízos causados a outra pessoa (MELO, 2015).

Quando se analisa o fundamento da responsabilidade objetiva pela doutrina do risco, a culpa não protagoniza dentre os elementos da responsabilidade.

Pelo contrário, todo prejuízo será arcado pelo autor do dano, mesmo este agindo ou não com culpa (CAVALIERI FILHO, 2015).

Por força do art. 2018 do Código de Defesa do Consumidor, a objetivação da responsabilidade pode ser aplicada, por exemplo, aos médicos quando violam o dever de informação (LISBOA, 2012).

Com este entendimento, a responsabilidade objetiva dos profissionais liberais ocorre quando estes provocam dano mediante a prática de um serviço vicioso, ou seja, o dano é econômico ou patrimonial.19 Isto é, o risco provocando foi de fato oriundo da atividade profissional.

Em oposição, Benacchio (2009) não admite o emprego da teoria do risco na relação médico-paciente, pois, o que o profissional deseja é a melhora ou cura do paciente e não o agravamento da sua saúde.

Portanto, na visão de Benacchio, não há o que se falar em riscos. Harmonizando-se com esse argumento, rememora-se a crença de que o médico não tem a intenção de contribuir com o desenvolvimento de riscos, logo, não há congruência entre os sujeitos (médico e paciente) à teoria do risco da atividade.

Em conformidade com o pensamento de Lisboa (2012) e Cavalieri Filho (2015), Melo (2015) também ensina que a culpa não será discutida, mesmo que a atividade é exercida de forma contínua.

Em síntese, os supracitados autores, militantes da teoria do risco da atividade, resguardam-se na ideia de que a provocação de qualquer risco deve resultar na reparação das consequências na sua integralidade, embora é considerável o esclarecimento da licitude da atividade profissional, pois o que é imperdoável e objeto de ressarcimento é o dano.

Ainda conforme o raciocínio de Lisboa (2012), o Código Civil20 e o Código de Defesa do Consumidor21 adotaram a teoria do risco da atividade, pois o que as normas destes diplomas legais exigem é a promoção de uma segurança a integridade física e mental e o patrimônio do lesado.

Diante das divergências doutrinárias, sobressai, no presente estudo, o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que separa a responsabilidade pessoal do profissional liberal (art. 14, § 4º) e a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica (art. 14, caput).

Ilustra-se o dano causado pelo serviço de hospedagem de um hospital, este responde objetivamente, nos exatos termos do art. 932, III, do Código Civil:

“São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele” (SOUZA, 2016).

Em contrapartida, um médico pertencente ao quadro de funcionários, agindo com culpa, responde de forma subjetiva e solidária com o hospital.

Na condição de não haver uma relação de preposto-preponente, a pessoa jurídica não tem o dever de reparar o prejuízo, consequentemente, responde de forma exclusiva o profissional liberal. De modo categórico, Melo (2014) afirma que se trata de um ato médico puro, por isso não tem o condão de imputar ao hospital pelo erro médico.

Respondendo o agente subjetivamente ou não, é certo que para desencadear o dever jurídico de reparação, deverão haver pressupostos a serem cumpridos, veja-se: ação ou omissão que cause dano; um nexo de causalidade e o dano.

O primeiro elemento diz respeito à conduta do agente que pode ser realizada por ato próprio, de terceiro ou pelo fato de bens ou coisas, ferindo um direito ou mesmo patrimônio. Resta ainda destacar que a conduta culposa pode oscilar entre a culpa voluntária (dolo) e a culpa involuntária (culpa propriamente dita) (RIZZARDO, 2015).

Constatada a conduta do agente, a responsabilidade é gerada quando se revela o nexo de causalidade, isto é, há uma relação entre a norma transgredida e dano causado.

O nexo de causalidade, ou o chamado liame, deve ser o primeiro pressuposto para o ingressante de uma ação de responsabilidade civil, pois o dano só causa responsabilidade, quando se consegue unir quem o provocou e o quê provocou, ou seja, o dano em si, conforme aconselha Melo (2015).

Esta afirmativa exprime a reflexão a respeito do dano indenizável, pois que se determinar o ressarcimento é preciso que ele faça referência a um ato ilícito ou um risco previsto em lei.

No tocante ao dano, Rizzardo (2015) também explica que a indenização é cabível quando viola um dever jurídico capaz de gerar algum prejuízo.

Estes elementos pautam a responsabilidade subjetiva, conquanto somente com a exclusão do elemento culpa da conduta é que se confirma a responsabilidade objetiva.

Diante do exposto, a objetivação da responsabilidade da pessoa jurídica não tem caráter de dispensar a demonstração do dano causado e do nexo de causalidade.

Significa, pois, não é porque a responsabilidade é sem aferição da culpa, que o dano não deve ser justificado e nem tampouco fundamentar o nexo causalidade (MELO, 2014)

Em sede de responsabilidade subjetiva e objetiva, almeja-se pela indenização. Embora, na objetiva, não há exigência da prova de culpa, a vítima precisa provar que existe um evento danoso e também a causa que faz a ligação entre o prejuízo e agente causador deste, ou seja, o nexo de causalidade.

Em verdade, diante da responsabilidade subjetiva, não há sustentação jurídica para indenizar um agente que não agiu com culpa. Assim como não há força, no âmbito da subjetivação, para indenizar a vítima considerando o dano como um único pressuposto a ser examinado.

3.2.1. Da culpa médica e o ônus da prova

A apuração da culpa médica é assemelhada aos requisitos exigidos para definir a culpa comum. No caso concreto, o juiz deve analisar se o médico não agiu com diligência diante das possibilidades que o cercava. Em seguida, deve confrontar a efetiva conduta do profissional com a respectiva norma que descreve a ação ou omissão (AGUIAR JR., 2010).

Observa-se a importância da norma e do conhecimento jurídico (e não da ciência médica) para que o juiz possa, de forma justa e ética, condenar o médico à reparação, pois a culpa causando um dano leve ou grave não deixa de ser culpa.

A inobservância da norma resulta na culpa e ela não precisa ser grave para ser consagrada uma culpa, bastando a natureza de a conduta ser positivamente culposa (KFOURI NETO, 2010).

Não importa qual seja o enquadramento da conduta culposa (negligência, imperícia ou imprudência), a culpa também está relacionada aos próprios deveres médicos.

Considerando que a cirurgia plástica não tem o caráter terapêutico, tais deveres médicos precisam ser observados ainda de forma mais próxima e constante.

A respeito disso, Gomes (2010) orienta que, neste tipo de cirurgia, as etapas devem ser formalizadas, pois os deveres do profissional são agravados pela inexistência de urgência da intervenção e pelo paciente gozar de saúde.

No preciso ensinamento de Aguiar Jr. (2010), percebe-se que a cada atuação médica (anestesiologista, generalista, especialista, cirurgia, dentre tantas outras presentes nas ciências da saúde), o médico incorre em uma culpa justamente porque se esperava uma determinada obrigação advinda de um dever legal, ético ou moral. No atendimento realizado pelo anestesista, o dever de vigilância foi violado e na prática cirúrgica estética o resultado não foi o informado.

Cumpre mencionar o teor do art. 186. combinado com o art. 951, ambos do Código Civil que elevam a presença do pressuposto da culpa para surgir o dever de ressarcimento:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, LEI 10.406/2002, ART. 186).

O disposto nos arts. 948, 949 e 95022 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho (BRASIL, LEI 10.406/2002, Art. 951).

A investigação na área médica é um exercício minucioso e com grandes embaraços, não importando se a natureza do serviço prestado é contratual ou extracontratual (WEBER, 2010).

Arremate-se, a prova da culpa ou a dificuldade de provar a culpa do médico, pois na seara da responsabilidade pessoal do profissional liberal, em regra e como já retratado no início deste capítulo, não há presunção da culpa.

Se para responsabilizar o médico é preciso saber quem é o culpado, mais ainda é identificar a quem incumbe o ônus da carga probatória.

De acordo com o art. 373, I e II, da Lei 13.105/201523, o ônus da prova cabe tanto ao autor quanto ao réu, ou seja, cada um deve provar o que alega na relação processual.

Porém, nas relações de consumo é admitida a inversão, pois o Código de Defesa do Consumidor proclama, no art. 6º, VIII24, a inversão do ônus da prova como um dos direitos básicos do consumidor e como uma facilitadora da defesa em prol do consumidor.

A partir do princípio da inversão do ônus da prova, resta ao médico provar a ausência de dano, negar autoria diante do dano, imputar culpa a algum fator externo ou mesmo imputar a culpa exclusiva à vítima (LÔBO, 2010).

É louvável a tutela dada ao consumidor, considerada pela doutrina brasileira uma das inovações trazidas pela lei consumerista, pois nota-se que até mesmo para postular uma prova houve uma preocupação do legislador de proteger o vulnerável na matéria processual.

Além da vulnerabilidade, há outras dificuldades que os pacientes enfrentam na produção de provas, como a falta de conhecimento técnico dos procedimentos realizados em seu próprio corpo ou de como este funciona e se compatibiliza com o feito do médico; a imparcialidade e isenção da perícia; falta de recursos financeiros para requerer a perícia médica; os desdobramentos dos fatos ocorrem, na sua grande maioria, em lugares isolados dentro de consultórios ou salas cirúrgicas (AGUIAR JR., 2010; ZULIANI, 2010).

Por tudo isso, tratar do ônus probatório é ressaltar a iminência de riscos. Segundo Weber (2010), aquele que tinha ônus de provar e não o fez, reveste-se de riscos diante do julgado que se respaldará de acordo com as provas que estão nos autos ou pela ausência delas.

No conjunto probatório, a perícia tem um valor consubstanciado, talvez pela própria natureza ou pela matéria médica ser dotada de cientificidade, característica essa que facilita o julgador se respaldar fazendo o uso da perícia, preferencialmente, ao invés de elaborar suas conclusões com base em um depoimento pessoal prova documental, prova testemunhal ou outros meios de prova.

A par disso, cumpre salientar que não há uma hierarquia ou classificação dos meios de prova, cabendo ao juiz valorar cada uma delas e formar a sua própria convicção (DALLARI, 2015).

Para Kallas Filho e Fonseca (2015), há uma congruência forte da decisão do juiz com a perícia. Mas, a carência do conhecimento da ciência médica do juiz não pode servir para torná-la a prova mais importante.

Em conformidade, Kfouri Neto (2010) recomenda ao juiz uma análise mais aprofundada e objetiva dos laudos periciais. Ora, o julgamento deve ser feito sem a influência do caráter técnico em demasiado trazido por este meio de prova, haja vista que a análise deve ser com o conhecimento de causa.

A culpa médica é por vezes difícil se ser comprovada, porém o juiz pode verificar o inadimplemento da prestação do serviço do cirurgião plástico analisando sob aspecto abstrato e concreto, conforme Borges (2014).

A análise in abstrato pode ser feita através de uma comparação do médico acusado com um “médico padrão”, examinando quais condutas e condições. Pelo aspecto concreto, o juiz pode fazer uso das respostas para os questionamentos a respeito da colaboração da equipe e do hospital para perpetuação do dano; descumprimento do paciente perante alguma recomendação do cirurgião e a formalização das orientações transmitidas ao paciente (BORGES, 2014).

Sem dúvida o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que rege a inversão de provas prima pelo equilíbrio das partes, mas é essencial destacar que a norma traz requisitos para facilitar a defesa do consumidor, são elas: o que for alegado deve ser verossímil ou o consumidor deve ser hipossuficiente. Tão logo, ressalta-se que a inversão do ônus da prova não ocorre instantaneamente.

Nas lições de ciência médica, é comum generalizar a ideia de que todo consumidor é hipossuficiente, mas essa característica não está unicamente ligada ao aspecto financeiro ou intelectual. A hipossuficiência é uma característica processual pela qual o consumidor-paciente tem dificuldades para produzir provas pelos motivos acima reiterados (MIRAGEM, 2010; WEBER, 2010)

Muitas discussões doutrinárias cercaram esta previsão da lei consumerista de assegurar o direito do consumidor ao ônus da prova invertido e, ao mesmo tempo, determinar a responsabilidade subjetiva do profissional liberal, em outras palavras, ter o dever de provar a culpa. Nesse contexto, os debates revelam o desagrado de alguns doutrinadores que acreditam não caber a inversão do encargo das provas diante da subjetivação da responsabilidade.

Vizzoto e Marquesi (2012) retratam o pensamento dos adeptos dessa teoria que sustentam o argumento de haver incompatibilidades entre o dever de provar a culpa (revestido pela responsabilidade subjetiva) e o direito de inverter o ônus probatório.

Segundo os autores, a colaboração das partes na elucidação dos fatos é indispensável e não há necessidade de obedecer às separações impostas pelo Código de Processo Civil, no mencionado art. 373, a respeito dos fatos a serem provados pelo autor e quais sejam os de competência do réu.

Nas demandas de responsabilidade, o que o Código Consumerista apregoa é levar a classe médica a provar se agiu dentro dos ditames do Código de Ética, isto é, o profissional de saúde deve atestar que não houve incidência em nenhuma das modalidades da culpa (WEBER, 2010).

Admitir a inversão do ônus da prova em face do fornecedor dos serviços, não exclui a qualidade subjetiva da responsabilidade médica, esta se apresentando sob dois vieses: o serviço sendo prestado de forma pessoal e a obrigação médica classificada pela doutrina e jurisprudência como sendo de meio ou de resultado.

3.2.2. A dicotomia da obrigação de meio e de resultado

A natureza clássica da prestação do serviço médico - meio ou de resultado - está relacionada ao ônus da prova e ao descumprimento das obrigações dentro da relação médico-paciente. A classificação foi introduzida pelos estudos de René Demogue, no Tratado das Obrigações, a partir de uma decisão jurisprudencial sobre responsabilidade civil médica da Corte de Cassação Francesa no ano de 1936 (SOUZA, 2016).

A obrigação de meio refere-se ao esforço do profissional. Feita a observação, entende-se que há um dever de agir com prudência e diligência. Por tais motivos a doutrina brasileira denomina como obrigação de meios ou de diligências.

Não há uma preocupação com um resultado específico, pois a prestação do serviço não está vinculada a ele, mas, sim, com a atividade em si. Por isso, o conteúdo da obrigação não é o resultado, visto que são os meios utilizados pelo médico que irão conferir se houve alguma inexecução (GODIM; STEINER, 2009; MARREIRO, 2013).

Cabe aqui expor que o médico não se obriga pela cura do paciente, pois não há como assegurá-lo deste resultado. Muito embora, a obrigação a ser cumprida deve, no mínimo, ser primada pela boa-fé, pelo cuidado, pelo emprego e escolha da técnica corretos e pelo sigilo profissional.

Na atividade médica, há na verdade uma espécie de tentativa do profissional em obter cura, melhora, alívio ao paciente. Garantir a cura é um valor muito mais espiritual, do que científico, reconhece Venosa (2017).

A apuração dos meios (ou seja, dos recursos) utilizados pelo médico faz nascer uma responsabilidade, caso conste a aparição do elemento culpa.

Inexiste culpa se, embora o exercício da atividade tenha sido com base em práticas idôneas e esperadas pela ciência médica, mas o empenho não prosperou diante da complexidade do próprio caso ou por que a doença evoluiu (FRANÇA, 2017).

Acrescentando a este juízo, não há culpa médica quando a obrigação foi cumprida, mas, o próprio paciente dispensa ou menoriza a recomendação. É comum, por exemplo, os casos de enfermos que cumprem parcialmente ou ignoram às exigências do profissional e contribuem para o agravamento do quadro clínico.

Por outro lado, a inobservância da obrigação médica por uma conduta culposa (modalidade negligência) apresentada pela recente jurisprudência do Tribunal do Distrito Federal, em outubro de 2018, assevera-se que um tratamento inadequado provocou dano moral e estético.

Assim, o Tribunal julgou que uma falha na prestação do serviço por erro no diagnóstico incorreu em responsabilidade civil, uma vez que a ré não cumpriu o dever médico de realizar um determinado exame importante e necessário à literatura médica (obrigação de meio), para fins de identificar a correta doença do autor da ação:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO MÉDICO. HOSPITAL. OBRIGAÇÃO DE MEIO. TRATAMENTO ADEQUADO NA LITERATURA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DIAGNÓSTICO ERRADO. AUSÊNCIA DE EXAME INDICADO PELA LITERATURA. CONSEQUÊNCIA. PERDA DE TESTÍCULO. NEXO DE CAUSALIDADE. PRESENÇA. DANO MORAL. CONFIGURADO. VALOR ARBITRADO. RAZOABILIDADE. DANO ESTÉTICO. CARACTERIZAÇÃO. O fornecedor de serviços médicos, em regra, assume uma obrigação de meio, ou seja, não garante a cura, mas assume o dever de prestar o tratamento adequado, segundo a literatura médica. No caso dos autos, houve falha na prestação do serviço, pois a ré deixou de realizar exame à disposição e indicado pela literatura médica, com o qual seria possível diagnosticar corretamente a doença que acometeu o autor e, assim, realizar cirurgia para evitar o agravamento do seu quadro clínico. Nexo de causalidade demonstrado, porquanto a conduta negligente da ré foi determinante para o retardamento do procedimento médico adequado para a recuperação da saúde do autor, culminando na perda do seu testículo. O valor fixado na origem mostra-se razoável e adequado, mormente porque os efeitos deletérios da conduta da ré se propagarão para toda a vida do requerente. Para a configuração do dano estético é imprescindível alteração morfológica no corpo da vítima, causando deformação visível e desagradável. A perda de um dos testículos, sobretudo por um adolescente, aos dezessete anos de idade, no início da sua vida sexual, caracteriza dano estético. A possibilidade de correção da deformidade por cirurgia de prótese testicular deve ser considerada no arbitramento do valor da condenação. Conforme enunciado nº 326, da súmula do Superior Tribunal de Justiça, na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao pleiteado na inicial não implica sucumbência recíproca, entendimento que deve ser aplicado à condenação por danos estéticos.

(TJ-DF 20160111193833 DF 0034424-40.2016.8.07.0001, Relator: ESDRAS NEVES, Julgamento: 17/10/2018, 6ª TURMA CÍVEL, Publicado no DJE 23/10/2018 . Pág. 343/353, grifo nosso).

Observa-se a jurisprudência neste sentido consagra que, na obrigação de meio, é o lesado quem recebeu o ônus da prova para obter a indenização, pois provou que a conduta do médico contribuiu para provocar um dano que distorceu toda a adequação de um tratamento esperado pela “arte médica”.

Para Marreiro (2013), o médico assume uma obrigação de cuidados, diligências e prudência que o isenta de atender ao desejo específico do paciente que é a cura, ou seja, ele precisa somente provar que os meios utilizados da sua conduta foram lícitos durante a prestação do serviço.

Se antes o risco profissional e a vontade das partes eram condições determinantes para a obrigação de meio, a doutrina moderna reconhece a mudança no pensamento.

Ora, Souza (2016) expõe que identificar a obrigação do ato médico é atentar-se para as exigências contratuais e para as expectativas das partes que surgem durante o processo.

Assim, significa que, às vezes, o dever de cuidado possa ser o elemento mais presente e exigível dentro de uma obrigação médica. Confirma-se, logo, que não há presunção da culpa em uma obrigação de meio.

Porém, é fundamental recordar os requisitos (já estudados neste trabalho) da inversão do ônus da prova admitida pelo Código de Defesa do Consumidor os quais são preconizadas também por jurisprudências. A incidência do estatuto consumerista possibilita fragilizar as discussões sobre o emprego da obrigação de meio e de resultado.

Se o devedor da obrigação alcançar o fim determinado, tem-se que a obrigação de resultado ou determinada foi cumprida (GRAEFF-MARTINS, 2010; FRANÇA, 2017).

Consoante, Godim e Steineir (2009) o objeto de contrato é o próprio resultado, caso não consiga obtê-lo deve arcar com os prejuízos.

Diante do caráter contratual dessa obrigação, o profissional assume uma responsabilidade objetiva, ou seja, os pressupostos da culpa não serão analisados para fixar o dever de reparação. Afinal, trata-se de uma presunção de culpa.

A conclusão que Tartuce (2018) apresenta é que não basta provar que não teve culpa, visto que o dever de reparar o dano só é afastado, caso incida nas excludentes do nexo de causalidade.

Corroborando com supracitado autor, a culpa não é um elemento de relevância, pois o que é necessário é a prova de que não cumpriu o contrato (ALVES; LOCH, 2012).

A doutrina exemplifica a obrigação de resultado no caso de cirurgias de plásticas embelezadoras, exames de raios X, transfusão de sangue, dentre outros. Ora, nesses procedimentos médicos há um critério objetivo a ser obtido, posto que o contrato entre o médico-paciente irá exigir um fim.

3.2.2.1. Das obrigações do médico relacionadas à cirurgia plástica

A respeito da cirurgia plástica estética, o paciente deseja ser submetido a uma intervenção física para modificar sua aparência e, consequentemente, o médico assume o resultado avençado. Sobre isso não resta dúvidas, pois o paciente quando decide passar por este ato cirúrgico, deseja que o resultado seja tão objetivo e claro conforme o acordo preestabelecido.

É majoritário o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o médico deve garantir o êxito do procedimento estético. No entanto, quando ocorrer a insatisfação do cliente, tal questão não enseja responsabilidade subjetiva do profissional:

Todavia, para que haja a responsabilização do profissional pela insatisfação com o resultado da cirurgia, faz-se necessário que exista prova cabal de que aquele agiu de forma inadequada, além de não ter tomado os cuidados necessários na intervenção cirúrgica.

(STJ - REsp: 1750417 RJ 2018/0155935-3, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 27/08/2018).

Quando o médico tem a certeza de que o resultado não será objetivo, deverá fazer um alerta e tomar as devidas medidas para bem orientar o enfermo. Em se tratando de cirurgia plástica, é dever médico informar exaustivamente demonstrando os benefícios e as desvantagens, apontando os riscos raros e nos riscos poucos prováveis (GRAEFF-MARTINS, 2010; ALVES; LOCH, 2012).

Nesse sentido, o Tribunal de São Paulo decidiu pelo desprovimento do recurso impetrado pela autora que ajuizou ação requerendo danos morais, materiais e estético, em razão de um erro médico na cirurgia plástica:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. Autora ajuizou a presente demanda visando o recebimento de indenização pelos danos materiais, morais e estéticos que alega ter sofrido em razão de erro médico na cirurgia plástica (abdominoplastia e mamoplastia) a que se submeteu. Sentença de improcedência. Apelo da autora 1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Documentos constantes dos autos e exame físico realizado pelo perito que são suficientes para a elaboração do laudo pericial. Inconformismo com o resultado da perícia não é causa para sua invalidação ou para a realização de nova perícia. 2. Autora que foi expressamente informada dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico que optou por realizar, bem como da possibilidade de dificuldades na cicatrização com necrose de tecidos e alteração do resultado por ganho de peso ou gravidez posterior. Falha no dever de informação não evidenciada. Laudo pericial que concluiu pela ausência de erro médico como causa da infecção manifestada uma semana após a alta médica, sendo a necrose de tecidos intercorrência comum no procedimento de abdominoplastia. Quadro que evoluiu para total recuperação da autora dentro do prazo a ela informado e esperado para cirurgias como aquela a que se submeteu. 3. Cirurgia destinada à redução da flacidez das mamas e abdome e redução da gordura localizada. Autora que engravidou após a cirurgia, se submeteu a cesariana e teve considerável ganho de peso. Laudo pericial que concluiu pela inexistência de erro médico, consignando que a assimetria entre as mamas é discreta e pode ser decorrente de diversos fatores, tais como preexistência do quadro ou obesidade. Cicatrizes que são inerentes ao procedimento e agravadas pela cesariana posterior à cirurgia plástica. Comparativo entre as fotografias anteriores ao procedimento e atuais que demonstram significativa melhora visual do quadro estético da autora. Sentença mantida. 4. Recurso desprovido.

(TJ-SP - APL: 00235199620128260482 SP 0023519-96.2012.8.26.0482, Relator: Mary Grün, Julgamento: 07/11/2018, 7ª Câmara de Direito Privado, Publicação: 12/11/2018, grifo nosso).

Infere-se que a paciente recebeu as informações dos riscos e das dificuldades que enfrentaria para a cicatrização, isto é, não houve falha no dever de informação. Porém, a paciente discordou das conclusões do laudo pericial.

Todavia o resultado pretendido foi também alterado pelo “ganho de peso ou gravidez”, confirma a perícia. Os documentos constantes nos autos e o exame físico que compõem a prova pericial, somados as fotografias, foram suficientes para que o Tribunal mantivesse a sentença em favor do médico.

Oportuno exemplificar o entendimento estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça,25 ao reformar o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que fixou indenização por danos morais de 200 mil reais a um paciente e seus pais, em razão da falta da prestação de informações suficientes que pudessem colaborar na decisão da família diante de um tratamento de neurocirurgia.

Na obrigação de resultado, o ônus da prova compete ao profissional que deve comprovar que não incidiu em nenhuma das modalidades de culpa (negligência, imperícia, imprudência), podendo ainda demonstrar que o resultado esperado não foi auferido por força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima (MARREIROS, 2013; TARTUCE, 2018).

Diferentemente da cirurgia embelezadora, a cirurgia reparadora traça uma obrigação distinta, pois o profissional não consegue assegurar um resultado esperado. Tratando-se de um procedimento de alinhamento de alguma deformidade, de correção ou cicatrizes, o ato médico tem por obrigação de meio, pois não há garantia da reconstituição do aspecto físico do paciente, orienta Marreiros (2013).

De modo independente, o que precisa ser exaltado é a saúde, a integridade física, o bem-estar e a segurança do paciente-consumidor, muito embora o ato médico assumido enquadra-se na matéria de cirurgia estética.

Acolhendo a doutrina francesa, Venosa (2017) enfatiza a regra de ouro na seara das cirurgias embelezadoras: é dever médico renunciar ao objetivo contratado, caso a saúde esteja em risco. Em casos assim, a vontade do paciente não será levada em consideração.

De tal sorte, que o médico não dando causa ao evento danoso, também não será exigível reparar o dano quando ficar claro a evidência de alguma das hipóteses de exclusão da responsabilidade civil.

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Sobre os autores
Wellington Gomes Miranda

Professor de Direito na Faculdade Católica do Tocantins, Analista Ministerial em Ciências Jurídicas na Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Tocantins.

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