Da presunção de coação na autorização de descontos salariais no momento da admissão

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Resumo:


  • Realização de uma análise crítica sobre a presunção da coação na autorização de descontos salariais no momento da admissão, confrontando-a com os princípios da intangibilidade e proteção salarial.

  • Questionamento do entendimento do TST que exige a demonstração concreta da coação pelo trabalhador, transferindo o ônus da prova, e proposta de inversão do ônus probatório ao empregador.

  • Defesa da aplicação da presunção relativa da veracidade dos fatos alegados pelo trabalhador, com base na dinamização do ônus da prova, para assegurar a justiça processual e a efetivação dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. DO ÔNUS DA PROVA E A PRESUNÇÃO DA COAÇÃO

O entendimento do TST, na Súmula nº 342 e OJ 160 da SDI-1, pela não presunção da coação quanto à autorização dos descontos salariais procederem no momento da admissão e, ainda, transferem o ônus da prova da coação ao trabalhador, com base no art. 373. do CPC: “O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do auto, e sobretudo no art. 818. da CLT – “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer” (BRASIL, 2015, p. 135).

No entanto, na aplicação de tais dispositivos é coerente que se leve em conta a interpretação que melhor favoreça o trabalhador, uma vez que a proteção ao trabalhador é o cerne do Direito do trabalho. E se considerar, frente à natureza jurídica cível do contrato em que os ambos os contraentes diante do negócio jurídico estão em par de igualdade, em plena autonomia da vontade8, não supre os imperativos e a realidade fática quanto ao ônus da prova e as peculiaridades do processo do trabalho, pois recai numa sobrecarga ao empregado que não tem o mesmo peso para o empregador, que possui, claramente, mais facilidade de suportar este ônus.9

A prova da coação para o trabalhador depende, principalmente, do testemunho de outros trabalhadores, que na maioria das vezes, ainda estão em atividade na empresa, estando subordinado ao empregador, o que claramente contaminada o depoimento destes. Enquanto que o empregador possui variadas ferramentas diante do mesmo fato lhe que traz maior facilidade na prova dos fatos, como assessoramento jurídico, departamento de recursos humanos, financeiro, e os trabalhadores que ainda lhe estão subordinados.10

É necessário que se reconheça interpretação que se coadune com o Direito do Trabalho, suas normas de proteção ao trabalhador e seus princípios, que identificam a hipossuficiência do trabalhador. Com isso, aplicando-se interpretação que conceba que no processo do trabalho o ônus da prova deverá ser suportado por quem tenha maior capacidade de produzir a prova, ou seja, o onus probandi deverá ser determinado por critério coerente a este ramo do direito que o trabalhista11.

Comparado aos demais ramos do direito, a relação processual trabalhista tem a característica peculiar da vulnerabilidade de uma das partes, o que reflete na relação contratual, que diferente da esfera cível, não estando as partes em par de igualdade12, nem tão pouco na comprovação dos fatos relativos a relação trabalhista.

Resta nítido que ao operário é inviável exigir-se uma comprovação concreta da existência de um fato tão subjetivo que é a coação indireta, desse modo, incoerente prevalecer o critério estático de distribuição do ônus da prova, previsto nos arts. 818. da CLT e 373, I e II do CPC, no qual estar-se-ia fugindo ao devido processo legal e a isonomia processual, princípios básicos da teoria do processo.

Assim, deverá se observar como solução de tal conflito, da prova da coação ocorrida no momento da admissão, a presunção relativa da veracidade fatos alegados pelo autor, tendo como efeito a inversão do ônus da prova ao empregador. Tudo isso, tomando o argumento trazido pelo novo CPC, que seja, o critério de dinamização do ônus probatório, previsto no parágrafo 1º do seu artigo 373, aplicável ao processo do trabalho conforme decisão do Egrégio Pleno do Tribunal Superior do Trabalho através da Resolução nº 203 de 15 de março de 2016 que editou a Instrução Normativa n. 39.

Verificada a existência de dois fatores importantes: uma sobrecarga que impossibilite a parte de suportar o encargo e, em contrapartida, uma total capacidade por parte do empregador em alcançar a prova dos fatos, é imprescindível a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova, transferindo ao empregador o ônus de provar a não ocorrência da coação imputada.

Neste sentido, é coerente que o TST e os julgadores trabalhistas entendam pela aplicação da presunção relativa da veracidade dos fatos, com fundamento na dinamização do ônus da prova, pelo qual considera a capacidade de suportar o encargo conforme as condições de obtê-las, estando evidente a impossibilidade por uma das partes e a facilidade da outra parte, cabendo ao julgador competente determinar a inversão do ônus da prova, assegurando com isso, o respeito ao devido processo legal e à justiça processual.

Diante de tudo o quanto foi fundamentado aqui, é coerente que o TST entenda pela presunção relativa da veracidade do fato, que os toma como verdadeiros diante dos indícios apresentados, transportando a outra parte o onus probandi de fato contrário, devendo, à luz dos princípios que regem o Direito Material e Processual do Trabalho, presumir-se a ocorrência da coação alegada pelo trabalhador, diante dos indícios existentes,


6. HIPOSSUFICIÊNCIA JURÍDICA DO TRABALHADOR E A NECESSIDADE DA PRESUNÇÃO DA COAÇÃO

Desde os tempos mais remotos da história há de se reconhecer a hipossuficiência do trabalhador na relação trabalhista, foi assentado nela que se desenvolveu a escravidão explícita ao longo do tempo. É histórica a posição do empregado frente ao empregador, antes entre os grandes fazendeiros e senhores do Estado, subordinados a este em troca de um prato de comida e um local para dormir, porém, na verdade coagidos à base de chicotadas e inúmeros maus tratos relatados ao longo de toda a trajetória, seguida pela servidão, na qual os servos, em troca de míseros pedaços de terras, se subordinavam a tratamento igual ao dos escravos, diferindo apenas no fato de não serem considerados propriedade dos Senhores feudais.

Na atualidade entre os empresários e seus empregados, há apenas uma subordinação jurídica, econômica, que é também requisito da relação de emprego, pela qual o empregador apenas detém o poder para gerir, fiscalizar, liderar e regular a atividade laborativa do trabalhador em razão do contrato firmado entre ambos, porém na prática uma relação que muitas vezes se reveste de vários desalinhamentos legais, nem sempre possíveis de se comprovar, em virtude da hipossuficiência em que se encontra o trabalhador.

A ocorrência da coação no âmbito da relação empregatícia vem entranhada, como se pôde observar, desde os tempos mais distantes da sociedade, e hoje não poderia ser diferente. Diante disso, o direito do trabalho resguardou-se das mais diversas proteções pra assegurar as garantias fundamentais ao operário, no caso em análise o salário.

O contrato de trabalho é uniforme, pré-determinado e rígido, no qual pouco se observa o ato da livre negociação (aceitação e renúncia das condições do contrato) entre as partes, devendo o trabalhador aceitar as cláusulas e condições ali existentes, e especialmente no que se refere aos descontos salariais convencionais, caso contrário, no fato da não aceitação acarretará a não efetivação da contratação pela empresa.

A posição de aceitação do contrato de trabalho, majoritariamente um contrato de adesão – GONÇALVES (2013, p. 68) “que se caracterizam pelo fato de o seu conteúdo ser determinado unilateralmente por um dos contratantes, cabendo ao outro contratante apenas aderir ou não aos seus termos”, sendo raras às vezes em que é afastada tal posição do contrato de trabalho, colocando o trabalhador em absoluta situação de hipossuficiência em relação à empresa, não podendo cogitar qualquer hipótese de não admissão, observada a necessidade e relevância do trabalho e do salário, considerando-se o seu caráter alimentar.

Analisando o princípio da primazia da realidade e o núcleo maior que é da proteção ao trabalhador, por estar em posição de desvantagem, em virtude da sua hipossuficiência, deverá se dar maior importância aos fatos em detrimento do próprio contrato, pois não se pode negar o fato de existir maior possibilidade de haver pressão em relação ao trabalhador do que, ou nenhuma, em relação ao empregador. O receio da não aceitação aos descontos impostos pelo empregador resultar na sua não admissão no emprego é justo e totalmente plausível, não se devendo olvidar da situação de coação em que o trabalhador sempre se encontrou, apenas diferindo a forma e o objetivo como se apresentou ao longo dos tempos até a contemporaneidade.

E como já dito, sendo o momento da assinatura do contrato, a ocasião, talvez, mais vulnerável a que se encontra o trabalhador, pois é momento crucial em que a empresa se impõe e espera que o funcionário se “curve” a ela, momento em que está mais suscetível aos mandos e imposições da empresa, por isso, não se pode considerar como momento insignificante.

É de fundamental importância que o Tribunal Superior do Trabalho e os demais aplicadores do Direito do Trabalho, entendam pela necessidade de se presumir a ocorrência do instituto do vício de consentimento pela coação resultante do momento da admissão, alcançando uma maior justiça processual e a efetivação dos Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil, da Dignidade da Pessoa Humana e dos Valores Sociais do Trabalho.


7. CONCLUSÃO

Destarte, em vista da compreensão do instituto da coação indireta para a ocasião do momento da admissão, e em apelo ao princípio da proteção ao trabalhador e ao emprego, e ainda no entendimento de que todo o ato que resulte em renúncia de direitos por parte do empregado implica a existência de um defeito no negócio jurídico, pode-se fundamentar nos termos dos princípios da intangibilidade, irrenunciabilidade e irredutibilidade salarial, que têm o condam de preservar o salário, frente aos descontos salariais que não têm previsão legal, mas, todavia, também regulando os que estão previstos, mas que devem ser ponderados pela norma, e com isso evitar fraudes trabalhistas em prejuízo do trabalhador.

Reconhecido que desde os tempos mais remotos da história é inerente à relação empregatícia a hipossuficiência do trabalhador, uma relação que muitas vezes se reveste de vários desalinhamentos legais e fáticos, nem sempre possíveis de se comprovar, em razão dessa disparidade, é condição que o Direito do Trabalho vêm tentando equilibrar desde seu surgimento.

Portanto, frente ao exposto, é de fundamental importância que se compreenda a necessidade de se presumir a ocorrência do vício de consentimento pela coação no momento da admissão, admitindo-se a presunção relativa da veracidade dos fatos, cuja transfere ao empregador o ônus probatório dos fatos alegados, uma vez que este tem, reconhecidamente, maior capacidade de suportar tal encargo.

Tudo quanto respaldado na aplicação do CPC (art. 373, §§1º e 2º) no processo trabalhista, conforme Resolução 203/2016 do TST, que se refere ao critério de distribuição dinâmica do ônus probatório, que impõe a parte que tenha maior possibilidade de obter a prova dos fatos, resultando na inversão do ônus da prova ao empregador, sendo inquestionável a facilidade deste em suportar o encargo probatório.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre os autores
Camilla Gabriella

Advogada OAB/PE 43.721, Bacharel em Direito pela instituição AESO - Faculdades Integradas Barros Melo, no ano de 2016.

Carlo Benito Cosentino Filho

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito do Trabalho e Legislação Social em cursos de Graduação e Pós-graduação (lato senso) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e nas Faculdades Integradas Barros Melo (AESO).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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