A discussão sobre o registro de entidades sindicais há que ser precedida por matéria das mais polêmicas, qual seja, a definição da natureza jurídica dos sindicatos, a qual depende do sistema sindical em que estão inseridos, sendo classificados frente a três teorias principais.
A primeira define o sindicato como ente de direito privado, pois se trata de uma associação de pessoas para a defesa de seus interesses pessoais. Segundo esta corrente, os sindicatos seriam disciplinados pelas regras gerais pertinentes a esse setor do direito. Portanto, enquadrando os sindicatos no gênero pessoa jurídica de direito privado, necessariamente deveríamos classificá-los como associações civis. Esta teoria conta com vários defensores na doutrina nacional, dentre os quais, Russomano, Catharino, Waldemar Ferreira, Segadas Vianna, Délio Maranhão, Orlando Gomes e Élson Gottschalk.
Para a segunda, o sindicato é ente de direito público, sendo praticamente um apêndice do Estado. Por esta teoria, os interesses do sindicato confundem-se com os próprios interesses peculiares do Estado. Conforme ensina Amauri Mascaro Nascimento, após a inscrição do princípio da liberdade sindical na Constituição Federal de 1988, restaram poucos adeptos a esta teoria na doutrina pátria. Em geral, o sindicato tem a natureza de pessoa jurídica de direito público apenas nos regimes totalitários.
Por fim, a terceira posição é a do sindicato como pessoa jurídica de direito social. Um de seus grandes expoentes na doutrina nacional é Cesarino Júnior, para quem o sindicato é um ente que não se pode classificar exatamente nem entre as pessoas jurídicas de direito privado nem entre as pessoas jurídicas de direito público, constituindo-se, portanto, num terceiro gênero.
Superada a celeuma da natureza jurídica das entidades sindicais, cabe examinar a necessidade de registro, e, em caso positivo, a competência para tanto.
Conforme bem assevera Washington Coelho, o costume jurídico brasileiro é o registro. Diferentemente das pessoas físicas, não basta o puro nascimento de fato; a sociedade deve tomar conhecimento para que, a partir da existência de direito, as pessoas jurídicas possam constituir direitos e obrigações.
Essa tradição se traduz claramente no artigo 45 da Lei nº 10.406/02 (NCC), que assim dispõe: "Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".
Não há divergência sobre a necessidade de registro de entidades sindicais.
No entanto, dúvidas surgiram sobre a correta interpretação do inciso I do artigo 8º da Carta Política de 1988, especialmente em relação ao órgão registrador competente, surgindo, daí, na doutrina e na jurisprudência, três correntes a respeito do tema.
A primeira sustenta a suficiência do registro da entidade sindical no Registro Civil das Pessoas Jurídicas; a segunda entende que basta o registro junto ao Ministério do Trabalho. A última exige o duplo registro. (1)
Atualmente, as duas questões estão praticamente pacificadas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o sindicato passa a existir e gozar de representatividade a partir do registro do seu estatuto perante o Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, enquadrando-se, assim, genericamente, como uma pessoa jurídica de direito privado. Mesmo que a entidade não possua registro junto ao Ministério do Trabalho, isso não obsta sua existência legal, já que tal registro não possui o grau de relevância derivado da inscrição cartorária. Neste sentido, o julgamento da lavra do em. Ministro José Delgado: "Constitucional. Sindicato. Personalidade Jurídica após o Registro Civil no Cartório. Registro no Ministério do Trabalho não essencial mais sim aquele é que prevalece para todos os fins. Precedentes. – Recurso especial interposto contra v.acórdão que, ao julgar a ação, na qual servidores públicos pleiteiam o reajuste de 11,98%, declarou o Sindicato recorrente carecedor de ação, ao argumento de não ter capacidade postulatória, por ausência de registro no Ministério do Trabalho. A assertiva de que o registro no Ministério do Trabalho tem preferência e é mais importante não tem amparo face à nova ordem constitucional. A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, as entidades sindicais tornam-se pessoas jurídicas, desde sua inscrição e registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não conferindo o simples arquivamento no Ministério do Trabalho e da Previdência Social, às entidades sindicais nenhum efeito constitutivo, mas, sim, simples catálogo, para efeito estatístico e controle da política governamental para o setor, sem qualquer conseqüência jurídica. Precedentes das 1ª. Turma e 1ª. Seção desta Corte Superior. Recurso provido, com retorno dos autos ao egrégio Tribunal a quo para prosseguir no julgamento da apelação e da remessa oficial quanto aos demais aspectos" Resp. 381118/MG, DJ 18.03.02.
Vejam-se, ainda, as seguintes decisões do STJ:
"Administrativo e Processo Civil. Sindicato. Personalidade Jurídica. Representatividade. Registro no Ministério do Trabalho e Emprego. 1. O Sindicato adquire personalidade jurídica com o registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, sendo mera formalidade a exigência do registro junto ao Ministério do Trabalho e Emprego-MTE. 2. Representatividade que fica restrita às categorias constantes dos estatutos registrados no cartório competente. 3. Recurso especial provido." (Resp. 373472/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 21.10.02).
Administrativo, Entidade Sindical. Personalidade Jurídica. Registro Civil de Pessoas Jurídicas. A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, as entidades sindicais tornam-se pessoas jurídicas, desde sua inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. O denominado "Registro de Entidades Sindicais" mantido pelo Ministério do Trabalho é mero catálogo, sem qualquer conseqüência jurídica. Se alguma entidade foi registrada com ofensa ao preceito da unicidade sindical, cabe ao interessado buscar-lhe o cancelamento, nos termos da lei civil. Se o registro é nulo, cabe ao interessado buscar seu cancelamento, nos termos da lei civil. Segurança denegada". (MS 1045/DF, 1ª. Seção, Rel. Min. Gomes de Barros, DJ 17.02.92).
No mesmo sentido a decisão em Recurso Ordinário em MS nº 15245-DF, de 17 de agosto de 2.004, tendo como Relator o Min. Francisco Peçanha Martins; Recorrente o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal-SINDJUS/DF; e, Recorrido a Fazenda Nacional, cuja ementa é a seguinte:
"Processo Civil. Recurso Ordinário. Mandado de Segurança. Sindicato. Personalidade jurídica. Registro. Cartório competente. Precedentes. 1. Consoante jurisprudência firme desta Corte, a entidade sindical adquire personalidade jurídica com o registro em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas, sendo mera formalidade a exigência do registro junto ao Ministério do Trabalho e Emprego. 2 Recurso ordinário conhecido e provido para afastar a extinção do processo sem julgamento do mérito".
Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha e Castro Meira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Neto. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Destarte, sendo as entidades sindicais consideradas, como visto acima, pessoas jurídicas de direito privado, precisam adaptar-se a um dos tipos previstos no artigo 44 do NCC (não cabe aqui discutir se o rol contido neste artigo é taxativo ou meramente exemplificativo), convergindo, nesse sentido, ao conceito de associação. Sendo associações, ainda que com características especiais, os sindicatos estão sujeitos às mesmas regras gerais relativas a essas pessoas jurídicas, e, nesse sentido, devem se adaptar às disposições do NCC, nos termos do artigo 2.031 deste.
Diante da especialidade social, caberia até mesmo a derrogação de normas de caráter genérico da lei civil, desde, porém, que constatada a subsistência de normas específicas regulando requisitos peculiares de validade estatutária. Isto, porém, não ocorre de fato, já que as normas da CLT relativas à organização sindical não foram recepcionadas pela CF/88, em que pese o pensamento contrário da Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego, emitido no PARECER/MMOJ/CONJUR/MTE/Nº 14/2004, o qual concluiu "pela desnecessidade de adequação dos estatutos sindicais à novel disciplina estatutária estabelecida pelo Código Civil", admitindo-se, no entanto, que tal entendimento está limitado às forças da competência administrativa daquele Ministério, não podendo, por isso, ser imposto como interpretação a ser seguida por outros órgãos. Ora, não havendo legislação alguma que especifique, em favor das entidades sindicais, a exemplo do que acontece com as organizações religiosas e partidos políticos, a relativização da aplicação dos artigos 53 a 61 do Código Civil, não se pode invocar contra estes a previsão genérica de não ingerência do Poder Público prevista no artigo 8º, I da Lei Maior, da qual trataremos adiante. Em outras palavras, são aplicáveis aos sindicatos e demais entidades sindicais de grau superior as regras do Código Civil que regulam assunto não tratado por legislação especial a eles concernente, de sorte que, não existindo em lei própria nada que confira aos mesmos o direito de ignorar a letra dos artigos 53 a 61 do NCC, devem estes ser observados.
Os Sindicatos têm sustentado a tese da não obrigatoriedade de adaptação das entidades sindicais às regras do novo diploma civil pátrio, no império do que estabelece o artigo 8º, inciso I da Constituição Federal.
Decerto, ao fixar a livre associação sindical, a 6ª. Carta Política Brasileira elidiu a intervenção do Poder Público nos sindicatos. A intenção do legislador constituinte foi expressiva no sentido de controlar o Estado no seu afã de controlar a sociedade, da qual os sindicatos são uma importante caixa de ressonância.
Contudo, malgrado seja a norma dominante, a liberdade sindical não é absolutamente livre, limitando-a os incisos I e II do artigo 8º, o primeiro, aliás, IMPONDO O REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE, no caso o Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Nessa medida, a Constituição Federal impediu ao Poder Público que interferisse em matéria sindical e principalmente avocasse controles sobre sua atuação, mas ao mesmo tempo impôs a necessidade da inscrição dos sindicatos em registro próprio para validade de sua constituição, e nessa medida subjugou automaticamente os seus estatutos a um controle de qualificação formal, de sorte que estes, por mais independentes que sejam, não podem ser avessos ou indiferentes à legislação de regência.
A conferir que não são somente os sindicatos que possuem liberdade ampla de organização e independência em relação ao Poder Público em razão de previsão constitucional. O mesmo preceito vale para as associações de maneira geral, conforme disposto no artigo 5º, incisos XVII ("é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar") e XVIII ("a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento").
Portanto, se os comandos dos artigos 53 a 61 do novo Código Civil não prevalecem em relação aos sindicatos em razão do disposto no art. 8º da CF, então esses mesmos artigos da lei substantiva, pelo mesmo motivo, tal qual recitado no artigo 5º, XVII e XVIII da mesma Carta Magna, constituem letra morta, pois não podem também prevalecer em relação às associações examinadas genericamente. (2)
Uma coisa que precisa ficar definitivamente esclarecida é que as organizações sindicais, a partir da CF/88, embora insistam em querer permanecer atreladas e até mesmo submissas ao Ministério do Trabalho e Emprego, daí continuarem arquivando seus atos constitutivos perante aquele órgão (cujo efeito, de acordo com a jurisprudência anteriormente mencionada, é meramente cadastral), adquirem, efetivamente, personalidade jurídica e passam a ter representatividade com o registro de seus estatutos perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Na Capital do Estado de São Paulo, existe o posicionamento de que, "para constituição de Sindicatos são exigidos, apenas, os elementos previstos na Carta Magna de 1988 e no Código Civil de 2002, o mesmo ocorrendo em suas alterações, não recepcionados os dispositivos da CLT na nova ordem constitucional", conforme Enunciado CDT nº 51 (Decisão de 27/11/2003). Portanto, entendem que os Sindicatos estão sujeitos às adaptações decorrentes da entrada em vigor do NCC. No mesmo sentido, o Enunciado nº 142 do Conselho da Justiça Federal.
Entretanto, toda essa preocupação das entidades sindicais deixou de ter sentido, já que a recente Lei nº 11.127, de 28/6/2005, que passou a vigorar na data de sua publicação, ou seja, 29/6/2005, alterando os artigos 54, 57, 59 e 60 do Código Civil, desburocratizou a matéria neles tratada. Assim, diminuiu as atribuições da Assembléia Geral, a quem caberá destituir os administradores e alterar os estatutos, devendo as demais questões serem resolvidas conforme previsão estatutária, principalmente pelos órgãos deliberativos por eles criados. Pode-se, assim, chegar à conclusão de que o legislador, ao rever o tema, voltou à conjuntura anterior à entrada em vigor do novo diploma regulamentador das relações privadas, quando os estatutos é que determinavam, bem ou mal, a organização e o funcionamento das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos. Com isso, pode-se dizer que muito pouco ou quase nada terão que mexer em seus estatutos aquelas entidades, inclusive as sindicais, que ainda não se adequaram às regras do NCC. Houve, por assim dizer, de certa forma, uma penalização para aquelas entidades que – visando atender o prazo estabelecido no artigo 2031 da Lei nº 10.406/02, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.838, de 30 de janeiro de 2004, ora revogada pela citada Lei nº 11.127/05, que, inclusive, o estendeu até 11 de janeiro de 2007 – já haviam adaptado seus estatutos. Estas, para não se verem obrigadas a seguir regras mais rígidas, notadamente quando pretenderem deliberar sobre matérias como destituição de administradores e emendas estatutárias, deverão revê-los, dispondo sobre as mesmas de forma mais flexível, especialmente quanto a quóruns de instalação e deliberação.
Bibliografia:
RAUPP, Eduardo Caringi. O registro de entidades sindicais. Jus Navigandi, Teresina, a8, n.292, 25 abr.2004. Disponível em:http://jus.com.br/artigos/5127.Acesso em 23 set.2005.
COELHO, José Washington. Sistema Sindical Constitucional Interpretado, São Paulo: Resenha Tributária, 1989.
JÚNIOR, Cesarino. Direito Social, São Paulo: LTR, 1980.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Compêndio de direito sindical, 2ª. ed., São Paulo: LTR, 2000.
SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes, VIANNA, Segadas e MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho, Rio de Janeiro-São Paulo, Freitas Bastos, 1967.
VIANNA, Segadas. O Sindicato no Brasil, Olímpica Editora, 1953.
Notas:
1.Classificações encontradas in O registro de entidades sindicais, RAUPP, Eduardo Caringi.
2.Argumento utilizado pelo advogado Sérgio Ricardo Ferrari nos autos do Processo nº 564/053.05.010343-4, que tramitou perante a 9ª. Vara da Fazenda Pública da Capital/SP, relativo a Mandado de Segurança impetrado por APEOESP-Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo contra o 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital/SP, José Augusto Leite de Medeiros.