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O real conceito de patrimônio para o Direito Penal

01/10/2005 às 00:00
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Após prever os delitos contra pessoa, o Código Penal Brasileiro traz, no Título II de sua parte especial, o rol dos crimes ofensivos ao patrimônio.

No entanto, antes mesmo de se promover o estudo isolado de cada delito previsto entre os artigos 155 a 180 do CP, torna-se fundamental, não só por fins acadêmicos, mas também em virtude de suas conseqüências práticas, que o intérprete saiba o real significado da expressão patrimônio para fins penais.

A primeira observação a ser feita, é a de que a noção civilista que se tem sobre mencionada expressão não coincide com sua concepção penal.

De fato, para o Direito Civil, o patrimônio compreende o conjunto de relações ativas e passivas de que é titular uma pessoa. É, na clássica definição de Clóvis Beviláqua: "o complexo das relações jurídicas de uma pessoa, que tiverem valor econômico". (Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Ed., 1951, pp. 209-210).

Ora, diante de tais características, percebe-se que a noção de patrimônio acima exposta diverge daquela tida para o Direito Penal. A uma, porque a concepção civilista abrange, no conceito de patrimônio, não só o ativo como também o passivo, fato estranho à nossa cadeira, que não compreende o aspecto negativo do patrimônio. A duas, porque, ao contrário do conceito privatístico, o patrimônio, para fins penais abrange os bens de valor meramente afetivo.

Com efeito, o conceito penal de valor patrimonial não corresponde necessariamente ao de valor econômico, e por via de conseqüência, o dano patrimonial não é sinônimo de dano econômico.

O primeiro compreende o segundo, possuindo uma maior extensão, pois diz respeito também a coisas insuscetíveis de escambo.

Nesse passo, irretocável é a lição de Nelson Hungria, ao afirmar que: "embora a predominante do elemento patrimonial seja seu caráter econômico, o seu valor traduzível em pecúnia, cumpre advertir que, por extensão, também se dizem patrimoniais aquelas coisas que, embora sem valor venal, representam uma utilidade, ainda que simplesmente moral (valor de afeição) para o seu proprietário". (Comentários ao CP, 1980., Vol VII, p. 08).

No mesmo sentido, temos a sempre lúcida opinião de Antolisei. De fato, esclarece o douto penalista italiano que: "O patrimônio não compreende apenas as relações jurídicas economicamente apreciáveis – isto é, os direitos que são avaliáveis em dinheiro – senão também os que versem sobre coisas que têm valor de afeição (recordações de família, objetos que nos são caros por motivos especiais, etc)". (Manuale di Diritto Penale, P.E., 1954, Vol.I, p. 189).

Assim, tomando-se por exemplo o art. 155 do CP, podemos afirmar que, comete o crime de furto quem subtrai de outrem uma mecha de cabelos de um filho já morto, uma carta de um ente querido, ou a única foto de um ascendente remoto, eis que tais subtrações, embora não produzam danos econômicos, certamente acarretam danos de ordem patrimonial.

Por todo exposto, podemos concluir que o patrimônio, tutelado pelo Direito Penal no Título II da parte especial do CP, abrange não só as coisas economicamente apreciáveis, mas também aquelas que, embora não possuam tal característica, tenham algum valor para seu proprietário ou possuidor, por satisfazer suas necessidades, sentimentos, usos ou prazeres.

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Sobre o autor
Alexandre Couto Joppert

Promotor de Justiça titular do Tribunal do Júri da Comarca de Niterói (RJ). Professor universitário de Direito Penal. Ex-integrante da comissão da Confederação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) instituída para acompanhar as reformas do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei Antitóxicos. Palestrante. Autor da obra "Fundamentos do Direito Penal".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOPPERT, Alexandre Couto. O real conceito de patrimônio para o Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 820, 1 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7370. Acesso em: 26 abr. 2024.

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