A execução provisória da sentença penal.

Uma análise do comprometimento do princípio constitucional da presunção de inocência

06/05/2019 às 01:50
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A exececução provisória da sentença penal x o princípio da presunção de inocência

RESUMO

O presente trabalho discutirá a execução provisória da sentença penal frente ao princípio constitucional da presunção de inocência. Com uma breve abordagem histórica sobre o surgimento de tal princípio, analisará sua abrangência e a sua importância. Por conseguinte, realizará estudo a respeito da sentença penal condenatória, e de forma extensiva, dos recursos possíveis para sua modificação. Levando em consideração os ensinamentos de respeitados doutrinadores, será possível explanar as principais decisões judiciais sobre o tema. Serão analisados os posicionamentos já tomados pelo Supremo Tribunal Federal desde a promulgação da Constituição da República em 1988 até os tempos atuais. Por fim, tal projeto demonstrará a inconstitucionalidade da execução provisória da sentença penal, e diante da sua ilegalidade, os danosos efeitos causados por sua aplicação aos condenados em segundo grau. A partir desse estudo, será possível também apontar a importância dos órgãos judiciais observarem e fazerem cumprir o mandamento da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória conforme a Constituição Federal da República de 1988. 

Palavras-chave: Execução Provisória da Pena. Presunção de Inocência. Inconstitucionalidade da Execução Provisória.

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 O Princípio da Presunção Inocência. 2.1 O alcance do Princípio da Presunção de Inocência. 3 A senteça penal condenatória e os recursos cabíveis. 3.1 Do Recurso de Apelação. 3.2 Os Embargos Infringentes e de Nulidade. 3.3 Dos Embargos de Declaração. 3.4 Do Recurso Especial 3.5 Do Recurso Extraordinário. 3.6 Dos efeitos do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário. 4 Da execução provisória da sentença. 4.1 O Habeas Corpus 84.078. 4.2 O Habeas Corpus 126.292. 5 Da inconstitucionalidade da execução provisória. 5.1 As consequências da execução provisória. 5.2 A conformidade constitucional da execução da sentença penal somente após o trânsito em julgado. 6 Conclusão.

 1 INTRODUÇÃO

A execução provisória da sentença penal é um tema que frequentemente torna-se uma das principais discussões entre juristas, doutrinadores e acadêmicos. Tema polêmico, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) pacificar o entendimento a ser adotado em todo território nacional. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Corte Suprema já retomou por diversas vezes o debate sobre a constitucionalidade do cumprimento provisória da sentença uma vez que poderia ser incompatível com o princípio da presunção de inocência.

Com argumentos notadamente sólidos, as correntes existentes sobre o tema tornaram as pacificações já proferidas menos duradouras do que o esperado. Fatos socialmente relevantes, processos com alta repercussão social e a mudança na composição do STF também contribuíram para a retomada do debate e alternância do entendimento.

Deste modo, diante das controvérsias sobre o assunto, o presente trabalho buscará, como objetivo geral, analisar a execução provisória da sentença penal frente ao princípio da presunção de inocência. Para isso, serão analisadas as definições de tal princípio, seu surgimento e sua previsão no ordenamento jurídico pátrio e também internacional. Pondere-se que o Brasil é signatário de tratados internacionais que expressamente contemplam o princípio da presunção de inocência e o trouxe para o ordenamento jurídico interno quando o constituinte brasileiro de 1988 decidiu por fazê-lo constar na sua própria Lei Maior, no artigo 5º, inciso LVII.

Para entender a noção de sentença penal condenatória será abordado o seu conceito, além da análise dos recursos contra ela cabíveis. Uma vez que a presunção de inocência é condicionada, de acordo com o texto constitucional, ao trânsito em julgado da sentença, o legislador garantiu os meios necessários para que o acusado da prática de determinado crime pudesse demonstrar o seu não cometimento e não ser taxado de culpado até o término definitivo do processo. Assim sendo, o processo penal dispõe de alguns recursos que podem ser impetrados diante de equívocos, formais ou materiais, do judiciário. Somente após o esgotamento de tais recursos é que se chega ao trânsito em julgado.

Em continuidade, entendido o princípio constitucional da presunção de inocência e a sentença penal condenatória, abordar-se-á a execução provisória. Conforme dito, o Supremo por diversas vezes debateu o tema e adotou entendimento que fora posteriormente modificado. Far-se-á uma breve análise dos habeas corpus responsáveis por fazer o STF rediscutir o assunto, além da abordagem de alguns votos dos senhores Ministros que se destacaram.

Os ensinamentos de importantes nomes da doutrina jurídica serão considerados na fundamentação do presente trabalho, além das decisões judiciais mais relevantes que tratam sobre o assunto.

Usando a metodologia qualitativa, por fim, será possível concluir sobre o não cabimento da execução provisória da sentença no sistema processual penal brasileiro uma vez ser incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência.

2 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO INOCÊNCIA

Instituto previsto no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988. Garante ao indivíduo que tenha imputado contra si a prática de infração penal, a prerrogativa de somente ser considerado culpado após o trânsito da sentença penal condenatória. É uma garantia constitucional que visa evitar a aplicação de sanção penal de forma antecipada, em respeito ao devido processo legal, coibindo erros e excessos do poder-dever punitivo do Estado.

Damásio de Jesus assim explica a presunção de inocência:

determina, antes de sentença condenatória transitar em julgado, a impossibilidade de se impor, ao acusado de um crime qualquer, medida de coação pessoal ao seu direito de liberdade, que se revista de características de execução de pena. Proíbe-se a denominada “pena antecipada”, exceção às providências de natureza cautelar, como a prisão em flagrante, a preventiva e a temporária.[1]

Presumir inocência é a regra. É o que dispõe a Carta Magna da República do Brasil em seu artigo 5°, inciso LVII, ao dizer que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.[2] Princípio também salvaguardado pela Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e aclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, que em seu artigo 11 determina que “todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.[3] A Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, no seu oitavo artigo, afirma que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.[4]

Fazendo um breve apanhado histórico, o referido princípio tem suas origens no século XVIII. Naquela época, era comum a prevalência do sistema processual penal inquisitório. O indivíduo, naquele tempo, praticamente não possuía garantia alguma de defesa, pois não era submetido a um processo justo. Com o auge do movimento iluminista, o sistema inquisitório perdeu espaço. Sobre o tema, ensina Paulo Rangel:

O princípio da presunção da inocência tem seu marco principal no final do século XVIII, em pleno Iluminismo, quando na Europa Continental, surgiu à necessidade de se insurgir contra o sistema penal inquisitório, de base romano- canônico, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema, o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. [...] Com a eclosão da Revolução Francesa, nasce o diploma marco dos direitos e garantias fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789.[5]

A Revolução Francesa, em 1789, já coroava o princípio ao fazer constar no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado [...]”.[6]

Como citado, o Brasil prestigiou tal princípio em sua Constituição Federal. O instituto que faz presumir inocência ao invés da culpa. A corrente doutrinária majoritária afirma ser o sistema jurídico processual penal brasileiro, acusatório. Logo, caracterizado pela “defesa dos direitos fundamentais do acusado contra a possibilidade de arbítrio do poder de punir”.[7]

Em decorrência do característico sistema processual acusatório adotado pelo Brasil, alguns princípios foram adotados no ordenamento jurídico pátrio de modo a garantir ao indivíduo o direito de não ser penalizado apenas pelo fato de ser acusado de ter cometido um crime. Além da presunção de inocência, pode-se destacar o princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana.

Inúmeras são as previsões legais dos mais diversos ordenamentos jurídicos que celebram o princípio da presunção de inocência, tornando-o inegavelmente um dos pilares dentre as garantias individuais.

2.1 O alcance do princípio da presunção de inocência

Não é raro a retomada constante da discussão no meio doutrinário e jurídico sobre o alcance da presunção de inocência. Desde o seu surgimento até os tempos atuais, há questionamentos e embates sobre quais os seus limites.

Duas correntes se destacam: Os defensores do alcance absoluto e os defensores do alcance limitado. A primeira corrente defende a aplicação do princípio da presunção de inocência de 8 maneira absoluta, sendo favorável para que a prisão com vistas ao cumprimento de pena do condenado criminalmente seja realizada somente após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando já tiverem sido esgotados todos os recursos possíveis em todas as instâncias existentes. A segunda corrente. Contrária a esse entendimento, defende que o princípio da presunção de inocência não pode ser tido como absoluto. Alegam que após esgotados os recursos na segunda instância, a pena já pode ser cumprida.

Uma terceira corrente, consideravelmente recente, defende o que pode ser definido como uma aplicação intermediária do princípio. Os condenados penalmente poderiam sofrer a execução da sentença após o fim do trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

3 A SENTEÇA PENAL CONDENATÓRIA E OS RECURSOS CABÍVEIS

Para se analisar a conformidade da execução provisória com o princípio da presunção de inocência, deve-se observar os ditames da Constituição Federal e o disposto no atual Código de Processo Penal (CPP).

Guilherme de Souza Nucci ensina que sentença penal “É a decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, abordando a questão relativa à pretensão punitiva do Estado, para julgar procedente ou improcedente a imputação”.[8]

A sentença penal condenatória proferida pelo Estado-juiz é a que acolhe a pretensão punitiva do Estado-acusador e define qual será a sanção que o réu, a partir daquele momento condenado, sofrerá por ter violado a norma penal.

Existindo uma sentença, deve haver uma execução. Contudo, discordando a parte acusada daquela condenação, ou até mesmo a parte acusatória, podem interpor recurso perante órgão superior. Esta faculdade faz jus ao exercício do duplo grau de jurisdição, que embora não esteja expressamente previsto na Constituição Federal, é assegurado de forma supralegal pela Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 8º, 2, h ao dizer que:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.[9]

Da sentença penal condenatória cabe recurso de Apelação.

3.1 Do recurso de Apelação

Previsto no artigo 593 do CPP, o recurso de apelação remete a instância superior o processo para uma nova análise. Assim sendo:

a apelação é o recurso manejável pela parte/assistente (sucumbente, ainda que parcialmente) para o fim de que seja uma decisão ou sentença reformada ou anulada pelo órgão de jurisdição de segundo grau. Desse modo, o apelo enseja a devolução da matéria decidida ao órgão ad quemnos limites da impugnação e, se necessário e diante da necessidade de novas provas, pode permitir a devolução de poderes instrutórios ao órgão de segunda instância (tribunal).[10]

A parte que recorrer deverá delimitar a matéria impugnada, se parcial ou total, apontando de forma objetiva o seu pedido perante o órgão recursal. Nesta fase do processo, as provas já produzidas são reavaliadas. Pode, ainda, ser determinado a realização de novas diligências, oitiva de testemunhas, depoimentos das partes.

O recurso de apelação possui efeito devolutivo, ou seja, remete o processo ao órgão superior toda a matéria reclamada pela parte apelante. Em tratando-se de sentença condenatória, tem-se o efeito suspensivo. A aplicação da sanção determinada na decisão do juízo de piso fica suspensa.

3.2 Os Embargos Infringentes e de Nulidade

Recurso exclusivo da defesa, os embargos infringentes e de nulidade têm previsão legal no artigo 9º, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Determina que “quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão[...].”[11]

Nas palavras do ilustre professor Sérgio Rebouças, “os embargos infringentes constituem o recurso cabível contra acórdão não unânime, desfavorável ao acusado e proferido por tribunal de segundo grau em sede de apelação ou de recurso em sentido estrito.”[12]

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Registre-se que os embargos infringentes e de nulidade servem para quando ocorrer discordância do colegiado em relação a questões materiais, no primeiro caso, e quando houver divergência em relação a questões processuais, no segundo.

Possui efeito suspensivo, impedindo a execução da decisão proferida no acordão até o julgamento dos embargos. Assim entendeu a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Habeas corpus nº 406.015 ao afastar a execução provisória da pena de condenado em segunda instância:

HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL APÓS O JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS INFRINGENTES PENDENTES DE JULGAMENTO. NÃO EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PRISÃO PREMATURA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucio nal da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal (STF, HC n. 126.292, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, Dje 17/05/2016). Tese confirmada pelo Pleno da Corte Suprema, em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade(ADCs ns. 43 e 44), na sessão do dia 5/10/2016. Interpretação conforme a Constituição, dada pelo STF, ao art. 283 do CPP. Ressalva, no ponto, do entendimento do Relator. Inocorrência da alegada reformatio in pejus. Precedentes. 2. Na espécie, todavia, embora eventuais recursos especial e extraordinário não sejam dotados de efeito suspensivo, a jurisdição das instâncias ordinárias ainda não se encerrou. Contra o julgamento do recurso de apelação foi oposto, no caso, embargos declaratórios com efeitos infringentes que, segundo andamento processual obtido no endereço eletrônico do Tribunal de origem, pende de julgamento. Desse modo, diante da ausência de exaurimento no julgamento nas instâncias ordinárias, revela-se prematuro o início da execução provisória da pena. 3. Habeas corpus concedido para garantir que o paciente aguarde em liberdade o exaurimento das instâncias ordinárias. (STJ – HC: 406015 SP 2017/0156670- 7, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 22/08/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: Dje 31/08/2017).[13]

Assim sendo, interpostos embargos infringentes, o Estado não pode iniciar a aplicação da punição arbitrada pelo magistrado de primeiro grau.

3.3 Dos Embargos de Declaração

Outro recurso cabível são os chamados embargos de declaração. Contra a sentença do juiz de primeiro grau estão previstos no artigo 382 do CPP, que diz que “qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a sentença, sempre que nela houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão”.[14] Contra as decisões dos Tribunais, a previsão legal está no artigo 619 do mesmo código, definindo que “aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão”.[15]

No processo penal, os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos. Tão logo, o efeito suspensivo da execução provisória da pena também deve ser aplicado quando tais embargos forem interpostos. Ainda no julgamento do HC nº 406.015, a ministra Laurita Vaz declarou:

Na hipótese não se afigura possível a imediata execução da pena restritiva de direitos, pois, embora já proferido acórdão da apelação, o julgamento se deu por maioria de votos, o que, em tese, possibilita a interposição de embargos de declaração e infringentes.[16]

Julgado os embargos infringentes e de nulidade, vencidos também eventuais embargos declaratórios, está esgotada a tramitação do processo na segunda instância.

3.4 Do Recurso Especial

De competência do STJ, o Recurso Especial (RE), assim está previsto disposto no artigo 105, III, da Constituição Federal:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.[17]

Pode-se dizer que a função principal do Recurso Especial seria a uniformização da aplicação da lei federal. Em outras palavras, garantir que exista um entendimento uniforme da norma em todo Território Nacional, afastando a diversidade de decisões sobre o mesmo tema e evitando a insegurança jurídica.

Quantos aos efeitos, em regra, o RE possui apenas efeito devolutivo.

3.5 Do Recurso Extraordinário

Assim estabelece o artigo 102, III, da Constituição Federal:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: contrariar dispositivo desta Constituição;

a) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

c) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).[18] 

Recurso Extraordinário (Resp) tem por finalidade uniformizar a aplicação do ordenamento jurídico em conformidade com a Constituição. Ensina Tourinho Filho:

Constituía e constitui um dos imperativos do regime federativo, com organização de justiça própria e autônoma de cada Estado da União, a instituição de um recurso da índole do recurso extraordinário. E a razão foi dada por Epitácio Pessoa: reconhecida a soberania da União e proclamada a obrigatoriedade das leis federais em todo o território da República, forçoso é colocar essas leis sob a proteção de um Tribunal Federal que lhes possa restabelecer a supremacia quando desconhecida ou atacada pela magistratura dos Estados.[19]

Assim como o Recurso Especial, o Recurso Extraordinário possui como regra geral a aplicação apenas de efeitos devolutivos. 3.6 Dos efeitos do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário Em geral, no processo penal, a regra é que nos recursos em tela somente se aplique o efeito devolutivo. Estes recursos somente deverão tratar matéria de direito, não cabendo aqui nova análise dos fatos e das provas. De acordo com Grinover, Magalhães e Scarance:

Tratando-se, como já afirmado, de remédios recursais de cunho sobretudo político, que visam primordialmente à tutela do próprio direito objetivo editado pela União, é natural e intuitivo que somente a discussão a respeito de quaestiones iuris possa dar ensejo à instauração da instância extraordinária ou especial. Além disso, também curial que apenas as disputas a respeito da aplicação ou interpretação de regras federais é que justificam o pronunciamento do STF ou do STJ. [20]

Comprovando tal entendimento, o STJ editou a súmula 7 vetando recurso especial quando a pretensão do recorrente for apenas o reexame da prova. O STF, porsua vez, publicou a súmula 279, afirmando o mesmo para o recurso extraordinário. Nucci defende que isso ocorre “a fim de não vulgarizar a sua utilização, tornando os Tribunais Superiores órgãos de reavaliação da prova, como já fazem os Tribunais Estaduais ou Regionais”.[21]

Pondere-se que diante de questionamento da utilização de prova ilícita ou dos critérios de avaliação de provas, os recursos podem ser utilizados. Assim defende Bararó:

É possível, porém, a interposição do recurso especial e extraordinário para questionar os critérios de apreciação da prova, a errada aplicação das regras de experiência, a utilização de prova ilícita, a prova nula, o valor legal da prova, as presunções legais, ou distribuição do ônus da prova, pois todas essas questões não são de fato, mas de direito.[22]

Prosseguindo, segundo entendimento atual do STF, os recursos destacados não são dotados de efeito suspensivo. Tão logo publicado o Acórdão do órgão de segunda instância após esgotados todos os recursos possíveis naquele tribunal, o Estado já pode executar provisoriamente a sentença ainda que pendentes o Resp e o RE.

Eis que surge a grande divergência

4 DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA

Após a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, em 1988, com a previsão taxativa do princípio da presunção de inocência no seu artigo 5º, LVII, houve a necessidade de uma uniformização quanto ao cumprimento da sentença penal. E ela veio.

Em junho de 1991, com o julgamento do HC 68.726/DF de relatoria do Ministro Neri da Silveira, o Supremo decidiu que a execução penal após o tramite do processo perante a segunda instância era perfeitamente constitucional. Tal entendimento foi reafirmado em outras oportunidades, como o HC 74.983/RS e RHC 71.959, ambos de relatoria do Ministro Marco Aurélio.

4.1 O Habeas Corpus 84.078

Até fevereiro de 2009, essa era a posição adotada pela Corte Suprema e seguida pelos demais Tribunais. Com o julgamento do HC 84.078, Relator Ministro Eros Graus, houve uma mudança de entendimento. Por maioria de votos, o pleno decidiu que a execução provisória não seria compatível com os mandamentos constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Eis a ementa do julgado: 

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUI ÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na s eguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional , o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante viola[art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52]ção do disposto noinciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, emcaso de absolvição”.Daíporque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadualpela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão s ocial, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF – HC: 84078 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Dje-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)[23] 

Ao analisar o artigo 637 do CPP, que dispõe que “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoado pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”,[24] os Ministros acordaram que a execução da pena após exaurimento de recursos na segunda instância não se sustentava uma vez que ia de encontro com o princípio da presunção de inocência, somente sendo cabível a decretação de prisão através de medida cautelar devidamente embasada, sob risco do comprometimento de tal princípio. 

De forma incisiva, o relator declarou que:

A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.[25]

O entendimento foi pacificado, mas por pouco tempo.

4.2 O Habeas Corpus 126.292

Em fevereiro de 2016 o tema foi novamente debatido em plenário pela Corte Suprema.

Diante do HC 126.292, uma nova mudança de entendimento foi prolatada. Novamente por maioria de votos, o STF decidiu que não havia inconstitucionalidade na execução provisória da sentença. A relatoria foi do Ministro Teori Zavascki, sendo a ementa:

Ementa: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (HC 126292, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO Dje- 100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)[26]

Em seu relatório, o Ministro Teori falou sobre o aparente conflito entre o alcance do princípio da presunção de inocência e o seu equilíbrio perante a prestação jurisdicional, defendendo que tal prestação deve atender a valores não somente dos acusados, mas também da sociedade.

Afirmou o Relator:

antes de prolatada a sentença penal há de se manter reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordemjurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os efeitos – mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação –, a presunção de inocência. A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas.[27] 

E completando, que:

a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual.[28]

O entendimento foi reafirmando no julgamento que indeferiu o pedido de medida cautelar nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, de relatoria do Ministro Marco Aurélio e no julgamento do ARE 964.246, de relatoria do Ministro Teori Zavascki.

Tais ADC’s, ainda pendentes de julgamentos pelo pleno do STF, levantam a aplicação do artigo 283 do código de processo penal, uma vez que ele expressamente condiciona a prisão diante de três situações: flagrante delito, decreto de prisão após sentença condenatória transitada em julgado, decreto de prisão temporária ou preventiva no curso do inquérito ou do processo.

O artigo 283 do CPP é uniforme com a Constituição Federal ao prevê a ordem de prisão, que deve ser devidamente fudamentada pela autoridade competente, nos casos acima citados. A execução provisória não se encaixa em nenhuma dessas hipóteses

 5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."[29] É o que manda o artigo 5º, III, da Carta Magna.

Considerar alguém culpado é dizer que ele praticou determinado crime e por esse motivo deve receber uma pena aplicada pelo Estado. Se a Constituição Federal diz que não há como imputar a ninguém o status de culpado antes do trânsito em julgado, todos serão considerados inocentes até o acontecimento do referido feito. Indaga-se: Como pode alguém presumidamente inocente cumprir pena? Não é correto o Estado punir um sujeito que ainda é considerado inocente.

O texto constitucional é claro e taxativo quanto a não culpabilidade. Ir contra tal princípio é ir contra a Constituição de República. 

5.1 As consequências da execução provisória

Aprisionar um acusado, de forma não cautelar, e sim com intuito de que ele cumpra uma sentença que ainda pode ser modificada é por em risco a dignidade que a todos é garantida no artigo 1º, III, da Lei Maior. Bem ponderou o Ministro Carlos Britto ao falar sobre os riscos de se colocar atrás das grades um inocente:

de fato, é umdano que projeta os seus efeitos numa dimensão quádrupla contra o preso. Primeiro, com sua ordem de prisão, o indivíduo sofre um abalo psíquico. A sua autoestima fica ao rés do chão. Segundo, é um desprestígio familiar, é um fato que causa uma comoção doméstica, inclusive com repercussão no trabalho, na obtenção do ganho da família. Terceiro, é um fator de desqualificação profissional. O fato em si da prisão circula, chega ao conhecimento de outras pessoas, de outras esferas sociais e o indivíduo, que é preso vê reduzidas as suas oportunidades de emprego.E, finalmente, o desprestígio social, o conceito social, que também fica abalado. É tão grave quanto irreparável o dano da prisão nessa quádrupla projeção.[30]

Liberdade é algo irrecuperável. Não é sensato aceitar que a vontade de punição instantânea deva prevalecer em detrimento de princípios constitucionalmente assegurados.

Vale enfatizar, quantas vezes necessário for, o trecho do relatório no Ministro Eros Graus no julgamento do HC 84.078:

Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente".[31]

5.2 A conformidade constitucional da execução da sentença penal somente após o trânsito em julgado

Nas palavras de Lopes Júnior, a presunção de inocência é:

Um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se de pagar o preço da impunidade de alguém culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.[32]

Como registrado nos primeiros parágrafos desse artigo, tal princípio é um dos principais pilares dentre as garantias individuais, o que o torna imensuravelmente importante na construção do Estado Democrático de Direito. Saliente Minagé:

A principal ideia que trás o princípio da presunção de inocência do acusado é a de que ninguém poderá ser considerado culpado antes da sentença ter transitado em julgado. Dessa maneira, protege-se o acusado para que ele não acabe sendo submetido a uma pena ou medida penal como as adotadas para as pessoas já condenadas. Ainda, pode - se dizer que o princípio da presunção de inocência está ligado também às ideias do ‘favor rei’, ou seja, favoráveis à pessoa humana, com a absolvição por insuficiência de provas. Ele funciona sempre de modo favorável à pessoa humana.[33]

A Constituição Federal de 1988 é democrática. Abrangendo diversos temas, acolheu as bandeiras levantadas pelas mais variadas ideologias. Do interesse social ao econômico, dos direitos e garantias individuais e também coletivas. A Constituição de 1988 veio como uma norma garantidora, diferentemente dos tempos de outrora, onde se tinha legislações repressivas e que restringia direitos.

Desse modo, em relação a execução provisória, que trata o presumidamente inocente como se culpado já fosse, não se pode dizer que esta é constitucional.

6 CONCLUSÃO

Conforme abordado, admitir a execução provisória da sentença penal é ferir gravemente o princípio da presunção de inocência, tão logo, desrespeitar a Constituição Federal.

No Brasil, a previsão taxativa de tal princípio em sua Carta Magna vinculou o judiciário a somente determinar o início da execução provisória após o trânsito em julgado da sentença.

Ainda com vistas a Constituição Federal de 1988, pode-se afirmar que garantir ao acusado o direito de começar a cumprir pena somente após esgotados todos os recursos a que faz jus é observar acertadamente o devido processo legal e respeitar a dignidade da pessoa humana.

Neste artigo, o princípio da presunção de inocência foi devidamente explicado desde o seu surgimento ainda no período da Revolução Francesa até o período atual. Foi também demonstrado o seu alcance, determinado graças a previsão legal tanto nos tratados internacionais do qual o Brasil faz parte como também no próprio ordenamento jurídico interno. Concluindo-se que as sociedades democráticas, como a brasileira, privilegiaram a presunção de inocência do acusado em proteção ao poder-dever de punir do Estado. Garantindo assim que a aplicação da sanção penal somente possa ser executada quando esgotados todos os meios disponíveis de recurso do acusado.

A sentença penal condenatória foi convenientemente explanada. E, corroborando com o que fora dito no parágrafo anterior, foi constatado a garantia de se presumir inocente o acusado de determinado crime. O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de recursos que podem ser interpostos contra a sentença penal condenatória. Vale destacar que até o último de todos os recursos perante o STF é capaz de modificar a primeira decisão do juiz de primeiro grau, não sendo sensato encarcerar alguém para cumprir pena que pode ser alterada para uma punição mais branda ou até mesmo modificada de modo a ser transformada em sentença absolutória.

Ao analisar os habeas corpus que tratavam sobre o tema e que foram votados no Supremo, pode-se constatar a inquietude do judiciário quando o entendimento prevalecente é o de permitir a execução provisória. Pode-se, em seguida, verificar que ao iniciar a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença faz o princípio da presunção de inocência perder seu sentido, nascendo uma presunção de culpabilidade não compatível com o ordenamento jurídico vigente. 

Para concluir, deve-se considerar que o entendimento adotado atualmente pelo Supremo 22 Tribunal Federal, guardião constitucional, não condiz que os mandamentos da Constituição da República. Não obstante ser obrigação do judiciário a efetividade da prestação jurisdicional e a garantir a duração razoável do processo, não é tolerável que para o cumprimento de tais obrigações o acusado receba quaisquer encargos.

A liberdade é um bem valioso, tão valioso quanto a vida e a dignidade. Uma vez retirada, não se indeniza, não se paga, não se pode ressarcir o tempo que fora subtraída. Portanto, aprisionar um inocente é uma injustiça sem perdão. Permitir a execução provisória da sentença, quando o indivíduo ainda deve ser tido como inocente, é abrir espaço para o cometimento de injustiça disfarçada de justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal, Brasília, DF, out 1941.

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Sobre o autor
Mirosmar Macedo

Advogado Criminalista. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Estácio do Recife. Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA-PE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo científico apresentado ao Centro Universitário Estácio do Recife, curso de Direito, como requisito para conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso. Obteve nota máxima da Banca Avaliadora. Registro de agradecimentos ao ilustre professor Renato Hayashi, incentivador da publicação.

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