CONCLUSÕES
Um aspecto fundamental do Direito do Consumidor – comum aos demais ramos do direito – é o da efetividade das suas normas, ou seja, a produção de efeitos no âmbito social. O estudo normativo do direito consumerista denota a força renovadora introduzida pelo Código de Defesa do Consumidor, que se destaca sobremaneira na distinção entre as relações contratuais comuns, aquelas firmadas entre particulares, ou entre sociedades empresárias, e as relações de consumo. Tal distinção ganha maiores contornos quando se examina a principiologia fundante desse diploma legal, completamente apartada dos princípios regentes dos denominados contratos tradicionais.
É de ver-se, portanto, que um estudo do Direito do Consumidor deve passar necessariamente pela análise de seus princípios e da interpretação e aplicação destes, essenciais ao exame de sua eficácia na sociedade.
Nesse sentido, é imperioso frisar a importância do papel do juiz, que não deve resumir-se à busca de respostas autônomas em regras determinadas, mas deve observar o ordenamento jurídico como um todo, e, principalmente, os princípios constitucionais e infraconstitucionais, interpretando as leis de forma sistemática e teleológica.
A legislação protetiva do consumidor é uma das mais rígidas e completas do mundo, consubstanciando-se num verdadeiro microssistema jurídico, de regulamentação integral, no qual se encontram normas de Direito Penal, Civil, Constitucional, processuais civis, penais e administrativas. Nesse diapasão, a efetividade do Direito do Consumidor depende muito mais de quem o aplica do que da lei, donde se infere que o seu maior problema é de ordem conceitual, o que restou amplamente demonstrado na presente pesquisa.
Tal fenômeno ocorre porque os julgadores ainda não se aperceberam das especificidades das relações entre consumidores e fornecedores, não se desvinculando, assim, dos preceitos que regem os relacionamentos contratuais civis e mercantis, marcados pela prevalência da autonomia da vontade, da liberdade de contratar (onde se escolhe com quem, como, e o que contratar), e da obrigatoriedade dos ditames contratuais (pacta sunt servanda).
Problema maior reside na não identificação, pelo magistrado, da relação de consumo. Inúmeros foram os julgados em que não foi aplicado o Código de Defesa do Consumidor – constituído de normas de ordem pública –, e conseqüentemente seus princípios, em face da não percepção, pelo julgador, da existência de tal relação, embora em muitos casos, a própria nomenclatura do contrato a denunciasse: "Contrato de Financiamento ao Consumidor Final" [27].
A pesquisa empírica confirmou a hipótese proposta, de não efetividade total da aplicação dos princípios de defesa do consumidor. Não obstante se tenha verificado a correta aplicação de muitos desses enunciados, foi patente o desvirtuamento conceitual no emprego dessas normas, principalmente no que pertine ao princípio da vulnerabilidade, base de todo o sistema de proteção.
É inadmissível que, mesmo após 14 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, ainda sejam encontradas decisões completamente destoantes de seus mandamentos, máxime quando a proteção ao consumidor é direito fundamental de todo cidadão, expressamente delineado no texto constitucional.
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Notas
01 STF – Supremo Tribunal Federal: disponível em:
02 Foram considerados tanto os acórdãos como as decisões monocráticas de ambos os Tribunais.
03 Note-se que o 2º Juizado Especial Cível e Criminal das Relações de Consumo somente foi criado em meados do ano 2002.
04Fonte: Site do Tribunal de Justiça do Estado
de Alagoas – Disponível:
05 Importante salientar que a denominação "varas de feitos não privativos" era utilizada para identificar as varas cuja competência não envolvia demandas relativas a Direito de Família, Sucessões, Competência Mista, Infância e Juventude, Fazenda Pública Estadual e Municipal, Execuções por títulos extrajudiciais, e de Cumprimento de requisitos de atos processuais. Atualmente, a nomenclatura de tais varas subsume-se à expressão "Varas Cíveis da Capital".
06 Nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais das Relações de Consumo a competência é restrita à matéria consumerista, contudo, essa competência é limitada – segundo o art. 3º, I, da Lei n.º 9.099/95 – às causas cujo valor não exceda a 40 vezes o salário mínimo. Deste modo, as demandas que ultrapassem tal valor devem ser ajuizadas junto às Varas Cíveis.
07 A pesquisa foi realizada junto à Turma Recursal da 1ª Região, competente para o julgamento dos recursos interpostos contra as decisões dos juizados especiais das seguintes comarcas: Capital, Marechal Deodoro, Satuba, Pilar, Atalaia, São Miguel dos Campos, Rio Largo, Boca da Mata, Capela, Chã Preta, Cajueiro, Viçosa, Porto Calvo, São Luiz do Quitunde, Passo de Camaragibe, Matriz de Camaragibe, Porto de Pedras, Maragogi, Paripueira, União dos Palmares, São José da Lage, Colônia de Leopoldina, Novo Lino, Flexeiras, Joaquim Gomes, Messias e Murici. A Turma Recursal da 1ª Região é composta por três magistrados, e foi criada através da Portaria n.º 232, de 07.05.1997.
08 Fontes: Ementário da Jurisprudência Alagoana, volume XII, edição de 2004, n.º 15, Ementas do ano de 2002; Jurisprudência Alagoana - Revista do Tribunal de Justiça de Alagoas, volume XVII, ano 2002; Jurisprudência Alagoana - Revista do Tribunal de Justiça de Alagoas, volume XIX, ano 2003. Como não mais dispunha de edições dos Ementários e Revistas, o Departamento de Jurisprudência, Divulgação e Arquivo do Tribunal de Justiça disponibilizou todas as Ementas dos anos de 2000, 2001 e 2003 através de gravação em disquete.
09 Fonte: Jurisprudência da Turma Recursal da 1ª Região do Estado de Alagoas, volume II, organizadores: Juízes Pedro Augusto Mendonça de Araújo, Maria Catarina Ramalho de Moraes e Ana Florinda da Silva Dantas; Maceió, junho de 2000 a julho de 2002.
10 A entrevista foi realizada com o Sr. Ronaldo Farias, no dia 22.02.2005.
11 Representado pelo Sr. Delfino Costa Neto, Promotor de Justiça no Estado de Alagoas.
12 Foi entrevistado o Advogado José da Silva Júnior.
13 Essas questões serão melhor discutidas quando forem tratados os resultados e as conclusões, pois extrapola os contornos da metodologia o estudo aprofundado desses aspectos.
14 CDC, art. 6º, VII: São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
15 Origem: 4ª Vara Cível da Capital.
16 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos
contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n.
55, mar. 2002. Disponível em:
17 Origem: 2º Juizado Especial Cível e Criminal das Relações de Consumo.
18 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos
contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n.
55, mar. 2002. Disponível em:
19 Tribunal de Justiça de Alagoas. Ac. 1.370/2001, de 11/10/2001 – Unânime AC. 01.000743-1 - Capital - Relator: Des. Jairon Maia Fernandes.
20 Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.
21 Conferência proferida na Cerimônia de abertura do 3º Curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor do Centro do Direito do Consumo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia 10.11.2000.
22 Origem: 1º Juizado Especial Cível e Criminal das Relações de Consumo.
23 Origem: 2° Juizado Especial Cível e Criminal das Relações de Consumo.
24 Origem: 1º Juizado Especial Cível e Criminal das Relações de Consumo.
25 Origem: 1° Juizado Cível e Criminal das Relações de Consumo.
26 Em muitos julgados verificou-se a utilização do termo "hipossuficiência" no sentido de vulnerabilidade.
27 O que foi vastamente observado nas Varas Cíveis da Capital.