Artigo Destaque dos editores

Responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

V. ARGUMENTOS PRÓ-IRRESPONSABILIDADE ESTATAL: CRÍTICAS

Neste tópico – o de maior valia neste trabalho – serão expostos e analisados todos os argumentos utilizados pelos defensores da irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais. Neste momento se dará também a refutação destas idéias, demonstrando robustamente que o Estado responde por todos os seus atos, inclusive os jurisdicionais.

Consoante observou ODONÉ SERRANO JÚNIOR [14], no exame dos argumentos pró-irresponsabilidade, claro queda sua insubsistência. Não passam de dogmas e mitos, pois não possuem explicação lógico-científica, além de suprimirem os anseios sociais e a própria justiça.

Não se pode conceber que, frente à responsabilização objetiva exposta na Carta Magna (no § 6º, art. 37, de maneira genérica; e no inc. LXXV, art. 5º, de maneira específica), ainda existam correntes que insistam em defender a irresponsabilidade. Os atos jurisdicionais também são atos do Estado, e os atos do Estado que causem dano devem ser indenizados. Frise-se, tempestivamente, que os litigantes que se submetem à jurisdição estão susceptíveis ao insucesso na demanda, mas não porque o Estado lhes estará prejudicando, e sim porque estará atendendo a sua finalidade na atividade jurisdicional, que é a paz social.

Por oportuno, enuncia-se que colacionados foram todos os argumentos encontrados nos diversos autores pesquisados acerca do tema.

V.1. SOBERANIA DO PODER JUDICIÁRIO

Os defensores desta teoria alegam que a atividade jurisdicional é expressão da soberania do Estado. Neste raciocínio, têm eles que o Poder Judiciário está em uma posição supra legem. Tal argumento "só seria procedente no que respeita ao Estado autocrático, sendo inaplicável ao Estado de Direito. Este, embora soberano, nem por isso deixa de subordinar-se à lei, e ao fazê-lo, não abdica à sua soberania" [15].

Em um paralelo histórico, voltaríamos aos tempos da irresponsabilidade estatal, que era norteado com máximas como the king do not wrong.

Cumpre observar que a soberania não é atributo de um ou outro poder (Legislativo, Executivo e Judiciário), e sim da pessoa jurídica Estado, de forma indivisível e inalienável.

Ademais, se aceito fosse tal argumento, não somente pelos atos jurisdicionais seria irresponsável o Estado, e sim por todos os atos que viesse a praticar, pois o regime de responsabilidade estatal deve ser um só. Como observa AUGUSTO DO AMARAL DERGINT, "A idéia de soberania não se contrapõe à de responsabilidade do Estado, que também se submete ao Direito" [16].

Tem-se que a soberania legitima o poder-dever do Estado com o único escopo de beneficiar a coletividade. Das vontades e anseios desta coletividade que emana o ordenamento jurídico, que tem como finalidade regular a vida em sociedade. Desta maneira, conclui-se que a atividade jurisdicional não é absoluta, mas é margeada pela vontade popular, que se consubstancia neste ordenamento jurídico.

Nossa Constituição Federal preleciona um Estado Democrático de Direito, e, observando deste prisma, não se pode conceber que um serviço público – a atividade jurisdicional – seja imune a qualquer controle ou responsabilidade.

Destarte, solidez não é encontrada neste argumento, tendo em vista que a soberania é do Estado, e não de seus poderes individualmente (Legislativo, Executivo e Judiciário). Desta maneira, ao Poder Judiciário não pode ser reconhecida imunidade alguma no que concerne à responsabilização civil, já que a atividade dos outros poderes assim não se consubstancia. Reverencia-se, assim, o prescrito em nossa Constituição Federal, no § 6º do artigo 37, que prevê um regime único de responsabilidade estatal.

V.2. OFENSA À COISA JULGADA

Vale-se esta tese de que o reconhecimento da responsabilidade estatal por atos jurisdicionais ofenderia a coisa julgada, pois esta tem como finalidade tornar imutável a decisão, e, no caso de admitir a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, aceitar-se-ia que a decisão foi proferida em desacordo com a lei.

Não merece respeito tal assertiva pelos argumentos que mais à frente serão expendidos. De plano, cabe minuciar o instituto da coisa julgada. Tem a res judicata o escopo de manter a segurança jurídica, que se apresenta na estabilidade das decisões judiciais.

Classifica-se em coisa julgada formal e coisa julgada material. Coisa julgada formal vem a ser aquela que reveste a decisão que não mais passível é a recurso, adquirindo esta qualidade após o transito em julgado. Tem-se como coisa julgada formal a imutabilidade da decisão, dentro do próprio processo, logo após a decisão final do mesmo. Configura a preclusão máxima, já que resulta na extinção do processo.

A seu turno, coisa julgada material é aquela que torna imutável os efeitos da decisão final que extrapolaram o processo. São efeitos que impedem a imutabilidade da sentença no mesmo processo, ou em qualquer outro processo entre as partes, pois nenhum magistrado poderia julgar, ou as partes litigar, ou ainda o legislador dispor [17], no que circunda a relação jurídica que foi objeto da demanda revestida pela coisa julgada. A coisa julgada material tem como requisito essencial a existência da coisa julgada formal. Esta última pode existir sem a coisa julgada material, mas essa não tem concretude sem a primeira.

O questionamento que se faz é: porque revestir a decisão de eficácia sentencial declaratória (após seu trânsito em julgado) das características da imutabilidade? Observa-se que a resposta é simples: a segurança jurídica. Pois se mutável fosse o decisum, os litígios seriam perpétuos, já que obtendo tutela jurisdicional diversa a seu interesse, a parte iniciaria nova demanda, até que tivesse seus anseios atendidos. Outro motivo que se apresenta é o fato de que a sentença deve ser portadora de uma presunção de veracidade e justiça, já que para promover a paz social, se faz necessário tal binômio.

Transpostos tais esclarecimentos sobre a coisa julgada, passemos a refutar a argumentação sobre a irresponsabilidade estatal que tem por base a coisa julgada.

Inicialmente, nem todos os atos são acobertados pela coisa julgada material. Somente o serão os atos jurisdicionais terminativos de mérito, entendendo-se por estes as sentenças e acórdãos que julguem a demanda em seu pedido. Quanto às decisões apenas terminativas, estas fariam apenas coisa julgada formal. Tem-se, desta forma, que mesmo que fosse admitido tal argumento, ele não afastaria totalmente a responsabilidade do Estado, cingindo-se somente aos casos de configuração da coisa julgada material.

Outro argumento utilizado pelos defensores é que a coisa julgada traz em seu bojo uma presunção de verdade, legalidade e justiça, no que se refere a lide. Mas, em análise mais acurada, concluímos que não passa de uma presunção relativa – iuris tantum, já que admite prova contrária na ação rescisória (sentença cível) e na revisão criminal (sentença condenatória penal). Pondera JOSÉ CRETELLA JÚNIOR que: "[...] elevar a res judicataa categoria de muralha sacrossanta, absolutamente impenetrável, é admitir a infalibilidade do julgamento humano ou a intransigência obstinada e incompreensível, mesmo diante de erro manifesto" [18].

Quanto à coisa julgada resguardar os erros judiciários, também não subsiste razão, pois, quanto aos erros cíveis, é possível a ação rescisória no prazo de dois anos (art. 495, CPC), que se for procedente, anula todo o julgado. Nos erros penais é totalmente inaplicável, pois o processo penal não contempla a coisa soberanamente julgada, pelo exposto no art. 622 do CPP: "A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após".

Contudo, indiferente à configuração da coisa soberanamente julgada (na esfera cível, com o lapso de dois anos), subsistiria ainda a responsabilidade estatal pela indenização. Explica-se: a coisa julgada em nada prejudica a indenização. Assim o é pelo fato de que não se perfaz necessária a prévia rescisão da sentença para a apreciação da ação indenizatória. Ora, a lide é outra, diversa, autônoma e independente, cuja pretensão ainda não se viu apreciada pelo Poder Judiciário. Por esses motivos não há como conceber que seja possível a coisa julgada impedir o manejo da ação ressarcitória.

Observe-se ainda que o Estado não ocupou o pólo passivo ou o ativo da demanda anterior, na qual o serviço judiciário foi lesivo. Está, então, fora das fronteiras da coisa julgada, não sendo esta suficiente para obstar o reconhecimento da obrigação de indenizar do Estado.

Tergiversam ainda os defensores da presente tese que o meio idôneo para impedir a concretização da res judicata seria a utilização tempestiva dos recursos contidos em nosso ordenamento jurídico. Assim, após o transito em julgado da decisão, não caberia mais a imputação de responsabilidade ao Estado. Mas como já observado neste tópico, não resta dúvidas que tal argumento não retrata a justiça.

Deste modo, a responsabilidade do Estado não se opõe a coisa julgada, pois esta, apesar de sua imutabilidade e intangibilidade, não se contrapõe à ação indenizatória, que será totalmente diversa e autônoma da revestida pela res judicata.

V.3. INDEPENDÊNCIA DOS MAGISTRADOS

Preleciona este argumento óbice à responsabilização estatal tendo por base o fato dos juízes serem independentes no exercício da judicatura. Neste entendimento, nunca julgariam os magistrados de maneira a gerar danos passíveis de indenização. Ledo engano.

A independência está estampada em nossa Constituição Federal de duas formas: Independência Política e Independência Jurídica.

A Independência Política é aquela que tem por escopo proteger o Poder Judiciário da interferência e influência dos demais Poderes [19], garantindo um autogoverno, que se compõe da auto-organização e da auto-regulamentação dos serviços judiciários, tendo previsão no art. 96 da CF. A idéia de independência política é totalmente indissociável da independência financeira, que por este motivo vem proclamado por nossa Carta Magna em seu art. 99.

Por sua vez, a Independência Jurídica é a que assegura a imparcialidade do magistrado, quando no exercício de suas funções. Assim, é imprescindível que não haja subordinação hierárquica no desempenho de suas atividades. Motivo esse que o torna portador de certar garantias contidas no art. 95 da CF (vitaliciedade, inamovabilidade e irredutibilidade de vencimentos), como também das vedações inclusas no parágrafo único deste mesmo dispositivo.

Como sabido, a independência do pretor é a sua maneira de interpretar o processo, valorar as provas e proferir a decisão. Sabe-se, outrossim, que o magistrado deve se abster apenas a lei, aos princípios do direito e a sua consciência, como valores para proferir suas decisões.

Nada impede a responsabilidade estatal, já que a mesma somente reforçaria a independência do magistrado, já que ela funcionaria como um escudo protetor do juiz. As demandas ressarcitória seriam direcionadas ao Estado, visto que "melhor asseguramento da independência dos juízes não pode existir do que a responsabilidade ser do Estado" [20]. Sendo a responsabilidade do magistrado regressiva, somente responderia ele em caso de sua ação ser eivada de dolo ou culpa.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O dolo do juiz se configura quando ele, de maneira intencional, transgredir a lei para beneficiar a uma das partes, preterindo assim a outra. A culpa se caracteriza quando o pretor não cumprir dever funcional, julgando ou conduzindo o processo com desleixo, vindo a praticar erro indesculpável (error in procedendo ou in judicando), já que poderia tê-lo evitado se procedesse com a precaução devida.

Pelo explanado, observa-se que este argumento – se aceito fosse – teria efeito parcial, já que somente impediria a responsabilidade pessoal do magistrado, mas não descaracterizaria a responsabilidade do Estado por ato de seu agente (o próprio juiz).

Por fim, atinge-se a ilação de que não existe nenhuma incongruência entre a responsabilidade estatal (por danos decorrentes da atividade jurisdicional) com a independência dos juízes. Outrossim, que a independências dos magistrados não é absoluta, vez que submissos a Constituição e aos textos legais, além do dever moral de exercer suas atribuições competentemente.

V.4. MAGISTRADOS NÃO SÃO FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Sob o argumento de que o juiz seria um órgão e não um funcionário público, os defensores desta tese ensejam irresponsabilizar o Estado por danos causados pela atividade jurisdicional. Mas veremos que não assiste razão a tal proposição.

O Poder Judiciário é um instrumento no organismo estatal, tendo como seus órgãos as justiças especializadas (Justiças Estadual, Federal, do Trabalho, Militar, Eleitoral, etc.). Por esta ótica, o magistrado é um agente público, um servidor público e um funcionário público [21].

Agente público porque, na lição do mestre HELY LOPES MEIRELLES, são "todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal" [22].

Assim, tem-se que o juiz é agente público porque desempenha atividade privativa do Estado (jurisdição). Como preceituado na Constituição Federal (art. 37, § 6º), basta a condição de agente para que o Estado seja responsabilizado, condição esta preenchida pelo magistrado (sem mínima hesitação).

São ainda os magistrados funcionários públicos, de acordo com a definição elaborada pela insigne MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: "funcionários públicos propriamente ditos, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos" [23].

Como os juízes são estatutários (tem seu vínculo com o Estado regido pela LOMAN), ocupam cargos públicos preenchidos por concursos e são remunerados pelo erário, dúvida não resta que são servidores públicos da espécie funcionários públicos.

Para corroborar o já expendido, suscitamos novamente os maestrais ensinamentos de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: "Qualquer que seja o regime jurídico adotado para seus servidores, algumas categorias se enquadrarão como funcionários públicos, ocupantes de cargos e sob regime estatutário estabelecido por leis próprias: trata-se dos membros da Magistratura" [24].

Não há como sustentar – de maneira racional – que o magistrado não é agente que compromete o Estado. CHIOVENDA já afirmou que o juiz é o Estado administrando a Justiça. Sendo o juiz um funcionário público, deve ele ser submetido à regra do art. 37, § 6º, CF/88, pois, a contrario sensu, estaria se cometendo uma grave ofensa ao princípio da isonomia entre os funcionários públicos.

Ratifica este entendimento MARIA HELENA DINIZ ao lecionar:

"O termo ‘agente’, empregado no art. 37, § 6º, da nova Constituição, abrange todos os que agem em nome do Estado. [...] E, com maior razão, também os juízes, como agentes do Estado para a função jurisdicional deste, que os coloca sob regime especial de garantias no interesse de tal função. Esse regime especial e a natureza específica de sua atividade não lhes tiram o caráter de funcionário, lato sensu". [25][26]

Por conseguinte, temos o magistrado como funcionário público que, como já expendido, é espécie de agente público, o que o deixa compreendido na regra do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

V.5. O JURISDICIONADO SE CONDICIONA A FALIBILIDADE DOS JUÍZES

Não há que se questionar que o magistrado, como ser humano, é passível ao erro. Isso é por todos sabido. Mas utilizar-se de argumento como este para afastar a responsabilidade estatal é atentar contra o Direito e a Justiça. Aceito tal argumento, estaria a se concordar que – ao assumir o cargo de juiz – aquele homem não seria mais homem, e por conseqüência, deixaria de falhar. Se seguido fosse este raciocínio, seria atingida a conclusão de que todos os homens também seriam irresponsáveis pelos atos que cometessem, o que é um absurdo.

Como muito bem ponderou DERGINT: "Por este falaz raciocínio, os juristas estariam totalmente à mercê de decisões ilegais, injustas, venais, prevaricadoras, etc., protegidas sob o pálio da pretensa falibilidade contingencial dos juízes" [27].

Estes erros devem ser reparados pelo Estado, pois o serviço judiciário é imposto aos indivíduos – salvo raras exceções – e os atos dos juízes são atos do próprio Estado – como afirmou CHIOVENDA. Consoante o já comentado no argumento anterior, e também aplicável a este, o não reconhecimento da responsabilidade do Estado no caso de falha do magistrado seria uma grave afronta ao princípio de igualdade entre os funcionários públicos. Curioso seria se um funcionário do executivo falhasse em suas atividades e não ensejasse a responsabilidade estatal – e até sua própria regressivamente.

Outrossim, argumenta-se que este risco do magistrado falhar é assumido pelo indivíduo que clama pela tutela jurisdicional. Para justificar o raciocínio, explanam que o serviço jurisdicional é diferente dos demais serviços públicos, já que este atua somente após ser provocado (princípio da inércia jurisdicional). Como não há atuação voluntária, e os jurisdicionados que devem procurá-lo, devem assumir os riscos aleatórios a que se expuseram, já que poderiam ter composto o litígio de forma amistosa.

De plano observa-se que este argumento, de maneira alguma, se adaptaria a esfera penal, já que o Ministério Público – órgão do Estado – é quem provoca a jurisdição. Em outra situação, tem-se o indivíduo que – na maioria das vezes – recorre à Justiça por não lhe restar mais alternativa. Quando o cidadão procura o Judiciário, ele procura Justiça. Que Justiça seria essa, já que o jurisdicionado é quem deve arcar com os risco de eventuais erros judiciários? Nesse diapasão, seria melhor denegar a Justiça. Felizmente nossa Carta Maior veta tal atitude, estampando em seu corpo a regra do art. 5º, inc. XXXV.

Ao aprofundar mais o estudo, vislumbra-se uma terceira possibilidade, que faria valer este argumento somente para o autor, já que o réu integra o processo sob pena de revelia, ou seja, obrigado está a integrar a lide.

Se em um dado momento da história o Estado avocou a administração da justiça, assumiu o dever de mantê-la funcionando adequadamente. E, ainda sobre este argumento, não serão somente os jurisdicionados os lesados pelos erros dos magistrados, e sim toda a coletividade, pois este é o alvo da jurisdição (a pacificação social).

V.6. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO SOMENTE EXSURGE DE TEXTO LEGAL

Os defensores desta tese têm a irresponsabilidade como regra. Certamente, se embasam na idéia emanada dos Tribunais Franceses no início do século passado (il n’y a pás de responsabilité sans texte), que a muito foi abandonada, "passando a responsabilidade do Estado a ocupar a categoria de princípio" [28].

Ao comentar este argumento, AUGUSTO DO AMARAL DERGINT é incisivo:

"A responsabilidade estatal é um princípio inerente aos sistemas jurídicos, desde o advento do Estado de Direito, de modo que prescinde de texto legal a estabelece-lo. Não procede o argumento de que o Estado somente responde por atos judiciais nas hipóteses expressamente declaradas em lei, que, assim, representariam exceções a uma pretensa imunidade do Estado – igualmente sem correspondência legal. De qualquer forma, o princípio da responsabilidade estatal encontra-se consagrado, textualmente, em regra constitucional (art. 37, § 6º), aplicável aos atos danosos executivos, legislativos e judiciais. Não se pode dizer que exista uma lacuna no ordenamento jurídico. Mesmo se houvesse, ela não eximiria o juiz de julgar[ [29]], devendo ele recorrer a analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito" [30].

Assim, tal argumento não subsiste ante a regra exposta em nossa Constituição no art. 37, § 6º. Não há o que se falar de necessidade expressa, a cada caso, de previsão na legislação, pois a responsabilidade do Estado deflui da Constituição, que, como preconizou HANS KELSEN, é a norma hipotética fundamental, da qual emana todas as diretrizes normativas para o ordenamento jurídico.

V.7. RECONHECER A RESPONSABILIDADE ESTATAL POR ATOS JURISDICIONAIS SERIA UM ENORME FARDO AOS COFRES PÚBLICOS

Este argumento, acima de tudo, reconhece a responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais, já que opera como uma confissão. Uma confissão pois já se vislumbraria que o Estado teria um grande dispêndio com o pagamento de possíveis reparações e compensações.

Sábias foram as palavras de ARDANT [31], ao dizer que não é possível a vinculação do princípio da Responsabilidade do Estado – previsto em nossa Carta Magna – a uma antevista importância indenizatória.

O Estado é obrigado a responder pelos atos de seus agentes, e o argumento de que tal atitude seria muito onerosa não é razão que alije a sua responsabilidade. Ademais, nos casos em que for comprovado a culpa ou o dolo do agente público – aqui compreendido o magistrado, o Estado teria direito à ação regressiva, não impingindo somente ao erário as indenizações que for obrigado a arcar.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Adriano Aparecido Arrias de Lima

advogado em Maringá (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Adriano Aparecido Arrias. Responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 823, 4 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7381. Acesso em: 20 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos