Uma análise dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro

Exibindo página 1 de 4
17/05/2019 às 23:40
Leia nesta página:

Para que o objetivo da execução penal seja alcançado é necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana seja observado com máxima atenção, principalmente por estar previsto em diversas leis, nacionais e internacionais.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca fazer uma análise do atual sistema prisional brasileiro, focando nos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos. O presente estudo tem como objetivo geral analisar a problemática apresentada no sistema prisional brasileiro, especialmente os desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos. Além disso, o presente estudo pretende analisar a evolução histórica do sistema prisional brasileiro; definir as diferenças dos diversos tipos de instalações prisionais; elencar e analisar os principais direitos e garantias dos presos; verificar e analisar as ocorrências de violações desses direitos e garantias; e analisar a responsabilidade do Estado quanto à proteção dos direitos dos presos.

Os incisos do I ao XV do art. 41 da Lei de Execução Penal (LEP) serão a base deste trabalho, pois tratam dos direitos dos presos, assim como a nossa Constituição Federal (CF), com os direitos à vida, à dignidade e à saúde, e, também, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

De acordo com o inciso III, do art. 1º da CF, a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, e, de acordo com o art. 5º também da CF, todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988). Mas as perguntas que ficam são: Quais são as garantias fundamentais dos presos? As pessoas que estão detidas no sistema prisional brasileiro conseguem usufruir verdadeiramente desses princípios? Existe algum desrespeito às garantias fundamentais dos que estão presos? De quem é a responsabilidade de garantir tais direitos aos presos? Esses são os questionamentos que o presente trabalho pretende abordar.

Já que nosso sistema penal tem como objetivo a ressocialização do preso, é obrigação do Estado fazer o possível para que essa ressocialização venha a ocorrer, ou seja, as garantias fundamentais dos presos não devem ser jogadas por terra. O art. 3º da LEP diz que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984), ou seja, direitos como direito a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana devem ser protegidos e colocados em prática, mas o que vemos são presídios superlotados, sistema de saúde quase que inexistente, e um total desrespeito a vida do apenado.

Em relação à metodologia aplicada ao presente trabalho, inicialmente foi feita a delimitação do tema, onde foi pontuado o foco principal do trabalho, e o caminho a ser traçado para que tal assunto seja abordado. Ficou delimitado o foco do trabalho como sendo o estudo dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro, necessariamente, os desrespeitos referentes aos direitos dos presos.

Em relação aos objetivos específicos do desenvolvimento do trabalho, foram pontuadas questões quanto à análise da evolução do sistema prisional, análise da responsabilidade do Estado quanto à proteção dos presos, observação e análise dos direitos e garantias fundamentais dos presos, e verificação da ocorrência de desrespeitos a esses direitos e garantias.

Para que a delimitação e as especificidades sejam alcançadas, serão utilizados o método de pesquisa exploratório e quantitativo, onde será feita análise de dados, também serão utilizadas as técnicas de pesquisa de apropriação bibliográfica e documental. Além de ter como base o método dedutivo para resolução da problemática apresentada.


2. O SISTEMA PRISIONAL

Sendo o foco do trabalho a análise de desrespeitos ocorridos dentro do Sistema Prisional, é necessário entendermos o que é esse sistema. Visto isso, entende-se por “sistema” “o conjunto de princípios verdadeiros ou falsos reunidos de modo que formem um corpo ou doutrina; modo de organização” (AURÉLIO, 2017c) e o termo “prisional” remete a prisão, que remete a um estabelecimento onde indivíduos ficam presos (aprisionados/retidos). Ou seja, o sistema prisional é o modo de organização dos estabelecimentos onde se mantêm presos os indivíduos.

Neste capítulo iremos verificar a evolução histórica do sistema prisional no mundo, e, em seguida, a evolução do sistema prisional no Brasil. Após essa verificação, iremos conceituar e diferenciar os diversos tipos de instalações prisionais existentes, referenciando, assim, o todo que é o sistema prisional.

2.1 A evolução histórica do sistema prisional

2.1.1A evolução do sistema prisional no mundo

A privação da liberdade era desconhecida na antiguidade, mesmo que houvesse o encarceramento de delinquentes, este encarceramento não tinha o status de pena e sim de custódia, custódia essa que se mantinha apenas até o julgamento ou execução. Na antiguidade, o direito era exercido através do Código de Hamurabi, ou outros que ditavam o mesmo que “olho por olho”, não importando se a justiça era “feita com as próprias mãos”, coisa que mudou com o passar dos tempos, pois o Estado assumiu o seu lugar de punir.

Na Idade Média as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do “status” social a que pertencia o réu, onde não se sancionavam os mesmos crimes e não puniam o mesmo gênero de delinquentes, mas definiam bem, a cada um deles, um certo estilo penal (FOUCAULT, 2014). Sanções como amputação de membros, forca e a guilhotina constituíam o espetáculo favorito das multidões deste período histórico.

A prisão só passou a ser considerada como pena a partir do séc. 18, quando se “reconheceu” a humanidade do delinquente.

Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo suplicado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. (Foucault, 2014, p.13)

De acordo com Bitencourt (2013) os primeiros sistemas prisionais surgiram nos Estados Unidos, onde se mantinha o isolamento do indivíduo numa cela, se tinha oração constante (pois ainda eram ligados a concepções religiosas) e a abstinência total de bebidas alcoólicas, com o objetivo de “salvar” os criminosos. A lei do silêncio era rigorosa, e apenas os indivíduos mais perigosos eram mantidos em celas individuais. Além disso, os considerados menos perigosos trabalhavam em conjunto durante o dia, em trabalhos considerados tediosos e sem sentido.

Em 1796 o governador de Nova York enviou uma comissão para estudar o sistema prisional existente na Pensilvânia. Com as informações colhidas por essa comissão, passaram a substituir a pena de morte e os castigos corporais pela pena de prisão. (BITENCOURT, 2013)

Os pressupostos de racionalidade e de humanização do sistema penal (...) refletem o que foi definido como substituição do Príncipe pelo princípio – com a passagem da forma estatal medieval para o Estado Moderno, na sua versão inicial absolutista, tem-se o início de um modelo de dominação racional legal. (CARVALHO, 2008, p. 117)

No decorrer do séc. 19, foi imposta definitivamente a pena privativa de liberdade, e como consequência ocorreu um abandono progressivo da pena de morte. Além disso, foi implantado o regime progressivo, onde a essência consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, onde o indivíduo passa a receber privilégios de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. (BITENCOURT, 2013)

Entretanto, por mais que o sistema progressivo parecesse bom, este entrou em crise, o que levou a uma profunda transformação dos sistemas carcerários. Nas últimas décadas houve uma significativa sensibilidade ao que diz respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, tanto é que a ONU (Organização das Nações Unidas) estabeleceu em 1955 as Regras Mínimas para o tratamento dos reclusos, que têm como objetivo estabelecer os princípios e regras de uma boa organização prisional e as práticas relativas ao tratamento dos reclusos (ONU, 1955). Além disso, também foram criados pactos sobre direitos humanos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), em 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em 1976, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em 1969.

2.1.2 A evolução do sistema prisional no Brasil

A primeira menção à prisão no Brasil foi dada nas Ordenações Filipinas do Reino, no Código de Leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial, que tinha como finalidade decretar a Colônia como presídio para os exilados. (PORTUGAL, 1870)

A instalação da primeira prisão no Brasil é citada na Carta Régia de 1769, que estabelece a implantação de uma Casa de Correção no Rio de Janeiro (PEDROSO, 1997). A Constituição Federal de 1824 estabelecia regras que as prisões deveriam cumprir, como ser limpas e seguras, além de separar os detentos de acordo com a natureza do crime de cada um (BRASIL, 1824).

O Código Penal de 1890 aboliu a pena de morte e deu lugar a outros tipos de sanções penais, dentre eles o regime prisional com fim correcional (BRASIL, 1890). Em 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, foi publicado o atual Código Penal Brasileiro (CP), onde as penas são divididas entre pena de reclusão, detenção e multa (BRASIL, 1940).

Em 1984 foi instituída a Lei de Execução Penal (LEP), que tem como objetivo a efetivação das disposições da sentença ou da decisão criminal, onde os indivíduos são classificados de acordo com os antecedentes e a personalidade, garantindo assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa, a saúde e, ao egresso, a finalidade de reinserir o indivíduo na sociedade. (BRASIL, 1984)

Em 1988, com o advento da Constituição Federal (CF) atual, foi instituído o art. 5º intitulado “direitos e garantias fundamentais”, que cede, a todo e qualquer cidadão, direitos básicos para garantir a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana, além de outros. (BRASIL, 1988)

Somente com o advento da Carta de 1988 é que o tratamento da execução penal adquiriu feição constitucional. A Constituição, como instrumento de reconhecimento de direitos e garantias individuais, sociais e difusos, bem como recurso de interpretação da legislação ordinária, possibilitou verdadeiro redimensionamento na leitura dos assuntos referentes ao processo penal executório. (CARVALHO, 2008, p. 154)

Ou seja, a CF serve como meio de interpretação da legislação ordinária (CP, LEP, etc.), e, por ser uma Constituição garantista, possibilita que o indivíduo apenado tenha um leque enorme de direitos e garantias como qualquer outro cidadão tem.

2.2 Os diversos tipos de instalações prisionais

Para um melhor entendimento do trabalho, serão apresentadas as definições e as diferenças entre os diversos tipos de instalações prisionais. É importante ainda deixar claro que, o presente estudo não terá como foco um único tipo de instalação prisional, mas todo e qualquer tipo, fazendo os devidos esclarecimentos quando forem necessários.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
2.2.1 Penitenciárias

De acordo com o art. 87 da LEP “a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado” (BRASIL, 1984). Ou seja, a penitenciária é reservada ao preso que já foi condenado, com sentença transitada em julgado, e que a condenação seja de pena de reclusão.

Entende-se por pena de reclusão aquela em que a pena começa a ser cumprida em regime fechado e, a depender a conduta do indivíduo, o regime pode progredir para o regime semiaberto e em seguida para o aberto. E entende-se por regime fechado quando o indivíduo passa o dia todo em cárcere, saindo apenas para banhos de sol e trabalhos, quando tem, em horários específicos.

Além disso, o art. 88 também da LEP diz que o condenado deve ser alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. O parágrafo único do mesmo artigo fala que deve ser mantida a salubridade do ambiente e que cada cela dever conter área mínima de 6,00m². (BRASIL, 1984)

2.2.2 Colônias agrícolas, industriais ou similares

De acordo com o art. 91 da LEP a Colônia “destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto” (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por regime semiaberto aquele em que o indivíduo sai da instalação prisional durante o dia para trabalhar e se recolhe ao presídio no período noturno.

Nas Colônias, o indivíduo pode ser alojado em cela coletiva, desde que observados os requisitos do parágrafo único do art. 92 da LEP, que versa sobre a seleção dos presos e a capacidade máxima de cada cela. (BRASIL, 1984)

2.2.3 Casa do albergado

De acordo com o art. 93 da LEP “a Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto (...)” (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por regime aberto aquele em que o indivíduo trabalha durante o dia, e, no período noturno, recolhe-se a Casa de Albergado ou a sua própria residência, além de ter todas as suas atividades monitoradas.

2.2.4 Centro de observação

De acordo com o art. 96 da LEP, o Centro de observação é onde se realizam os exames criminológicos, e o resultado desses exames será o indicador da instalação prisional a qual o indivíduo será encaminhado (BRASIL, 1984). Ou seja, é no Centro de observação que se faz a triagem dos indivíduos.

2.2.5 Hospital de custódia

De acordo com o art. 99 da LEP, o hospital de custódia é destinado aos indivíduos considerados inimputáveis e semi-imputáveis (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por inimputável o indivíduo que não pode ser responsabilizado criminalmente por seus atos, pois não possui capacidade psicológica para entender a consequência de seus atos.

2.2.6 Cadeia pública

De acordo com o art. 102 da LEP, a cadeia pública se destina ao recolhimento de presos provisórios (BRASIL, 1984 – grifo nosso).  Entende-se por preso provisório o indivíduo que ainda aguarda julgamento.


3. OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS PRESOS

Neste capítulo iremos elencar e analisar os principais direitos e garantias fundamentais dos presos, utilizando a Constituição Federal (CF) de 1988, e, principalmente, a Lei de Execução Penal (LEP), sendo a nossa base na legislação brasileira, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), sendo a nossa base legislativa internacional.

3.1 Os direitos e garantias fundamentais de acordo com a legislação brasileira

3.1.1 De acordo com a Constituição Federal

Em se tratando dos princípios fundamentais previstos na CF, o art. 1º da mesma diz que “A República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988 – grifo nosso).

De acordo com Motta (2013) a palavra ‘dignidade’ possui diversos significados, mas, em regra, é relacionada a “merecimento ético”, que por sua vez é ligado a status social, honestidade e honradez. Motta(2013) diz “A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de alguém "ser humano”, se tornando automaticamente merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição socioeconômica”.

Além do art. 1º, o art. 4º diz que “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, os princípios da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos são, entre outros, a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Em se tratando dos direitos e garantias fundamentais previstos na CF, o caput do art. 5º diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, a CF garante a igualdade de tratamento a todos os residentes no país e garante direitos como o direito à vida e à segurança, sem dar qualquer diferenciação em se tratando da proporção que esses direitos devem ser garantidos a diferentes “tipos” de pessoas. Além do caput do art. 5º, o inciso III, que assevera: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, e o inciso XLI, que diz: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, 1988), tais colocações servem de reafirmação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, que estão previstos nos artigos 1º e 4º da CF, e que já foram citados anteriormente.

Em se tratando do processo penal, ainda sobre o art. 5º, o inciso XLVII diz que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). De acordo com o dicionário Aurélio (2017b), o termo “perpétuo” significa “dar ou obter fama duradoura; contínuo; vitalício; inalterável”, entretanto, as penas privativas de liberdade no Brasil têm caráter de reeducação, e não pura e simplesmente de punição, por esse motivo, as penas não podem ter caráter perpétuo.

Além disso, o inciso LIV versa sobre a proibição da privação de liberdade sem o devido processo legal, o inciso LVII versa sobre o trânsito em julgado ser requisito para afirmar a culpabilidade do indivíduo (BRASIL, 1988 – grifo nosso). O devido processo legal consiste em um princípio que assegura aos indivíduos direitos como requisitos para que haja a continuidade do processo (COSTA, 2011). Já o termo “trânsito em julgado”, de acordo com Strazzi (2014), “é uma expressão usada para uma decisão (sentença ou acórdão) de que não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou”, ou seja, trânsito em julgado significa que o processo já passou por todos os trâmites legais, e que não cabe nenhuma alteração.

Ainda sobre o art. 5º, inciso LXV versa sobre o imediato relaxamento da prisão ilegal, já o inciso LXVI versa sobre formalidades quanto a prisão e a liberdade provisória (BRASIL, 1988 – grifo nosso). De acordo com Alvarenga (2016), entende-se por prisão ilegal aquela em que não foram observadas as exigências legais para o ato, por isso a necessidade de que seja relaxada (“aliviada”), pois para que o indivíduo seja preso é necessário que ocorra o devido processo legal. E, em se tratando da liberdade provisória, essa é entendida como uma garantia do indivíduo de se manter em liberdade enquanto aguarda o trânsito em julgado do processo.

Os incisos LXII, LXIII e LXIV garantem ao preso e aos seus familiares o direito de informação, comunicação e identificação. (BRASIL, 1988)

Em se tratando da execução penal, ainda no art. 5º da CF, o inciso XLVI garante que: “a lei regulará a individualização da pena (...)” e o inciso XLVIII diz que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, estes incisos dizem respeito ao princípio da individualização da pena, que se desdobra em três momentos distintos, mas interligados.

O primeiro momento diz respeito a individualização legislativa, onde o legislador escolhe as condutas mais gravosas para tipificar como crime. O segundo momento diz respeito a individualização judiciária, onde o juiz aplica a pena abstrata ao caso concreto. E o terceiro momento é o da individualização executória, onde o juiz da execução penal observa os benefícios a que os presos têm direito, concedendo-os quando devidos. (MARACAJ, 2013)

Em se tratando de execução penal, o inciso XLIX do art. 5º da CF assegura a todo e qualquer preso o respeito à integridade física e moral, assim como o inciso L assegura as presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (BRASIL, 1988).

De acordo com o dicionário Aurélio (2017a) “integridade” significa “caráter daquilo a que não falta nenhuma das suas partes; estado de inalterável”. Logo, integridade física diz respeito a inalterabilidade do corpo do indivíduo; e a integridade moral diz respeito a forma como o indivíduo é visto na sociedade (ex. de desrespeito: insultos). Existe a ainda a integridade psíquica que diz respeito a inalterabilidade psicológica (ex. de desrespeito: humilhação);

Em se tratando da responsabilidade do Estado frente aos direitos dos presos, o inciso LXXIV, do art. 5º determina que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” e o inciso LXXV que: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (BRASIL, 1988). Ou seja, o estado garante ao preso não só a assistência jurídica necessária (defensoria pública), como, também, tem o dever de indenizar quando comete algum erro judiciário.

3.1.2 De acordo com a Lei de Execução Penal

De acordo com o art. 1º da LEP o objetivo da execução penal é efetivar as disposições da sentença ou decisão e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Além disso, o art. 3º assegura todos os direitos que não foram atingidos pela sentença ou pela lei, e o parágrafo único do mesmo diz que “não haverá distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”. (BRASIL, 1984 – grifo nosso)

De acordo com o art. 5º da LEP, para que haja a individualização da execução de forma eficiente, os condenados serão classificados com base nos antecedentes e na personalidade (BRASIL, 1984). No que se refere a individualização da pena, esta já foi explicada anteriormente, onde foram explicados seus desdobramentos nos dizeres de Maracaj (2013).

De acordo com o art. 10 e seu parágrafo único, é dever do Estado a assistência ao preso, ao internado e ao egresso, para prevenir o crime e orientar o retorno a sociedade. (BRASIL, 1984)

Sobre a assistência que o Estado deve prestar, o art. 11 estabelece que a assistência deve ocorrer de forma material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas, de instalações e serviços que atendam as necessidades pessoais, além de local destinado à venda de produtos permitidos e não fornecidos pela Administração, conforme estabelece os artigos 12 e 13. A assistência à saúde consiste no atendimento médico, farmacêutico e odontológico, que deverá ser prestada no estabelecimento ou em outro local, conforme estabelece o art. 14 e o parágrafo segundo do mesmo. Ainda sobre a assistência à saúde, o parágrafo terceiro do art. 14 assegura à mulher acompanhamento médico, em especial no pré-natal e no pós-parto, acompanhamento esse que deve ser estendido ao recém-nascido. A assistência jurídica é destinada aos presos sem recursos financeiros para constituir advogado, conforme estabelece o art. 15. Em se tratando de assistência educacional, esta consiste em instrução escolar e formação profissional, conforme estabelece o art. 17. A assistência social consiste no amparo ao preso e ao internado e prepará-los para o retorno ao convívio social, conforme estabelece o art. 22. A assistência religiosa, assim como a liberdade de culto, será prestada aos presos e internados e permite a participação nos serviços organizados no estabelecimento, bem como a posse de livros de cunho religioso, conforme estabelece o art. 24. Ainda sobre a assistência religiosa, o parágrafo primeiro do art. 24 diz que “haverá local apropriado para os cultos religiosos”, e o parágrafo segundo diz que ninguém será obrigado a participar de atividade religiosa. (BRASIL, 1984)

O art. 40 impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Os conceitos de integridade física e moral já foram explicados anteriormente, bem como o de integridade psíquica.

De acordo com o art. 41 e seus incisos

Constituem direitos do preso:I - alimentação suficiente e vestuário;II - atribuição de trabalho e sua remuneração;III - Previdência Social;IV - constituição de pecúlio;V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;XI - chamamento nominal;XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (BRASIL, 1984 – grifo nosso)

Ou seja, os incisos do art. 41 elencam todos os direitos inerentes a condição de preso que o indivíduo tem.

3.2 Os direitos e garantias fundamentais de acordo com a legislação internacional

3.2.1 De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos

O capítulo 1 da CADH enumera os deveres dos Estados-partes, e o parágrafo 1º do artigo 1º diz que é obrigação dos Estados-partes o respeito aos direitos e liberdades que são reconhecidos na mesma, além de garantir seu pleno e livre exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer natureza. (CADH, 1969)

O capítulo 2 da CADH fala sobre os direitos civis e políticos, e com isso elenca todos os direitos fundamentais inerentes ao ser humano. O parágrafo 1 do artigo 4º refere-se ao direito à vida e diz “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (CADH, 1969 – grifo nosso). Entende-se por concepção o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide, tornando-se assim um só e desenvolvendo a vida (FREITAS, 2008).

Ou seja, toda pessoa, independe de raça, religião ou qualquer outra coisa, tem direito à vida, direito a que se respeite sua vida, e este direito deve ser protegido por lei, que, por consequência, deve ser protegido pelo Estado autor da lei.

O artigo 5º refere-se à integridade pessoal. O parágrafo 1º fala sobre a integridade física, psíquica e moral (CADH, 1969).

O artigo 6º refere-se à proibição da escravidão e da servidão, e seu parágrafo 2º garante que “ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório” e, se caso a pena restritiva de liberdade seja em conjunto com algum tipo de trabalho, este “não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso”. (CADH, 1969 – grifo nosso)

O artigo 7º refere-se a liberdade pessoal, que consiste na possibilidade de fazer o que quer sem que haja a necessidade de justificar suas ações (FERNANDES, 2010). O parágrafo 3º proíbe a detenção ou encarceramento arbitrários. O parágrafo 4º fala sobre a informação das acusações e das razões da detenção. Os parágrafos 5º e 6º versam sobre a condução, sem demora, da pessoa detida à presença de um juiz ou autoridade competente, para que se decida sobre a legalidade de sua prisão, atualmente conhecido como audiência de custódia. (CADH, 1969)

O artigo 10 refere-se ao direito à indenização nos casos em que a pessoa tenha sido condenada por erro judiciário. O artigo 11 refere-se à proteção do direito ao respeito da honra e o reconhecimento da dignidade. (CADH, 1969)

O artigo 12 refere-se a liberdade de consciência e de religião, e, de acordo com o parágrafo 1º, “implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado”. (CADH, 1969)

Ainda sobre o artigo 12, o parágrafo 2º diz que “ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças”. (CADH, 1969)

O artigo 24 refere-se a igualdade perante lei, sem discriminação de qualquer natureza. (CADH, 1969)

E, por último, o artigo 25 refere-se à proteção judicial, para que haja a proteção à pessoa de atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (CADH, 1969)

Como se pode notar, muitos dos princípios e garantias presentes na Constituição Federal brasileira estão dispostos na Convenção Americana de Direitos Humanos, e por já terem sido destrinchados no tópico referente a Constituição, não foram aprofundados, apenas citados, para que não ocorresse uma repetição.

3.2.2 De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos

O artigo 2º da DUDH diz que toda pessoa tem capacidade para gozar de direitos e liberdades sem distinção de qualquer natureza. O artigo 3º diz que toda pessoa tem direito a vida e a segurança pessoal. O artigo 5º diz que “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, o que nos remete ao princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 6º versa sobre o reconhecimento da pessoa perante a lei. O artigo 7º versa sobre a igualdade de direitos, incluindo a proteção contra qualquer tipo de discriminação, o que nos remete ao princípio da isonomia.

O artigo 18 garante a liberdade de pensamento e religião e diz:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (DUDH, 1948)

Vale ressaltar que essa liberdade deve ocorrer sem discriminação, como institui o princípio da isonomia, presentes na CADH, na CF e na LEP.

Assim como na CADH, fica explícito que muitos dos princípios e garantias presentes na Constituição Federal brasileira estão dispostos na Declaração Universal de Direitos Humanos, e por isso não foram destrinchados, evitando assim, repetição.

3.2.3 De acordo com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

O §1º do art. 2º do PIDCP versa sobre o compromisso dos Estados Parte quanto ao respeito e garantia, sem qualquer forma de discriminação, de todos os indivíduos, remetendo ao princípio da isonomia citado anteriormente. (PIDCP, 1992)

O §3º do art. 2º versa sobre o comprometimento dos Estados Parte de garantir que i) todas as pessoas possuam um recurso ao qual recorrer sempre que seus direitos e liberdades tenham sido violados, mesmo que a violação tenha ocorrido por parte de pessoas em exercício de função oficial; ii) todas as pessoas que se utilizarem de tal recuso tenham determinados os seus direitos pela autoridade judiciária responsável; iii)o cumprimento das decisões de tal recurso. (PIDCP, 1992)

O art. 6º, §1º, versa sobre a inerência do direito à vida ao ser humano. O §2º do mesmo artigo versa sobre as hipóteses da aplicação da pena de morte nos países em que tal sanção não foi abolida. (PIDCP, 1992)

O art. 7º versa sobre a proibição de submissão de pessoas à tortura ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Versa ainda sobre experiências científicas em pessoas sem consentimento. (PIDCP, 1992)

O art. 8 e seus parágrafos versam sobre a proibição da submissão da pessoa à escravidão, servidão e à trabalhos forçados ou obrigatórios, entretanto, faz uma ressalva quanto a penas de trabalho forçado impostas por um tribunal competente. (PIDCP, 1992)

Vale ressaltar que nos casos em que sejam estipuladas penas de trabalho forçado, essas penas não podem ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, por consequência, não podem ferir os direitos humanos estabelecidos na CADH e na DUDH já citadas anteriormente.

Os §§ 1º e 2º do art. 9º versam sobre o direito à liberdade física e de informação quanto aos motivos da prisão, além do direito a segurança pessoal. O §3º versa sobre a audiência de custódia, fazendo jus ao princípio da celeridade processual. O §4º versa sobre o direito de recorrer da decisão proferida e do relaxamento da prisão irregular. (PIDCP, 1992)

O §1º do art. 10 versa sobre o tratamento humanitário e o a dignidade da pessoa humana. Os §§ 2º e 3º versam sobre a individualização da pena e sobre a triagem dos indivíduos. O §3º ainda versa sobre o objetivo do sistema prisional, que é a reforma e reabilitação dos prisioneiros. (PIDCP, 1992)

O art. 26 versa sobre o tratamento igualitário de todos perante a lei, assegurando que não haja discriminação de qualquer natureza, em especial as por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. (PIDCP, 1992)

Assim como as legislações analisadas anteriormente, o PIDCP versa sobre vários assuntos já analisados, por isso não foram analisados de forma aprofundada.

Findo o atual capítulo, a seguir iremos discutir os desrespeitos aos direitos e garantias dos indivíduos dentro do sistema prisional brasileiro.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Lynxana Aguiar

Advogada, atuante nas áreas cível e trabalhista; Assessora acadêmica, realizando orientação e correção de trabalhos acadêmicos; Especialista em Direito e Processo Penal pela ESA-PE em parceria com a Uninassau; Fui membro das Comissões de Direitos Humanos e Direito Penal da OAB/PE subseção Olinda e da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB/PE; Fui estagiária da FOCCA - Faculdade de Olinda, atuando na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem; Voluntária no TJPE, em mutirões de justiça e cidadania; Voluntária em projetos sociais realizados pela FOCCA - Faculdade de Olinda.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos