Contraposição entre as obras propedêuticas jurídicas de Kelsen e Duguit: teoria pura do direito e fundamentos do direito

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Esse trabalho busca mostrar alguns pontos da teoria do doutrinador, jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, como sua influência positivista no direito, e também da teoria do jurista francês Léon Duguit, além de compará-las e distingui-las.

RESUMO

A obra de Duguit – Fundamentos do Direito – é resenhada neste periódico com o intuito de comparação entre a de obra de Kelsen – Teoria Pura do Direito – que também é explanada. Usa-se uma linguagem menos técnica para que haja uma melhor compreensão e maior facilidade de leitura. Na obra de Duguit, é feito a divisão de cada um de seus capítulos abordando as principais definições, ideias e teorias neles expostas, de uma forma objetiva, absorvendo, assim, o melhor da obra. Na obra de Kelsen, é apresentada uma proposta semelhante à de seu comparativo, dividindo a resenha de acordo com os capítulos da obra. Enquanto Kelsen se preocupa em desenvolver uma obra voltada para a definição da ciência jurídica como objeto de norma jurídica positiva, Duguit vai de encontro a este pensamento criticando as formas tradicionais do pensamento jurídico em si, demonstrando que o homem é um ser social e que o Direito surge de forma plena, a partir da criação do Estado. Conclui-se que há uma fundamentação do Positivismo seguido de uma embasada crítica a essa teoria.

Palavras-chave: Fundamentos do Direito, Teoria Pura do Direito, Positivismo, Crítica.

 

ABSTRACT

The work of Duguit - Law Basics - is reviewed in this journal with the aim comparison between the work of Kelsen - Pure Theory of Law - which is also explained. It uses a less technical language so there is a better understanding and ease of reading. In the work of Duguit is made to split each of its chapters addressing the main settings, ideas and theories in them exposed in an objective manner, taking thus the better the work. In the work of Kelsen, a proposal similar to your comparison is given by dividing the review according to the chapters of the work. While Kelsen is concerned with developing a work focused on the definition of legal science as a positive legal norm object, Duguit goes against this thinking criticizing the traditional forms of legal thinking itself, demonstrating that man is a social being and that law comes fully, from the state's creation. We conclude that there is a foundation of Positivism followed by a critique grounded this theory.

Keywords: Law Fundamentals. Pure Theory of Law. Positivism. Critical.

1.    INTRODUÇÃO

Esse trabalho busca mostrar alguns pontos da teoria do doutrinador, jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, como sua influência positivista no direito, e também da teoria do jurista francês Léon Duguit, além de compará-las e distingui-las no que se diz respeito a determinados assuntos citados posteriormente. Nesse artigo acadêmico, observam-se principalmente os conceitos de direito objetivo e direito subjetivo de acordo com as visões dos juristas já citados.

2. MÉTODO

Neste artigo é usado o tipo de pesquisa bibliográfica para que haja a ampliação dos conhecimentos acerca de tal relação pelo intermédio das pesquisas e citações já feitas; é, ainda, utilizado o método dialético facilitando a assimilação das ideias já postuladas. . Dessa maneira, fundamentando-se numa leitura dessas fontes, tem-se a finalidade de mostrar as ideias e as diferenças de pensamentos dos grandes juristas Hans Kelsen e Léon Duguit.

 

{C}3.    FUNDAMENTOS DO DIREITO

A obra de Léon Duguit, Fundamentos do direito, discute-se acerca da diferenciação existente entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo, discorrendo sobre o fundamento do direito e afirma, ao longo do periódico, a inexistência da sociedade sem o direito.

Duguit apresenta tais temas:

3.1  Diferença entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo

Há a diferenciação, segundo a perspectiva de Duguit, entre a objetividade e subjetividade dentro do âmbito jurídico. Direito Objetivo designa os valores éticos que se exige dos indivíduos que vivem em sociedade. Direito Subjetivo constitui um poder do indivíduo que integra a sociedade, dessa forma, capacita o indivíduo ao alcance de seu desejo dentro das normas legais.

3.2 Há Estado sem Direito?

Neste capítulo é questionado a possível existência de uma sociedade sem a existência do direito. E se caso tal sociedade exista, quais seriam seus fundamentos para seu sustento? O conceito do que é direito só pôde ser concebido após a plena formação do Estado, logo, o surgimento do Direito é restritamente ligado à formulação de tal pelo Estado. Porém, deve-se reconhecer a existência de um Direito, que difere do já estabelecido, antes da criação do Estado como algo que regia a “sociedade”. Inúmeras doutrinas possuíam a pretensão de solucionar este questionamento, dentre elas, duas grandes tendências se fazem notáveis: 1ª – doutrina do “direito individual”; 2ª – doutrina do “direito social”.

3.3 Fundamentos do Direito Individual

Assume-se que o homem nasce “livre”, ou seja, desfruta o direito de desenvolver sua atividade física, intelectual e moral. Assim, subentende a igualdade dos homens, que não é verdadeiramente um direito, mas está nas bases do Estado. Por outro lado, conclui-se dela que o direito deve ser o mesmo em todos os tempos, nações e povos. Aos juristas cabe trabalhar a busca do ideal jurídico enquanto ao legislador cabe realiza-lo e sancioná-lo.

A partir dessa doutrina, tem-se como principal produto a “Declaração dos Direitos”, de 1789, citado nos artigos I, II e IV, por Duguit (2009, p.25):

Os homens nascem livres e iguais em direitos. A finalidade de qualquer associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem [...] o exercício dos direitos naturais de cada homem só tem por limites os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos.

Depreende-se disso uma obrigação de respeitar e nesse respeitar reside o próprio fundamento do direito, como regra social. A preservação dos direitos individuais de todos condiciona a uma limitação recíproca os direitos individuais com intuito de proteger os direitos gerais.

Nossas leis e códigos inspiram-se nesta doutrina, um grande exemplo é o artigo 5º de nossa Constituição Federal:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

Embora não perfeita, essa doutrina prestou imensos serviços. Limitou, pela primeira vez, o poder do Estado por meio do Direito.

 

3.4 Crítica da doutrina individualista

O homem natural, ou seja, enquanto ser isolado, separado de outros homens, seria investido de privilégios e direitos, que lhe cabem em virtude de sua natureza humana “por causa da eminente dignidade da pessoa humana”, na expressão de Henry Michel. O ser humano vive em sociedade e qualquer doutrina deve basear-se no indivíduo comprometido com os vínculos da solidariedade social. Afirmar que o Homem nasce livre e independente de outros homens, trata-se de uma abstração sem vínculo com a realidade vigente, haja vista que o ser humano nasce integrando uma coletividade. Partindo desse ponto, todas as doutrinas ou teoria conseguintes deveria considerar o homem como um ser natural e não mais como um ser isolado como imaginavam os filósofos do século XVIII. A igualdade absoluta é contraditória na prática, os homens devem ser tratados de modo diferente, porque são diferentes. O direito resulta da evolução humana, da adaptação às necessidades de um povo.

 

3.5 Fundamentos do direito social

Todas as doutrinas que consideram a validade de uma norma que se impõe ao homem enquanto ser social, derivando os seus direitos subjetivos das suas obrigações sociais. As doutrinas denominadas “direito sociais” deveriam ser chamadas “doutrinas socialistas”, em oposição às doutrinas individualistas acima consideradas e o autor deixa claro que empregou a expressão exclusivamente para designar a doutrina que fundamenta o direito no caráter social e nas obrigações sociais do indivíduo. Haja vista que a concepção socialista do direito tende a substituir na doutrina e até na jurisprudência a concepção individualista.

 

3.6 A solidariedade ou a interdependência social

Pressupõe-se o fato incontestável de que o homem vive em sociedade, sempre viveu e só pode viver em sociedade com seu semelhante. Admite-se, assim, que existência da sociedade é um fato primitivo e humano, e não, portanto, produto da vontade humana. Compreende que anseios não podem ser satisfeitos se não pela vida em comunidade. Mas, o homem procura sempre dirigir a sua solidariedade para os membros de um grupo determinado – primeiramente porque têm necessidades comuns e, em segundo lugar porque têm anseios e aptidões diferentes cuja satisfação efetiva-se pela troca de serviços recíprocos, relacionados exatamente ao emprego de suas aptidões. Com isso, o homem desenvolveu sua própria individualidade, tendo necessidades, tendências e aspirações próprias. Dessa forma, é subentendido que o homem só pode alcançar suas necessidades e objetivos embasado na sua relação com a sociedade em si e, assim, desenvolvendo a ciência de sua própria individualidade.

É desenvolvido laços de solidariedade entre si por dois motivos básicos. O primeiro reside nas necessidades comuns que há entre os homens e o segundo parte do princípio de que todos têm anseios e aptidões diferentes cuja satisfação reside no intercâmbio de serviços recíprocos. Estes motivos são conceituados de diferentes formas: o primeiro se trata de solidariedade “por semelhança” e o segundo definido como solidariedade “por divisão de trabalho. Ambos podem (e devem) coexistir para o aprimoramento da sociedade. Para a melhor compreensão deste capítulo em si, o autor cita a obra de Durkheim “Division du Travail Social” (1893) que determina, com primazia, a natureza íntima da solidariedade social e se obtêm conclusões que podem ser consideradas absolutas.

 

3.7 O direito fundado na solidariedade social

É imposto ao homem social não praticar nada que possa atentar contra a sua solidariedade social sob qualquer das formas e, em par com isso, realizar toda atividade propícia a desenvolvê-la organicamente. A partir disso, pode-se afirmar que a sociedade sobrevive por meio da solidariedade que une seus indivíduos. A tendência e o potencial, em cada um, são diferentes e por isso mesmo devem cooperar de maneira diferente na solidariedade social.

Sendo todo indivíduo obrigado pelo direito objetivo a cooperar na solidariedade social, resulta que ele tem o “direito” de praticar todos aqueles atos com os quais coopera na citada solidariedade, refutando, por outro lado, qualquer obstáculo à realização do papel social que lhe cabe.

 

3.8 Noção geral do Estado

Trabalhamos até aqui com uma sociedade hipotética sem política. Parece evidente que em quase todas as sociedades exigem obediência às suas determinações, fazendo uso da força quando julgam necessário. Nessas sociedades, reais, diga-se de passagem, sobressai uma autoridade política cuja natureza é sempre, em todos os lugares, irredutível. Caracterizadas pela diferenciação política ou até hierarquia, nas sociedades já citadas a autoridade política, cuja natureza tem forma irredutível, se sobressai.

No sentido mais amplo, a palavra “Estado designa toda sociedade humana em que percebemos diferenciação política entre governantes e governados, ou, segundo expressão consagrada: uma autoridade política, como já citado.

 

3.9 Origem do Estado

Se o poder da autoridade é legítimo e se lhe devemos obediência, por que sucede dessa forma? É uma questão muito controversa, sendo praticamente impossível esgota tal questão e igualmente difícil chegar a somente uma teoria e tê-la como correta ou única. Este poder não se legitima pela qualidade dos que o exercem, pela sua origem, mas pelo caráter provisório das coisas que ordena. Inúmeras são as doutrinas que versam sobre, mas podemos classifica-las em duas grandes: doutrinas “teocráticas” e doutrinas “democráticas”.

3.10 Doutrinas teocráticas

Pretendem legitimar o poder político de um indivíduo pela assunção de um poder divino, por forças sobrenaturais. Constituem elemento integrante na história do pensamento político. Podemos classificá-la, como fez Vareilles-Sommières em direito divino “sobrenatural” e direito divino “providencial”. Para melhor compreensão da questão, o autor cita uma parte deste direito divino: “Não é por uma manifestação natural da sua vontade que Deus determina o sujeito do poder, mas sim pela direção providencial dos acontecimentos e das vontades humanas”. Assim, deu-se a ideia de possível conciliação entre as forças humanas “limitadas” e as forças divinas “ilimitadas”, tendo a intervenção de um representante.

As “doutrinas do direito divino sobrenatural” consideram um poder superior (Deus) que teria criado não apenas o poder político, mas também designado à pessoa ou grupo de pessoas para exercê-lo. As “doutrinas do direito providencial” levam pela direção providencial dos acontecimentos e das vontades humanas; o poder emana só de Deus, mas os homens que o possuem encarnam esse poder para, guiados pela providência divina, governar.

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3.11 Doutrinas democráticas e crítica a elas

Determinam a origem do poder político na vontade coletiva da sociedade. Nem sempre são consideradas como doutrinas liberais, que por vezes são confundidas. Porém, segundo os autores citados no livro, Hobbes e Rousseau, acabam conduzindo a onipotência do poder político e à subjugação total do indivíduo. Podem ter algumas doutrinas democráticas até como uma forma republicana de governo.

O século XIX articulou-se principalmente sobre duas posturas políticas: o princípio de que todo poder emana do povo, e a criação de um Parlamento diretamente eleito pelo povo. A história contemporânea comprova o equívoco dessas posturas. Mediante o voto, criaram-se parlamentos contra o despotismo dos reis; devemos reconhecer agora o precário direito do indivíduo contra o despotismo dos parlamentos.

 “O princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação. Nenhum grupo e nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente dela”. “A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à nação; nenhuma facção do povo nem indivíduo algum pode atribuir-se o exercício dela”. Estes artigos foram retirados da Declaração dos Direitos de 1789 e da Constituição de 1791, ainda hoje condensam princípios do nosso direito político, expressando legitimidade quanto a esse princípio.

Admitindo que o poder político pertença à coletividade personificada, ainda assim não fica demonstrado que ele se mostra legítimo. O poder público, o poder de mandar, pertence a uma maioria que impõe a sua vontade a uma minoria. É, pois, razoável a defesa do princípio da soberania do povo, quando conduz com legitimidade ao sufrágio universal, embora isso não aconteça necessariamente. Assim, a Revolução se configurou como a retirada do “poder divino” para que a vontade do povo seja tida como poder absoluto.

O autor cita o sofisma de Rousseau: “cada um dando-se a todos não se dá a ninguém” e “quem se recuse a obedecer à vontade geral será coagido a isso por todo o grupo, o que não significa outra coisa além de que o obrigarão a ser livre” incutiu em muitos espíritos o equívoco que um povo conquista a sua liberdade no mesmo dia que proclama o princípio da soberania nacional e que o sufrágio universal e os seus eleitos podiam fazer tudo e impor sua vontade. Surge daí o despotismo das assembleias, contra o despotismo dos reis.

Portanto, a Revolução surgiu para proteger o indivíduo do absolutismo monárquico, fundado no direito divino dos reis. Tal propósito, após ser alcançado, não causou grandes mudanças, haja vista que a crise só aumentou enquanto a vontade ou soberania permanecia nas mãos da maioria. A injustiça é sempre injusta, seja ela praticada pelo povo, seus representantes ou por um príncipe.

3.12 Formação natural do Estado

O poder político consiste de uma evolução social. Em todos os países e em todos os tempos, em qualquer das modalidades de força, os mais fortes quiseram e conseguiram impor-se aos outros, sendo que tal imposição pode ser justificada por várias forças: força moral e religiosa força exclusivamente material, força intelectual ou força econômica. Dessa forma, a ideia de que o poder econômico era o único meio de chegar ao poder (postulada por Marx) era contradita de forma irrefutável, apesar de sempre ser tida como a “maior” força.

Fica claro, assim, que o direito democrático ou o direito teocrático são inconsistentes, haja vista que o direito divino e o direito do povo não se sobressaem, igualando-se no nível de legitimidade. Direito divino, vontade social, soberania nacional; todas constituem justificativas estabelecidas sobre sofismas com que os governantes iludem as pessoas a também a si mesmos para governar. A distinção positiva entre governantes e governados é a relação que se estabelece mediante ordens que são sancionadas por um constrangimento material e o monopólio que certo grupo faz desse poder coercitivo.

3.13 Fim e função do Estado

O estado não é conformado na ideia de que nenhuma instituição é capaz de impor sua vontade mor sem que suas bases estejam de acordo com as diretrizes do direito. Considerando o poder político fato legítimo, infere-se que as ordens desse poder são também legítimas quando se conformam com o direito. Sendo o fim do Estado essencialmente um fim de direito, os atos que venham a ser realizados devem estar classificados segundo o direito. Funções do Estado: a legislativa, a jurisdicional e a administrativa. Estas funções são responsáveis, respectivamente, por elaborar a lei, intervir nas ocasiões de violação do direito e consumar atos jurídicos. A função administrativa intervém nos limites do direito objetivo, criando situações jurídicas subjetivas ou efetiva providência, gerando, assim, uma situação legal ou objetiva.

3.14 Construção jurídica do Estado

Partindo da expressão “Estado de Direito” e da afirmação de que os homens que detêm do poder são submetidos ao direito e a ele ligados, s      urgiu a necessidade de edificar a construção jurídica do Estado, ou a teoria da “personalidade jurídica do Estado”. O Estado assume, então, a posição de sujeito de direito, tendo como elementos constituintes a coletividade, o território que ocupa e o governo que a representa.

Várias correntes versam sobre essa possível personalidade jurídica do Estado. Umas dizem ser inadmissível, dizem ser apenas suporte do poder público, concebido como direito subjetivo. Outras dizem que o Estado, ou a coletividade, constitui uma pessoa dotada de consciência e vontade.  Finalmente, de acordo com outra concepção, a personalidade do Estado não é uma ficção, mas também não se admite que seja concedida a um ser humano.

O conjunto de direitos e encargos configura um patrimônio cujo titular é o Estado. Discute-se o conceito de o Estado, pessoa jurídica patrimonial, o Estado-fisco, apresentar personalidade distinta do Estado enquanto sujeito de direito público.

Rejeitados os conceitos metafísicos de pessoa coletiva e soberania, compõe-se de seis elementos a instituição jurídica do Estado: coletividade social determinada; uma distinção nesta coletividade entre governantes e governados, sendo, os primeiros, governantes por possuírem maior força; a obrigação jurídica de assegurar a realização do direito; a obediência a toda regra geral, concebida pelos governantes para verificar ou aplicar a regra do direito; emprego legítimo da força, para sancionar todos os atos em conformidade com o direito; o caráter próprio de todas as instituições que asseguram o cumprimento do dever de governos ou serviços públicos.

A concepção de Estado-fato deve substituir a concepção de Estado-pessoa, do mesmo modo que Estado-pessoa substituiu Estado-patrimônio. Ou seja, as atribuições do estado assumem a posição de pessoa única, com poderes e obrigações de governante.

3.15 O Estado obrigado pelo direito

Dizer que o Estado sujeita-se ao direito significa, em primeiro plano, que o Estado legislador vê-se obrigado pelo direito a elaborar determinadas em leis em detrimento de outras. Em segundo, que o Estado, após conceber uma lei, e durante sua vigência, se sujeita a essa mesma lei. Nisto consiste o regime da “legalidade”.

Analisemos estas questões sob a doutrina dos direitos individuais naturais: o homem, devido à sua natureza humana, goza de certos direitos individuais anteriores à própria sociedade.

Título I, parágrafo 3º, da Constituição de 1791: “o poder legislativo não poderá fazer leis que signifiquem atentado ou obstáculo ao exercício dos direitos naturais e civis consignados no presente título e garantidos pela Constituição.”

O Estado, elaborando a lei, obriga-se a respeitá-la enquanto existir. Pode modificá-la, revogá-la, mas durante o tempo de sua vigência só pode agir no limite fixado pela mesma lei; e, ainda nesse sentido, constitui um “Estado de direito”.

3.16 O direito público e suas divisões

O direito público é o conjunto das regras aplicadas ao Estado e, em nossa doutrina, aos governantes e seus agentes, em suas relações recíprocas e com particulares. Traduz-se, primeiro, no exterior, pelo costume. Não foi o costume que o transformou em regra do direito, mas uma regra do direito que se manifesta pelo costume.

O costume, manifestação do direito público, aparece nas decisões, nas declarações formuladas, nas práticas estabelecidas durante certo tempo, por governantes ou seus representantes. O principal papel do Estado consiste em confirmar, em documento registrado, decretado e promulgado, a regra de direito. Muitas vezes a lei escrita trabalha para dar mais precisa expressão a uma regra consuetudinária, o que não impede que ela venha bater de frente com o que o direito costumeiro diz, em outras ocasiões.

O direito objetivo hoje constitui hoje certamente a “lei escrita”, tanto no direito público como no privado. Contudo, a lei escrita positiva não é todo o direito; não é todo direito público, como também não é todo direito privado.

Em primeiro lugar, encontramos o “direito público externo”, ou “direito internacional”, ou “direito das gentes”, abrangendo um conjunto de regras de direito aplicáveis aos Estados, nas relações que estabelecem entre si. Em segundo lugar, ao direito público “externo” opõe-se o “interno”, que abrange todas as regras aplicáveis a determinado Estado.

A primeira parte do direito público interno denomina-se “direito constitucional”, num sentido amplo do termo. A segunda parte é a atividade exterior dos governantes e dos que os representam. É vasta, esta segunda instância, pois os governantes devem assegurar os serviços públicos ao povo com ela.

Ao exercício da função administrativa corresponde ao “direito administrativo”, abrangendo o conjunto das regras aplicáveis aos efeitos dos atos administrativos, bem como aos serviços públicos. O alcance do direito administrativo é tão grande que ganhou subdivisões, pertinentes ao direito financeiro, ao direito industrial, e à legislação sobre assistência pública.

A última subdivisão do direito público corresponde à função jurisdicional. Esta parte do direito público compreende todas as regras que se aplicam à intervenção do Estado ao julgar em matéria civil e penal, constituindo dois braços das legislações modernas: o “direito processual” e o “direito criminal”, ambos objetos de disciplinas distintas, mas conjugadas no direito público.

3.17 O direito público e o direito privado

Opõe-se o direito “público” ao “privado”, que constitui o conjunto das regras consuetudinárias ou escritas, aplicáveis às relações dos particulares. A discussão é bastante antiga, remonta dos romanos, aliás.

O direito privado constitui um conjunto de regras aplicáveis a pessoas semelhantes, regras aplicáveis a pessoas semelhantes regras que perdem a aplicabilidade quando se pretende determinar relações de direito público. Sob nosso ponto de vista, os governantes são indivíduos semelhantes a quaisquer outros, também implicados nos laços de solidariedade social, e submetidos também à regra de direito.

Admite-se, então, que o direito privado baseia-se na “ordem” determinada pelo Estado a seus indivíduos, enquanto o direito público conhece como única fundamentação os limites estabelecidos pelo Estado por sua própria vontade ao poder público.

Considera-se ainda a natureza do ato jurídico público totalmente diferente da natureza do ato jurídico privado. Esse caráter particular apresenta-se, sobretudo, nos chamados atos de autoridade ou de poder público que não podem ter analogia no direito privado.

3.18 Conclusões a respeito da obra

Para que se possa ter uma finalização que não busque exaurir a temática, pode-se chegar às seguintes conclusões, por meio da obra de Duguit: o Direito atual, após eras de evolução através de Revoluções e ideias inovadoras, se embasa em distinguir o Direito Público do Direito Privado, sem que haja expansão de tal explanação para além de seus limites. Estudar ambos da mesma forma deve ser algo primordial, haja vista que suas respectivas leis e atos apresentam o mesmo fundamento, os mesmos elementos e o mesmo caráter.

4.   Para entender Kelsen

O método proposto por Kelsen é um método que se baseie exclusivamente na norma. Ao cientista do direito não cabe se preocupar com os fatores que levaram esta norma a ser feita. Estes fatores pertencem a outras ciências como a sociologia, a psicologia, filosofia, etc., mas não a ciência jurídica. Também não é função do cientista do direito o sistema de valores adotado ao ser feita uma norma, nem os valores envolvidos na sua aplicação. O objeto da ciência jurídica é o próprio direito, por isso deve a ciência jurídica investigar questões concernentes ao seu objeto. O método a ser utilizado deve buscar compreender o direito em si, retirando influências de outras análises. Para Kelsen apud COELHO (2001, p.3): “A pureza da ciência do direito, portanto, decorre da estrita definição de seu objeto (corte epistemológico) e de sua neutralidade (corte axiológico)”. Na obra sobre Kelsen, Fábio Ulhoa Coelho aborda os seguintes conceitos:

          

           4.1 Positivismo

Para a teoria pura, toda e qualquer ordem jurídica positiva é válida. Kelsen dá valor apenas ao conteúdo normativo, diz que a função da ciência jurídica é descrever a ordem jurídica, não legitimá-la.  No inicio de sua obra, COELHO (2001, p.1) inaugura afirmando:


A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo - do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito. Quando a si própria se designa como pura teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

4.2 . Norma jurídica e proposição jurídica

Sinteticamente, podemos dizer que a norma jurídica emana da autoridade competente, enquanto a proposição jurídica procede de estudiosos, que dão seus pareceres a respeito de determinadas normas como certa ou errada, justa ou injusta e assim por diante. A norma é caracterizada como válida ou inválida, enquanto a proposição é verdadeira ou falsa.

4.3 Norma hipotética fundamental

Toda norma tem sua validade ligada em outra norma hierarquicamente superior. Entretanto, a sua última instância chega-se sempre a Constituição, e onde buscaria a Constituição sua validade? A resposta é: na Norma Hipotética Fundamental – uma ficção kelseniana para calar o regresso “ad eternum” que dessa busca de validade decorreria. KELSEN (2000, p. 233):


Como já notamos, a norma que representa o fundamento de validade de outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm). Já para ela tivemos de remeter a outro propósito

4.4 Sistema estático e dinâmico

O sistema estático compreende as normas jurídicas como reguladoras da conduta humana. Os temas abordados por este sistema são “(…) a sanção, o ilícito, o dever, a responsabilidade, direitos subjetivos, capacidade, pessoa jurídica, etc. (…).” (KELSEN apud COELHO, 2001, p.4). Para Kelsen, o sistema jurídico é essencialmente dinâmico, ele adota a perspectiva de estudo da norma em seu processo de produção e aplicação da norma. Os temas tangidos pela teoria dinâmica dizem respeito a “(…) validade, unidade lógica da ordem jurídica, o fundamento último do direito, as lacunas, etc.” (KELSEN apud COELHO, 2001, p.4).

 

4.5 Estrutura da norma jurídica

Para Kelsen todas as normas jurídicas, mesmo as mais abstratas resumem-se nesta tríade. “Toda a norma jurídica pode ser compreendida como a imposição de uma sanção à conduta nela considerada.” (KELSEN apud COELHO, 2001, p.22). Também, vale a pena ressaltar que a norma jurídica tem caráter impositivo, cogente.

 

4.6 Validade, vigência e eficácia.

Analisando a norma jurídica Kelsen distingue a vigência da eficácia da norma e ele determina que a vigência é a existência especifica da norma, ou seja sua existência no plano espacial e temporal e no caso a eficácia é o fato de ela ser ou não aplicada. Porém o próprio Kelsen é forçado a reconhecer que existe entre ambas certa conexão e que a eficácia é, nesta medida condição de vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua vigência.

-A validade tem relação com a entrada da norma no ordenamento jurídico, ou seja, uma norma será válida quando não contradisser a norma superior e tenha ingressado no ordenamento atendendo ao processo legislativo pré-estipulado. Se atender a este fator há a necessidade de a norma possuir um mínimo de eficácia. Validade e eficácia se identificam, complementam-se, entretanto não são sinônimos. Para que a norma seja válida são necessários três requisitos: competência da autoridade proponente da norma; mínimo de eficácia; eficácia do ordenamento do qual a norma é componente.

4.7 Sanção

É a consequência normativa da violação do preceito primário. Kelsen entende o Direito como ordem social coativa, impositiva de sanções. É justamente na coação que a norma jurídica difere-se da norma moral. (KELSEN apud COELHO, 2001, p. 37):

-Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é, a circunstancia de que o ato estatuído pela ordem como consequência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executada mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência -  mediante o emprego de força física, é o critério decisivo.

 

4.8 Normas válidas ou não válidas

As normas são válidas ou não válidas, dessa forma não devem ser classificadas como verdadeiras ou falsas por isso para Kelsen os conflitos entre normas se resolvem pela hierarquia; pela data da edição, lex posteriori derrogat priori; ambas normas são válidas (usa-se uma parte de cada norma).

{C}5.    DIFERENÇA DE PENSAMENTOS:

A respeito das diferenças entre Hans Kelsen e Léon Duguit, falaremos sobre a existência do direito subjetivo, onde o objetivismo de Kelsen afirma que o direito subjetivo tem sua gênese no direito objetivo, e as declarações de Léon Duguit ao defender a idéia de que o direito corresponde a uma situação jurídica subjetiva.

Tanto Léon Duguit como Hans Kelsen nega a existência do direito subjetivo, porém seus argumentos se diferem um do outro. Duguit defende que o indivíduo não detém um poder de comando sobre outro indivíduo ou sobre membros do grupo social, ou seja, somente o direito objetivo, para ele, poderá dirigir o comportamento dos membros de uma sociedade. Dessa forma, substitui o conceito de direito subjetivo pelo de "Situação Jurídica Subjetiva".  Assim, “estabelecido o direito objetivo na solidariedade social, o direito ‘subjetivo’ daí deriva, direta e logicamente” (DUIGUIT, 2009, p. 47).

Assim sendo, os direitos do homem em sociedade não são prerrogativas derivadas da sua natureza humana, mas sim “poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, tem obrigações a cumprir e precisa ter o poder de cumpri-las”. (DUIGUIT, 2009, p. 47).

Complementando, DUGUIT (2009, p.47):

 Não são os direitos naturais, individuais, imprescritíveis do homem que fundamentam a regra de direito imposta aos homens em sociedade. Mas, ao contrário, porque existe uma regra de direito que obriga cada homem a desempenhar determinado papel social, é que cada homem goza de direitos – direitos que têm assim, por princípio e limites, o desempenho a que estão sujeitos.

Contudo, Kelsen defende que o direito subjetivo é apenas uma expressão do dever jurídico e que a função básica das normas jurídicas é a de impor o dever e o poder de agir. Para Kelsen, o direito subjetivo não é algo distinto do direito objetivo, é o direito objetivo mesmo, de vez que quando se dirige, com a consequência jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto, impõe um dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma faculdade. Ainda, ressalta que a clássica dicotomia entre direito subjetivo e dever jurídico gera uma falsa noção de que existem duas situações jurídicas relevantes, quando na realidade só uma existe, uma vez que o direito do indivíduo é apenas um reflexo do dever do outro (KELSEN, 2000, p. 142-143).

Sendo assim, conclui Kelsen (2000, p. 153):

A essência do direito subjetivo no sentido técnico específico, direito subjetivo este característico do direito privado, reside, pois, no fato de que a ordem jurídica conferir a um indivíduo, não caracterizado como “órgão” da comunidade, designado na teoria tradicional como “pessoa privada” – normalmente ao indivíduo em face do qual outro é obrigado a uma determinada conduta – o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento deste dever, quer dizer, de por em movimento o processo que leva ao estabelecimento da decisão judicial em que se estatui uma sanção concreta como reação contra a violação do dever.

A teoria pura do direito, portanto, pretende se afastar do dualismo entre direito subjetivo/direito objetivo, considerando o conceito de sujeito jurídico como a personificação de um complexo de normas jurídicas. Desta forma, Kelsen busca restringir o dever e o direito subjetivo “à norma jurídica que liga uma sanção a determinada conduta de um indivíduo e ao tornar a execução de sanção dependente de uma ação judicial a tal fim dirigida” (KELSEN, 2000, p. 213). Em síntese, a teoria pura do direito reconduz “o chamado direito em sentido subjetivo ao direito objetivo” (KELSEN, 2000, p. 213).

 

CONCLUSÃO

Portanto, pode-se concluir que os dois juristas, sem dúvidas, trouxeram importantes conceitos, doutrinas e teorias para o Direito. Os enunciados de Duguit constituem verdadeiro marco no campo do Direito de Estado, Direito Público e mais especificamente do Direito Administrativo, tendo ainda importância fundamental nos primórdios do estabelecimento teórico do chamado Estado Social. Talvez o mais marcante em sua visão seja a plena consciência da necessidade imperiosa de se alcançar a solidariedade social, fato que mesmo o neoliberalismo não pode ignorar. Kelsen deu um caráter definitivo ao positivismo e desqualificou o jus naturalismo, transformando-se no alvo preferido das teorias críticas do direito.

Todavia, mesmo negando o direito subjetivo, Kelsen e Duguit não conseguem se afastar da noção de que existe um aspecto individual do jurídico. Portanto, somente propõem uma visão distinta para a mesma circunstância de poder ou faculdade do indivíduo, atribuído pelo direito positivo e não pela natureza.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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