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Da inexistência do crime de poluição sonora

12/10/2005 às 00:00
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Com o advento da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, normatizou o legislador ordinário a proteção ao meio ambiente pretendida pelo constituinte no art. 225 da Constituição Federal de 1988.

Contudo, como toda inovação legislativa, não lhe faltaram críticas arrazoadas, considerações acerca de suas incongruências, falhas ou defeitos que possam desmerecer e inculpar o conjunto posto a lume.

O tema que ora se propõe a debater tem origem no veto presidencial ao art. 59 do projeto de Lei que deu origem à norma acima citada e que vem gerando uma série de discussões acerca da tipificação penal da conduta daqueles que exercem atividades que gerem poluição sonora.

O artigo suprimido (art. 59) criava um tipo penal específico para poluição sonora, descrevendo a seguinte conduta típica e sua cominação legal: "Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades: Pena – detenção, de três meses a um ano e multa".

Com o veto presidencial ao artigo, fundamentado na ausência de proporcionalidade, por prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, e na existência de dispositivo correlato mais adequado na Lei de Contravenções Penais (art. 42 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941), buscaram alguns aplicadores do Direito enquadrar a conduta que estaria prevista no dispositivo vetado no tipo mais abrangente descrito no art. 54 da Lei nº 9.605/98, cujo caput possui a seguinte redação: "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa".

Tal interpretação extensiva, provocada por um alargamento da abrangência do delito previsto no art. 54 para abarcar também fatos relacionados à poluição sonora, mostra-se amplamente inadmissível pois fere o princípio da legalidade, implica analogia contra o réu e denota um abuso contra as liberdades individuais dos cidadãos, manifestando-se como mais uma expressão daqueles que têm ânsia por regular a sociedade sob a força do autoritarismo.

Tal afirmação se baseia no fato de que a criminalização de condutas deriva de um critério exclusivamente político do legislador a quem compete, diante da nocividade da conduta à sociedade, em determinada época, erigir o comportamento à condição de crime, imputando-lhe a pena correspondente. Por seu turno, tendo em vista o caráter subsidiário do Direito Penal que é a ultima ratio, o qual a sociedade só deve socorrer-se em casos cujos valores ofendidos sejam essencialmente relevantes, a análise dos seus institutos passará sempre pela definição de sua necessidade para o controle dos desvios sociais.

Por tal excelente razão, o princípio da legalidade insculpido no art. 5º, inc. XXXIX da Constituição Federal, bem como no art. 1º do Código Penal, reza que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;". Explica o professor Rogério Greco que "É o princípio da legalidade, sem dúvida alguma, o mais importante do Direito Penal. (...) Por intermédio da Lei, existe a segurança jurídica do cidadão de não ser punido se não houver previsão legal criando o tipo incriminador" (In: Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2002, p. 90).

Ora, se o dispositivo que especificamente tratava do delito de poluição sonora (art. 59) na Lei nº 9.605/98 recebeu veto presidencial, não existe fato típico previsto no ordenamento jurídico pátrio envolvendo tal conduta, ainda mais quando, nas razões do veto, ficou claro que ele se deu porque já existe na Lei de Contravenções Penais tipificação mais apropriada para o delito em comento.

Tentar abarcar a conduta prevista no dispositivo vetado no tipo abrangente do art. 54 da Lei 9.605/98 ainda incide em outro erro posto que se estaria buscando na interpretação analógica extensiva de um tipo vago, extremamente criticado por ferir o princípio nullum crimen nulla poena sine lege certa, o enquadramento de uma conduta que o próprio Estado ao legislar quis expressamente deixar a lacuna, descriminalizando-a pelo veto presidencial.

Se tudo isso não bastasse, o tipo vetado cominava à conduta de produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades, a pena de detenção, de três meses a um ano e multa, enquanto o dispositivo do art. 54 da Lei nº 9.605/98 impõe pena muito mais severa, qual seja: reclusão, de um a quatro anos, e multa, demonstrando-se cabalmente o absurdo que se teria ao aplicar esse dispositivo à conduta cujo tipo foi vetado, pois, além de se ferir o princípio da legalidade, além de se utilizar da analogia in malam parte, ainda estar-se-ia recrudescendo a pena de um delito para o qual o legislador já havia, de acordo com os valores da sociedade, estipulado sanção bem menos gravosa.

Com isso, não se tem por objeto neste curto artigo fazer um libelo em defesa da poluição sonora, posto que são notórios os problemas sociais decorrentes de tal fato, todavia, enquanto não existir um tipo penal específico regulando a conduta, cuja descrição cuide dos níveis de decibéis permitidos e proibidos, tratando da reiteração da conduta, bem como da potencialidade lesiva da poluição sonora à saúde, impõe-se concluir que inexiste no direito penal pátrio crime de poluição sonora, restando aos incomodados recorrer ao art. 42 da Lei de Contravenções Penais, ou valer-se de ações cominatórias, no âmbito cível, visando impor ao perturbador uma obrigação de não-fazer.

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Pensar diferente é ser conivente com as "autoridades" que saem às ruas fechando malas de automóveis, impondo toque de recolher às dez horas da noite, ou até mesmo querendo calar os sinos de Igrejas, ensinando a todos, dessa forma, como não ser cidadão, restringindo em demasia as liberdades individuais e disseminando a insipiente frase de que o direito de um acaba quando o do outro começa.

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Sobre o autor
Paulo Luciano Maia Marques

Juiz de Direito Titular do Juizado Especial Criminal de Mossoró/RN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Paulo Luciano Maia. Da inexistência do crime de poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 831, 12 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7413. Acesso em: 22 dez. 2024.

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