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Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre

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11/08/2019 às 13:30
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3. A INFLUÊNCIA DA ALIENAÇÃO MIDIÁTICA

De início, é imprescindível falar que a profissão de policial por si só já apresenta uma aura de honra, orgulho, determinação e sacrifício. Porém, infelizmente, a atividade deste é veiculada nos meios de comunicação de uma forma negativa, pela violência e truculência da ação, pelas condutas amorais, resultando em uma imagem desvalorizada da força policial em geral.

Resumindo, a imprensa “desrespeita quem põe a própria vida em risco” [4] e cria uma alienação midiática, de forma negativa, que transforma os policias nos “vilões” e faz com que estes fiquem mal vistos perante a sociedade brasileira. Isto influencia diretamente nos números absurdos de criminalidade, pois a cultura criminal é criada e disseminada pela mídia brasileira, que passou a estimular, literalmente, em verso e prosa o crime e a sua subcultura.

Em síntese, a sociedade não vê os policiais com bons olhos, o policial acaba sendo tratado igual a “bandido” e a mídia só repercute os episódios desastrosos que denigrem a imagem dos policiais. Não se pode permitir tal situação, é incabível que seja criada uma visão negativa dos agentes em cima do conteúdo divulgado pela mídia, ou seja, não se pode permitir que a alienação crie um “status” destes agentes públicos que buscam, todos os dias, defender a sociedade.

Em estudo feito por Kaariainen e Sirén (2011, p. 67), observa-se que existem duas formas de enxergar a confiança nas instituições policiais, quais sejam, a abordagem instrumental, que se resume na avaliação, feita pelos cidadãos, da utilidade da instituição policial em atender às expectativas da sociedade; e a abordagem procedimental, que gera uma confiança decorrente da observação das atitudes tomadas pelos agentes, se elas são justas e éticas.

Assim, em uma situação em que a mídia apenas divulga os episódios desastrosos da polícia, não tem como a sociedade confiar plenamente no trabalho exercido pelos militares, pois passam a se sentir inseguros com a própria segurança pública do país.

Dessa forma, percebe-se que, além de serem odiados pelos criminosos, os policiais não são amados pela sociedade, o que, de fato, repercute diretamente no quantitativo numérico dos índices de mortalidade decorrente de atividade policial, seja como vítima ou algoz.

A sociedade, ao desacreditar dos policiais, não confia na capacidade deles e apresenta uma menor tendência em contatar a polícia ao presenciar a prática de um crime, o que, de fato, impede que esta realize o seu trabalho de reprimir a criminalidade. Para evitar tal ciclo vicioso, deve-se entender que “cobrar uma conduta legal por parte do aparelho policial também é uma função da sociedade”. Dessa forma, é importante frisar que o apoio da população é evidentemente necessário a uma efetiva realização da atividade policial.

Infelizmente, o policial é desconsiderado como sujeito, ou seja, a polícia e os policiais aparecem “apassivados” diante de um jogo de poder mais essencial que somente eles poderiam executar, ignora-se que compartilham sentimentos de pertencimento e identificação, valores e crenças comuns à profissão que escolheram e apenas levam em consideração o fato de que são instrumentos utilizados para garantir a segurança pública do país. Enfim, a sociedade precisa entender que o policial também é considerado cidadão e que apenas está cumprindo o seu dever.

Fora o exposto, sabe-se que a carreira encontra-se relacionada ao crescimento profissional, já a vocação, encontra-se relacionada ao prazer em realizar um trabalho socialmente útil. Porém, ao se deparar com a desvalorização do trabalho policial por parte da sociedade brasileira, o agente passa a conviver com um sentimento de desapontamento, pesar, angústia, desespero e sofrimento, bem como com a perda do lazer e do prazer em exercer a sua profissão.

Assim, segundo a pesquisa feita por Mills (1976), o trabalho, ao logo da história da humanidade, está mais relacionado com a pena e com o sofrimento do que com o prazer.

Isto posto, percebe-se que, no contexto contemporâneo, o crescimento das instituições, ocasionado pela revolução tecnológica, resulta em instabilidade social e aprofunda as desigualdades econômicas, fazendo prevalecer a lógica do capital sobre a força humana de trabalho. Tal situação resulta em um grande desafio ao trabalhador para que prospere em condições instáveis e fragmentadas. É o que acontece com os policiais brasileiros, que são obrigados a conviver com frustrações diárias.


4. A FALTA DE UMA GESTÃO GOVERNAMENTAL

 Ab initio, imprescindível falar acerca do conceito de governança, esta compreendida como a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país, visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções.

Em síntese, observa-se que o Estado não é o único responsável pela política pública, há uma pluralidade de interesses em disputa e que precisam ser administrados. Devido a isso, há uma falta de gestão governamental necessária ao controle da atividade policial.

Analisando-se o art.144 da Constituição Federal de 1988, observa-se que este explana que segurança é uma responsabilidade de todos. Além disso, verifica-se, na própria Carta Magna, o exposto no art. 5º, que diz que segurança é uma condição basilar para o exercício da cidadania, e que, conforme o art. 6º, é um direito social universal de todos os brasileiros. Infelizmente, tais direitos constitucionais não são respeitados.

Pois bem, o trabalho policial é relacionado com as atividades do Estado, voltadas à segurança e tranquilidade públicas. Devido ao fato do Estado não poder agir diretamente para controlar a sociedade, este utiliza a polícia como instrumento para legitimar a sua autoridade.

Nessa situação, sabe-se que, de fato, não são oferecidas condições estáveis de trabalho, o que impede o crescimento da força policial, pois, em decorrência de tal situação, há o sofrimento vivenciado pelo funcionário público. Em síntese, após diversas experiências dolorosas, as quais são geradas através de péssimas condições de trabalho, desvalorização constante pela sociedade e falta de preparação técnica oferecida pelo Estado, há um sentimento de angústia, medo e insegurança, bem como uma sensação de impotência e incapacidade.

Em decorrência da presente situação, esta concomitante aos riscos e perigos cotidianos da profissão, a integridade física e mental dos membros da força policial fica sujeita á riscos, o que, de fato, causa tensões, transtornos à saúde e outras consequências, como homicídios e suicídios.

Dessa forma, percebe-se que os altos números de letalidade policial e vitimização estão diretamente ligados às condições de trabalho do policial, principalmente com relação à sua saúde mental que, infelizmente, não é tratada como prioridade pelo Estado.

As condições de trabalho são precárias, seja em termos materiais como na organização e gestão do trabalho. As viaturas não têm a devida manutenção, as delegacias estão caindo aos pedaços e há um número insuficiente de viaturas para a realização da atividade policial. Em suma, observa-se que o próprio governo apresenta interesses escusos, pois apenas se preocupa, às vezes, em equipar a polícia, ignorando a qualidade de trabalho da mesma.

Em entrevista realizada pela Revista Brasileira de Segurança Pública, foi dito o seguinte:

Muitas vezes tiramos dinheiro do bolso para poder arrumar alguma coisa que necessita de rápida manutenção. 

Assim, em meio a tal situação, juntamente a uma sociedade que não vê a polícia com bons olhos e nem a valoriza, bem como diante de uma legislação que beneficia mais o criminoso do que a polícia, há uma grande insatisfação e a carreira policial deixa de ser atrativa, pois, atualmente e infelizmente, encontra-se abandonada e sem perspectiva de crescimento.

Muitos policiais dizem que o trabalho policial é uma ilusão e que apenas “enxugam o gelo”, pois o próprio governo ilude a população com falsas estatísticas, fazendo marketing com entrega de viaturas e armas, mesmo sabendo que estas não são suficientes para combater, de forma efetiva, a criminalidade do país.

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Em entrevista realizada pela Revista Brasileira de Segurança Pública, foi dito o seguinte:

O atendimento ao público virou mero serviço de registro notorial, muitas vezes, e na maioria delas, registrando fato que não têm relação com o serviço policial, pobre do público que não sabe que o papel que estão levando para casa de nada vai lhe servir, já que a polícia não tem poder legal.

Em resumo, toda a tragédia brasileira relacionada à criminalidade advém da falta de política pública de segurança. Com essa falta, as decisões, em situações de urgência, ficam limitadas ao policial da ponta, este que, muitas vezes, acaba tomando a decisão errada por falta de capacitação técnica, por falta de uma gestão governamental que não prepara seus profissionais. Assim, percebe-se o porquê dos grandes números de letalidade policial e vitimização. Um policial mal preparado, não exerce sua função de forma correta e acaba arriscando a sua vida e de seus semelhantes.

Infelizmente, a crítica, quando é feita, é para o dedo que aperta o gatilho, seja esse dedo do policial ou do criminoso. Não se enxerga a ausência de políticas públicas por trás de toda a situação. Não se enxerga a falta de gestão governamental.

Para um conhecimento mais aprofundado do assunto, faz-se necessária a análise de como funciona o ciclo da polícia. De início, quando há a prática de um crime, ou a iminência deste, há uma ação ostensiva e de manutenção da ordem pública, esta que se caracteriza pelo patrulhamento e pela presença preventiva/repressiva dos policiais no cotidiano da sociedade. Após isso, em situações de deflagração dos crimes, há uma ação de investigação, esta que, no Brasil, é exercida pela Polícia Civil. Por fim, há a apreciação do judiciário.

Em meio a toda a situação citada, sabe-se que as ações tomadas pelos policiais são negligenciadas no campo técnico-científico, pois não há um apoio efetivo do governo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, observa-se que a saúde do policial, enquanto trabalhador, não tem recebido a atenção merecida, assim como o risco e a vitimização dos policiais. Além disso, percebe-se que a opinião pública, sobre o trabalho policial, é extremamente negativa, o que, de fato, gera um sofrimento no trabalho por falta de reconhecimento social. É explícito que as condições de trabalho são precárias e que os policiais são vítimas do desempenho de suas próprias atividades.      

Percebe-se a necessidade de se modernizar a área da segurança brasileira e de pacificar o Brasil. Dessa forma, é imprescindível que haja um sistema integrado e coordenado que seja capaz de criar mecanismos de governança capazes de articular a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Além disso, é importante a existência de um comprometimento por parte do Judiciário e do Ministério Público, que poderiam propor outros padrões de atuação, como a efetiva aplicação da lei brasileira, deixando de considerar o policial como o verdadeiro criminoso.

Por fim, sabe-se que, de fato, é necessário que a polícia esteja interessada na avaliação feita pela sociedade acerca da qualidade de seu trabalho, pois tal análise encontra-se diretamente ligada à imagem da polícia. Cobrar uma conduta legal por parte do aparelho policial também é uma função da sociedade, assim, caso a sociedade tenha uma má visão da polícia, não irá confiar no trabalho policial e, consequentemente, não irá acioná-la quando for necessário, o que, de fato, faz com que o número da criminalidade só aumente. Dessa forma, percebe-se a existência de um ciclo vicioso que deve ser modificado.

Os policiais atribuem ao trabalho o significado de heroísmo, dignidade e honra, mas, ao mesmo tempo, sentem-se envergonhados, pois trabalhar como policial é viver com medo, em perigo e colocar-se em risco. São reconhecidos, em parte, pelo que fazem, porém, sentem-se também amaldiçoados pela população, pela imprensa e pelas instituições. Sentem-se parte de uma família unida, no entanto, percebem o ambiente de trabalho como hostil, tenso, hipócrita, cheio de inseguranças e riscos. Além disso, sentem que fazem o papel de lixeiro social, enxugam o gelo, vivem de ilusão e sentem-se ludibriados por seus empregadores.

A presente situação precisa mudar! A segurança pública é essencial ao país. Em síntese, há uma relação de dependência entre o policial e a sociedade, um necessita do outro para viver de forma tranquila e em paz.

Dessa forma, para mudar o atual cenário brasileiro, em que a polícia e a sociedade espelham violência um no outro, é imprescindível que hajam medidas políticas que tenham como base três pilares: 1) a indução de políticas efetivas, capazes de combater efetivamente a criminalidade do país; 2) a capacitação dos entes federados, para que estes tenham a efetiva condução para cuidar da gestão pública e, consequentemente, conduzir a atividade policial de forma à, no mínimo, evitar os altos índices de letalidade policial; 3) e o financiamento para a mudança do equilíbrio perverso da segurança pública.  

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Sobre a autora
Olga Câmara

Bom relacionamento interpessoal, com excelente capacidade na execução de tarefas, sempre buscando pela irresignação e resolução de problemas, assumindo riscos e responsabilidades, focada em atingir indicadores e metas. Pós-graduanda em Penal e Processo Penal pela Escola Superior dos Advogados- ESA/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Olga. Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5884, 11 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74146. Acesso em: 5 nov. 2024.

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