4 - CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO DE PENA NOS CASOS DE CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Nos crimes contra a dignidade sexual, previstos nos capítulos I e II, do título VI, do Código Penal, as agravantes são previstas no artigo 226, do mesmo Código, como se observa a seguir:
Art. 226. A pena é aumentada:
I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
O inciso I, do respectivo artigo faz menção ao crime sexual cometido pelo concurso de duas ou mais pessoas, pelo fato de que tal situação proporciona danos, riscos, dificulta a defesa e expõe a vítima a um perigo maior.
Cumpre ressaltar de que a aplicação cabe em casos de co-autoria[16], como se observa no caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina [17]:
APELAÇÕES CRIMINAIS. ANTIGOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO PRATICADO POR PAI CONTRA FILHA (ART. 213 C/C ART. 226, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PAI QUE CEDE A FILHA AO AMIGO (ART. 213 C/C ART. 226, I, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO FEITO POR ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EVIDENCIADO O CONFLITO DE INTERESSES ENTRE A VÍTIMA E SEUS GENITORES. PAI QUE CEDE A FILHA AO AMIGO. MÃE DETENTORA DE DEBILIDADE MENTAL. AUSÊNCIA TOTAL DE PROTEÇÃO DA MENOR. INSTAURAÇÃO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA PELA CONSELHEIRA TUTELAR. ENTENDIMENTO DA CÂMARA NO SENTIDO DE QUE QUALQUER PESSOA QUE SEJA RESPONSÁVEL PELA VÍTIMA, MESMO QUE MOMENTANEAMENTE, PODE REPRESENTÁ-LA. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL VÁLIDA. CRIME COMETIDO EM COAUTORIA COM O GENITOR. ABUSO DE PÁTRIO PODER QUE TORNA A AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA. MANIFESTO CONFLITO DE INTERESSES QUE LEGITIMA O MINISTÉRIO PÚBLICO, DEFENSOR DE DIREITOS INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS, A PROPOR A AÇÃO PENAL. PREFACIAL RECHAÇADA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA FIRME E COERENTE EM TODAS AS FASES DO PROCESSO. VÍTIMA PORTADORA DE RETARDO MENTAL LEVE, ATESTADO POR LAUDO PERICIAL. DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO UNÍSSONOS. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. ÉDITO CONDENATÓRIO MANTIDO. SENTENÇA IRREPARÁVEL. ALMEJADO AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 9º DA LEI N. 8.072/1990 E CONSEQUENTE RETROATIVIDADE DO ART. 217-ADO CÓDIGO PENAL, POR SE MOSTRAR MAIS BENÉFICO. ACOLHIMENTO. REPRIMENDAS ADEQUADAS. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS COMETIDOS EM DIFERENTES CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MODO DE EXECUÇÃO. AFASTAMENTO DA ALEGAÇÃO. PRETENDIDO REGIME SEMIABERTO PARA RESGATE DA REPRIMENDA. NÃO CABIMENTO. DELITO QUE SE INSERE NO ROL DOS CRIME HEDIONDOS. QUANTUM DA PENA QUE RECOMENDA O REGIME INICIAL FECHADO. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (destaquei)
Sendo assim, observa-se que responde por tal majorante não só aquele que participa do crime em si, mas também aquele que permite, dispõe, colabora com a instigação, planeja, aconselha, etc [18].
O aumento de pena previsto no respectivo inciso é de um quarto da pena.
Com relação ao inciso II, do art. 226, do Código Penal, este aborda a violência sexual cometida por ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela. [19]
Como se nota, no geral, este inciso se refere à pessoa que utiliza de sua autoridade e/ou profissão, no caso do médico preceptor, para abusar sexualmente da vítima.
O aumento de pena é previsto, pois o fato configura quebra do laço de confiança, subordinação da vítima perante o autor do delito, uma ofensa à moral e acarreta maior alarma social. [20]
Cabe destacar que o referido item não trata apenas da relação familiar entre os envolvidos no crime de estupro, mas também do tutor, curador, empregador e preceptor, como já mencionado anteriormente.
Entretanto, em relação ao abuso intrafamiliar, este será mais bem abordado no capítulo seguinte.
5 - O AUMENTO DE PENA NOS CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO FAMILIAR
Como se sabe, o abuso sexual infantil no ambiente intrafamiliar é mais frequente do que as demais violências sexuais existentes em nosso ordenamento jurídico. Tudo se deve à facilidade da consumação do referido crime, em razão da autoridade que o agressor exerce sobre a vítima, o que, consequentemente, dificulta a ação do judiciário em processar e julgar o sujeito ativo da questão.
Acerca do assunto, observa-se o entendimento de AZAMBUJA[21]:
(...) a violência sexual intrafamiliar é a que vem revestida de maior complexidade para a prevenção, o diagnostico e o tratamento, quer porque o abusador é pessoa das relações familiares da vítima, quer porque afronta importantes regras do convívio sociocultural, quer porque escassas são as políticas públicas voltadas a família, quer porque poucos são os casos notificados, se comparados com o número real de ocorrências.
Pelo fato do infrator ou infratora fazer parte do ambiente familiar e, pela vítima ser menor de 14 anos, há certa dificuldade em extrair informações acerca do crime, como observado na maioria dos casos perante o Juízo Comum.
É de ser revelado, que muitas vezes, a vítima sofre ameaças, eis que o agressor dita punições para que a mesma deixe de divulgar o fato ocorrido. Assim, pode-se dizer que a ocorrência de casos de violência sexual infantil no âmbito familiar é bem maior na prática do que os constantes no sistema judiciário.
Em razão a esta quebra de confiança, a lei preceitua o aumento de metade da pena como forma severa de punir àquele que se utiliza da condição de confiança da relação parental para cometer crime contra a dignidade sexual do individuo.
Convém esclarecer, outrossim, que com a aplicação do inciso II, do Art. 226, do Código Penal, deixa-se de se aplicar o disposto no Art. 61, inciso II, alínea ee f, do Código Penal, que se refere às agravantes genéricas, diante do princípio non bis in idem.[22]
Assim, tem-se que a lei é rigorosa quando se trata de violência sexual infantil no ambiente intrafamiliar, por se tratar de um crime grave, com grande desaprovação social que além de ser um ato desprezível, adultera as emoções e a dignidade do menor ofendido.
6 - A MEDIDA PROTETIVA NOS CRIMES SEXUAIS
Impõe-se registrar que as medidas protetivas de urgência podem ser deferidas de ofício pelo magistrado pela solicitação da ofendida, através de seu representante legal ou do Ministério Público, independendo de alegação do agressor, como se observa no art. 19 da Lei 11.340/2006:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
Ademais, convém ressaltar também que, para a aplicação das medidas protetivas de urgência, é necessário que haja um caso em concreto ou suspeitas de prática de violência doméstica e familiar, dentre elas as descritas no art. 7º, da respectiva lei, anteriormente mencionada, sendo estas totalmente aplicáveis em casos de violência sexual infantil no ambiente intrafamiliar, independendo do sexo da vítima, com fulcro no art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal. [23]
Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina [24]:
MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. ACUSAÇÃO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL E AMEAÇAS NO ÂMBITO FAMILIAR. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA PELO AGRESSOR. INCONTROVERSO CONHECIMENTO E DESATENDIMENTO DAS DETERMINAÇÕES JUDICIAIS EXARADAS. ELEMENTOS QUE INDICAM A CONDUTA VIOLENTA E REITERADA DO PACIENTE CONTRA A ENTEADA. EXEGESE DO ARTIGO 313, IV, DO CPP. BONS PREDICADOS DO PACIENTE QUE, PER SE, NÃO SÃO APTOS A GARANTIR A LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTOS DA PREVENTIVA QUE SE MOSTRAM IDÔNEOS. SEGREGAÇÃO MANTIDA. ORDEM DENEGADA.
Enfim, verifica-se que a aplicabilidade das medidas protetivas de urgência em crimes sexuais contra a vítima menor, garantem uma melhor solução do problema em questão, prevenindo assim que o crime prossiga, bem como evita ameaças e a influência da autoridade do agressor sobre o ofendido durante a instrução processual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A existência da Lei Maria da Penha surgiu para legalizar os casos de violência doméstica, punir os agressores e, desta forma, evitar a continuação de tais agressões no ambiente intrafamiliar. Em seus artigos, a referida lei define quais são os requisitos para que uma violência seja tipificada doméstica, o que é considerado violência no âmbito familiar e quais as consequências que o agressor poderá sofrer. Destaca-se que ao contrário do que se pensa, tal lei ampara não somente a mulher ofendida, mas também irmã, prima, mãe, filha que vierem a sofrer as agressões estipuladas no seu teor.
Um dos principais benefícios que esta lei trouxe para a sociedade foi a implementação da medida protetiva. Sua aplicação ocorre em casos onde o agressor, que deveria proporcionar à família tutela e segurança, passa a ser o grande inimigo do instituto familiar. Com esta medida, através de determinação judicial, a vítima estando ameaçada pela presença do acusado, será providenciado o afastamento do agressor do lar, buscando-se assim, a preservação da integridade física da vítima.
O estupro de menores e de incapacitados, modificado pela Lei nº 12.015/2009, a partir de tal data começou a ter não só uma nova visão do magistrado e da sociedade, mas um aumento de pena considerável em razão da gravidade de tal crime.
Destaca-se, outrossim, a importância da implantação das medidas protetivas de urgência no ambiente intrafamiliar, eis que visam e garantem efetivamente a segurança da vítima, independentemente do sexo da mesma.
Assim, verifica-se que realmente é essencial e eficaz a aplicabilidade de tais medidas em casos de violência sexual infantil no ambiente intrafamiliar, resguardando assim a integridade física e emocional do menor ofendido.
Por fim, tem-se que a legislação vigente no Brasil, com a nova alteração trazida pela Lei 12.015/2009 e com a influência da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), visa uma aplicação penal mais justa no ambiente doméstico. A aplicação das medidas protetivas de urgência pretende resolver e prevenir o problema em si, não tendo mais a vítima que aguardar a infeliz morosidade enfrentada pela realidade dos Tribunais Brasileiros.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Maria Regina Fav de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2004.
BEZERRA FILHO, Aluízio. Crimes sexuais. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2010.
BRASIL, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combater a violência doméstica contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
FELIX, Yuri; FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael. Crimes hediondos. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
HOUAISS, Antônio. Dicionário houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
JESUS, Damásio E. Direito penal: Parte Especial. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 3.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. Volume II. Parte Especial. 26ª edição. São Paulo: Atlas, 2009.
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2008.
Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência nº 106.412/RS. Ministro Og Fernandes, 19/08/2009.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2011.101092-7. Rel. Des. Jorge Schaefer Martins. 17/02/2012.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2012.003542-6, de Seara, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann. 25/06/2012.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus Nº 70044172260, Terceira Câmara Criminal. Rel. Francesco Conti, 18/08/2011.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853
Notas
[1] DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combater a violência doméstica contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 41.
[2] SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2008, p. 35.
[3] Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência nº 106.412/RS. Ministro Og Fernandes, 19/08/2009.
[4] BRASIL, Lei11.3400, de 7 de agosto de 2006.
[5] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853
[6] DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combater a violência doméstica contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P. 140/141.
[7] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853.
[8] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus Nº 70044172260, Terceira Câmara Criminal. Rel. Francesco Conti, 18/08/2011.
[9] FELIX, Yuri; FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael. Crimes hediondos. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P.463/464
[10] BRASIL,Código Penall. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
[11] JESUS, Damásio E. Direito penal: Parte Especial. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 3. P.130.
[12] HOUAISS, Antônio. Dicionário houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. P. 2884.
[13] RT 520/452
[14] BEZERRA FILHO, Aluízio. Crimes sexuais. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2010. P. 70.
[15] FELIX, Yuri; FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael. Crimes hediondos. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 507/508.
[16] MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. Volume II. Parte Especial. 26ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. P. 419
[17] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2012.003542-6, de Seara, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann. 25/06/2012.
[18] BEZERRA FILHO, Aluízio. Crimes sexuais. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2010. P. 81.
[19] BRASIL. Art. 226, inciso II, do Código Penal.
[20] MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. Volume II. Parte Especial. 26ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. P.419.
[21] AZAMBUJA, Maria Regina Fav de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2004. P. 1.
[22] RT 652/276-777.
[23] MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal. Volume II. Parte Especial. 26ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. P. 419/420.
[24] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2011.101092-7. Rel. Des. Jorge Schaefer Martins. 17/02/2012.