Pluralismo (ativismo) jurídico e o processo enquanto resultado do neoconstitucionalismo

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28/05/2019 às 16:55
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Reflexões sobre a ciência do direito, sua história e hermenêutica, onde o ativismo judicial é considerado método condizente com o pluralismo jurídico do século XXI.

RESUMO: O presente artigo traz uma perspectiva histórica da construção do direito e suas influências, além de abordar a relação intrínseca do neoconstitucionalismo com o pluralismo jurídico. O direito traz em sua etimologia tanto a ideia de "mandar" quanto de buscar a justiça. O Direito não é uma ciência acabada, não possui somente uma fonte da qual emana, mas sim um fenômeno em construção constante que busca na cultura, na religião, na sociedade as bases para sua formação. Trata-se de um estudo de cunho bibliográfico-descritivo, já que trata de uma perspectiva de conhecer a realidade histórica através de observá-la frente à atual conjuntura legal do país. Além da analise do processo como sendo a manifestação do monopólio jurisdicional do Estado através da lide e da pretensão resistida frente a uma sociedade liquida e conflituosa. Os resultados possibilitaram constatar a necessidade do Poder Judiciário na sociedade, tal como o seu desenvolvimento no decorrer do tempo.

Palavras-chave: Direito. Neoconstitucionalismo. Processo. Pluralismo jurídico.


1 INTRODUÇÃO

O direito, desde sua origem, foi instrumento de dominação. A necessidade de ordenação do grupo social fora justificativa para impor a vontade de um sobre os demais. Os contratualistas trazem uma perspectiva na qual os homens, para não se destruírem, cederiam parte do seu direito natural, através de um contrato, para o Estado. Thomas Hobbes centraliza no soberano todas as expectativas de segurança para a sociedade inglesa; John Locke cria um soberano coletivo (personalizado nos poderes legislativo e judiciário) e Rousseau enaltece a figura do cidadão como detentor do poder soberano.

O Constitucionalismo, ou seja, o movimento que vincula à noção e à importância a Constituição, em sua origem, como explana Karl Loewenstein, remonta à antiguidade clássica, mais precisamente ao povo hebreu. É necessário advertir que a elaboração de Constituições escritas não era pregada na idéia de constitucionalismo haja vista que em qualquer época e lugar, havendo Estado, sempre houve um complexo de normas fundamentais que dizem respeito com sua estrutura, organização e atividade. Portanto existia uma Constituição no sentido institucional.

A Constituição Liberal surge, no século XVIII, como movimento revolucionário burguês o qual pregava a divisão dos poderes e um conjunto de direitos e garantias individuais vinculado à idéia de uma constituição escrita. Desta forma, ocorre uma distinção entre Constitucionalismo antigo e Constitucionalismo moderno, conforme explana Canotilho:

[...] fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona mos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo, desde os fins da Idade Média até o século XVIII.(CANOTILHO, 1997, p.48)

A Constituição, sendo a Lei Fundamental, estando acima de todas as demais, traz um conjunto de direitos e garantias conquistadas ao longo do tempo. Após a Segunda Guerra Mundial, floresce na Ciência do Direito um novo paradigma: o Estado Constitucional do Direito. Consolida-se a Constituição como verdadeira norma jurídica, com força vinculante e obrigatória, dotada de supremacia e de demasiada carga valorativa.

O neoconstitucionalismo, como ficou conhecido esse movimento, traz, em seu bojo, o entendimento da Carta Magna como a interpretação que lhe dá o tribunal competência para discorrer sobre a idéia que distingue o enunciado da norma. Desta forma, podem os juízes, ao submeter o enunciado à conduta praticada, interpretá-la e assim tomar uma decisão consciente do fato. Permite aos magistrados preencherem as lacunas através de recursos como a analogia, costumes e os princípios gerais do direito. Distancia-se da Escola da Exegese, com seus métodos de interpretação gramatical e sistemático, no qual o juiz é visto como funcionário do Estado e mero aplicador do texto legal; para uma abordagem mais crítica e realista.


2 CONSTITUIÇÃO E DIREITO: A COMPLEMENTARIEDADE

A Constituição, no movimento constitucionalista, tem como parâmetro a sua eficácia juntamente com a sua vigência. Como afirma Konrad Hesse, na sua obra "A força normativa da Constituição", sobre a Carta Magna:

[...] não logra produzir nada que já não esteja assente na natureza singular do presente. (...)Se lhe faltam esses pressupostos, a Constituição não pode emprestar 'forma e modificação' a realidade; onde inexistia força a ser despertada - força esta que decorre da natureza das coisas - não pode a Constituição emprestar-lhe a direção; se as leis culturais, sociais, politicas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, carece ela do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa contrária a essas leis não logra concretizar-se.(HESSE, 1991, p.18)

Apesar de todos os avanços no campo jurídico, ainda persiste no judiciário a interpretação dogmático-positiva do direito pautada, principalmente, na figura do jurista austríaco Hans Kelsen; que vislumbrou uma teoria pura da ciência jurídica, tendo como objeto a norma. O austríaco expõe em sua obra Teoria Pura do Direito que a constituição é um conjunto de normas que determinam as condutas a serem seguidas pela sociedade, no caso de desrespeito, sanções pré-estabelecidas deveriam ser aplicadas. Kelsen trabalha com o mundo do dever ser, no qual o direito é um sistema fechado que não recebe influência das demais ciências e da sociedade. Enquanto Konrad Hesse trabalha com a idéia da Constituição como sistema aberto em que relacionam-se o mundo do ser e o mundo do dever-ser.

A ciência do Direito, ao contrário do que diz Kelsen, é um processo histórico influenciado por diversos ramos da ciência, tais como a religião, a cultura, a economia, a moral e a ética. O direito tem caráter mediador e almeja a justiça como seu objetivo fundamental, tendo a constituição como o diploma jurídico direcionador. O direito não é uma questão meramente intelectual, criada pelo Estado, em detrimento de interesses próprios, no qual o poder legislativo elabora as leis, o poder judiciário as aplica e o poder executivo administra. O direito emana do povo, das lutas sociais, das necessidades daqueles que estão fora do poder para com o Estado. A construção do direito é tanto conservadora, quanto revolucionária, já que ambas as partes dele utilizam para defender seus interesses.

A classe burguesa do século XVIII, que enriquecia com o comercio, queria mais espaço no cenário político, ou seja, os mesmos privilégios da nobreza detentora de terras;o rei receoso de perder o poder tentava conciliar ambos os grupo, no entanto cada vez mais desagradava-os. A burguesia francesa em 1789 na conhecida Revolução Francesa dissolve o Estado absoluto, instituindo uma nova organização política que os privilegiava, no qual o Estado era de prestação negativa dominado sobre a teoria de liberalismo(laissez-faire) trazendo em seu bojo a divisão do poder e um conjunto de direitos e garantias individuais.

O Estado liberal prevalece até o início do século XX, no qual movimentos revolucionários de cunho socialista/comunista/anarquista propunham uma nova espécie de Estado. As reivindicações queriam a implantação de um Estado que dava garantias tanto individuais quanto de grupos.

Trazendo as idéias de Miikine Gueretzevitck, somente com a revolução de 1917 é que puderam surgir as constituições sociais; já que os burgueses ficaram com medo de perder o poder. Dessa lição podemos tirar que direitos são conquistados somente através da luta; logo que aqueles presentes no poder tem medo da mobilização social e por isso cedem frente a pressão popular organizada.

Assim como nos traz Rudolf Von Ihenring:

A vida do direito é a luta, a luta dos povos, de governos, de classes, de indivíduos.[...]O direito não é mero pensamento , mas sim força ativa. Por isso, a Justiça segura, numa das mãos, a balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada , com o qual o defende. Ambas se completam e o verdadeiro estado de direito só existe onde a força , com a qual a Justiça empunha a espada, usa a mesma destreza com que maneja a balança. O direito é um labor continuo, não apenas dos governantes, mas de todo o povo.( IHENRING, 2014, p 45)

A mudança real de paradigma referente ao modus operandi do Estado para com a sociedade, já que este tomou para si o Monopólio da Jurisdição, vai se dar com a 2ª Guerra Mundial. No pós guerra, observados a perseguição e o genocídio de povos como os judeus, ciganos, homossexuais e negros, pelo fato de a xenofobia implantada no ideal alemão (nazista para ser mais específico), como também referenciada pelo Direito vigente à época. Devido a tal situação e o novo olhar das nações vitoriosas, ocorrera o denominado Julgamento de Nuremberg, que nada mais fora do que um tribunal de exceção para o julgamento dos criminosos de guerra. Com tal julgamento, e uma profunda mudança no pensar jurídico, as nações foram levadas à a concretização da criação da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ONU é uma organização internacional formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais. Através dessa organização, temos um controle mesmo que sucinto das relações entre os países e do próprio país para com seus cidadãos. Surge aqui um olhar não somente para o Direito interno ser soberano, mas da interferência do direito internacional para o aprimoramento deste através de declarações das quais as nações tornam-se signatárias comprometendo-se a positivá-las no ordenamento interno, resguardando em destaque os direitos humanos(fundamentais).

Portanto, no neoconstitucionalismo, que tem seu marco no pós segunda guerra, representa o marco da passagem do Estado Legislativo de Direito para o Estado Constitucional de Direito consolidando a égide da força normativa da Constituição, como bem assevera Dirley da Cunha Jr (2012,p.39).


3 PROCESSO

Para iniciar o estudo, a respeito da teoria geral do processo devemos entender que esta se encontra dentro da Teoria Geral do Direito. Como preleciona Fredie Didier Jr.(2017, p.41): “a Teoria Geral do Processo é, em relação à Teoria Geral do Direito, uma teoria parcial, pois se ocupa dos conceitos fundamentais relacionais ao processo um dos fatos sociais regulados pelo Direito.”

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No entanto, o que se entende por processo?

Processo é uma palavra com origem no latim procedere, que significa método, sistema, maneira de agir ou conjunto de medidas tomadas para atingir algum objetivo.

Para um entendimento a respeito do objeto de estudo da Teoria Geral do Processo, é necessário a compreensão do processo histórico das relações sociais. Lembrando Aristóteles,o homem é por natureza um ser político, ou seja nasce com a tendência em viver em sociedade. Em conjunto com os seus iguais o homem desenvolve sua cultura, religião, economia; no entanto essa convivência não é pacifica, logo que cada um tem suas peculiaridades.

Surgem, em tal cenário, as necessidades do agrupamento a que pertence (ou seja, aquelas consideradas em função do grupo) e as necessidades individuais. Conceito de necessidade corresponde àquilo que é indispensável, que é útil, que não se pode deixar de ter ou ser.

A necessidade decorre do fato de que o homem depende de certos elementos, não somente para sobreviver, mas para seu aperfeiçoamento. Na lição de José Eduardo Carreira Alvin (2015, p.25), ”se o homem é um ser dependente, podemos concluir que a necessidade é uma relação de dependência do homem para com o elemento.[...]Sendo a necessidade satisfeita mediante determinados elementos emerge, em seguida, conceito de bem ou bem da vida.”

Os bens da vida tem com fim a utilização pelo homem, portanto para a sua sobrevivência, ou seu desenvolvimento. Surge então o conceito de interesse como sendo um juízo formulado por um sujeito acerca de uma necessidade sobre a utilidade ou sobre o valor de um bem, enquanto meio para a satisfação dessa necessidade.

Moacyr Amaral Santos(1985, p.3) preleciona que “no interesse individual a razão está entre o bem e o homem, conforme suas necessidades; no interesse coletivo, a razão ainda é entre o bem e o homem, mas apreciadas as suas necessidades em relação as necessidades idênticas ao grupo social.”

A questão do enorme relevância e central neste estudo é o fato de os bens serem limitados (escassos), enquanto os interesses, tanto individuais quanto coletivos serem ilimitados. Daí resulta que duas ou mais pessoas tem interesses pelo menos bem que a um só pode satisfazer. Surge o conflito de interesses.

A pretensão é “a exigência da subordinação de um interesse de outrem ao próprio”, segundo Moacyr Amaral Santos (1985, p.3). Ou seja, um dos sujeitos manifesta sua vontade de exigir a subordinação do interesse do outro ao seu, e essa atitude da vontade é o que constitui a pretensão.

Na relação jurídica existem duas partes, ou seja, o sujeito ativo ou do interesse protegido e o do sujeito passivo, ou do interesse subordinado. Tais sujeitos da relação podem ser pessoas físicas ou pessoas jurídicas.

O litígio, ou lide, na clássica conceituação (Carnelutti), é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Na lição do processualista José Frederico Marques (1983, p.7), define lide como: “conflito intersubjetivo derivado de uma pretensão insatisfeita”. Para o processualista mesmo sem a resistência do sujeito passivo da pretensão, ela permanece insatisfeita gerando o litígio.

Inicialmente, cada indivíduo resolvia as suas pretensões no âmbito particular, ou seja sem a interferência estatal. A forma pela qual as partes solucionavam seus litígios dava-se através da autotutela, ou seja, da “justiça deita pelas próprias mãos”(THEODORO JUNIOR, 1978, p.3).

Na visão de Antônio Carlos Cintra, Ada Pelegrini e Cândido Rangel Dinamarco (2002, p.27) : “a autotutela caracteriza-se pela ausência de juiz distinto das partes e da imposição da decisão por uma das partes a outra.”

Outra forma possível nos sistemas primitivos é a autocomposição, na qual umas das partes em conflito ou ambas abrem mão do interesse ou de parte dele. São três as formas de autocomposição: desistência (renuncia a pretensão); submissão (renuncia a resistência oferecida a pretensão) e a transação (concessões recíprocas).

Pouco a pouco, os indivíduos foram se apercebendo dos males desse sistema (autotutela) e começaram a preferir a solução parcial dos seus conflitos, sendo essa uma solução amigável e imparcial através de árbitros (inicialmente os sacerdotes e posterior o Estado).

Com o tempo, o Estado vai tomando para si essa figura arbitral de resolução de conflitos. Inicialmente, através da arbitragem facultativa; posteriormente, à arbitragem obrigatória e, só então, a jurisdição como conhecemos hoje.

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Sobre o autor
Ícaro Neves Costa Gomes

Advogado. Pós-Graduando em Controladoria e Finanças Públicas pela UNIMAIS (2022). Pós-Graduando em Auditoria Fiscal pela UNIMAIS (2022). Pós-graduado em Direito Público Aplicado pela EBRADI (2021/2022). Bacharelando em Ciências Contábeis pela UNOPAR (2020/2023). Bacharel em Direito pela UESB(2016/2021).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado através do estudo incessante sobre o desenvolvimento do Direito Processual e das suas fontes, tal como da Teoria da Constituição; de modo a concretizar ambos em um trabalho. Com enfoque no ativismo judicial existente de forma ativa na jurisprudência brasileira atual com base no ordenamento jurídico, tal como do poder criativo dado à função jurisdicional do Estado.

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