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A história dos direitos sociais

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29/10/2005 às 00:00
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Os direitos sociais na Octogesima Adveniens

Os documentos pontifícios foram acompanhando a evolução da história com precisão crescente e exprimem as principais sentenças do pensamento cristão.

Comemorando o 80º aniversário da Rerum Novarum, Paulo VI lançou, em 1971, a Octogesima Adveniens (Aproximando-se o Octogésimo...).

No início, o pontífice declara que não tenciona propor solução para todos os problemas do homem contemporâneo nem mesmo "formular uma solução única com valor universal" (nº 4). A procura de soluções concretas caberá a "cada comunidade cristã, com a ajuda do Espírito Santo... em diálogo com os demais irmãos cristãos e todos os homens de boa vontade" (idem).

A carta apostólica visa "dar um apoio aos homens em seus esforços para tomar em mãos e orientar o seu futuro" (nº 5); ela lhes fala baseada no Evangelho e, também, "na experiência viva da Tradição cristã através dos séculos" (nº 4 e 32).

A primeira parte faz um balanço dos novos problemas sociais. Enquanto Leão XIII tinha que se ocupar somente com as relações "patrão-operário", a nova carta circular do pontífice descortina vasto panorama de questões hoje abertas, tais como: A urbanização, ou seja, a aglomeração de multidões humanas em ambientes urbanos, onde as condições de vida moral e material são péssimas. "A promiscuidade nos alojamentos populares torna impossível um mínimo de intimidade"; compromete-se a união dos cônjuges; os filhos "fogem do lar demasiado exíguo e procuram na rua compensações e companhias que escapam a qualquer vigilância" (nº 11). A juventude (nº 13) necessita de diálogo (que, por motivos diversos, nem sempre é fácil). O lugar da mulher (nº 13), que se afirma na sociedade, nem por isso deve perder suas inconfundíveis características. Os trabalhadores (nº 14), com menção dos sindicatos e da "tentação" de impor, mediante a greve (que em determinadas circunstâncias é legítima), condições penosas demais para a economia, a vida social ou a política de um país. As vítimas das mudanças (nº 15) devem ser contempladas pelos princípios da justiça social – de modo especial, os "novos pobres", ou seja, os velhos e marginais de ordem diversa... os delinqüentes, criminosos, pederastas, psicodélicos, drogados e desadaptados de outros tipos... que se substituem sociologicamente ao proletariado industrial. As discriminações são devidas à "raça, origem, cor, cultura, sexo ou religião" (nº 16). O direito à emigração (nº 17), populações que se deslocam, necessitando de compreensão e auxílio de quem as recebe. A necessidade de se criarem empregos para quem procura trabalho, a fim de se evitarem a miséria e o parasitismo, não sendo lícito aos governos civis resolver tais problemas, empreendendo campanhas malthusianas compulsórias (nº 18). Os meios de comunicação social (imprensa escrita, falada e televisionada) são uma potência crescente, mas nem sempre a serviço da verdade (nº 20). Os ambientes em que vive o homem são não raro poluídos e pouco higiênicos (nº 21).

A segunda parte diz que esses problemas são penetrados e movidos por aspirações e correntes de idéias. As primeiras mostram anseios de igualdade e de participação, decorrentes da dignidade e da liberdade do homem (nº 22). Esses anseios são também direitos. Não basta agir na ordem jurídica, é preciso cultivar o bem-querer e o senso da fraternidade (nº 23). O regime democrático (nº 24 e 25) é necessário, mas nenhum dos modelos de democracia até hoje em prática trouxe plena satisfação – daí a exigência de ulteriores buscas da autêntica democracia. As ideologias, modo de pensar unilateral, partidário, deformado e deformador, redundam em ditaduras do espírito e alienação do homem (nº 24 e 29). O marxismo, vinculado a uma filosofia materialista, atéia, é incompatível com o cristianismo, tende à luta de classes e à instauração de regime totalitário e violento (nº 31). A ideologia liberal ou o "liberalismo filosófico é uma afirmação errônea do indivíduo" (nº 35), razão por que o cristão deve afirmar os valores do Evangelho e a sua contribuição característica e inconfundível para a transformação positiva da sociedade (nº 36). As utopias contemporâneas (nº 37) renascem hoje sob o nome de egoísmo, violências e materialismo desencadeados pelo socialismo burocrático, pelo capitalismo tecnocrático e pela democracia autoritária. Utopia é o ideal sem lugar (ouk tópos), irrealizável. Muitos hoje acreditam nos progressos da ciência e da técnica como estímulo da paz. O filósofo Herbert Marcuse (1898-1979) contestou isso, apregoando o amor, fonte inspiradora da juventude que protesta de maneira excêntrica (hippies). Nas ciências humanas ou antropológicas (nº 38-40) o homem procura conhecer-se cada vez mais. A encíclica reconhece sua importância, mas preconiza um humanismo integral ou uma visão global do homem. Refletindo sobre a ambigüidade do progresso (nº 41), o papa diz que é essencial atender aos valores da cultura, do serviço recíproco, da boa harmonia e colaboração, enfim, à abertura do homem para os outros homens e para Deus.

Quando olhamos para as origens da nossa Constituição de 1988, vemos que ela consiste num texto razoavelmente avançado e moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Difícil, no entanto, é aceitar que o capítulo dos direitos sociais (CF, arts. 6º-11) tenha aparecido 17 anos depois da existência da Octogesima Adveniens sem abordar nenhum dos novos problemas sociais atinentes ao homem e à sociedade.

A terceira parte da encíclica interpela principalmente os cristãos perante os novos problemas. Nas diretrizes concretas, não se limita a recordar alguns princípios gerais, mas sugere linhas de ação (nº 42).

O primeiro tópico é a necessidade de procurar maior justiça. Nas comunidades nacionais como no plano internacional, os pactos e acordos devem visar o bem comum e não interesses meramente particulares (nº 43 e 44). Falando da libertação exterior e interior, frisa que hoje em dia os homens aspiram a libertar-se da necessidade e da dependência. Com a autêntica libertação, superando o egoísmo, é que o homem conquista a sua verdadeira liberdade; sem a libertação interior, as ideologias e revoluções apenas o transferirão do jugo de um senhorio para o de outro dominador, pois, "instalados por sua vez no poder, os novos patrões rodeiam-se de privilégios, limitam as liberdades e instauram novas formas de injustiça" (nº 45).

É preciso passar da economia à política. Os interesses econômicos e financeiros não raro comportam o risco de absorver excessivamente forças e liberdade; daí a obrigação de valorizar-se uma sadia ação política. O poder político tem por finalidade o bem comum do povo. Compete-lhe criar condições para que o homem atinja o seu bem autêntico e completo, inclusive o seu fim espiritual, através de sério testemunho de fé, mediante um serviço eficaz e desinteressado aos homens (nº 46). A participação dos cristãos nas responsabilidades públicas deve ser a de assumir as suas partes pessoais, a fim de que as decisões e opções que afetam as empresas, a vida pública e política sejam orientadas ao bem comum e à constituição de sociedades solidárias e fraternas (nº 47).

No apelo à ação, a carta apostólica é muito objetiva:

Inicialmente diz que é aos cristãos leigos (não padres-operários) que cabe intervir nas estruturas deste mundo, a fim de imprimir-lhes caráter mais humano e cristão (nº 48). Depois, alerta que não basta recordar princípios e proferir denúncias. Cada cristão procure avaliar o seu quinhão de responsabilidade nos males que afligem a sociedade contemporânea e trate de realizar a sua conversão interior ou renovação pessoal, que redundará em mais eficaz contribuição para o bem comum. Essa humildade fundamental de cada um preservará de intolerância ou sectarismo os cristãos e lhes alentará a esperança (nº 48). Em terceiro lugar, incita o cristão a guardar sua independência: fuja das ambigüidades e "evite comprometer-se com colaborações condicionais e contrárias aos princípios de autêntico humanismo" (nº 49). Em quarto lugar, nas diferentes situações sociopolíticas de nossos tempos, o cristão tem o direito de fazer opções diferentes. "Uma mesma fé cristã pode levar a assumir compromissos diferentes" (nº 50). Sendo legítimo pensar diferentemente, não se deve no entanto romper a unidade que os deve caracterizar perante o mundo. "Cada um deve ter muito a peito examinar-se a si mesmo e fazer brotar em si aquela liberdade verdadeira segundo Cristo, que abra para uma visão universal no meio mesmo dos condicionamentos mais particulares" (nº 50). Finalmente, é enfático o documento em afirmar que as responsabilidades do momento presente cabem não só aos indivíduos, mas também às organizações cristãs. Estas devem atuar de maneira específica, "fazendo refletir... as exigências concretas da fé cristã" (nº 51).

A Octogesima Adveniens muito insiste em que os cristãos colaborem generosamente com seus semelhantes na construção de um mundo novo. Sugere que o façam de modo a dar uma contribuição caracterizada e inconfundível no serviço dos irmãos.

O documento de Paulo VI sobre a justiça e paz no mundo de hoje representa um avanço e um programa válido na elaboração da filosofia ético-social cristã.


Os direitos sociais na Laborem Exercens

João Paulo II, em 15/09/81, abordou o problema do trabalho humano, considerando as suas mais diversas facetas no mundo contemporâneo. "Chave da questão social" (nº 3), ele é tido como "uma das características que distinguem o homem das demais criaturas, cuja atividade, relacionada com a conservação da própria vida, não se pode chamar de trabalho" (proêmio).

Nos tempos de Leão XIII, a questão do trabalho coincidia com a do relacionamento entre patrões e operários; hoje ele suscita conotações muito variadas. A humanidade acha-se no fim de um ciclo de civilização, que foi diferençado pelo consumo do carvão e do petróleo e está iniciando novo período, no qual a eletrônica, a automação e seus diversos produtos darão nova cadência às atividades do homem e revolverão profundamente os tipos e as condições do trabalho humano (nº 1). Ciente disto, João Paulo II quis focalizar, do ponto de vista ético, o presente e o futuro do homem, mediante a consideração do trabalho humano, na encíclica Laborem Exercens (Exercendo o trabalho).

O trabalho objetivo seria o trabalho mercadoria, como valor impessoal ou como coisa; o trabalho subjetivo é obra de uma pessoa que, através da sua luta cotidiana, se vai realizando e cumprindo o grande desígnio do Criador. Este aspecto confere a todo e qualquer tipo de trabalho uma dimensão valiosa, não se podendo exaltar apenas o trabalho intelectual ou liberal em detrimento do manual ou braçal (nº 5 e 6).

O Filho de Deus feito homem houve por bem trabalhar como carpinteiro. Torna-se assim "patente que o fundamento para determinar o valor do trabalho humano não é, em primeiro lugar, o gênero do trabalho que se realiza, mas o fato de aquele que o executa ser uma pessoa. As fontes da dignidade do trabalho devem ser procuradas não na sua dimensão objetiva, mas sim na sua dimensão subjetiva" (nº 6). Daí uma conclusão de natureza filosófica ética: o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho. Isto significa que todos se devem empenhar para que o homem seja engrandecido através do seu regime de trabalho, excluída toda e qualquer forma de produção que reduza o homem a mero instrumento da produtividade.

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Trabalho e capital têm estado em conflito desde os inícios da questão social. O capital mais de uma vez sufocou o mundo do trabalho, reduzindo os operários a condições extorsivas e contrárias à dignidade humana. O marxismo insurgiu-se contra tal processo, apregoando a coletivização dos meios de produção. A solução marxista, porém, é ilusória, pois o grupo de detentores dos meios de produção, que constituem o Estado, pode exercer um monopólio administrativo tal que desrespeite os direitos fundamentais dos demais cidadãos"(nº 7).

"Deste modo, pois, o simples fato de os meios de produção passarem para a propriedade do Estado no sistema coletivista não significa, só por si, a socialização (ou a posse comunitária e justa) desta propriedade" (nº 14).

Os pontífices sempre ensinaram a prioridade do trabalho sobre o capital. O trabalho é a expressão da grandeza e da dignidade da pessoa humana. É também a continuação da obra do Ser Superior. O trabalho, utilizando os elementos entregues ao homem por Deus, produz os seus instrumentos, cada dia mais sofisticados, incluindo os recursos da técnica. Esses instrumentos, cujo conjunto constitui o que se chama de "capital", são subordinados ao trabalho, porque efetuados pelo trabalho. O capital nasceu do trabalho e é portador das marcas do trabalho humano. Mister é pôr em relevo o primado do homem no processo de produção ou o primado do homem em relação às coisas. O capital não é senão um conjunto de coisas, ao passo que o homem, como sujeito do trabalho, independentemente do trabalho que realiza, é pessoa (n º 12 e 13). Esta visão humanista é deturpada quando se considera o trabalho unicamente segundo a sua finalidade econômica.

O erro do materialismo é afirmar o primado dos valores materiais, subordinando à matéria os valores espirituais e pessoais (o agir do homem, os valores morais e semelhantes). Esse materialismo econômico originou-se na filosofia socioeconômica do século XVIII, começo da industrialização, que visava multiplicar as riquezas materiais, perdendo de vista o homem, a quem tais meios devem servir. Isto só pode ser suplantado com a firme convicção do primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho do homem sobre o capital (entendido como conjunto dos meios de produção).

Jeremias Bentham (1748-1832) foi um moralista inglês que professou abertamente um utilitarismo que do hedonismo epicureu pouco difere. A utilidade do indivíduo e a da sociedade são as únicas normas morais. Dever do moralista é classificar os prazeres em série hierárquica, a fim de melhor aquilatar o valor moral das ações. Ficou célebre a sua comparação, utilizando-se de dois círculos concêntricos, dos quais a circunferência representativa do campo da moral se mostra mais ampla do que a do direito.

Isso deve ter inspirado João Paulo II, ao abordar questões que abrangem tanto o direito como a ética e a moral. Defende o direito à propriedade particular (nº 14 e 15), mesmo quando se trata dos meios de produção, observando que ela tem uma finalidade social ou deve servir ao bem comum da sociedade. Os bens de propriedade particular não devem ser possuídos como fim ou para possuir nem devem ser possuídos contra o trabalho, pois o único título que legitima a sua posse é que sirva ao trabalho e, servindo ao trabalho, tornem possível a participação de todos os homens nos bens que o Criador deixou para todos.

Inaceitável portanto é o capitalismo "rígido", que defende o direito à propriedade privada dos meios de produção, sem apontar para a necessidade de que o uso de tais bens sirva aos interesses comuns. A rejeição do capitalismo liberal não implica recusa da propriedade particular. Igualmente, a socialização de certos meios de produção não quer dizer automaticamente que a sociedade venha a possuir em comum os meios de produção, pois não raro eles ficam em poder de um pequeno grupo de homens que representam o Estado; estes não são os proprietários, mas procedem como se fossem os detentores da propriedade – o capitalismo dos particulares torna-se assim o capitalismo do Estado e dos governantes.

Empregador direto é aquela pessoa ou aquela instituição com as quais o trabalhador estipula diretamente o contrato de trabalho segundo condições determinadas (nº 16). Empregador indireto são as pessoas, as instituições de diversos tipos, bem como os contratos coletivos de trabalho e os princípios de comportamento que, estabelecidos por essas pessoas ou instituições, determinam todo o sistema socioeconômico ou dele resultam (nº 17).

O Estado é o empregador indireto por excelência. Compete a ele vigiar para que se observem as normas da justiça nas relações entre empregador direto e trabalhador. Refletindo sobre o desemprego, merece especial atenção "um fato desconcertante de imensas proporções: enquanto, por um lado, importantes recursos da natureza permanecem inutilizados, há, por outro lado, massas imensas de desempregados e subempregados e multidões ingentes de famintos". Esse fato demonstra que ocorrem falhas que devem ser reparadas (nº 18). Lamentavelmente, o desemprego se dá também entre os intelectuais, que obtêm um diploma de estudos superiores, desvalorizando-se a instrução em grau superior, enriquecimento importante da pessoa humana (nº 8).

Referindo-se ao trabalho da mulher, a encíclica apregoa o chamado salário-família, "salário único, atribuído ao chefe de família e que seja suficiente para as necessidades da família, sem que a esposa seja obrigada a assumir um trabalho remunerado fora do lar" (nº 19). Daí ser necessário aplicar-se à revalorização das funções maternas, dos trabalhos que a estas andem ligados e à necessidade de amor e carinho que têm os filhos. "Reverterá em honra para a sociedade o tornar possível à mãe cuidar dos seus filhos e dedicar-se à educação deles, segundo as diferentes necessidades da sua idade" (nº 19).

Valorizando as funções da maternidade, a carta apostólica está longe de mostrar-se avessa ao trabalho da mulher fora do lar; ao contrário, aceita-o e pede que não haja discriminação em detrimento da mulher, desde que esta se ache habilitada para ocupar determinado emprego. O papa apenas deseja que a mulher "não se veja obrigada a pagar a própria promoção com a descaracterização da sua feminilidade e em prejuízo da família, na qual a mulher, como mãe, tem papel insubstituível" (nº 19). É para desejar, portanto, não seja menos valorizada do que as outras a mulher que opta prioritariamente pelos deveres da maternidade e, por isso, não procura trabalho fora de casa; seja, pois, o trabalho na sociedade estruturado de tal modo que a mãe-de-família obrigada a educar os filhos não se veja constrangida a sair de casa para ganhar o pão cotidiano ou para completar o orçamento doméstico.

A visão política de nossos constituintes poderia ter sido mais moderna e avançada, se tivessem tido contato com o pensamento de João Paulo II.

O trabalho dos campos, além de ser fisicamente extenuante, é pouco apreciado socialmente, a ponto de se sentirem os camponeses marginalizados pela sociedade; daí o seu êxodo, em massa, para as cidades, onde as condições de vida são por vezes ainda mais desumanas. Mais: "em certos países em via de desenvolvimento, há milhões de homens que se vêem obrigados a cultivar as terras de outros e que são explorados pelos latifundiários, sem esperança de... poderem chegar à posse nem sequer de um pedaço de terra... Não existem formas de proteção legal para a pessoa do trabalhador agrícola e para a sua família nos casos de velhice, doença ou falta de trabalho. Longas jornadas de duro trabalho físico são pagas miseramente. Terras cultiváveis são deixadas ao abandono pelos proprietários; títulos legais para a posse de um pequeno pedaço de terra, cultivado por conta própria há anos, são preteridos ou ficam sem defesa diante da fome da terra de indivíduos ou de grupos mais potentes" (nº 21).

Diante de tais falhas, os homens de bem tomam consciência da necessidade de promover especialmente a dignidade do trabalho agrícola, pelo qual o homem de maneira expressiva submete a terra recebida de Deus como dom e afirma o seu domínio sobre o mundo visível (nº 21).

Outro item é o trabalho dos emigrantes (nº 23). É o caso das pessoas que deixam a pátria de origem para procurar trabalho em outro país.

Embora todo o homem tenha o direito de emigrar, tal realidade acarreta situações que a ética cristã deve levar em conta. O emigrante não deve ser constrangido, em terra estrangeira, a aceitar condições de trabalho injustas, principalmente quando confrontadas com a dos trabalhadores nativos do país que o hospeda; ser explorado financeira ou socialmente; sofrer discriminação por motivos de nacionalidade, religião ou raça. Seria desejável que todo o homem pudesse encontrar em sua pátria as condições de trabalho suficientes e justas que lhe permitissem contribuir para o aumento do bem comum no seu próprio país.

Outro problema que se impõe a quem estuda o trabalho é a situação dos deficientes (nº 22). "A pessoa que tem qualquer deficiência é um sujeito dotado de todos os seus direitos, deve facilitar-se-lhe a participação na vida da sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para as suas possibilidades. A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente da mesma humanidade que nós" (idem).

Ao tratar dos sindicatos e greves (nº 20), frisa o pontífice que entre os direitos dos trabalhadores está o de se associarem em sindicatos, com a finalidade de defender os justos interesses da sua vida profissional. "O trabalho tem como característica, antes de mais nada, unir os homens entre si, e nisto consiste a sua força social: a força para construir uma comunidade" (idem). A tutela dos justos direitos do trabalhador pode recorrer à tática da greve; ela é legítima como recurso extremo e dentro dos devidos limites.

Se Sua Santidade julga seu dever pronunciar-se sobre o trabalho numa perspectiva ética (nº 24-27), sente-se também obrigado a promover a espiritualidade do trabalho, apta a ajudar todos os homens a se aproximarem de Deus através da sua labuta cotidiana.

No primeiro capítulo do Gênesis, o homem encontra o primeiro "evangelho do trabalho", que é a participação na obra do Criador. O texto bíblico aponta o trabalho como continuação da obra do Criador. A passagem bíblica (Gn 1, 1-2, 4ª) tem em mira chamar a atenção para o significado profundo do trabalho que o homem, imagem e semelhança de Deus, realiza numa sociedade (nº 25).

Igualmente, a espiritualidade do trabalho visa a participação na Páscoa de Cristo (nº 26). "Ele próprio, homem do trabalho, do trabalho artesanal como Jesus de Nazaré" (idem), que, em suas parábolas, se refere a diversos tipos da atividade humana: o pastor, o agricultor, o médico, o semeador, o amo, o servo, o feitor, o pescador, o comerciante, o operário... Fala também das atividades exercidas pelas mulheres, como alude também ao trabalho dos estudiosos.

O apóstolo Paulo dedicava-se à confecção de tendas (At. 18, 3) e formulou o princípio categórico: "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2 Ts 3, 10).

"O homem veio mais por aquilo que é do que por aquilo que tem. Do mesmo modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, uma fraternidade mais difundida e uma ordem mais humana nas relações sociais excede em valor os progressos técnicos. Com efeito, tais progressos podem proporcionar a base material para a promoção humana, mas, por si sós, de modo nenhum são capazes de a realizar" (nº 26).

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Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. A história dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 848, 29 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7434. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Texto baseado em série de 24 artigos publicados no periódico "Jornal da Cidade", de Caxias (MA), entre outubro de 2003 e março de 2004.

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