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O procedimento para o financiamento de campanhas eleitorais e a problemática da prestação de contas dos recursos utilizados

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17/10/2005 às 00:00
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Desde a década de 90, mais exatamente a partir da campanha para a Presidência da República envolvendo o ex-Presidente Fernando Collor, o problema da prestação de contas dos recursos utilizados no financiamento de campanhas políticas tornou-se uma das maiores preocupações da Justiça Eleitoral, que tenta de todas as formas coibir – ou ao menos diminuir – a incidência de desvios de recursos, as fraudes ao sistema atual, bem como o abuso de poder econômico por parte dos candidatos.

O procedimento para o financiamento de campanhas inicia-se com a providência descrita no art. 17 da Lei das Eleições (n. 9.504/97). O dispositivo referido dispõe que o financiamento será realizado sob a responsabilidade dos partidos políticos, ou de seus candidatos, principais destinatários dos recursos que visam custear a sua campanha.

Assim, conjuntamente com o pedido de registro de candidatos, as coligações e os partidos deverão informar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) qual é o valor máximo que será gasto para fins de campanha, conforme preceitua o art. 18, caput, da aludida lei. Ressalte-se que em se tratando de coligação, cada partido que a integra deverá estipular um determinado valor máximo para fins de financiamento de campanha por candidatura, não necessitando ser um valor igual para todos os partidos coligados, o que poderá ocorrer também com o mesmo partido, que não é obrigado a estipular valores iguais para todos os seus candidatos.

Percebe-se que a estipulação de valor máximo é de grande importância, posto que o candidato estará impedido de efetuar gastos que extrapolem o limite informado ao TST, sob pena de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia gasta a mais (art. 18, parágrafo 2º).

Tal procedimento fica a cargo dos partidos devido ao princípio da liberdade partidária, consagrado pela Constituição e pela Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95). Correto está tal procedimento, pois ninguém é melhor que o próprio partido para saber qual é a quantia necessária para custear a campanha do seu candidato, e poder também indicar até onde que cada partido político poderá efetuar gastos [01], sendo que cada um tem um determinado poder aquisitivo, até pelo fato de que a estipulação do valor não obedece a qualquer teto máximo, ficando ao arbítrio do partido determinar o valor que deseja. Entretanto, cabe esclarecer que, nas hipóteses em que o partido político arbitrar valores exorbitantes para o financiamento de campanhas, este deverá também indicar a fonte dos recursos noticiados, sob pena de abuso do poder econômico. Assim, arbitrar o valor a ser gasto nas campanhas dos candidatos é uma tarefa que exige um certo cuidado por parte dos partidos, para que não se ultrapasse o valor e nem para justificar a fonte dos recursos na prestação de contas.

Após a escolha dos candidatos através das convenções, o partido deverá constituir um comitê financeiro, a fim de arrecadar fundos para o financiamento das campanhas, no prazo de até 10 (dez) dias úteis (art. 19, caput).Tais comitês deverão ser registrados perante a Justiça Eleitoral em até 5 (cinco) dias após a sua constituição, conforme preceitua o art. 19, parágrafo 3º.

Em caso de candidatura a cargo de Presidência da República, é obrigatório que se crie um comitê nacional, já sendo facultativa a criação de comitês estaduais e no DF (art. 19, parágrafo 2º). Assim, os comitês deverão ser constituídos para cada candidatura própria do partido, mas é facultativa a reunião dos mesmos em um único comitê, para todas as eleições (majoritária e proporcional).

Somente a partir da data do registro dos comitês financeiros é que o partido poderá arrecadar recursos para as campanhas, sendo este período de arrecadação estendido até a data das eleições. Aqui neste ponto, existe uma ressalva: o candidato poderá aceitar recursos após a data das eleições somente em caso de adimplemento de débitos já efetuados para a campanha. Desta forma, caso haja algum débito oriundo de gastos eleitorais após a data das eleições, poderá o candidato aceitar o recurso somente para o pagamento deste crédito, não cabendo qualquer outra hipótese.

A lei prevê a possibilidade do candidato designar uma espécie de "administrador financeiro", sem que isto implique em exclusão de responsabilidade por gastos irregulares. Assim, independente de ter ou não uma pessoa encarregada de administrar os recursos para a campanha eleitoral, o candidato continua respondendo por todas as irregularidades pessoalmente, conjuntamente com o seu partido. Esta pessoa escolhida pelo candidato está somente o auxiliando a efetuar uma atividade que é do próprio, não podendo se esquivar de tal responsabilidade, segundo contempla o art. 21 da Lei das Eleições.

Outra providência obrigatória para obter a permissão de financiar as campanhas está prevista no art. 22 da LE. Cada partido e candidato têm obrigação de abrir uma conta bancária para fins de campanha, com o objetivo de registrar toda a movimentação de recursos financeiros dos partidos e candidatos.

Anteriormente à LE, a abertura de conta corrente era obrigatória somente para os partidos, sendo facultativa aos candidatos. A norma assim disposta tornava a providência de abertura de conta bancária totalmente ineficaz, uma vez que permitia burlar o sistema de fiscalização da movimentação financeira dos recursos com muita facilidade. Desta forma, com o advento da LE, tal providência tornou-se obrigatória para ambos, consagrando de maneira inconteste o princípio da responsabilidade financeira solidária entre os partidos e seus candidatos.

Neste ponto, levantam-se duas problemáticas:

Segundo o art. 22, parágrafo 1º, os bancos são obrigados a acatar o pedido de abertura de conta, sem condicionar tal ato a qualquer depósito mínimo. Ocorre que a obrigação de abrir a conta sem o depósito mínimo não impede o banco de efetuar a cobrança de taxas e encargos bancários, o que certamente será debitado como "gastos eleitorais" para fins de prestação de contas.

É certo que os bancos cobrem pelos serviços oferecidos e utilizados, porém tal cobrança deve ser acompanhada de perto, uma vez que permite a possibilidade de fraudar o limite máximo, se gastando mais recursos como se estes tivessem sido utilizados para pagamento de emolumentos bancários. Assim, se deve acatar os gastos referentes à despesas bancárias somente com recibos de documentos emitidos pela própria instituição financeira, a fim de tornar verossímil as informações contidas nos mesmos.

Já a outra problemática – e talvez uma ótima lacuna lei que poderá ser muito bem explorada pelos candidatos mais "estratégicos" - é o disposto no art. 22, parágrafo 2º. A lei exime da obrigação de abertura de conta bancária caso não haja agências bancárias no Município e, mesmo que haja, o Município possui menos de vinte mil habitantes.

Logicamente que tais hipóteses são cabíveis para as eleições municipais. Para os Municípios em que não exista qualquer agência bancária – o que é muito difícil nos dias atuais, tendo em vista o poder econômico dos mesmos – até acata-se com certa facilidade a medida. Entretanto, com relação aos Municípios com menos de vinte mil habitantes, existindo no Município agências bancárias que permitam a abertura de conta corrente específica para a campanha, entendo que deveria haver obrigatoriedade nestes casos, uma vez que há inúmeros Municípios em todo o país que não possuem mais de vinte mil habitantes, e com a exceção trazida pelo art. 22, parágrafo 2º, a possibilidade de se ter gastos eleitorais irregulares, bem como o próprio abuso de poder econômico por parte dos candidatos é enorme, ainda mais com a previsão constitucional de reeleição de candidatos.

Não tendo sequer o sistema de fiscalização bancária – processo este que já é deficiente – o controle de gastos de recursos para financiamento de campanhas fica totalmente à mercê da vontade dos candidatos e partidos permitindo toda e qualquer incidência de irregularidade com tais recursos, principalmente do erário, que poderá ser muito bem utilizado para fins de reeleição do candidato.

Para as eleições desde ano, a Instrução Normativa Conjunta TSE/SRF determina a obrigatoriedade de uso de um CNPJ específico para esta campanha, sendo este fornecido pela Receita Federal. O referido CNPJ terá validade até o dia 31 de dezembro desde ano, sendo que se extingue após esta data. Assim, presume-se que será possível o cruzamento de dados das prestações de contas com as informações enviadas para a Receita Federal, dando um pouco mais de efetividade no controle dos gastos eleitorais.

Voltando ao tema do presente artigo, a partir do registro dos comitês financeiros, os partidos poderão aceitar doações de recursos, nos termos do art. 23 da LE.

As pessoas físicas poderão doar até o limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos tidos no ano anterior ao das eleições. Tais pessoas físicas não necessariamente precisam ser eleitoras. Conclui-se, assim, que qualquer pessoa maior de 18 (dezoito) anos, com CPF próprio, poderá efetuar doações para o partido ou candidato de sua preferência. Tal previsão não segue a mesma linha do art. 27 da LE, eis que neste artigo necessita a pessoa deter a condição de eleitora para proceder com gastos ao candidato de sua preferência. Ressalte-se que neste, o eleitor poderá efetuar gastos com recursos próprios, e não realizar doações ou contribuições, entregando determinadas quantias ao candidato, como no art. 23.

Também os menores e incapazes por qualquer motivo, poderão fazer doações somente acompanhados de responsáveis, através de representação civil.

Os dez por cento como limite máximo para as doações serão calculados a partir da declaração do Imposto de Renda do ano anterior ao processo eleitoral, daí a necessidade de constar o CPF do doador no formulário de Recibo Eleitoral (constante no anexo da LE), devendo ser prestada contas deste recurso.

Cabe lembrar que a pessoa física que não respeita o limite máximo das doações estará sujeita à multa no valor de cinco a dez por cento o valor excedente.

Aqui há um grande ponto a ser tratado: no art. 27, está disposto que qualquer eleitor poderá efetuar gastos em apoio ao candidato de sua preferência, até a quantia equivalente de mil UFIRs, sendo esta quantia não sujeita a qualquer contabilização, desde que não reembolsáveis.

Ora, neste artigo há a condição perfeita para que sejam efetivadas as fraudes e desvios tão coibidos por toda a legislação eleitoral. Como não há contabilização,não há controle, não há nada que possa impedir o abuso de tal "janela" legal.

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Com o artigo supra citado, se tornou fácil burlar todo o sistema criado pela legislação eleitoral, uma vez que, basta o candidato ou partido declarar que tal gasto foi efetuado com quantia inferior ou igual a mil UFIRs e tal gasto não precisa ser contabilizado para fins de prestação de contas.

Com isso, o princípio de igualdade entre os candidatos simplesmente se evapora, dando ensejo ao abuso de poder econômico, à corrupção e às fraudes, através deste artigo que deixou frágil o sistema de fiscalização dos gastos eleitorais.

Pode-se dizer que a única expressão feliz extraída da referida norma legal é com relação à condição de que os gastos efetuados não são reembolsáveis. Desta forma, se coibi a venda de votos ou a troca de votos por vantagem pecuniária, o que é necessário, tendo em vista um país como o nosso que tem essa "cultura" de compra de votos.

Ressalte-se que o parágrafo 3º do art. 29 da Lei n. 10.522/02 extinguiu a UFIR, sem que a lei eleitoral tenha arbitrado outro indicador monetário para o art. 25. [02] Assim, há somente uma medida provisória que estabelece o valor da Ufir até que seja substituída por outro índice, sendo este valor utilizado pela Justiça Eleitoral: R$1,0641 (correspondente ao valor da UFIR de janeiro a dezembro de 2000). Com base nesse valor são aplicadas as multas eleitorais tanto as previstas na Lei n. 9.504/97, como também para a propaganda eleitoral irregular.

Já as pessoas jurídicas poderão efetuar doações, estando prevista tal possibilidade no art. 81 da LE. Como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas também são submetidas a um limite máximo de doações no percentual de 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior ao pleito. Caso o doador pessoa jurídica ultrapasse o valor máximo permitido estará sujeito à multa no valor de cinco a dez vezes a quantia que excedeu ao máximo, conforme os parágrafos do art. 81 da LE.

Além desta sanção de caráter administrativo, a pessoa jurídica que não respeitar o teto máximo de doações poderá ser impedida de participar de licitações públicas e de contratar junto à Administração Pública pelo período de 5 (cinco) anos, sendo assegurado o princípio da ampla defesa. Como as pessoas físicas, as doações realizadas pelas pessoas jurídicas serão feitas mediante recibo eleitoral, nos moldes do anexo da LE.

Outro ponto que é de extrema relevância é que não há norma legal de impeça a pessoa jurídica de fazer doações para mais de um partido ou candidato. Assim, não se trata de ética, mas sim se trata da vontade da pessoa jurídica em doar recursos, bens ou serviços, desde que respeitado o limite máximo de 2% (dois por cento) para tais operações.

Poderão também ser realizadas doações através de depósitos bancários diretamente na conta corrente do candidato ou partido. A única exigência é que tais doações sejam efetuadas mediante cheque nominal e cruzado, com identificação completa do autor da doação. Uma parte da doutrina entende que a doação direta em conta bancária, no valor igual ou inferior a R$ 10,00 (dez reais), somente deverá constar a identificação do doador na guia de depósito respectiva, não necessitando de outras providências. [03]

Com relação aos recursos possíveis de ser utilizados para o financiamento de campanhas, o próprio candidato poderá utilizar-se de seus recursos pessoais, a fim de financiar a sua própria candidatura, o que é muito justo, uma vez que este é o principal destinatário dos gastos custeados por tais verbas. Os recursos particulares dos candidatos somente deverão ser acertados com os partidos a fim de se evitar que se gaste além do limite máximo estabelecido pelo partido.

Desta forma, poderão ser doados valores em dinheiro ou bens ou serviços, nos termos da lei. Uma parte da doutrina critica a expressão "estimáveis em dinheiro" contida no caput do art. 23. Com razão assistem tais doutrinadores, uma vez que os bens ou serviços doados serão estimados em dinheiro, e este valor é o que constará no recibo eleitoral. Assim, não há qualquer diferença entre doar dinheiro ou doar bens ou serviços, posto que serão igualmente descritos para fins de prestação de contas. [04]

Ressalte-se que as doações em dinheiro deverão ser em moeda nacional, sendo vedadas doações em moedas estrangeiras de qualquer nacionalidade.

Naturalmente, nem todas as pessoas físicas e jurídicas podem fazer doações. Consta no art. 24 as exceções que estão impossibilitadas de efetuar doações, como a entidade ou governo estrangeiro; órgão da Administração Pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público; concessionário ou permissionário de serviço público; entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; entidade de utilidade pública; entidade de classe ou sindical e pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.

É nítida a condição de que o artigo acima exposto pretende coibir o abuso de poder econômico, bem como o uso da máquina administrativa, posto que os termos "utilidade pública" e "serviço publico" referem-se a todas as esferas administrativas, sem exceção. Conclui-se assim que o art. 24 é taxativo nas enumerações dos órgãos e entidades impedidos de doar recursos para financiamento de campanhas, e não exemplificativo.

E há ainda outra justificativa para tal vedação: proibindo doações de tais entidades, o princípio da soberania nacional se faz presente, uma vez que se trata de dinheiro público, com destinação diversa, desviando totalmente as finalidades das referidas entidades, o que é defeso por lei.

Caso exista qualquer doação oriunda destes órgãos elencados no art. 24, seguramente se configurará o abuso de poder econômico, passivo de sanções penais cabíveis, bem como de interposição de ações de impugnação de mandato eletivo, dentre outras. Tal irregularidade é insanável, mesmo que o valor seja posteriormente restituído, nos termos do art. 22 da Resolução n. 21609/04 do TSE.

Com todas estas diretrizes a serem seguidas para o arrecadamento de recursos, na hipótese de descumprimento destas normas, cabível o previsto no art. 25, que não necessita de maiores delongas, falando por si:

"Art. 25 - O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico. "

Cabe esclarecer que somente poderá ser punido o agente se, de alguma forma, este tiver causado prejuízos que interferiram na legitimidade do processo eleitoral, na probidade administrativa, na moralidade para o exercício do mandato eletivo, dentre outras hipóteses, sendo estes preceitos constitucionais previstos no art. 14, parágrafo 9º da Carta Magna. [05]


PROBLEMÁTICA DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

Após observar todo o procedimento e normas a que se subordina a captação de recursos para o financiamento de campanhas eleitorais, bem como podem ser gastos tais recursos, vejamos como é realizada a prestação de contas de todas as despesas tidas como "despesas eleitorais".

Primeiramente, vejamos o que é considerado um "gasto eleitoral", segundo o art. 26 da LE:

- confecção de material impresso de qualquer natureza e tamanho;

- propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos;

- aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

- despesas com transporte ou deslocamento de pessoal a serviço das candidaturas;

- correspondência e despesas postais;

- despesas de instalação, organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições;

- remuneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoal que preste serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais;

- montagem e operação de carros de som, de propaganda e assemelhados;

- produção ou patrocínio de espetáculos ou eventos promocionais de candidatura;

- produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

- pagamento de cachê de artistas ou animadores de eventos relacionados a campanha eleitoral;

- realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

- confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros e outros brindes de campanha;

- aluguel de bens particulares para veiculação, por qualquer meio, de propaganda eleitoral;

- custos com a criação e inclusão de sítios na Internet;

- multas aplicadas aos partidos ou candidatos por infração do disposto na legislação eleitoral.

Logicamente que o rol descrito no at. 26 é exemplificativo, servindo de parâmetro para a elaboração da contabilidade dos candidatos e partidos, possibilitando a prestação de contas.

Como o artigo não é taxativo, qualquer gasto indireto com campanha eleitoral poderá ser agregado como gasto eleitoral, desde que sua causa tenha sido relacionada ao pleito. Entretanto, cabe ao Juiz eleitoral definir caso a caso o que é efetivamente gasto eleitoral e o que não é, obedecendo sempre aos critérios descritos em lei, uma vez que não se trata de um julgamento subjetivo da questão por parte do magistrado. O Juiz tem prerrogativas a cumprir, não podendo também extrapolar o limite da sua atividade jurisdicional.

Após definidos os respectivos gastos eleitorais, se viabiliza a prestação de contas, esta descrita no art. 28 a 32 da LE.

O art. 28 descreve como será feita a prestação de contas nas eleições majoritárias e proporcionais.

Nas eleições majoritárias, a prestação de contas do candidato ou partido será feita através de seu comitê financeiro, na forma como a Justiça Eleitoral dispuser, por meio de Resolução do TSE. Deverão ser apresentados os extratos das contas bancárias que reflitam a movimentação financeira dos recursos utilizados no financiamento da campanha eleitoral de todo o período em que a conta foi utilizada – ou seja, desde sua abertura até o seu encerramento - bem como a relação de cheques recebidos, com os dados completos do doador.

Já nas eleições proporcionais, a prestação de contas poderá ser realizada através do comitê financeiro ou pelo próprio candidato, sendo também possível que ambos conjuntamente prestem contas. O procedimento será feito através dos recibos eleitorais e os formulários que constam dos anexos da LE, preenchidos conforme dispõe a lei. Outros documentos adicionais a fim de esclarecer melhor a origem, valores, entre outros dados dos recursos poderão ser também utilizados, a critério do partido ou candidato.

No parágrafo 3º do art. 28, novamente depara-se com a figura da extinta UFIR, ficando a norma eleitoral sem qualquer nova disposição neste sentido, a não ser a já abordada anteriormente. Desta forma, as contribuições, doações e receitas, antes convertidas em UFIR, agora serão convertidas conforme o novo posicionamento da Justiça Eleitoral, o qual consiste em aplica-se o valor de R$ 1,0641 para cada UFIR.

Ressalte-se que o candidato é o único responsável pelas informações cedidas para fins de prestação de contas, devendo assinar sozinho ou conjuntamente com a pessoa designada por ele par auxilia-lo nesta tarefa, conforme preceitua o art. 21 da LE.

Preenchida toda a documentação exigida pela Justiça Eleitoral, todos os gastos, recursos, doações, origem do recurso, dentre outros dados de vital importância deverão constar na documentação, não estando subordinadas a tal norma somente as exceções já vistas e comentadas anteriormente.

Tendo as peças da prestação de contas já em seu poder, os comitês deverão conferir a compatibilidade das informações contidas na documentação com os candidatos e partidos, uma vez que são solidariamente responsáveis pelos dados descritos. Caso haja alguma incongruência, é o tempo de averiguar.

Assim, segundo o art. 29, os partidos deverão verificar os valores declarados (o que entrou e o que saiu, quanto foi destinado para cada candidato, etc); deverão resumir as informações por meio de um demonstrativo detalhado, sendo tudo encaminhado para a Justiça Eleitoral competente no prazo de 30 (trinta) dias depois das eleições no primeiro turno. Caso haja segundo turno, a prestação de contas dos candidatos que estão disputando o cargo poderá ser encaminhada até o prazo de 30 (trinta) dias após a segunda votação, não importando se trata-se de eleições majoritárias ou proporcionais.

Já no dispositivo ora analisado, mais exatamente no parágrafo 2º, a LE condiciona a diplomação do candidato eleito ao encaminhamento tempestivo da prestação de contas do mesmo.

Ocorre que condicionar a entrega da prestação de contas à diplomação exige muita cautela, posto que as conseqüências poderão ser graves.

Nitidamente a intenção da norma legal é coagir o candidato a cumprir com o prazo estabelecido para a entrega da prestação de contas. Assim, caso este não cumpra com o prazo, o diploma não será expedido, e o candidato vencedor não poderá assumir o cargo, sendo substituído temporariamente pelo suplente ou vice até que a sua situação se regularize, já que o processo de diplomação possui uma data limite para ocorrer.

Mas tal situação implica dizer que somente a entrega da prestação de contas já basta, por mais que esta tenha sido feita de maneira incorreta, irregular, eivada de erros, o que também não se pode tolerar.

Todavia, já entrando neste ponto, se pode abordar o art. 30 da LE, na qual está disposto que a Justiça Eleitoral decidirá sobre a regularidade da prestação de contas apresentada pelo partido ou candidato.

Caso a prestação de contas seja rejeitada, não haverá qualquer sanção eleitoral, a não ser as previstas nos arts. 36 e 37 da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9096/95) [06]. Entretanto, o art. 54, parágrafo único da Resolução n. 21609/04 do TSE [07] determina que, na hipótese de rejeição das contas apresentadas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia integral do processo ao Ministério Público Eleitoral, para as providências cabíveis, uma vez que o Ministério Público é totalmente legitimado a ajuizar as ações cabíveis em caso de abuso de poder econômico configurado, como Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, Ação de Investigação Judicial Eleitoral e Recurso contra a Diplomação, na hipótese do candidato envolvido já ter sido diplomado.

Constata-se facilmente que a Justiça Eleitoral apenas se limita a dizer se é regular ou não as contas prestadas, não se tratando de um "julgamento" da prestação de contas, mas somente em uma manifestação de acatamento ou não das contas apresentadas pelos partidos e candidatos, sendo um ato puramente de caráter administrativo. Entretanto, mesmo tendo cunho administrativo, não impede condenação posterior dos responsáveis caso seja confirmada qualquer irregularidade que configure em fraude, corrupção ou abuso de poder econômico, em processo próprio, sendo estes punidos como crimes eleitorais, nas formas da lei. [08]

Com relação à análise da prestação de contas, está claramente disposto que erros formais e materiais não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato ou partido (parágrafo 2º do art. 30, LE).

Ora, além de não autorizar a rejeição das contas, também não é possível de se arbitrar sanção ao candidato ou partido envolvido nestas hipóteses, entendimento este que é passivo de inúmeras críticas.

Erros tidos como formais ou materiais podem ser um nítido indício de irregularidade na conta do partido ou candidato, e geralmente a Justiça Eleitoral simplesmente requer ao mesmo para que regularize o erro identificado, sem qualquer maior providência.

Como somente as decisões de mérito que permitem a rejeição das contas, será que um erro material ou formal ao poderá comprometer este julgamento? Caso realmente isso aconteça, a norma legal não traz uma solução a não ser devolver as contas apresentadas ao partido ou candidato responsável.

Também pudera, por mais que esteja previsto no parágrafo 3º e 4º do art. 30 que a Justiça Eleitoral poderá requisitar técnicos do Tribunal de Contas, bem como poderá requisitar ao próprio candidato ou partido para que auxilie a elucidar a irregularidade identificada, de nada adianta, uma vez que o trabalho da Justiça Eleitoral no exame e análise de cada conta prestada por candidato ou partido configura-se em um trabalho vultuoso, quase que desumano. O volume de documentos e de informações a serem averiguadas tornam a pretensão do legislador praticamente insustentável, sem falar que o prazo de 8 (oito) dias para a tarefa chega a ser impraticável, conforme previsto no mesmo artigo, parágrafo 1º.

Devido a todo este cenário que a averiguação das informações cedidas pelos partidos e candidatos é ato ineficaz, motivo este que leva a Justiça Eleitoral a limitar-se entre acolher ou rejeitar as contas, simplesmente, a fim de cumprir o prazo legal, sob pena de comprometer inclusive a diplomação dos eleitos.

As sanções que podem ser previstas caso realmente se efetive as irregularidades, como omissão, atraso ou rejeição das contas, poderão ser de cunho penal e administrativo para os partidos e seus dirigentes; para os candidatos sanção de caráter penal, administrativo (não diplomação do candidato eleito), bem como a possibilidade de ajuizamento das ações eleitorais cabíveis, como a ação de impugnação ao mandato eletivo e recurso contra a diplomação; bem como a sanção de terceiros envolvidos, cabendo a estes somente a responsabilidade penal.

De fato, o sistema de averiguação de prestação de contas previsto neste art. 30 restou ineficaz, inclusive após a modificação do seu parágrafo 4º, uma vez que na Lei Eleitoral de 1993 e de 1995, as instituições financeiras eram convocadas a auxiliar a Justiça Eleitoral a analisar os dados tidos como irregulares, providência esta que era de grande valia. Ocorre que atualmente, são convocados somente o partido e o candidato, deixando claro que a norma legal recuou – e muito – com relação a tal ponto.

Esclarece-se que na época em que as instituições financeiras eram convocadas para explicitar as informações e dados irregulares, este auxílio era de grande importância para a rejeição de contas que efetivamente não mereciam ser homologadas pela Justiça Eleitoral.

No art. 31 consta a previsão de que, caso exista alguma sobra de recursos financeiros, estes também deverão constar na prestação de contas, sendo que após a apreciação desta, estes recursos serão remetidos aos respectivos partidos políticos, para fins de criação e manutenção da própria educação política partidária, não devendo ser os recursos destinados à outras finalidades, senão as previstas no parágrafo único do art. 31.

Como se trata de recursos, estes somente poderão ser transferidos aos partidos após o trânsito em julgado de todas as ações ajuizadas em que se discute a legalidade destas verbas, não sendo sequer coerente que ocorra a referida transferência antes da decisão final destas ações. É certo que a legislação eleitoral não determinou um prazo para a liberação destes recursos após o trânsito em julgado das referidas ações, o que se pode entender que a liberação deverá ser imediata.

E, por fim, dispõe o art. 32 que até 180 (cento e oitenta) dias após a diplomação do candidato eleito, a documentação referente às contas do mesmo deverá ser mantida, bem como em caso de demanda judicial que discuta as contas ou as envolva de qualquer modo, devendo ser conservada a documentação referente até decisão final de todas.

Tal prazo é prazo prescricional. Assim, após os 180 (cento e oitenta dias) previstos, tantos os partidos como os candidatos estão totalmente eximidos de suas responsabilidades no que envolva a respectiva prestação de contas. Entretanto, a responsabilidade civil, penal, tributária persiste, devido aos seus próprios preceitos.

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Sobre a autora
Ana Claudia Santano

Pós-doutoranda em Direito Público Econômico na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Doutora pelo programa "Estado de Derecho y Buen Gobierno" (2009-2013) e mestre pelo programa "Democracia y Buen Gobierno" (2007-2008), ambos pela Universidad de Salamanca, Espanha. Período de pesquisa na Universitá di Bologna, Itália. Especialista em Direito Constitucional na ABDConst - Academia Brasileira de Direito Constitucional (2006-2007), em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (2005), Brasil e em Comunicação Política pelo Instituto de Iberoamérica, na Universidad de Salamanca, Espanha (2013). Membro do conselho editorial da Revista Paraná Eleitoral, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, Brasil e da editora Ithala. Membro da comissão de responsabilidade social e política da Ordem dos Advogados do Brasil, Paraná. Membro do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral - IPRADE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANO, Ana Claudia. O procedimento para o financiamento de campanhas eleitorais e a problemática da prestação de contas dos recursos utilizados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 836, 17 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7435. Acesso em: 24 abr. 2024.

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