O artigo 139, IV do Código de Processo Civil, como garantia de efetividade da execução por quantia.

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05/06/2019 às 11:15
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Tendo em vista que a execução por quantia certa está sendo fadada ao fracasso, pesquisa-se sobre o art. 139, IV do CPC como garantia de efetividade da execução por quantia, a fim de demonstrar a importância da presença da atipicidade na execução.

1. INTRODUÇÃO   

A execução é fase mais importante do processo em virtude do momento da concretização do direito reconhecido na sentença ou no titulo extrajudicial. Mas, infelizmente nem sempre esse direito se materializa de forma efetiva, com a entrega do bem da vida pretendido. Mesmo com a existência de mecanismos de consecução, penhora e expropriação, este binômio não foi capaz de atender as expectativas do credor na execução por quantia certa. A partir dessa circunstância, vislumbra-se a necessidade da adoção do princípio da atipicidade, que desde o Código de Processo Civil de 1973 já era utilizado nas obrigações de fazer e não fazer e entregar coisa ser utilizado também na execução por quantia certa.

A execução por quantia, sempre foi fadada de maior ineficácia dentre os outros tipos de execução porque era exclusivamente estruturada em uma técnica casuística, engessada e principalmente previsível, fazendo com que o executado se antecipasse tornando a penhora e a expropriação ineficazes.

O Código de Processo Civil de 2015 inovou, outorgando poderes ao juiz, autorizado pelo artigo 139, IV do CPC, que consagra o princípio da atipicidade, não só na ordem judicial como também nas prestações pecuniárias, podendo compelir o “devedor profissional” de maneira mais enérgica a cumprir a obrigação. Mas o referido dispositivo está causando controvérsias a respeito do seu cabimento, nas obrigações por quantia, pois as medidas restringem direitos fundamentais do executado.

A essa premissa, o presente trabalho objetiva estudar isoladamente o artigo 139, IV do CPC, demonstrando a sua constitucionalidade e efetividade no processo de execução e cumprimento de sentença por quantia certa, e sua forma de aplicação.

As esfinges acerca das polêmicas geradas pela aplicação do artigo 139, IV do CPC surgiram os seguintes questionamentos: Até que ponto o poder concedido ao magistrado pode ir? A partir de que fronteira se estaria ultrapassando os limites constitucionais? Qual o melhor entendimento do preceito normativo? Como deve ser aplicado no caso concreto?

O objetivo geral é abordar a compreensão doutrinária e jurisprudencial e demonstrar a importância da presença da atipicidade das medidas executórias na execução por quantia certa.

Com isso, teremos que compreender especificamente, de que forma o artigo 139, IV do CPC pode garantir efetividade na execução por quantia certa; relacionando o mesmo com o diploma constitucional e analisaremos os aspectos gerais do cumprimento de sentença e o processo de execução sob a luz do artigo 139, IV do CPC e por fim vamos avaliar as medidas atípicas que estão sendo adotadas e cogitadas atualmente, para o credor reaver o seu crédito.

Parte-se da hipótese de que o artigo 139, IV do CPC é constitucional e que as medidas atípicas devem ser utilizadas e que o poder de efetivação confiado ao magistrado está limitado.

Assim, para viabilizar o teste da hipótese, realiza-se uma pesquisa de finalidade básica estratégica, objetivo descritivo e exploratório, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem baseada em procedimentos bibliográficos e documentais. 

No primeiro capitulo, vamos tratar das causas que provocaram a crise da execução e o marco da inserção da atipicidade executória no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, iremos estudar a natureza jurídica e seu conceito a partir da ótica da jurisprudência e de doutrinadores consagrados.

No segundo capítulo, iremos iniciar uma breve reflexão do artigo 139, IV do CPC, como cláusula geral, os seus influxos constitucionais e aos direitos e garantias que se revertem em prol do executado.

No terceiro capitulo, abordaremos a forma de aplicação do artigo 139, IV do CPC, pontuando apenas os aspectos comuns entre o processo de execução e o cumprimento de sentença que se faz necessário para garantir a sua utilização, destinação, parâmetros e cessamento das medidas executórias.

No penúltimo capitulo, compreenderemos de forma prática as medidas atípicas em espécie, esmiunçando as que já foram adotadas pelos jurisdicionados e as que estão sendo estimadas pela doutrina.

No último capitulo faremos uma análise critica das perspectivas das medidas executórias atípicas e as possíveis consequências do artigo 139, IV do CPC. 

Ao final, conclui-se que os objetivos são atendidos e as perguntas restam respondidas, com a confirmação de duas das hipóteses, indicando que o artigo 139, IV do CPC é uma nova garantia de efetividade na execução por quantia certa, e que se mostra necessário a sua utilização para equacionar o problema da desonestidade do devedor, que não paga por que não quer.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DOS MEIOS EXECUTÓRIOS E ATIPICIDADE DAS MEDIDAS EXECUTÓRIAS.

A primeira positivação de direito processual à cerca de execução decorre da Lei das XII Tábuas, criada pelos romanos por volta de 450 a. C. Foi o primeiro instituto jurídico a prevê sanções de caráter executório.

O direito romano não utilizava o termo obrigação com o sentido moderno, mas, já empregava suas prerrogativas, surgindo à ideia de vinculo jurídico entre credor e devedor, pelo qual um poderia exigir coercitivamente do outro a prestação a que lhe é devida.

As medidas executórias utilizadas nesta época eram perversas e desumana o devedor respondia com o próprio corpo, caso não honrasse com determinado compromisso firmado, o credor também podia cobrar com a cota de sofrimento do devedor.

De acordo com a Lei das XII Tábuas o devedor tinha 30 dias para quitar suas dívidas, caso não o fizesse, o credor tinha direito de golpeá-los, mantê-lo em cárcere privado, vende-lo e até mata-lo. Além disso, existia uma espécie de acordo de garantia chamado pelos romanos de “nexum”, pelo qual o devedor se dava como garantia de um empréstimo a escravidão de si próprio ou de um membro da família sobre o qual ele tinha autoridade em troca da extinção da dívida.

Somente em 313 a.C. é que foi criada a lei Lex Poetelia Papiria que instituiu o vinculo pessoal em patrimonial mas esta lei não dava direito de autodefesa, depois foi elaborada a lei Lex Vallia que estruturou as bases legais para que o devedor só respondesse a dívida com os seus bens, criando as primeiras noções que hoje chamamos de responsabilidade patrimonial do devedor.

Séculos mais tarde os Estados passaram por diversas mudanças, com o fim da Idade Média, o absolutismo predominou o continente europeu, regime politico que concentrava os poderes nas mãos dos reis. Com importantes acontecimentos históricos houve a derrocada do Estado Absolutista, resultado de eventos históricos como a Revolução Gloriosa, o Iluminismo, a revolução Francesa. Deste modo, com a evolução do pensamento humanista, há o aparecimento do Estado Liberal, instituído pelos ideais da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

 No Brasil, o Código de Processo Civil de 1973 adotou uma politica estatal liberal e, portanto, não intervencionista. E ao acolher o eixo liberal, o CPC de 1973 trouxe para si todas as características marcantes desse modelo estatal. Recorde-se que o Estado liberal foi construído em pilares ideologicamente contrário ao Estado precedente, para atender aos reclames da nova ordem social e econômica que pôs fim ao absolutismo. Impulsionados pela necessidade de valorizar a propriedade e a liberdade dos cidadãos, e a partir daí a igualdade e o acúmulo de riquezas, a característica mais marcante de um Estado liberal é justamente o papel não intervencionista do Estado. Como se disse, o temor de um retorno absolutista, da invasão da propriedade e do cerceamento da liberdade praticamente obrigou uma politica não intervencionista do Estado liberal.

Do ponto de vista da atividade jurisdicional executiva, as restrições à liberdade e ativismo judicial ainda eram mais visíveis, porque tal atividade significava, antes de tudo, uma permissão de invasão estatal no patrimônio das pessoas, e, por isso mesmo, toda cautela e rigidez deveriam ser tomadas para evitar o retorno do Estado absolutista e por isso foi adotado a tipicidade dos meios executórios.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 a legislação processual civil brasileira passou a ter os influxos da nova ordem constitucional que trouxe à tona a necessidade de que a atividade jurisdicional assumisse a sua vinculação aos valores e preceitos processuais fundamentais, tais como a efetividade do acesso à justiça e a razoabilidade de duração do processo.

A primeira inserção do princípio da atipicidade no ordenamento jurídico brasileiro foi no seio da obrigação de fazer e não fazer relativas às matérias atinentes a direito da criança e adolescente e a do direito do consumidor no ano de 1990 (respectivamente nas Leis nº 8.069/1990 e 8.078/1990).

Mesmo com toda rigidez o CPC de 1973 operou satisfatoriamente durante quase vinte anos. Mas a partir de 1990 é que a comunidade jurídica e correspondente a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores de Direito a respeito da ineficácia executiva, se instaurando a partir daí, “a crise da execução”.

Diversos são os fatores que contribuíram para prejudicarem a efetivação da tutela executiva como: o excesso de processos; o custo e morosidade da Justiça; a inadequação dos procedimentos executórios; a ineficácia das coações processuais e, além desse cenário, essas esfinges não se limitam apenas dentro do Judiciário, antes mesmo delas chegarem ao Judiciário, já carrega consigo as raízes do problema que são ocasionadas devidas a um novo ambiente econômico e sociológico e a progressiva volatilização dos bens[1].

O fator principal que levava ao fracasso da execução é a ineficácia do procedimento executivo, segundo Marcelo Abelha era por conta:

Da defasagem das técnicas processuais criadas sob uma perspectiva de ultra valorização do formalismo, positivista e liberal, ultrapassado e inconveniente para o modelo sociopolítico econômico e cultural da atual sociedade e a crise de confiança. (ABELHA, 2015, p.29).

Somente em 1994, com a edição da Lei n° 8.972/1994, é que se passou a prever a atipicidade dos meios executivos no tocante às ações que tivessem por objeto a obrigação de fazer e não fazer (Artigo 461, § 5º, CPC/1973). Em 2002 estendeu-se a aplicação do regime atípico nas obrigações de entrega de coisa, dando o mesmo tratamento das tutelas de obrigação de fazer e não fazer e não abarcando as obrigações de pagar quantia.

Portanto, o Estado liberal que têm como escopo a liberdade politica e civil acabou inviabilizando o sistema processual brasileiro de 1973 para um regulamento engessado, a dicotomia de liberal e absolutismo tornou-se de modo indireto uma das causas do fracasso da execução civil, embora a intervenção do Estado representasse uma ofensa ao liberalismo, é essencial a atuação coercitiva para privilegiar os princípios constitucionais, superado todos os obstáculos propedêuticos, as reformas e inovações são essenciais para acompanhar o ritmo das relações comerciais e o crescimento da sociedade afinal, nunca é demais recordar as palavras de Chiovenda que Alfredo Buzaid adotou como epígrafe na Exposição de Motivos do Projeto que posteriormente se transformou no Código de Processo Civil de 1973: “Convém decidir-se a uma reforma fundamental ou renunciar à esperança de um sério progresso”.

2.1 Conceito de Atipicidade dos Meios Executórios

Podemos conceituar a atipicidade dos meios executórios como a possibilidade de o magistrado ser criativo o suficiente para criar modelos executivos que se mostrem idôneos para dar ao credor a satisfação que o inadimplemento do devedor lhe vedou. A doutrina define meios executórios, conforme Chiovenda apud Zavazcki (2004, p. 103), “as medidas que a lei permite aos órgãos jurisdicionados pôr em prática para o fim de obter que o credor logre praticamente o bem a que tem direito”.

É relevante também apontar a definição do princípio da atipicidade dos meios executórios, pois o mesmo consagrado no artigo 139, IV do CPC/ 2015 diz que o juiz poderá, em cada caso concreto, utilizar o meio executivo que lhe parecer mais adequado para dar, de forma justa e efetiva, a tutela jurisdicional executiva.

Em decisões monocráticas o Superior Tribunal de Justiça define que Atipicidade das medidas executória é a necessidade da medida do fundamento e o fim (o limite) estabelecido pelo legislador para delimitação da medida a ser imposta pelo juiz. Medida processual necessária deve-se entender aquela que seja adequada, proporcional e razoável para assegurar o cumprimento da ordem judicial.

2.2   Natureza Jurídica da Atipicidade dos Meios Executórios

A atipicidade é uma norma implícita que complementa fórmulas adotadas diretamente pelo legislador, um procedimento de integração do Direito para se atender a rigor o que uma norma fechada não contemplaria de modo a lograr êxito para efetivar a prestação devida. No dizer de Luís Roberto Barroso (1993, p. 79) refere-se à efetividade como, “simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social”.

No âmbito da atipicidade ser uma norma implícita que elastece os poderes do juiz, o civilista Clóvis Beviláqua defende que:

 “ (…) existem regras latentes, cuja aplicação se faz, por assim dizer, inconscientemente, que completam os preceitos expressamente formulados”. (BEVILÁQUA; Apud NADER 2011, p. 92)

Para se entender a natureza jurídica da atipicidade se faz necessário conceituar uma tutela jurisdicional efetiva:

É aquela que não se limita a revelar uma norma jurídica concreta, mas também permite efetivamente que haja sua satisfação no mundo dos fatos, preferencialmente nas condições mais próximas possíveis daquela se teria caso não tivesse ocorrido à crise jurídica que teve de ser debelada no Poder Judiciário (RODRIGUES, 2015, p. 4).

Por aí já se vê que a atipicidade trabalha na obtenção de resultado mais próximo possível por meio de coerção que se enquadre ao caso concreto, medidas essas que não estão positivadas no ordenamento especificamente ditando o passo a passo a ser seguida, pelo juiz e sim como cláusula geral como aludem a seguir:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias. (BRASIL, 2015).

Muitos juristas e doutrinadores afirmam que medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub- rogatória é a mesma coisa, sinônimos, é claro que a finalidade é a mesma, mas o tipo geral de procedimento é diferente e foi por isso que o legislador não deixou de mencioná-las para abarcar todas as possíveis possibilidades a critério do juiz diante do caso concreto. Por meio de medidas indutivas, segundo Meireles (2016, p. 202), se “busca oferecer ao obrigado uma vantagem um prêmio, como incentivo ao cumprimento da decisão jurídica”.

Medidas mandamentais são aquelas que veiculam uma ordem mandamental, cujo descumprimento pelo destinatário configura o crime de desobediência. Já a coercibilidade quer dizer a possibilidade de uso da coação, esta possui dois elementos: psicológico e material, a primeira exerce a intimidação, através das penalidades previstas para a hipótese de violação das normas jurídicas e o elemento material é a força propriamente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpre espontaneamente. Os meios de sub- rogação são aqueles por meio dos quais

(…) o Estado-juiz desenvolve atividade que substitui a atuação do executado, dispensando-a, e que se revela capaz de produzir resultado prático equivalente ao que se teria se o próprio executado tivesse adimplido a prestação. (CÂMARA, 2015, p. 318)

A sub-rogação se divide em desapossamento, meio de transformação e meio de expropriação. A execução para pagamento de quantia deve observar, primeiramente, a tipicidade dos meios executivos sendo permitido, subsidiariamente. É preciso interpretar o artigo 139, IV do CPC em conformidade com o postulado do artigo 926, “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. (BRASIL, 2015).

Deste modo, a natureza intrínseca da atipicidade dos meios executórios sempre esteve atrelada à flexibilidade da norma, sem a margem de liberdade para uma contribuição que propicie uma atuação discricionária do juiz (este poder não é ilimitado), seria impossível favorecer a efetividade quando se exigir em um caso concreto. A segurança jurídica está resguardada nos standards da execução de acordo com a ordem de procedimento a ser adotado, verificação aos precedentes e princípios norteadores, todo esse conjunto para se aproximar o máximo possível a realidade social.

                                                                                                                                                                    

3. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO ART. 139, IV DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

O artigo 139, IV é uma garantia de efetividade da demanda executiva na obrigação de pagar quantia certa, que antes era marcada apenas pelo binômio penhora e expropriação. No Código de Processo Civil de 1973 não havia a possibilidade de o juiz lançar mão de medidas coercitivas, capazes de pressionar o executado a pagar. Para se entender a aplicação do artigo 139, IV do CPC, é necessário explicar a sua técnica, a sua consonância com a Constituição Federal e seus influxos com os direitos fundamentais do exequente e executado.

3.1  Cláusula Geral

A cláusula geral é uma técnica legislativa que permite a mobilidade do juiz, dentro da relação processual que visa estabelecer que o direito, deve ser uno e indivisível. É o método adotado que permite atender às especiais circunstâncias do caso concreto, admite a incompletude, a capacidade de evolução e a modificabilidade do sistema, impregnando-o de dinamicidade em desenvolvimento gradual e contínuo. Aqui, não há previsão rígida de previsões normativas, havendo, portanto, espaço para a ponderação de critérios. Desse modo, segundo Pereira Filho (2016, p. 53) “(...) o artigo 139, IV do NCPC, a nosso ver, confere ao juiz a possibilidade de agir a partir da emissão de ordens vocacionadas ao cumprimento da sua decisão”.

O art. 139, IV do Código de Processo Civil, norma aberta, dá poderes ao juiz para decidir de acordo com o caso concreto qual medida será imposta ao executado ou réu para forçar o cumprimento das suas próprias ordens, inclusive as de oficio. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados aprovou um enunciado a respeito do respectivo dispositivo legal:

“O artigo 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos executivos e extrajudiciais”. (ENUNCIADO 48 APROVADO NO SEMINÁRIO – O PODER JUDICIARIO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ENFAM).

O professor Araken de Assis declarou[2] ser totalmente contrário aos poderes que foi deliberado ao juiz, segundo ele o exercício dos poderes atípicos redunda em simples arbitrariedades, aponta ainda que os limites políticos devam ser respeitados (refere-se ao princípio da responsabilidade patrimonial do devedor).

Outros juristas que se posicionaram a respeito do tema foram os juristas Lenio Streck e Dierle Nunes[3], segundo eles o artigo 139, IV do CPC é uma carta branca para o arbítrio pois, para eles a nova clausula geral impõe novos desafios interpretativos que podem conduzir a uma análise superficial e utilitarista, desprezando as balizas constitucionais.

O advogado Heitor Sica, sócio do escritório Engholm Cardoso & Sica também não concorda com a ampliação dos poderes ao juiz, nas palavras dele, o artigo 139, IV do CPC “É um cheque em branco para os juízes”[4], reconhece que agora os magistrados têm mais poderes para forçar o cumprimento de suas decisões, mas, entende que existem limites a respeitar.

O referido professor Araken de Assis tem uma visão literal da lei, ignora completamente a doutrina e a qualificação do devedor pelo o qual essas medidas atípicas são destinadas, existem os limites estabelecidos pelo artigo 8º do Código de Processo Civil. 

No ponto, é válido trazer a colocação de Carmona (2005), ao concluir sua análise sobre a reforma da execução em 2005. Ele sugeriu que:

O passo seguinte, ainda em sede de execução, será – assim espero – a ampliação dos poderes do juiz, com a progressiva mitigação dos rigores procedimentais: a desestruturação da execução. Estou certo, é o caminho adequado para atingir o tão almejado processo de resultados. (CARMONA, 2005, p.78)

Por se tratar de artigo que se encontra na parte geral do Código de Processo Civil somente será utilizada em caráter subsidiário em detrimento do procedimento específico, a função da clausula geral gira em torno da efetividade da tutela executiva e não no executado. Esgotados todos os procedimentos típicos previstos para a obrigação de pagar quantia é que se fará necessário a utilização da atipicidade; seria uma espécie de “ultima ratio” a ser aplicada no processo executivo ou em casos excepcionais que será tratada no capitulo seguinte. Essa é a visão de processualistas consubstanciada no enunciado 12 do FPPC:

(Arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução). (ENUNCIADO 12 DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS).

Cabe destacar que essa visão de subsidiariedade é da jurisprudência.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TITULO JUDICIAL. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS FUNDADAS NO ART. 139, IV DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. CARATER SUBSIDIÁRIO DAQUELAS EM RELAÇÃO A ESTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. As medidas executivas fundadas no art. 139, IV, do CPC/2015, em razão de sua atipicidade, devem ser adotadas excepcionalmente, de forma subsidiária àquelas típicas já previstas no ordenamento jurídico. É dizer, só devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução, de forma subsidiária.”

(TJ /SP, Agravo de instrumento n. 2017511-84.2017.8.26.0000, 31ª Câmara de Direito Privado. Rel. Adilson de Araújo, j. 11.04.2017).

.A noção de trabalhar a realidade de forma atípica não significa ausência de parâmetros, os critérios a ser observados pelo juiz são vários, assim se garante a segurança jurídica tanto para o credor quanto para o executado. Os critérios a serem analisados pelo juiz são os seguintes parâmetros: a) a necessidade de realização da tutela devida; b) a observância ao contraditório; c) a necessidade de fundamentação da decisão que determinou a medida executiva e d) observância do postulado da proporcionalidade levando em consideração a necessidade de efetivação da tutela e o principio da menor onerosidade do devedor.

 A cláusula geral ressalta a instrumentalidade do processo e não o mero meio técnico, importante instituto jurídico, a ser empregada em eventuais fracassos da tipicidade, pois, a única forma do ordenamento jurídico está sempre em conformidade à disposição da resolução dos conflitos. Então, o art. 139, IV do Código de Processo Civil é uma garantia de conferir efetividade nas tutelas executivas por tratar todas as observâncias em relação ao executado, o melhor meio de técnica executiva aberta de acordo com a conjuntura do caso concreto. 

Como bem insiste Fachin (2003, p. 30), “a relação jurídica exprime menos um meio técnico para desenhar uma exposição e mais uma ordenação conceitual para dar conta de um modo de ver a vida e sua circunstância”.

Ainda que o legislativo continue a se valer de Códigos, deixa-se de utilizar apenas a técnica casuística, admitindo-se as cláusulas gerais, permitindo o juiz considerar circunstâncias não normatizadas, para dar uma solução adequada aos casos concretos. Cabe destacar, que no Código de Processo Civil de 1973 a execução por quantia certa era estruturada exclusivamente, pela técnica casuística, porém, com o passar do tempo, tornou-se necessário munir os litigantes e o juiz de uma maior amplitude de poder, para novas situações de direito material e com as realidades concretas, seja para dar ao juiz a efetiva possibilidade de tutelá-las.

3.2 A Constitucionalidade do Art. 139, IV, do Código de Processo Civil.

A exposição de motivos para o código de processo civil 2015 elencou todas as razões para a reforma total do código de 1973; mais o ponto central que levou a essa transição foi a primordialidade da constitucionalização do processo civil em face da efetividade como premissa básica do processo como garantia da satisfação e mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo, para afastar os obstáculos para o acesso a Justiça, a que comumente se alude, isto é, a duração do processo, seu alto custo e excessiva formalidade.

O artigo 139, IV do Código de Processo Civil está causando controvérsias por parte da comunidade jurídica a respeito do seu cabimento, pois há aqueles que entendem que as medidas adotadas entram em confronto com os direitos fundamentais do executado e por isso o referido artigo seria inconstitucional. Só que mesmo na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o autor Marcelo Lima Guerra já defendia o seguinte posicionamento:

Na obra “Os direitos fundamentais e o credor na execução” que, na ausência de uma norma constitucional que explicite o poder-dever do juiz adotar meios não previstos em lei, este poder existia como corolário do direito fundamental à tutela executiva, em qualquer caso de prestação de tutela executiva, o juiz já estava autorizado pela Constituição a adotar os meios executivos que se revelassem necessários, ainda que não previstos em lei, para proporcionar uma integral satisfação da tutela executiva. (GUERRA, Op. cit. p. 104).

No entendimento de Marinoni; Arenhart e Mitidieiro (2016, p. 156), “o Estado constitucional inverteu os papeis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais”.  

Antes de entrarmos no mérito se o mencionado artigo é ou não constitucional, precisamos explicar a interpretação correta do preceito normativo: Primeiramente não possui um viés punitivo pelo contrário, se opta se premia, se corrige de forma que ajude o executado a lidar com as consequências dos seus próprios atos; não dá brecha ao executado ocultar o seu patrimônio a fim de fraudar a execução e pode até mesmo ocorrer que em virtude do princípio da menor onerosidade do devedor seja preferível o juiz adotar uma medida atípica do que a típica de forma a “prima facie”.

Ora, as controvérsias mais calorosas sempre giram em torno dos direitos fundamentais do executado, mas não devemos esquecer que o processo de execução e a fase de cumprimento de sentença são do credor como informa o artigo:

“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.” (BRASIL, 2015)

A constitucionalidade se dá pelos inúmeros preceitos espalhados pela carta magna que enfatizam a harmonia com o art. 139, IV do CPC, o artigo 5º, inciso LIV (Brasil, 1988) com a seguinte redação, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Depois de passar por cognição exauriente e decretada sentença condenatória e iniciada a fase de cumprimento de sentença ou processo de execução e exauridos todos os mecanismos típicos do sistema processual é que se fará jus aos meios elencados do inciso IV do art. 139 e o principio do devido processo legal se coaduna completamente com a regra processual, dando ao executado todas as possibilidades de contraditório e ampla defesa e meios de impugnações.

Outro instituto constitucional está expresso no caput do art. 5º, CF/ 88 que menciona:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes (...).” (BRASIL, 1988)

Declara a igualdade de todos perante a lei, como também garante essa igualdade através de outros princípios esculpidos no próprio artigo, por exemplo, o princípio da motivação das decisões (CF, art. 93, IX) a atipicidade têm que está plenamente motivada e justificada pelo juízo; o princípio da isonomia processual reconhece que se é possível à atipicidade na obrigação de fazer e não fazer é inteiramente admissível na obrigação de pagar quantia certa, pois a fragilidade do credor perante o executado exige que em nome da isonomia das técnicas processuais e da satisfação da tutela se utilize o meio que mais tem capacidade de obter o resultado prático equivalente.  

Já o principio da inafastabilidade da jurisdição na Constituição Federal não é só a simples acessibilidade à justiça. Em relação à constitucionalidade se deve ao fundamento de não deixar o credor na fase mais importante do processo se contentar com o “ganhou, mas não levou” nesse momento se fará imperiosa a atuação do Estado-juiz na satisfação do crédito.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

“XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito.” (BRASIL, 1988)

Como já mencionado a inafastabilidade da jurisdição é dupla facie se desdobra em o direito de ingressar em juízo e o direito de torna-la efetiva. O autor Kazuo Watanabe destacou que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da CF, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa (WATANABE, 1996).

O princípio da razoabilidade do processo elencado no art. 5º, inciso LXXVIII está intimamente ligado ao preceito normativo do art. 8º do Código de Processo Civil que reitera o uso do bom senso e que seja perpendicularmente proporcional ao que se busca exigir. As medidas coercitivas devem está em congruência com os limites estabelecidos pelo principio da dignidade da pessoa humana, tudo que fira de modo absoluto deve ser rechaçado. Por isso, não há inconstitucionalidade material no art. 139, IV do CPC até porque o mesmo privilegia vários princípios constitucionais como o princípio da efetividade do processo; da economia processual e da celeridade.

 A jurisprudência já tem se manifestado a favor das medidas atípicas e a maioria se orienta no sentido de adotar o art. 139, IV do CPC conjuntamente com o art. 8º do CPC que tem a seguinte redação:

“Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e as exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (BRASIL, 2015)

Podemos destacar que o art. 8º do CPC contém todos os critérios a serem observados pelo juízo na hora elaborar uma medida que corresponda a todas as expectativas desse dispositivo legal. Acrescento mais um critério a ser analisado: o devedor tem que ser aparentemente solvente (sinais exteriores de riquezas), lembre-se da regra do art. 797, do CPC, há situações em que o devedor, tendo possibilidade de satisfazer o seu credor, não o faz ao bel-prazer e discricionariedade, como se o adimplemento de sua obrigação estivesse condicionado ao seu próprio senso subjetivo de oportunidade e conveniência.

Analisando o parágrafo anterior fica evidente a má-fé do executado perante a Justiça, isso demonstra ser mais um indicativo que a medida executória é constitucional ela coaduna com a boa fé e não o contrário, a Constituição condena ato atentatório à justiça, a conduta se configurando atinge, em cheio o princípio constitucional da fraternidade social.

Em posição contrária, parte da comunidade jurídica entende que o artigo 139, IV do CPC de 2015 poderá tornar o instrumento perfeito para coação, para credores colocarem em prática o livre exercício das próprias razões, e que confronta o Princípio da proporcionalidade.

Por exercer função essencial à justiça a Advocacia Geral da União defende no Supremo Tribunal Federal as medidas executórias sob o argumento que o objetivo das medidas executórias é buscar a concretização de um processo mais justo, célere o atento aos reclames da sociedade, sempre com respeito ao modelo constitucional de processo, no que tange a proporcionalidade da medida estabelecida, deve ocorrer à luz do caso concreto, via controle difuso, sempre ao respeito aos preceitos da constituição federal, e em vista a adoção da medida que melhor se compatibilize aos preceitos fundamentais concretamente colidentes.

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A Procuradoria Geral da República no dia 18 de dezembro de Janeiro de 2019, também emitiu parecer[5] a respeito da ADI 5.941/DF, se posicionou no sentido de que as medidas atípicas devem ser empregadas de forma subsidiaria, fundamentada, mas, de caráter estritamente patrimonial, que o juiz deve excluir as hipóteses que importem em restrições de liberdade. Diante disso, opinou pela procedência do pedido da ADI.     

O Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou formalmente a respeito da constitucionalidade do art. 139, IV do CPC, como o Partido dos Trabalhadores ingressou com ação de inconstitucionalidade do preceito normativo e o ministro Luiz Fux, relator do processo determinou a adoção do rito sumário. Destarte o ministro Luiz Fux em comemoração a 30 anos da Constituição Federal declarou que “As decisões do Supremo Tribunal Federal têm de refletir os anseios da sociedade, ou seja, do povo” [6], então, se espera que a decisão seja livre de influências políticas e prevaleça a constitucionalidade do preceito normativo, pois, segundo Donizetti[7], um dos membros da comissão alteradora do Código de Processo Civil 2015, afirma exatamente isso, que o dispositivo legal expressa a constitucionalização do Direito Processual Civil, sendo a positivação do “totalitarismo constitucional”.

Apesar do STF ainda não ter se posicionado sobre o caso, mas o art. 139, IV do CPC é constitucional além do mesmo privilegiar vários preceitos constitucionais já mencionados anteriormente, o STF terá que sopesar os direitos fundamentais do exequente e do executado, a Corte parte do pressuposto que o direito fundamental individual não é absoluto.

 “OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. ” Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20

Com efeito, o direito absoluto, é uma discrepância em termos, eles podem ser relativizados. Até porque geram conflitos entre si, e no caso dos direitos entre o exequente e o executado não se pode estabelecer a priori qual direito vai ganhar o conflito, pois essa questão tem que ser analisado à luz do caso concreto. Além do mais, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos e se blindar do manto constitucional para não satisfazer uma obrigação.

De acordo com André Ramos de Tavares:

“Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada nos casos concretos, independentemente da consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais. Assim, tem-se de considerar que os direitos humanos consagrados e assegurados: 1º) não podem servir de escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas; 2º) não servem para respaldar irresponsabilidade civil; 3º) não podem anular os demais direitos igualmente consagrados pela Constituição; 4º) não podem anular igual direito das demais pessoas, devendo ser aplicados harmonicamente no âmbito material. Aplica-se, aqui, a máxima da cedência recíproca ou da relatividade, também chamada ‘princípio da convivência das liberdades’, quando aplicada a máxima ao campo dos direitos fundamentais.” (TAVARES, 2017 p. 528).

Devido ao conflito de normas entre direitos fundamentais entre credor e devedor o próprio Código de Processo Civil regula esta questão no seu artigo 489,§ 2º, autorizando a ponderação, além disso, o juiz deve considerar todos os elementos do caso, in verbis:

Art. São elementos essenciais da sentença:

§ 2º. No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a decisão;

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa fé. (BRASIL, 2015).  

Portanto, se os direitos fundamentais têm, em sua maioria, a natureza de princípios, e se os princípios[8] “são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídica e fáticas[9]”, ou seja, os princípios não são excluídos e sim, se afasta a aplicação de um deles, dependendo da melhor situação a ser conferida pelo caso concreto. Assim prescreve Ronald Dworkin:

A técnica da ponderação augura, precisamente, esquadrinhar metodologicamente as condições jurídicas e fáticas que subjazem aos direitos em tensão visando a construir a regra do caso. (DWORKIN, 2010. p. 42).

 É por esse percurso que o juiz da execução conseguirá avaliar se o emprego de uma medida executiva atípica importa ou não restrição insuportável ao direito fundamental do devedor.

As medidas atípicas não são novidades no ordenamento jurídico brasileiro como já mencionado no Capitulo 2 deste trabalho monográfico, já eram utilizadas no Código de Processo Civil de 1973 nas obrigações de fazer e não fazer (Artigo 461, § 5º, CPC/1973). As divergências doutrinárias são no sentido de que o cumprimento de sentença e o processo de execução deve se ter o procedimento executório típico e sempre pautado na evidência eminentemente patrimonial, não se confundindo com os direitos constitucionais do devedor.

 Só que analisando o procedimento típico verificamos duas medidas típicas que estão previstas no Código de Processo Civil de execução indireta que são utilizadas na obrigação de pagar quantia, para forçar o devedor a pagar que restringem os direitos constitucionais como, por exemplo: o artigo 782 § 3º do CPC que ressalta “a possibilidade de inclusão do nome do executado nos cadastros de inadimplentes”, pois essa medida não recai sobre o patrimônio e sim em um direito fundamental; o artigo 517, CPC, admite “o protesto da sentença durante o cumprimento de sentença”, perceba que ambos os dispositivos afetam o direito de personalidade do devedor. Também na obrigação de fazer e não fazer tem o artigo 536, § 1º que é a remoção de pessoas que recai sobre o corpo do devedor. Além desses exemplos temos várias leis infraconstitucionais que utilizam o princípio da atipicidade para efetivação das decisões.

As relativizações dos direitos fundamentais sempre foram feitas e estão espalhadas em várias leis infraconstitucionais e todas elas são utilizadas para efetivar as decisões, tomando como base o critério da ponderação, para satisfazer outros direitos em conflitos igualmente consagrados na Constituição. O que se discute atualmente, como se verá, não é sua existência, mas sua aplicação na execução por quantia e seus limites.

Como vimos, o Processo Civil de 2015 se estrutura nos moldes da Constituição Federal, proporcionando a sociedade um processo justo com vários mecanismos de garantias de satisfação graças ao art. 139, IV do CPC que protege a efetividade do processo sem desonrar os princípios constitucionais, fazendo as ponderações com a razoabilidade de acordo com o caso concreto, se reveste repercutindo positivamente em várias searas do processo como instituto moral, constitucional, processual e educativo. Ainda não temos uma resposta concreta sobre a constitucionalidade do referido artigo, pois dependemos do STF para dar a anuência final.

4. APLICAÇÃO DO ART. 139, IV DO CPC NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E NO PROCESSO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA.

Neste capitulo será abordado às peculiaridades do artigo 139, IV do CPC, com o intuito de pacificar as celeumas que foram criadas, demonstrando as razões para as quais o legislador adotou a técnica da cláusula geral e suas diretrizes. 

4.1 Da Efetividade do Artigo 139, IV do CPC.

Não há no mundo um modelo de processo civil capaz de solucionar a satisfação de um crédito se o executado não tiver dinheiro, à inadimplência involuntária não é um ilícito, não há o que fazer contra quem está realmente insolvente senão esperar por sua solvência.

ENUNCIADOS DE PRECEDENTES INTERPRETATIVOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DAS 4ª. E 5ª. CÂMARAS CÍVEIS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

ENUNCIADO N.º 164

“Conforme previsão no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, as medidas executivas atípicas somente podem ser deferidas em caráter excepcional, depois de esgotados meios menos gravosos de execução, e devem servir ao adimplemento da obrigação, sendo vedado o emprego delas como simples meio de constrangimento do devedor”.

 Mas, há casos em que o devedor se utiliza de meios ardilosos para livrar seus bens de uma possível expropriação ou penhora e é aí que as medidas atípicas de execução tem seu papel importante. O artigo 139, IV do Código de Processo Civil só será utilizado quando o executado for aparentemente solvente: No processo executório o executado alega que não tem meios para solver a dívida, mas por outro lado demonstra padrão incompatível com o exposto no processo e ostenta patrimônio que poderia ser utilizados para satisfazer a obrigação.

A noção de efetividade deve ser compreendida sob o viés de que o processo civil tem que está voltado à realização da tutela jurisdicional requerida, de modo que garanta três fatores fundamentais: o tempo razoável, o contraditório e a realização do direito (o processo deve dar o quanto é possível praticamente a quem tem um direito, tudo aquilo que ele tem direito de conseguir[10]).

Pelo fato da segurança jurídica ter sempre prevalecido em detrimento da efetividade, acarretou uma crise no processo executivo, em razão da ineficiência das técnicas de penhora e expropriação dos bens do executado. Como aponta Guilherme Rizzo Amaral:

 “É o engessamento das técnicas” de tutela que contribui para a injustiça e a debilidade do processo, seja para o autor, seja para o réu, pois predefinir todas as etapas de um “programa processual” como único meio de realizar o direito material significa algemar o juiz e torná-lo mero espectador ou fiscalizador do funcionamento débil do aparato processual”. (AMARAL, 2008, p. 233).

A efetividade do artigo 139, IV trabalha com a necessidade da adequação do processo às necessidades do direito substancial. Marinoni[11] defende que não é recomendável a existência de tantas técnicas processuais executivas, quanto as exigências do direito material. Pois, o legislador pode manejar mediante a técnica da cláusula aberta.

Sobre a efetividade das medidas atípicas, José Miguel Garcia Medina explica:

O modelo baseado na tipicidade das pedidas [sic] executivas tende a alcançar resultados satisfatórios na medida em que as situações de direito material e os problemas que emergem da sociedade sejam parecidos. Nesses casos, é até mesmo conveniente a previsão de medidas similares para os casos em que problemas parecidos se reproduzem, a fim de que se observe em relação àqueles que estejam em uma mesma situação de direito material um procedimento também similar. Quando, porém, o modelo típico de medidas executivas mostra-se insuficiente, diante de por menores do caso, o sistema típico acaba tornando-se ineficiente, fazendo-se necessário realizar-se um ajuste tendente a especificar o procedimento, ajustando-o ao problema a ser resolvido. Para tanto, é de todo conveniente que o sistema preveja um modelo atípico ou flexível de medidas executivas. Assim, diante de modelos típicos de medidas executivas, havendo déficit procedimental, deverá ser necessário que o juiz estabeleça medida executiva adequada ao caso. (MEDINA, 2016, p.996)

Por outro lado, temos doutrinadores que se posicionam em sentido moderado a respeito da efetividade e da utilização do art. 139, IV, CPC, e recomendam cautela. Nesse sentido Teresa Arruda Alvin Wambier ressalta que é necessário que o artigo 139, IV do CPC seja aplicado:

(...) com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória. (WAMBIER, 2015).

Wambier (2015) estimula a precaução para o julgador não se desviar do devido processo legal, pois, a regra processual criada pela jurisprudência é que primeiramente seja instaurado o binômio penhora e expropriação e restem fracassados e só então, decretar a atipicidade se houver sinais de que o devedor esteja se esquivando da obrigação.

Para Araken de Assis é totalmente inaceitável a utilização das medidas executivas atípicas ele explica que:

“Seria ilegítimo engendrar um mecanismo próprio especifico para o caso concreto, em beneficio de uma das partes e em detrimento da outra” [...] “Nada disso impede a incidência da adequação do meio ao fim como método de concretizar direitos; porém, no âmbito da tipicidade.” (ASSIS, 2015. p. 936-937).

O procedimento típico por ter, a característica de ser minuciosamente previsível, de certa forma, estimula o executado à ocultação de seus bens, e diante disso a norma perde a coercibilidade por si só, a tipicidade das medidas executivas permite ao executado se preparar para os atos por vir, de modo que, quando atingido o momento de sua realização, não são mais capazes de produzir efeitos eficazes.

Diante disso, se faz necessária o desenvolvimento de mecanismos que tenham o condão de induzir o devedor a praticar a conduta que lhe é exigida, gerando um resultado prático o mais equivalente possível ao que teria advindo do adimplemento espontâneo e voluntário em menor espaço de tempo.

Assim defende Daniel Assumpção:

Nesse sentido, é importante registrar que a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas, o que, obviamente, seria um atentado civilizatório. São apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação. Mostra-se óbvio que, como em qualquer forma de execução indireta, não são as medidas executivas que geram a satisfação do direito, mas sim a vontade, ainda que não espontânea, do executado em cumprir a sua obrigação. (NEVES, 2017)

Então, essas constatações demonstraram a insuficiência do modelo tradicional de execução, às ações coercitivas é justa diante da situação, a medida executória atípica só é efetiva contra quem não paga a dívida porque não quer, o executado possui bens, mas não em seu nome e isso dificulta a configuração da fraude à execução, pois conforme a Súmula 375 do STJ diz que:

“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado. Na falta de registro, imputa-se ao credor o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente, a fim de demonstrar que este tinha ciência da ação em curso.” (STJ, 2009).

Se já é burocrático provar a má-fé quando o bem alienado está no nome do devedor, imagine quando não está! O mesmo quando não quiser cooperar não vai indicar o seus bens passiveis a penhora e nem será responsabilizado por isso, pois para fins jurídicos ele está insolvente.

Nesses casos em que há indícios de ocultação de patrimônio, o credor é que tem o ônus de provar o ato ilícito, o evento damni (dano) é contemporâneo do ato que se impugna como fraudulento isso gera frustração, pois é quase impossível provar em juízo a ocorrência da má fé do devedor que já estava com a intenção de gerar um prejuízo ao credor antes mesmo do ato do negócio jurídico. Então o artigo 139, IV do CPC, seria o único recurso de defesa do exequente para reaver o seu crédito.

Com a utilização das medidas atípicas o executado não terá como safar-se da obrigação e não terá outra escolha a não ser cumprir com o pagamento.

4.2 Subsidiariedade.

Já o emprego das medidas atípicas conforme já mencionado anteriormente só serão utilizadas de forma subsidiaria, quando houver o esgotamento de todos os dispositivos do procedimento típico. A jurisprudência se orienta no sentido que essa é a regra.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TITULO JUDICIAL. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS FUNDADAS NO ART. 139, IV DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. CARATER SUBSIDIÁRIO DAQUELAS EM RELAÇÃO A ESTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. As medidas executivas fundadas no art. 139, IV, do CPC/2015, em razão de sua atipicidade, devem ser adotadas excepcionalmente, de forma subsidiária àquelas típicas já previstas no ordenamento jurídico. É dizer, só devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução, de forma subsidiária.”

(TJ /SP, Agravo de instrumento n. 2017511-84.2017.8.26.0000, 31ª Câmara de Direito Privado. Rel. Adilson de Araújo, j. 11.04.2017).

Cabe destacar que essa visão de subsidiariedade é da jurisprudência e de alguns doutrinadores, no diploma legal não há menção e nem restrição ao uso de medidas atípicas a serem utilizadas de modo a prima facie.

Então, a regra reside à primeira premissa, os meios atípicos não são a prima ratio, e, sim, a última ratio, é dizer, esgotados e frustrados os meios executivos típicos e ordinários, pode-se, em tese, valer-se do sistema atípico.

4.3 Decretação da Medida Atípica.

Devido o principio da adequação e da adaptabilidade consubstanciado com o artigo 536 do Código de Processo Civil, a aplicação das medidas atípicas é determinada de oficio pelo juiz ou a requerimento da parte, nada impede que o juiz, percebendo a necessidade, a faça no caso concreto (princípio da adaptabilidade). A Escola Nacional de Magistrados ditou um enunciado a respeito:

Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo. (ENUNCIADO 35 APROVADO NO SEMINÁRIO – O PODER JUDICIARIO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ENFAM).

Além desse enunciado da ENFAM, verificamos também outro dispositivo que autoriza o juiz para agir de oficio, fazendo uma interpretação do caput do artigo 139, IV do CPC que diz:

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.  (grifamos). (LEI Nº 13.605/ 2015, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL).

Perceba a própria redação diz que cabe ao juiz quando se remete a palavra “incumbir” e “determinar” de modo imperativo. Assim, o juiz poderá determinar as medidas de oficio, nada impede que o exequente faça o seu pedido, até por que o mesmo é o maior interessado na relação processual.

Mas antes da medida ser decretada em respeito ao principio do contraditório, ao executado lhe é assegurado à oportunidade de indicar meios executivos menos onerosos sob pena da consequência prevista no artigo 805, parágrafo único, do CPC.

É possível a modificação da medida executiva que se mostrou ineficaz ou que já não é mais necessária, nesta condição, também pode ser decretada de oficio ou a requerimento da parte. Assim leciona Roberto Sampaio Contreiras de Almeida:

“Como consequência da liberdade de escolha que o juiz terá ao determinar as medidas para assegurar o cumprimento das suas ordens judiciais, é lícito alterá-las quando verificar que não se prestam mais a alcançar o fim almejado ou que outra medida se mostre mais eficaz, ainda que não tenha sido provocado pelas partes.”[12]

As medidas atípicas são utilizadas tanto na fase de cumprimento de sentença quanto no processo de execução, incidem em qualquer atividade executiva tanto fundada em titulo executivo judicial (provisória ou definitiva) ou fundada em titulo executivo extrajudicial.

4.4 Destinatários das Medidas Executórias.

O destinatário da medida executória é o executado que esteja apresentando sinais exteriores de riqueza, mas há possibilidade de um terceiro e o próprio exequente serem demandados para o cumprimento de medida executória, o juiz pode lhe impor com a finalidade de ver cumprida, ordens suas.

No capitulo II do Código de Processo Civil que trata dos deveres das partes e de seus procuradores, ordena em seu artigo 77, caput, que todos aqueles que participam de qualquer forma do processo, deve submeter-se aos comandos judiciais. Este comando confere poderes ao juiz para determinar medidas que entende cabíveis para a efetivação da obrigação.

Tais exigências consistem na concretização do principio da boa-fé processual (art. 5º, do CPC) e da cooperação (art. 6º, do CPC), estas ordens não podem ser desacatadas, por isso há aplicação de multas em caso de descumprimento, e o que está disposto:

Art. 77 (...)

§ 2º. A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. (BRASIL, 2015).

Deste modo, é possível a fixação de multa a terceiro para forçar o cumprimento de uma decisão, por exemplo, o juiz oficia o administrador de cadastro de proteção de crédito a exclusão do nome da parte. O administrador do cadastro não precisa ser réu no processo para ser destinatário da ordem e, portanto, para ser compelido a cumpri-la.

O artigo 400 do Código de Processo Civil é um exemplo clássico, pelo qual o exequente pode ser demandado vide:

Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:

 I – o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398;

II – a recusa for havida por ilegítima.

Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. (BRASIL, 2015).

Portanto, o próprio Código de Processo Civil autoriza a adoção de medidas a serem imposta pelo juízo para efetivar uma ordem judicial.

4.5 Parâmetros a Serem Observados Pelo Juiz Antes da Aplicação das Medidas Atípicas.

Como já foi mencionado no item 3.2 são várias as diretrizes que regem a aplicação do artigo 139, IV do CPC, o juiz deve se pautar em um conjunto de postulados e princípios e balizas para estabelecer a medida executiva correta.

A escolha sempre deve se pautar principalmente no artigo 8º do Código de Processo Civil que diz:

“Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e as exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (BRASIL, 2015).

Segundo Humberto Ávila, o postulado da proporcionalidade se decompõe em três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamental (is) afetado(s)?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?), (ÁVILA, 2003).

Respondidas todos os questionamentos acima se passa a analisar o postulado da razoabilidade que também se revela em três fatores preponderantes: a) como dever de equidade, a exigir a harmonização da norma geral com o caso individual, impondo a consideração daquilo que normalmente acontece em detrimento do que é extraordinário e também impondo a consideração das especificidades do caso concreto ante a generalidade da norma; b) como dever de congruência, a exigir a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação (isto é, com a realidade com base em que foram editadas); c) como dever de equivalência, a exigir uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Ainda temos o princípio da eficiência que está previsto no artigo 37 da Constituição Federal que é a meta que deve ser alcançada, Fredie Didier sintetiza a "eficiência”, como o resultado de uma atuação que observa dois deveres: a) o de obter o máximo de um fim com o mínimo de recursos (efficiency); b) o de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness) (DIDIER, 2017, p. 112).

O princípio da legalidade é o filtro necessário para saber se a medida é vedada ou não, pelo ordenamento jurídico em vigor, se sim, deve ser descartada. O órgão jurisdicional também deve observar critérios como: a) deve escolher aqueles que tenham condições de promover algum resultado significativo (deve evitar meios que promovam resultados insignificantes); b) deve escolher meios que permitam alcançar, com certo grau de probabilidade, o resultado almejado (não se pode escolher um meio de resultado duvidoso); c) não pode escolher um meio que produza muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado.

Além desses postulados deve-se observar o princípio norteador do procedimento típico, que regula e orienta a escolha do juiz, necessariamente o princípio da menor onerosidade da execução, previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil, o artigo 805, “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.” (BRASIL, 2015).

 A doutrina também criou um conjunto sistemático de preceitos que vincula a medida executiva ao tipo de obrigação e perfil do executado. Segundo Fredie Didier (2017, p. 113 a 114) são:

  1. A medida deve ser adequada.
  2. É a que proporciona o melhor resultado.
  3. A medida deve ser necessária.
  4. Leva-se em conta o grau de intenção do executado em colaborar com o processo, sem desprezar uma medida que gere o menor sacrifício ao requerido.
  5. A medida deve conciliar os interesses contrapostos.

É neste momento que se fará a ponderação dos interesses e direitos do exequente e executado. De modo que a vantagem da medida atípica escolhida supere as desvantagens.

Outra diretriz que a doutrina fomenta muito é que a medida atípica não pode se basear em um ilícito civil, penal, internacional e etc., por mais inofensiva que seja; até por que se há menção de vedação expressa no ordenamento jurídico, fere o princípio da legalidade.

Segundo o Fredie Didier[13], o juiz não pode determinar como atípica, uma medida que é típica, regulada de outra maneira. Se a lei regulamentar o procedimento executivo, aquele é o modo pelo qual deve ser efetivado.

Contudo, a imposição de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias deve seguir um rito rigoroso antes de serem decretadas e além de todos os critérios que foram apresentados, existe o compromisso do jurisdicionado na fundamentação da decisão que é indispensável à manutenção da segurança jurídica.

4.6 Cessação das Medidas Atípicas.

É o momento que põe fim a utilização das medidas atípicas impostas ao executado, que podem acontecer decorrente da atitude do executado ou por determinação legal.

Será cessada a medida atípica quando houver a satisfação do crédito, esta é a hipótese ideal, devendo realizar integralmente o crédito do exequente nos moldes do artigo 904. A satisfação do crédito exequendo far-se-á: I – “pela entrega do dinheiro, (BRASIL, 2015)”.

A segunda possibilidade é quando o executado se manifesta para propor o parcelamento judicial do crédito, este instituto está regulado no artigo 916 do Código de Processo Civil, o mesmo estipula o prazo do embargo para a solicitação do mesmo, mas nada obsta em requerê-lo a qualquer tempo em razão do artigo 6º. “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, (BRASIL, 2015).

Não vamos entrar no mérito da discussão se é um direito potestativo do devedor ou se a sua concessão está condicionada à aceitação do credor. Desde que preenchidos os requisitos do artigo 916 e concedido o parcelamento para o executado, as medidas impostas devem ser cessadas, mas este trâmite só é permitido no processo de execução para pagamento de quantia certa.

Outra situação que corrobora para o fim das medidas atípicas é na ocasião em que o executado nomeia bens a penhora, esta situação é consequência das medidas atípicas que lograram êxito, fazendo o executado indicar um bem passível de penhora que, antes não foi encontrado devido à ocultação indevida deste patrimônio.

E por fim, a última possibilidade que se revela até o momento para a cessação da medida atípica, será quando acontecer o fenômeno jurídico da prescrição intercorrente, que acontece no âmbito do processo executivo, quando não forem encontrados, bens no patrimônio do devedor, o início da contagem do prazo da prescrição intercorrente se dará após o decurso de um ano, após da decretação da suspensão do processo. De acordo com a súmula 150 do STJ prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação. No Código Civil estabelece o respectivo prazo da prescrição da ação:

Art. 206. Prescreve:

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. (BRASIL, 2015).

Exauridos o prazo da prescrição intercorrente, será decretada sentença com resolução de mérito, que constará a liberação do executado da medida atípica que foi lhe imposta.

Portanto, devido o Código de Processo Civil ser essencialmente novo, ainda não há na jurisprudência uma normatização a cerca da cessação das medidas atípicas, podem ser criadas novas possibilidades de cessação das medidas e por ventura, elaboração de critérios de suspensão das medidas em situações excepcionais.

4.7 Direitos do Executado na Execução por Quantia Certa Frente ao Artigo 139, IV, do CPC.

Os direitos fundamentais do executado não são restritamente só constitucionais, as leis ordinárias e jurisprudências também disciplinam comandos norteadores de proteção processual, ao executado não lhe é imputado só deveres, existe os direitos que lhe são assegurados para garantir que o principio da dignidade da pessoa humana seja respeitado.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o preceito que coloca limites às ações do Estado, o termo “garantia” está associado à ideia de segurança de uma determinada posição jurídica. O direito fundamental são interesses juridicamente protegidos ao passo que a garantia fundamental é um direito que assegura outros direitos, ou seja, seu caráter é essencialmente instrumental.

Como já mencionamos a adoção de medidas atípicas terá que sopesar direitos constitucionais conflitantes entre o exequente e o executado, além disso, a ponderação também terá que ser levada em conta, diante de uma determinada situação do devedor, depois de fixada a medida atípica.

O primeiro direito do executado que se revela é o esgotamento de meios executivos típicos, uma regra processual que foi criada pela jurisprudência e pacificada na doutrina. Instaurar a atipicidade sem antes fracassados todos os métodos previstos em lei enseja agravo de instrumentos nos termos do artigo:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

Parágrafo único.  “Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.” (BRASIL, 2015).

A norma principal é preponderante e somente será possível quando houver fortes indícios de que o executado está ocultando patrimônio e se esquivando de pagar a dívida.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS FUNDADAS NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAQUELAS EM RELAÇÃO A ESTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.

As medidas executivas fundadas no art. 139, IV, do CPC/2015, em razão de sua atipicidade, devem ser adotadas excepcionalmente, de forma subsidiária àquelas típicas já previstas no ordenamento jurídico. É dizer, só devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução, de forma subsidiária.”

(TJSP, Agravo de Instrumento n. 2017511-84.2017.8.26.0000, 31ª Câmara de Direito Privado, Rel. Adilson de Araújo, j. 11/4/2017)

  À luz da regra da menor onerosidade ao devedor (art. 805, CPC), impede que as coerções e induções judiciais sejam utilizadas de maneira exacerbada, as medidas não podem ultrapassar os limites estabelecidos pelo artigo 8º do Código de Processo Civil, em razão da falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida atípica imposta, ocasionando abuso de direito. Assim, Venosa conceitua o abuso de direito da seguinte maneira:

“Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do razoavelmente o Direito e a Sociedade permitem. O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nesta situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade” (VENOSA, 2003, p. 603 e 604).

Configurado o abuso de direito o executado pode se valer do mandado de segurança repressivo para corrigir a situação para reaver um direito que foi violado.

A medida atípica deve ser fundamentada em observância ao contraditório, com fulcro no art. 93, IX da Constituição Federal e artigos 11 e 489 do CPC, toda decisão precisa ser fundamentada, pois, é pela análise da fundamentação que se controla o conhecido controle, seja o conhecido controle advindo das partes, seja da sociedade ou do próprio poder Judiciário. Se a decisão não for fundamentada, por certo que o controle restará prejudicado, pois a raiz da decisão será desconhecida e, nesta hipótese, a impugnação não cessará sobre o mérito da decisão em si, mas sim sobre o fato de que a decisão não ter sido fundamentada[14].   

Através de todo esse aparato constitucional e jurisprudencial são preservados os direitos fundamentais do executado, como vimos são poucas as situações em que o executado possa vir a ser prejudicado, não pela a norma em si, mas pela inobservância do juízo ao desconsiderar a subsidiariedade da regra, parâmetros de aplicação e até mesmo a falta de fundamentação. Cabe destacar, que são casos até difíceis de acontecer, mas, se ocorrer o executado terá a garantia do seu direito.

5.  DAS MEDIDAS ATÍPICAS EM ESPÉCIE.

As medidas de execução atípicas não é uma inovação do Código de Processo Civil, as celeumas que foram instauradas acerca desta ferramenta, demonstra certa resistência por uma pequena parte da comunidade jurídica, em aceitá-las como procedimento cabível para a efetivação do cumprimento da obrigação, sob o fundamento que o artigo 139, IV do CPC seria inconstitucional e que afrontaria de plano os direitos fundamentais do executado, é evidente que essa discussão parte dos que estão na condição de requerido. É indispensável que haja sinais exteriores de riqueza e que o devedor esteja se esquivando do pagamento da dívida, muito embora pudesse adimpli-la.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS – INSURGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE – POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS NECESSÁRIAS À CONSECUÇÃO DO SEU FIM – ART. 139, INC. IV, DO CPC/15 – ENUNCIADO Nº 48 DA ENFAM – SISTEMÁTICA APLICÁVEL APENAS AO CHAMADO “devedor profissional” que, possuindo condições financeiras, consegue blindar seu patrimônio contra os credores-elementos indiciários no sentido de que o padrão de vida e negócios realizados pelo devedor se contrapõem à uma possível situação de penúria financeira – evidente má-fé do comportamento adotado pelo devedor – ausência de atendimento aos comandos judiciais – suspensão da CNH e do passaporte até o parcelamento/pagamento da dívida ou cabal comprovação da efetiva impossibilidade financeira e da incontestável necessidade de exercício dos direitos ora suspensos temporariamente – impossibilidade de cancelamento dos cartões de crédito – instituição financeira que possui liberdade contratual, não podendo o poder judiciário imiscuir-se nas relações contratuais particulares. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJPR Agravo de Instrumento n. 1.616.016-8, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Themis de Almeida Furquim Cortes, j. 22/2/2017).

Por outro lado, o judiciário se manifesta a favor das medidas atípicas por entender que são fixadas de acordo com os parâmetros que foram elucidados no item 3.7 e que são escolhidas sem obstruir totalmente os direitos constitucionais do executado.

As medidas atípicas que estão sendo adotadas e cogitadas atualmente são, por exemplo:

  • Proibição de contratar com Administração Pública (licitações);
  • Cancelamento de cartões de crédito;
  • Suspensão de benefícios fiscais;
  • Suspensão de serviços ainda que privados de telefonia, banda larga; televisão a cabo, uma vez que estes se revestem do caráter de não essenciais à vida humana;
  • Proibição de frequentar determinados locais;
  • Apreensão do passaporte;
  • Suspensão temporária de bens de uso desde que não essenciais;
  • Suspensão e retenção da Carteira nacional de habilitação – CNH;
  • Bloqueio de contas-corrente;
  • Embargos de obra;
  • Cancelamento de CPF;
  • Remoção de pessoas;
  • Obrigação de fazer e não fazer;
  • Proibição em participação em concurso público;
  • Astreintes

Vamos nos ater a explicar as que já estão sendo utilizadas pelos juízos atualmente, pois já foram comentadas pela doutrina e jurisprudência.

O CPF é suficiente para alcançar a justa finalidade da medida coercitiva, pois o privará da prática de vários atos da vida civil, o que pode induzi-lo ao adimplemento do crédito.

Vários juízes fundamentam suas decisões em relação à suspensão da CNH no sentido que a medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir, decretada a medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo. Inclusive o STJ já reconheceu a admissibilidade da medida.  Os tribunais se orientam no mesmo sentido.

Caso a carteira nacional de habilitação seja um mecanismo para exercício de atividade profissional, deve prevalecer o princípio da menor onerosidade possível do devedor em detrimento do meio atípico de execução. Assim, se o devedor é um motorista profissional, vivendo dos rendimentos auferidos a partir do exercício de tal atividade, não se afigura correto determinar-se a suspensão da sua CNH. Nesse mesmo sentido, a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves e Flávio Tartuce, para os quais o juiz deve atuar com razoabilidade no emprego das medidas atípicas:

“[...] deve o juiz atuar com imparcialidade e razoabilidade. Não pode, por exemplo, determinar a suspensão da habilitação de devedor que tem a condução de automóveis sua fonte de subsistência (taxista, motorista do UBER, motorista de ônibus).” (NEVES; TARTUCE, 2016, p. 628).

Além disso, a medida de suspensão da CNH encontra obstáculos, pois, devido ao princípio da especialidade, a norma especial afasta a incidência da geral. No Código de Trânsito Brasileiro (CTB) no seu Art. 261, apresenta os critérios para suspenção do Direito de dirigir. Percebe-se, a inexistência no referido texto normativo, da hipótese, de suspensão por inadimplência de dívida que seja de etiologia contraria a natureza de veículo automotor. O Código de Trânsito Brasileiro não faz referência à dívida de ordem: Educacional, crédito bancário ou qualquer outra dívida que não incida sobre o tema trânsito.

Segundo o Art.261 do CTB:

A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos:

I – Sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 (doze) meses, conforme a pontuação prevista no art. 259. (BRASIL, 1997).

Já a suspensão ou apreensão do passaporte para a doutrina, segue o mesmo raciocínio da CNH, o executado continua com o seu direito de ir e vir, não viola o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade porque o devedor poderá, mesmo sem aquele documento, transitar normalmente pelo território nacional. Ademais, existem países no MERCOSUL que autorizam a entrada de brasileiros mesmo que não estejam munidos de passaporte. Na concepção de Neves:

[...] entendo que esse dispositivo claramente permite a aplicação ampla e irrestrita do princípio ora analisado a qualquer espécie de execução, independentemente da natureza da obrigação. Seriam assim admitidas medidas executivas que nunca foram aplicadas na vigência do CPC/1973 e que não estão previstas expressamente no novo diploma legal: suspensão da CNH; retenção de passaporte, suspensão de cartões de crédito, vedação de contratação de novos funcionários por empresa devedora de verbas salariais; proibição de empréstimo ou de participação em licitações, etc. (NEVES, 2017, p.252).

Mas o STJ entendeu que no caso do passaporte essa medida é ilegal, pois limita a liberdade de locomoção, se revelando arbitrária, ao tema decidiu que:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC/2015 de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido (Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 97.876, Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 5 jun. 2018, sem grifos no original).

O advogado Heitor Sica admite a possibilidade das medidas executórias desde que não implique em restrição à liberdade. Sica entende que essas medidas não poderiam ser aplicadas, pois, fazem parte das garantias estabelecidas pelo art. 5º da Constituição Federal. Assim expressa:

A parte mais relevante em termos de proteção ao cidadão tem que ser interpretada sempre de maneira ampliativa. Se existe a proibição de prisão civil por dívida, a meu ver existe também a proibição de outras restrições à liberdade de locomoção. Assim como não se pode prender, não se pode impedir o devedor de sair de casa[15].

Devido o princípio da menor onerosidade do devedor já tem juízo oficiando a Polícia Federal, para que ali, conste uma restrição de saída do país[16], não poderá sair sem que ofereça caução idônea no processo pelo qual está sendo demandado. A decisão parte do pressuposto de que o devedor não está proibido de sair do país, porém se tem condições financeiras de custear uma viagem internacional, não pode deixar de efetivar o cumprimento de suas obrigações.

 “HABEAS CORPUS - RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA GARANTIA DA EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO – BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS – SUSPENSÃO DA CNH - MEDIDAS ALICERÇADAS NO ART. 139, IV, DO NCPC”. 1 - Paciente que nos autos da ação de execução de título extrajudicial não nomeou bens para garantia do Juízo. Medida adotada como meio de satisfação da execução, legalmente disponibilizada no ordenamento (art. 139, IV, do NCPC). Ausência de ilegalidade, arbitrariedade, efeito teratológico ou mesmo impedimento ao regular direito de ir e vir do paciente. Habeas corpus que não se presta como sucedâneo recursal. Inadequação da via eleita. "MANDAMUS" NÃO CONHECIDO. (TJ-SP 21777835220178260000 SP 2177783-52.2017.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti Data de Julgamento: 08/11/2017, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2017).

O STJ, através do Habeas Corpus Nº 99.606 - SP (2018/0150671-9) entende que a medida de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução tem o condão, por outro lado, – ainda que de forma potencial – de ameaçar de forma direta e imediata o direito de ir e vir do paciente, pois lhe impede, durante o tempo em que vigente, de se locomover para onde bem entender.

A respeito do cartão de crédito a jurisprudência também entende que é possível a determinação do bloqueio. Os juízes também estão oficiando-se as instituições financeiras mais conhecidas, que vedem a concessão, como empréstimo, financiamentos de automóveis, qualquer que seja a natureza da aquisição do crédito.

A medida de proibição de participação em concurso público é a mais polêmica, devido ao fato de vedar ao devedor à possibilidade de auferir uma renda. O jurista Lenio Streck e Dierle Nunes cita[17] o HC 45.232, julgado em 21/2/1968, rel. min. Themístocles Cavalcanti, que efetuou uma das operações de controle de constitucionalidade mais digna de nota entre as realizadas no período de ditadura militar pós-64. Por meio do HC 45.232, questionou-se a constitucionalidade do artigo 48 da Lei de Segurança Nacional [Decreto-lei nº 314, de 1967], que dispunha:

Art. 48. A prisão em flagrante delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste decreto-lei, importará, simultaneamente:

I - na suspensão do exercício da profissão;

 II - na suspensão do emprego em atividade privada;

III - na suspensão de cargo ou função na Administração Pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de economia mista, até a sentença absolutória. (BRASIL, 1967).

Este artigo foi declarado inconstitucional sob o argumento que impedir que uma pessoa tenha algum tipo de rendimento significa impedi-la de sobreviver. Por meio da interpretação analógica os juristas concluíram que a medida atípica de proibir o devedor de participar de concurso público é inconstitucional, pois há semelhança entre as constatações.

 Outra medida é quando um devedor conhecido for fanático por futebol e estiver presente em todos os jogos de seu clube pode se sentir pressionado psicologicamente caso a medida executiva empregada pelo Judiciário seja a proibição de frequentar estádios de futebol, cabendo frisar apenas que deve haver ao menos fortes indícios nos autos de que tal devedor, oculta patrimônio.

O jurisdicionado também pode pressionar o executado lhe atribuindo uma obrigação de fazer ou não fazer. Por exemplo, pode-se determinar como medida atípica a um devedor, proprietário de uma loja ou pessoa jurídica, que suspenda suas atividades, uma vez por semana, exatamente no dia em que se tem mais movimento, assim, conseguirá impor ao executado que se empenhe a pagar. Este caso foi criado pela doutrina.

Astreintes no Código de Processo Civil de 1973, não se entendia como correto que o juiz utilizasse medidas coercitivas para persuadir psicologicamente um devedor de obrigação de pagar, salvo nos casos de ação de alimentos em que a prisão civil era permitida. De fato, eram poucos os juristas que apoiavam tal possibilidade[18]. Com o advento do novo diploma processual e a autorização das medidas atípicas, passou a se indagar, se agora é possível a sua utilização. A doutrina está dividida: Uma parte entende que é possível, pois o art. 139, IV, impõe todas as medidas cabíveis em contrapartida, não seria possível, segundo Fredie Didier, por haver uma previsão expressa de uma regulamentação específica de multa coercitiva e considerando que já há o sistema juros.         

O bloqueio de conta corrente é uma medida que está sendo considerada pela doutrina como atípica, mas ela já é uma medida executória já prevista em nosso ordenamento jurídico. A convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família e o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, firmados em Haia, em 23 de novembro de 2007, recepcionada pelo decreto 9.176 de 19 de outubro de 2017, em seu artigo 34 prevê as seguintes medidas:

Art. 34. [...]

§ 1º Os Estados Contratantes tornarão disponíveis nos seus direitos internos medidas efetivas para executar as decisões com base nesta Convenção.

§ 2º Tais medidas poderão abranger:

a) retenção do salário;

b) bloqueio de contas bancárias ou de outras fontes;

c) deduções nas prestações de seguro social;

d) gravame ou alienação forçada de bens;

e) retenção do reembolso de tributos;

f) retenção ou suspensão de benefícios de pensão;

g) informação aos organismos de crédito;

h) denegação, suspensão ou revogação de certas permissões (carteira de habilitação, por exemplo);

i) recurso à mediação, à conciliação ou a outros meios alternativos de solução de litígios que favoreçam a execução voluntária. (BRASIL, 2015).

  Essas medidas são próprias para a efetivação de obrigação alimentar, mas diante do artigo 139, IV do CPC, compete à doutrina fazer a interpretação teleológica e sistemática dessas medidas, para saber se será possível utilizar o decreto como fundamento para a obtenção de novos meios para uma tutela satisfativa, já que alguns doutrinadores declaram que artigo 139, IV do CPC concede uma fungibilidade das técnicas executivas encontradas no ordenamento jurídico brasileiro.

Há também quem entenda que as medidas atípicas são uma espécie de penas restritivas de direito[19] e que essas medidas corroboram por uma sanção civil. Segundo a Doutora Juliana Cordeiro de Faria, Professora da Universidade Federal de Minas Gerais entende que o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil é uma espécie de pena fazendo uma interpretação por analogia do Código Penal, ela discorda totalmente a utilização das medidas coercitivas, por entender que as medidas adotadas pelos juízes para forçar o devedor estão amparadas no artigo 47 do Código Penal in verbis:

Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são:

I- Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como o de mandato eletivo;

II- Proibição do exercício de profissão, atividade ou oficio que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização poder público;

III- Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.

IV- Proibição de frequentar determinados lugares.

V- Proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos.

(BRASIL, 1941)

Além do artigo 47 do CP ela cita o artigo 55 do mesmo diploma legal in verbis:

Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do artigo 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída ressalvada o disposto no § 4º do artigo 46. (BRASIL, 1941)

Ela faz uma crítica a respeito da duração das medidas atípicas, pois no procedimento processual, segundo ela, as penas são por tempo indeterminado enquanto o executado não pagar a dívida não cessará as medidas e já no Direito Penal a duração está tipificada.

O artigo 139, IV do CPC não faz menção a restrições de medidas, pelo contrário, utiliza o termo “todas”, além do mais algumas vozes da doutrina já destaca a possibilidade da utilização de medidas restritivas de direito:

O legislador, todavia, não limita as medidas coercitivas àquelas mencionadas no Código de Processo Civil. Logo, outras podem ser adotadas, a critério da imaginação do juiz. Por exemplo, podemos mencionar a adoção de medidas restritivas de direito [...] Ou seja, em cada caso concreto caberá ao juiz decidir qual a medida mais adequada a ser adotada de modo a tentar coagir o devedor a cumprir com a obrigação, sem necessitar se valer de outras medidas que buscam alcançar o mesmo resultado, como é o caso de adoção de atividades sub-rogatórias ou mesmo a expedição de ordem mandamental. (MEIRELES, 2016, p. 5-6).    

Como já mencionamos as medidas atípicas não podem ser contrárias às leis, as medidas restritivas de direito também podem ser empregadas, pois, o artigo 139, IV do CPC autoriza todas as medidas necessárias para o cumprimento de uma ordem judicial, inclusive nas prestações pecuniárias, no tocante ao cessamento, já esmiuçamos todas as circunstâncias que as levam ao fim.

Portanto, as medidas atípicas não tem o condão de punir, a finalidade dela é reparar a desonestidade do devedor, que oculta seus bens, que não paga porque não quer. O juiz no caso concreto, fará um juízo de admissibilidade da atipicidade executória, considerando todos os parâmetros, ponderações, legalidade e principalmente o grau de efetividade.  Como vimos, a doutrina e jurisprudência ratificam o referido dispositivo, ainda não temos resposta consolidada a respeito da possibilidade da fungibilidade das técnicas executivas, mas, os exequentes já contam com boas formas para reaver o seu crédito.

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS.

 Por meio da realização da pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório foi possível alcançar resultados cujo objetivo é responder às polêmicas indagações que questionam a utilização do artigo 139, IV do Código de Processo Civil. 

Ao longo deste trabalho, asseverou-se que (i) o procedimento executório típico está fadado ao fracasso, (II) somente ampliando os poderes ao juiz se conseguirá adequar o processo ao caso concreto, (III) A constitucionalidade e a efetividade do artigo 139, IV do CPC.

No capitulo 2 e 3 constata-se que o engessamento da norma no âmbito da execução, consubstanciada com a tipicidade das formas executivas tem efeitos negativos, principalmente quando o devedor é um cafajeste[20]. A adoção da tipicidade das medidas executivas é uma das formas de assegurar a segurança jurídica, mas diante das circunstâncias que culminam para a ineficácia, foi necessário fazer uma redemocratização do cumprimento de sentença e do processo de execução através da consagração do princípio da atipicidade também nas obrigações de pagamento de quantia, para restaurar essa segurança jurídica a qual foi perdida quando o executado oculta o seu patrimônio, frustrando a execução.

Ainda no capitulo 3 podemos observar que o artigo 139, IV do CPC está em harmonia com a Constituição Federal, mas compete ao Supremo Tribunal Federal pacificar o entendimento do preceito normativo, em resposta a ADI 5.941/DF. Por outro lado, caso o STF declare a inconstitucionalidade, gerará como consequência uma instabilidade jurídica. Ou seja, nas obrigações de fazer, não fazer e dar se trabalha com a escolha motivada dos meios executivos necessários para a obtenção do direito material e nas obrigações de pagar quantia, se conserva o formato de tipificação taxativa dos meios executivos.

Por isso, o sistema processual padeceria de grave inconsistência, pois esse tratamento diferenciado acaba por segregar o direito à prestação pecuniária.  Como vimos no decorrer deste trabalho, que só há o cumprimento do acesso à justiça se forem empregados meios para uma tutela adequada, efetiva e tempestiva e a satisfação do direito como disciplina o artigo 4º do Código de Processo Civil.

Quando mencionamos efetividade, não se cogita a superação integral do principio da tipicidade dos meios executivos, a regra da subsidiariedade demonstra exatamente isso, além do mais, umas das perspectivas é que com a inserção da atipicidade, desestimulará ações de devedores recalcitrantes, pois não mais lhe será vantajoso tentar frustrar a execução porque nada vai adiantar, diante disso, acabará se utilizando mais as vias típicas ou até mesmo a satisfação do crédito em decorrência da própria presença da atipicidade no processo.

A doutrina demonstra-se receptiva com a utilização da atipicidade. Como vimos, o entendimento é majoritário e se orientam no sentido que as medidas atípicas devem ser utilizadas quando houver o esgotamento de todas as vias típicas.  Mesmo aqueles que se mostram resistentes, reconhecem a sua viabilidade, não descartam a possibilidade da sua utilização, desde que atinja o patrimônio do devedor.

Percebe-se que as controvérsias a respeito da atipicidade não incidem no preceito normativo em si, as implicações residem estritamente na medida atípica em espécie, pois os tribunais divergem constantemente sobre o cunho constitucional da medida e, além disso, algumas medidas encontraram obstáculos de antinomia jurídica.

Portanto, é novel a utilização de medidas atípicas na execução por quantia certa, certamente serão idealizadas novas formas de execução indireta, as restrições de direitos são necessárias, caso contrário não surtirá efeitos ao qual se esperam delas. Sob a égide do Código de Processo Civil 2015, é preciso repensar a execução para que ela não seja o esconderijo mais seguro e habitat mais conveniente de executados cafajestes que fazem gato e sapato do exequente e do poder judiciário (ABELHA, 2015).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o artigo 139, IV do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), dispositivo que consagra o princípio da atipicidade das medidas executórias na execução ou cumprimento de sentença por quantia certa, revela a garantia de efetividade, cujo objetivo geral foi demonstrar a sua grande importância de se empregar as medidas coercitivas atípicas, demonstrando posicionamento doutrinário e jurisprudencial.

Verificou-se que o preceito normativo é constitucional, a sua instrumentalidade assegura direitos fundamentais do exequente como, por exemplo, o direito à inafastabilidade da jurisdição na forma dupla facie, o art. 139, IV do CPC, é necessário para satisfazer a obrigação de forma efetiva e sua aplicação não fere os direitos fundamentais do executado, considerando todos os parâmetros que são empregados de forma a estabelecer seus limites, fazendo que sua finalidade seja alcançada; a justa tutela satisfativa, dotada de efetividade. Diante disso, os objetivos gerais e específicos foram atingidos. 

Então, o artigo 139, IV do CPC parte da premissa que só deverá ser empregado quando o executado estiver apresentando um padrão de vida incompatível com o que foi exposto nos autos do processo. A sua subsidiariedade é a regra, deve-se priorizar o procedimento típico primeiramente, para só então se valer das medidas atípicas.

Os objetivos específicos revelaram que o executado não terá os seus direitos fundamentais restringidos de forma absoluta, e sim, será relativizado em prol da efetividade, que só é necessária essa relativização, devido o próprio comportamento desleal do devedor que não cumpri a obrigação porque não quer.

A execução realizada de forma atípica impede a fraude à execução, não nos termos da lei propriamente (nos ditames da fraude à execução), mas no plano fático, produzirá efeitos positivos: mesmo que os bens estejam ocultados de forma que não se enquadre na fraude, a medida forçará o devedor a indicar o bem que não foi encontrado e desestimulará de forma geral que devedores tentem frustrar a execução.

E também, certifica-se que a flexibilidade da norma e cláusulas gerais combinadas com o princípio da adequação dá maior senso de “justiça” no processo, pois não há como o legislador prever todos os procedimentos capazes de entregar uma tutela justa e efetiva.

A primeira hipótese que foi levantada foi a que o juiz pode empregar todas as medidas que achar necessário para assegurar a efetividade da execução, persiste confirmada desde que essas medidas estejam em consonância com os limites estabelecidos no artigo 8º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), tem que haver razoabilidade e proporcionalidade nas medidas, tudo isso, para que não haja abuso de direito e não recaia em arbitrariedades. Estas medidas são prestadas apenas para assegurar a efetividade, a doutrina qualifica o devedor que será constrangido pelas medidas atípicas, “o devedor profissional”.

A segunda hipótese é que o artigo 139, IV do CPC é constitucional, não foi confirmada e nem refutada, apenas com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5.941/DF é que se terá uma resposta concreta.

E a última hipótese que se levantou foi que as medidas atípicas devem ser utilizadas, foi confirmada, desde que a sua aplicação seja subsidiária ao procedimento típico, de forma que atinja o executado que esteja dando sinais exteriores de riqueza.

O problema central do trabalho, acerca do artigo 139, IV do CPC é encontrar respostas para os seguintes questionamentos: Qual o melhor entendimento do preceito normativo? Como deve ser aplicado no caso concreto?

A pesquisa exploratória do dispositivo permitiu verificar que o art. 139, IV do CPC deve ser aplicado quando esgotado o binômio penhora e expropriação, para inibir a prática do devedor “cafajeste”, a sua finalidade é reparar a desonestidade do devedor que oculta seus bens e quando houver sinais exteriores de riqueza.

As amostras dos dados se evidenciaram pequenas, devido o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) ainda ser considerado novel, pois, só tem quatro anos de vigência, como o DR. Fernando Gajardoni (2016) mencionou no seu artigo “É uma revolução silenciosa[21]”, que passou despercebida pelos doutrinadores processualistas, tanto que nem faz parte dos manuais de Processo Civil. A pesquisa encontrou algumas informações limitadas. Recomenda-se um estudo a respeito, se o artigo 139, IV do CPC se é ou não um enunciado que autoriza a fungibilidade das técnicas executivas.

Portanto, o tratamento adequado dos problemas teóricos que emergem dessa cláusula geral, pode repercutir em proveito do plano prático, devem-se buscar paradigmas e diretrizes alinhadas ao perfil constitucional do processo e em sintonia com o sistema processual, a fim de se extraírem fundamentos que permitam delinear a cláusula como um instrumento efetivo e eficiente para a satisfação do credor, com a menor onerosidade ao devedor, sem descurar do imperioso respeito às garantias fundamentais que formam o devido processo legal. A interpretação a ser conferida deve estar com os objetivos da inovação legislativa sob pena de se elaborar uma interpretação retrospectiva[22].

Corrobora-se com as palavras de Marinoni[23] no "péssimo vezo de ler o novo na cartilha velha, ou mesmo esvaziar a potencialidade do novo para ficar com a segurança do antigo”.

  

REFERÊNCIAS

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