Encontra-se em fase de consulta pública no sítio do Ministério da Justiça na Internet (http://www.mj.gov.br/reforma/pdf/consulta01srj.pdf) um anteprojeto de lei elaborado sob o pretexto de "racionalizar" a cobrança judicial dos créditos públicos. Tal projeto traz, em nossa opinião, inúmeros retrocessos na relação entre contribuinte e Fisco, conforme buscaremos expor, sucintamente, a seguir.
Sob o argumento fantasioso de adequar a execução fiscal à nova sistemática executiva do Código de Processo Civil, busca a comissão autora do projeto conferir eficácia quase-judicial a um título executivo de origem unilateral: a Certidão de Dívida Ativa (CDA). Todavia, há que se lembrar acerca das brutais diferenças entre a CDA e a sentença. Enquanto esta última, após o trânsito em julgado, é resultado de um processo judicial no qual se ofertaram o contraditório e a ampla defesa, a CDA resulta de um procedimento administrativo em que, na maioria das vezes, não são ofertadas tais garantias constitucionais.
Tomando como exemplo a Secretaria da Receita Federal, nota-se que nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação (99% dos tributos federais), a inscrição em dívida ativa é feita de forma automática, sem verificação prévia por um Procurador da Fazenda Nacional e sem que o contribuinte seja sequer ouvido acerca da inscrição. A Execução Fiscal também se dá, muitas vezes, por meio eletrônico, já que a Lei 10.522 dispensa os citados procuradores até mesmo (pasmem!) de assinar a inicial da execução.
Deve-se ainda destacar, quanto à notificação de débito, que também há no projeto previsão de sua entrega por "meio eletrônico". Trata-se de medida que, na certa, só visa reduzir o trabalho da Administração Tributária, e não preservar as garantias constitucionais do contribuinte. Neste cenário, um correio eletrônico recebido por uma empresa estaria apto a interromper a prescrição do suposto crédito público, sem que sequer tenha havido verificação prévia da legalidade da inscrição e sem que o contribuinte pudesse se manifestar.
Por tais motivos, não vemos como possa ser constitucionalmente viável atribuir à "notificação para pagamento de débito" o condão de interromper a prescrição, já que, previamente a ela, deveria ser ofertada ao contribuinte a oportunidade de se manifestar. Um ato administrativo viciado não pode gerar interrupção da prescrição.
E há mais. O esdrúxulo projeto de lei cogita ainda acerca da mudança do efeito suspensivo dos Embargos à Execução. Pela lógica do Ministério da Justiça, os Embargos só devem suspender a execução caso haja "manifesto risco de dano irreparável ou de difícil reparação". Esta lógica seria normalmente aplicável a um processo de execução de título judicial, no qual são previamente ofertados ao contribuinte o direito de ser ouvido e de se defender, perante um juiz. Aplicá-la à execução fiscal é contribuir para o descontrole do Poder Estatal, dificultando enormemente a defesa do contribuinte, que ficará compelido a pagar para depois discutir, em teratológica ressurreição da regra do solve et repete.
O artigo 11 do referido projeto, por sua vez, contraria a sistemática do Código de Processo Civil, instituindo mais um odioso privilégio processual para a Fazenda, consistente no benefício de não ter que se dirigir ao respectivo órgão de registro para averbar a constrição de bens a ele sujeitos. Assim, enquanto o particular tem que providenciar tal averbação, o Poder Público usufruirá dos benefícios do serviço do Oficial de Justiça. Não há dúvidas que a isonomia, neste caso, será solenemente solapada.
Os únicos pontos positivos que vislumbramos na proposta são a determinação de que a Fazenda Pública somente ajuíze a execução quando identificar previamente bens a serem penhorados, assim como a possibilidade de o juiz reconhecer de ofício a prescrição do crédito tributário. Porém, tais pontos não passam de meros embustes para disfarçar a maldade contida nas retrógradas "inovações" do projeto. A Constituição agradeceria, e muito, a rejeição da proposta.