Atualmente, o assunto em evidência nas administrações públicas de todo o País, principalmente no Governo Federal, é a Parceria Público-Privada, a chamada PPP.
É notório que as três esferas de governo estão com os seus orçamentos apertados, não tendo espaço para a realização de todos os serviços ou obras necessárias às demandas da população. Além disso, já se chegou no limite da capacidade de contribuição do setor privado para o setor público, na transferência de recursos tributários. Só resta, então, ao poder público, atrair recursos da esfera privada na forma de investimentos.
É bem verdade que os investidores privados estão desestimulados em alocarem recursos no setor público, por uma série de razões, dentre as quais a falta de garantia do retorno dessas aplicações, principalmente em função da descontinuidade da política administrativa de alguns governantes, que abandonam projetos administrações anteriores, não honrando compromissos etc.
Além disso, na forma da contratação tradicional, de contratação direta ou de concessões de serviço público, a remuneração fica condicionada à disponibilidade dos recursos públicos, quase sempre escassos, ou dependente de tarifas cobradas do usuário do serviço, como no caso do pedágio, que acabam sofrendo restrições por não poderem ser reajustadas na mesma proporção da remuneração.
Diante disso, os governantes brasileiros foram buscar experiências já vitoriosas em outros países, de parcerias com investidores privados, utilizando um modelo mais avançado de contratação administrativa, com maiores garantias de retorno dos investimentos realizados, flexibilização na execução do contrato, repartição de riscos etc. Estas parcerias já deram certo na Inglaterra, México, Chile, Portugal e outros países, tendo sido investidos bilhões de dólares em projetos nas áreas de transporte (rodovias, ferrovias, aeroportos, portos), saúde (hospitais), segurança pública (prisões), defesa, educação (rede de escolas) e gestão de patrimônio imobiliário público.
Em 30 de dezembro de 2004, o Presidente da República sancionou a Lei Federal nº 11.079, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas, no âmbito da Administração Pública. Esta Lei Federal tratou, em diversos artigos, de normas gerais de Direito Administrativo a serem observadas pelos entes da Federação, além de normas específicas direcionadas à União.
O Governo Federal está considerando a PPP como um instrumento fundamental para garantir os investimentos em portos, rodovias, ferrovias, necessários para impulsionar e garantir o crescimento da economia brasileira, sem abandonar, evidentemente, os projetos de concessão já existentes.
Diversos Estados da Federação já haviam aprovado suas respectivas leis, como é o caso de Minas Gerais, com a Lei 14.868, de 16/12/2003; Santa Catarina, Lei 12.930, de 04/02/2004, São Paulo, Lei 11.688, de 9/05/2004, Bahia, Lei 9.290, de 27/12/04 etc.
Na Bahia há previsão de utilização de parcerias para a execução de projetos nas áreas de saneamento com um Emissário Submarino em Salvador, Sistema de Esgotamento Sanitário em diversas cidades do interior do Estado, como Camaçari, Ilhéus, Vitória da Conquista etc.; na área de transporte, com a Recuperação do Corredor Rodoviário Ibotirama – Itabuna, a Duplicação da Ba 415, Itabuna – Ilhéus, Duplicação e Recuperação de Rodovia na região de Dias Dávila e Implantação de Trecho Ferroviário entre os Municípios de Luis Eduardo e Brumado; e Construção de Unidades Prisionais nos Municípios de Salvador, Seabra, Irecê, Itaberaba, Vitória da Conquista e Eunápolis.
A parceria público-privada constitui modalidade de contratação em que os entes públicos e as organizações privadas, mediante o compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos.
A Lei nº 11.079/04 define a PPP como um contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, sendo a concessão patrocinada o contrato de prestação de serviços ou obras públicas de que trata a Lei 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Já a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços em que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
Em linhas gerais, no projeto PPP, o setor privado fica responsável pelo financiamento total do serviço, incluindo as obras necessárias e só após a disponibilização desse serviço é que começa a receber a remuneração, seja diretamente através dos recursos do Poder Público somente ou combinada com cobrança de tarifa do usuário, como acontece com a forma tradicional da remuneração das concessões. A amortização do investimento, como se vê, somente se inicia quando o serviço ou a utilidade já está disponível, conforme os objetivos traçados no projeto inicial.
Nessa parceria, o governo especifica o serviço ou obra e um mesmo agente do setor privado desenha, financia, constrói, explora e disponibiliza o serviço para a utilidade pública. Encerrado o contrato de parceria ou no caso de extinção antecipada, a propriedade dos bens, móveis ou imóveis necessários à continuidade dos serviços objetos da parceria serão revertidos para a Administração Pública, independente de indenização.
Algumas vantagens podem ser visualizadas nas PPP: a viabilização de um volume de investimento superior ao que seria possível com os mecanismos tradicionais; melhor uso do gasto público, o chamado value for money, valendo-se da eficiência do setor privado; execução mais rápida dos projetos; alocação ótima dos riscos (adequada às características do mercado); melhor qualidade dos serviços e incentivo à melhoria de desempenho.
Talvez a principal vantagem, entretanto, decorra da impossibilidade prática de se desenhar contratos completos, ou seja, contratos que sejam capazes de prever todos os aspectos necessários para que os objetivos sejam atingidos, todos os eventos futuros que irão afetar a lucratividade do investimento etc. Em função disso, no programa PPP, é permitido que o parceiro privado possa modificar as condições inicialmente contratadas, dentro de certos limites, sem que esteja violando o contrato, o que pelos contratos tradicionais seria impossível.
Atente-se que não constitui PPP a simples contratação de obra pública e a concessão comum, isto é, a delegação de serviços públicos ou obras públicas, que continuarão a ser regidas pela Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93) e pelas Leis de Concessões (Lei 8.987/95 e 9.074/95).
Outra observação é que não se constitui PPP os contratos inferiores a 20 milhões de reais. O legislador fixou um valor significativo exatamente para não permitir ou desestimular os pequenos Municípios a tentarem esta nova modalidade de contrato, que requer uma sólida estrutura técnica e financeira. Com esse valor, entretanto, mesmo as Capitais terão dificuldades em adotá-la.
A Lei indica diretrizes a serem observadas nas PPP, extraídas dos Princípios da Administração Pública, como eficiência, respeito aos interesses e direitos dos envolvidos, responsabilidade fiscal, transparência, publicidade etc. Assegura, ainda, a indelegabilidade das funções próprias ou exclusivas do Estado, a sustentabilidade econômico-financeira dos projetos de parcerias e a repartição objetiva dos riscos entre as partes, inclusive as referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
Podem ser objeto de Parceria a delegação de prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública; a prestação de serviços à administração pública ou à comunidade, precedida ou não de obra pública, excetuadas as atividades exclusivas de Estado; a execução, a ampliação e a reforma de obra para a Administração Pública; a exploração de serviços complementares ou acessórios, de modo a dar maior sustentabilidade financeira ao projeto, redução do impacto tarifário ou menor contraprestação governamental.
Além das disposições pertinentes da Lei 8.987/96 que trata do Regime Geral das Concessões, o contrato PPP deve prever cláusulas consideradas essenciais:
o prazo de vigência do contrato entre 5 e 35 anos, compatível com a amortização dos investimentos;
as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro nos casos de inadimplemento do contrato (chama-se atenção para o fato de que aqui, ao contrário da Lei das concessões comuns, há também a previsão de penalidades para a Administração Pública);
as formas de remuneração e atualização dos valores;
a repartição dos riscos entre as partes, nos casos de fatos imprevisíveis;
os mecanismos para preservação da atualidade da prestação dos serviços;
indicação dos fatos que caracterizarão a inadimplência pecuniária do parceiro público e como se dará a regularização e, quando for o caso, a forma de acionamento da garantia.
os critérios objetivos para avaliação do desempenho do parceiro privado;
a prestação pelo parceiro privado, das garantias necessárias, observado o limite do art. 56, da Lei 8.66/93, isto é, de até 10% do valor do contrato, acrescido do valor dos bens entregues pela Administração, quando for o caso, nas concessões patrocinadas (quando há na prestação dos serviços precedência da execução de obra pública, deve-se observar o disposto no art. 18, XV, da Lei 8.987/95, ou seja, o limite do valor da obra);
o compartilhamento com a Administração dos ganhos econômicos decorrente da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados.
A remuneração do contrato PPP poderá se dar por meio de tarifa cobrada do usuário; recursos do tesouro; cessão de créditos não tributários; outorga de bens públicos dominicais; transferências de bens móveis e imóveis, na forma da lei; cessão de direito de exploração comercial de bens públicos e outros meios admitidos em direito.
A Sociedade de Propósito Específico é uma novidade trazida pela Lei das Parcerias. Trata-se de uma sociedade a ser criada pelo parceiro antes da celebração do contrato, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria, a quem caberá a propriedade dos bens resultantes do investimento, durante a vigência do contrato e até que se dê a sua amortização. Deve obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. A sociedade poderá dar em garantia aos financiadores os direitos emergentes da parceria, conforme requisitos e condições estabelecidas no contrato.
Em troca das obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública, poderão ser oferecidos em garantia: vinculação de receita; fundos especiais previstos em lei; seguro-garantia de seguradoras não controladas pelo Poder Público; fundo garantidor; outros mecanismos.
O Fundo Garantidor é uma entidade contábil sem personalidade jurídica, criada por lei, com objetivo de dar sustentação financeira ao Programa de PPP, tendo como beneficiárias as empresas parceiras definidas e habilitadas nos termos da lei. Ao invés do Fundo, pode ser criada uma empresa estatal, com as mesmas atribuições.
Para gestão do Programa de Parcerias da União, a Lei previu a criação de um órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para definir os serviços prioritários para execução em PPP; disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos; autorizar a abertura da licitação; apreciar os relatórios de execução dos contratos, integrado por um representante titular e respectivo suplente dos Ministérios do Planejamento, Fazenda e Casa Civil.
Para o desempenho das funções, o órgão poderá criar estrutura de apoio técnico, composta por representantes de instituições públicas.
A Lei Federal limita para União a soma das despesas com as PPP em até 1% da receita corrente líquida do exercício (art. 22)
No art. 28 das Disposições Finais, é vedado à União conceder garantia e realizar transferências voluntárias aos Estados, DF e Municípios que excederem àquele limite.
Em atendimento ao disposto no art. 28 da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, os Estados, Distrito Federal e os Municípios que contratarem PPP deverão encaminhar ao Senado Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional, antes da contratação da parceria, as informações necessárias para efeito de cumprimento do limite de 1% da despesa corrente líquida.
Quanto à Responsabilidade Fiscal, a Lei prevê algumas condicionantes, por exemplo:
a abertura da licitação depende de declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraídas pela Administração são compatíveis com LDO e estão previstas na LO anual;
a inclusão do objeto no PPA;
a comprovação de que a despesa do contrato de PPP não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no art. 4°, § 1°, LRF, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente da receita ou pela redução permanente de despesa.
A rigor, nos contratos de PPP não há se falar em endividamento na forma tradicional, isto é, no comprometimento financeiro futuro em função de utilidades já consumidas ou recursos já despedidos, mas de obrigações contratuais que somente se tornarão devidas à medida que os serviços forem sendo disponibilizados.
Outra particularidade é que a lei exige a realização de audiência pública antes da licitação, para que a população possa se manifestar quanto a prioridade do projeto de parceria. Exige, ainda, como condição adicional, a apresentação de estudos técnicos que demonstre a conveniência e oportunidade do projeto, bem como o despacho da autoridade competente atestando a obediência aos requisitos orçamentários.
Em resumo, nos contratos de parcerias público-privadas:
O particular assume o compromisso de utilizar recursos próprios na criação e desenvolvimento de um projeto de interesse público previamente desenhado, para somente depois "vender serviço" ao Estado durante um prazo determinado, entre 5 e 35 anos;
O investimento será amortizado em longo prazo por meio da remuneração direta da Administração ou pela exploração econômica do serviço, desonerando o Estado do desembolso imediato;
Os pagamentos pelos serviços prestados podem, agora, ser proporcionais e variáveis, dependendo da performance do contratado, isto é, do desempenho medido pela definição prévia de metas e da qualidade do serviço prestado;
A nova Lei das PPP reconhece que existem projetos de interesse público que não teriam atratividade para o Setor Privado sem uma complementação tarifária ou sem um apoio do Governo para a obtenção do financiamento. Essa disposição dará maior sustentação jurídica para o subsídio, que estará limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo orçamento projetado. Garantias (de receita mínima ou de crédito em emissão de dívida) poderão ser dadas pelo Poder Público para o Parceiro Privado que investir.
A Lei permite, ainda, que o parceiro responsável pela execução da obra seja o mesmo que a projetou, visando estimular a criatividade e redução de custos.
Em linhas gerais, estes são os principais apontamentos sobre o novo instituto do Direito Administrativo.
O Município do Salvador já demonstrou sua disposição em adotar as parcerias. O Projeto de Lei que institui o Programa de Parcerias Público-Privada do Município foi elaborado por iniciativa da Secretaria Municipal da Fazenda e está sendo discutido na Câmara de Vereadores, inclusive com a realização de audiências públicas, tendo recebido algumas Emendas.
A minuta de Lei mantém as mesmas linhas gerais das leis já aprovadas, no que se refere às diretrizes, aos pressupostos e requisitos do programa de parcerias, isto é, seguindo as normas gerais da Lei Federal, prevendo a instituição também de um Fundo Garantidor, com objetivo é dar sustentação financeira ao programa, do Conselho Gestor a ser integrado por alguns Secretários Municipais, o Procurador Geral do Município e mais dois membros de livre escolha do Prefeito, e uma Unidade Executiva, na estrutura da SEFAZ, ligada ao Gabinete do Secretário, que prestará assessoria técnica e implementará as deliberações e diretrizes do Conselho Gestor.
Nessa estrutura de apoio ao desenvolvimento do Programa de Parcerias é necessária a definição da equipe técnica que fará a articulação entre as Secretarias, com vista à identificação de projetos que possam ser objeto de parcerias, a seleção, avaliação e estimativa de custo; a modelagem econômico-financeira, isto é, os estudos de viabilidade e de análise e estruturação financeira dos projetos para submetê-los ao Comitê Gestor, além da parte legal encarregada do enquadramento jurídico dos projetos-piloto, bem como da análise de contratos e editais.