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Da análise da aplicação da causa de aumento de pena do roubo (art. 157, § 2º, I) quando a arma do crime não é apreendida

23/10/2005 às 00:00
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Cabe ao Estado o ônus probatório de provar a existência do crime, em todos seus aspectos, bem como em todas suas circunstâncias, principalmente quando estas tenham natureza de elevar ou agravar a pena.

           1- Colocação do Problema.

           A orientação que predominava quanto a interpretação da norma do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157 do CP, encontrava-se cristalizada no verbete 174 da súmula da jurisprudência dominante do STJ. Aquela súmula acolhia o chamado critério subjetivo de interpretação da referida norma penal de causa de aumento de pena. Este critério fundamenta-se no entendimento de que a ratio legis da norma consiste no fato de que a utilização de uma arma, própria ou imprópria, aumenta o poder de intimidação sobre a vítima, anulando assim sua capacidade de resistência, tornando a ação digna de maior reprimenda.

           A modificação da orientação jurisprudencial predominante no STJ resultou no cancelamento do referido verbete, podendo-se afirmar que atualmente a posição majoritária quanto a aplicação da referida qualificadora reside na aplicação do critério objetivo.

           O critério objetivo por sua vez fundamenta-se no fato de que o uso de uma arma , própria ou imprópria, na prática do crime de roubo torna a ação mais grave, e, portanto, digna de maior reprimenda penal, não pelo maior poder de intimidação da vítima ou pela diminuição de seu poder de resistência, mas sim pelo fato de trazer maior capacidade de colocar em risco a integridade física da vítima, ou seja, punindo de forma mais grave uma conduta onde o perigo de dano concreto é bem maior do que outras formas de realização do mesmo tipo penal.

           Para tanto, é imprescindível que a arma utilizada tenha idoneidade lesiva, ou seja, que no momento da ação criminosa tenha a mesma aptidão de causar o dano que normalmente é capaz de produzir.

           Nesta linha de raciocínio, as armas de brinquedo, desmuniciadas ou que não tem aptidão de produzir disparos (armas quebradas, enferrujadas, etc..) não tem o condão de configurar a elementar de arma para os fins do reconhecimento da qualificadora (embora a utilização de todas estas sejam suficientes para a configurar a grave ameaça prevista no caput do artigo 157 do CP).

           Assim, surge o problema quando a arma utilizada na prática do roubo não é apreendida, posto que como o julgador poderá averiguar o requisito essencial para a aplicação da causa de aumento de pena.


           2- Da solução jurisprudencial mais comum.

           - Possibilidade da substituição da prova pericial por outro meio de prova.

           - Equívoco quanto ao objeto da prova.

           A solução amplamente majoritária dada pela jurisprudência passa pela afirmação de que a prova testemunhal pode substituir a prova pericial, conforme abaixo demonstra-se pela transcrição de alguns v. acórdãos:

           “EDCL NO HC. OMISSÃO. FALTA DE APRECIAÇÃO DE DOIS PONTOS DA IMPETRAÇÃO. ACOLHIMENTO. EMPREGO DE ARMA. APREENSÃO PRESCINDÍVEL. CIRCUNSTÂNCIA ANOTADA POR OUTROS DADOS. COEXISTÊNCIA DE MAIS DE UMA QUALIFICADORA. PERCENTUAL ACIMA DO MÍNIMO. CONJUGAÇÃO COM A PERSONALIDADE DO AGENTE. CRITÉRIO COERENTE. MANTIDA A DENEGAÇÃO DA ORDEM.

           Restando omisso o acórdão quanto a dois pontos da impetração, devem ser os aclaratórios acolhidos para o fim de apreciá-los. Segundo a orientação firme desta Corte, a circunstância de aumento por uso de arma de fogo independe da apreensão do instrumento, situação que pode ser averiguada por outros dados de prova constantes do processo. A coexistência de mais de uma circunstância especial de aumento da pena, por si só, não autoriza o acréscimo acima do patamar de 1/3, porém, se acorrem motivos afins, tais como, a periculosidade do réu e seus maus antecedentes, a exasperação de 3/8 afigura-se coerente frente aos critérios legais. Embargos acolhidos sem efeito modificativo.”

(STJ, EDcl no HC 30463 / SP ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS 2003/0165441-1 Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 08/06/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 02.08.2004 p. 442)

           Processo : 2004.050.02771

           ROUBO QUALIFICADO. EXCLUSAO DE QUALIFICADORA   IMPOSSIBILIDADE. REDUCAO DA PENA. DESCABIMENTO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO.

           Roubo qualificado. Sentença condenatória. Absolvição. Impossibilidade. Qualificadora. Emprego de arma. Afastamento. Descabimento. Penas. Redução. Inocorrência. Não há que se cogitar de absolvição se as provas constantes dos autos demonstram, de forma clara e inequívoca, que os agentes, com consciência e vontade, subtraíram, mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma de fogo, coisas móveis pertencente ao lesado. Descabe o afastamento da qualificadora do inciso I do § 2º do artigo 157 da Lei Penal, posto que não se exige, para o reconhecimento da mesma, a apreensão da arma utilizada no crime; aliás, a demonstração do emprego da arma pôde ser feita por qualquer meio de prova admissível em Direito e, assim, também pelas seguras palavras da vítima. Por outro lado, não há que se cogitar da redução das penas aos seus mínimos legais, eis que as penas-base já foram estabelecidas em tais patamares.”

(Tipo da Ação: APELACAO CRIMINAL; Número do Processo: 2004.050.02771; Órgão Julgador: PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL; Des. DES. MOACIR PESSOA DE ARAUJO; Julgado em 23/11/2004)

           A análise da presente questão passa por dois pontos. O primeiro é tocante a possibilidade da utilização de qualquer meio de prova lícito em substituição a prova pericial, a que com mais certeza pode aferir tal ponto, mas que depende da apreensão da arma utilizada. Esta substituição é absolutamente correta, inclusive estando prevista expressamente no artigo 167 do CPP.

           O segundo ponto a ser analisado é qual é o objeto da prova para fins de reconhecimento da qualificadora do uso de arma. A resposta a esta pergunta vai justamente depender da interpretação dada a norma penal em comento, ou seja, se o critério a ser adotado é o objetivo ou o subjetivo. A pensar-se no critério subjetivo, bastará tão somente qualquer meio de prova que comprove ao julgador que foi utilizado na ação criminosa qualquer instrumento parecido com uma arma. Todavia, se adotado o critério objetivo já acima analisado, o objeto da prova a ser buscada pelo julgador está na comprovação de que a arma utilizada tinha idoneidade lesiva, ou seja, que tinha capacidade de levar maior perigo à vida e a integridade física da vítima (ex. no caso de uma arma de fogo, capacidade de produzir disparos no momento de sua utilização).

           Nesta linha de raciocínio, adotando-se como meio correto o critério objetivo, deverá o julgador fixar o objeto da prova no fato de ser o instrumento utilizado na prática do crime, inicialmente, uma arma, e, em segundo, ser esta arma potencialmente lesiva.

           Assim, no caso de um crime de roubo onde foi utilizado um objeto semelhante a uma arma de fogo, a prova pericial que seria produzida caso esta arma de fogo tivesse sido apreendida traria ao juízo a certeza de que o referido instrumento consistia em uma arma de fogo verdadeira e não de brinquedo, se estava municiada e que era apta a produzir disparos de arma de fogo. Em outras palavras, a prova pericial diria se o instrumento utilizado na prática do crime de roubo tinha idoneidade lesiva, caracterizando-se portanto como arma.

           Da mesma forma, a prova testemunhal deve ser encarada. Assim, se o depoimento da vítima ou de qualquer outra testemunha narra tão somente que o autor do crime de roubo estava portanto uma arma de fogo, tal meio de prova não foi o suficiente para dar ao juízo a prova de tratar-se o referido instrumento de uma arma, ou de que tal arma estivesse municiada e que tinha aptidão de efetuar disparos. Todavia, se uma testemunha depusesse que viu o autor do delito atirar com a referida arma, a prova testemunhal teria cumprido plena e satisfatoriamente o papel da prova pericial não produzida, devendo ser usada em substituição à esta, fundamentando a aplicação da causa de aumento de pena.

           Todavia, não é esta a forma de julgamento com que se depara ao analisar-se as decisões proferidas, pois apesar de muitas vezes os julgadores aplicarem o critério objetivo na interpretação da norma penal em análise, quando ocorre uma hipótese semelhante a ora tratada, não se concatena o raciocínio a fim de realmente julgar-se a demanda com base no critério de interpretação da norma adotado, satisfazendo-se os julgadores, de forma equivocada, da simples prova do emprego de um instrumento semelhante a uma arma de fogo na prática do delito de roubo, o que como já demonstrado não atende a prova necessário a comprovação dos fatos indispensáveis a aplicação da qualificadora sob a ótica do critério objetivo.


           3- Do ônus probatório.

           Outro acórdão, da lavra do insigne Jurista e Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, traz um outro enfoque novo à questão, pelo que passa-se abaixo à transcrevê-lo:

           Ementa

           HABEAS CORPUS. ROUBO COM A MAJORANTE DE EMPREGO DE ARMA. NÃO APREENSÃO DESTA. IRRELEVÂNCIA.

           1. Em sendo forte e inequívoca a prova oral, é desinfluente para o reconhecimento da causa de aumento inserta no inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal, a não apreensão da arma de fogo empregada no roubo.

           2. Ainda que se cuide de infração penal intranseunte, admite a lei processual penal o exame de corpo de delito indireto em havendo desaparecido os vestígios, o suprimento da prova pericial pela prova testemunhal (Código de Processo Penal, artigos 158 e 167).

           3. Presume-se juris tantum a aptidão ofensiva da arma, sendo da parte que a nega o ônus da prova (Código de Processo Penal, artigo 156).

           4. Ordem denegada.

           Acórdão

           Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Fontes de Alencar e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal.

(Processo HC 17900 / SP; HABEAS CORPUS 2001/0095958-2; Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112); Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA; Data do Julgamento 13/11/2001;  Data da Publicação/Fonte DJ 25.02.2002 p. 450)

           O v. acórdão invoca, além da possibilidade da substituição da prova pericial pela prova testemunhal para a solução da questão, questão já acima abordada, outro fundamento, o ônus probatório. Afirma o v. aresto que seria ônus probatório do acusado comprovar não ter a arma utilizada na prática do crime de roubo idoneidade lesiva. Apesar de não estar afirmado categoricamente no v. aresto, permitimo-nos supor que o fundamento de tal distribuição do ônus probatório, impondo-se ao acusado o ônus de provar tal questão esteja calcado no fato de que tenha sido tal questão fruto de suas alegações.

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           O primeiro aspecto a ser analisado no fundamento utilizado pelo insigne jurista deve ser relativo à distribuição do ônus probatório do Processo Penal. Ao contrário do que ocorre no Processo Civil, não é admitido no Processo Penal a utilização de presunções que atentem o direito de liberdade, posto do contrário, estar-se-ia, em última análise, fulminando a garantia constitucional da presunção de inocência, regra geral que permeia todo o Processo Penal e que tem por escopo a defesa do direito fundamental maior, fundamental e indisponível, o da liberdade.

           Além de não serem possíveis presunções contra o réu no Processo Penal, deve-se também ter em vista que cabe ao Estado o ônus probatório de provar a existência do crime, em todos seus aspectos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), bem como em todas suas circunstâncias, principalmente quando estas tenham natureza de elevar ou agravar a pena.

           Não se pode dar uma interpretação simplista ao artigo 156, de forma a retirar-lhe seu conteúdo apenas em sua literalidade, como parece ter sido feito, feitas todas as vênias possíveis, no v. acórdão colacionado. Não é pelo simples fato de o acusado ter dito, p.ex., em seu interrogatório que a arma que usou foi de brinquedo, lhe caberia o ônus de provar tal fato, sob pena de em não o fazendo, ter como verdadeiro que a arma utilizada era verdadeira, estava municiada e com plena aptidão de efetuar disparos. Como dito, estamos diante da comprovação do fato típico, ou seja, do juízo de tipicidade, que como de curial sabença, é do Estado o integral ônus probatório. Assim, quando adota-se o critério objetivo na interpretação da norma penal em comento, constitui elemento objetivo do tipo penal incriminador (artigo 157, parágrafo 2º, inciso I, CP) a prova de tratar-se o instrumento utilizado na prática do roubo efetivamente de uma arma e que esta arma tinha potencial lesivo no momento em que foi utilizada. Portanto, não se trata de simplesmente distribuir-se o ônus probatório pelas alegações feitas, como parece ter sido o fundamento utilizado no v. acórdão acima colacionado, mas sim de em primeiro plano atribuir-se o ônus probatório à acusação do juízo de tipicidade do fato imputado, sem o qual, qualquer condenação seria absolutamente ilegítima e violadora dos direitos e garantias constitucionais mais fundamentais.


           4 – Conclusão.

           Concluindo, buscou-se com o presente texto demonstrar que deve o Julgador ao analisar as provas constantes do processo, fazê-lo com vistas a orientação doutrinária adotada, pretendendo demonstrar-se que no caso da hipótese analisada é habitual o erro no julgamento, uma vez que mesmo sendo adotado pelo julgador como forma de interpretação do artigo 157, parágrafo 2º, inciso I, do CP, o critério objetivo, este não é efetivamente observado ao julgar a pretensão punitiva, não sendo realmente investigado dentro do contexto probatório.

           Com isto, pretende-se demonstrar não apenas que este erro de julgamento é comum nos casos semelhantes ao ora analisado, mas também em outras lides penais, onde muitas vezes o julgador deixa-se levar por um “simplismo” ao proferir sua decisão, não se atentando que a sua função enquanto julgador está justamente em construir a interpretação viva da Lei e sua aplicação nos casos concretos da forma mais justa e legítima possível.

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Sobre o autor
Guilherme Celidonio

defensor público do Estado do Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELIDONIO, Guilherme. Da análise da aplicação da causa de aumento de pena do roubo (art. 157, § 2º, I) quando a arma do crime não é apreendida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 842, 23 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7472. Acesso em: 5 nov. 2024.

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