O acesso efetivo à justiça e os meios alternativos ao Poder Judiciário no âmbito da resolução adequada dos conflitos

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3. O controle judicial indispensável e o papel subsidiário do Poder Judiciário

Até mesmo no âmbito penal, que é matéria de controle jurisdicional indisponível, frente à proibição de autotutela para imposição de sanções legais - nulla poena sine judicio -, nota-se diligências do poder público de incentivo ao descongestionamento do judiciário.

Pretensões desta ordem carecem da existência de um sistema processual para que a lei satisfaça a pretensão, efetivando a situação prevista pelo direito material – por exemplo, a imposição de uma pena. Manifesta-se, aqui, a indisponibilidade do processo.

As pretensões necessariamente sujeitas a exame judicial para que possam ser satisfeitas são aquelas que se referem a direitos e interesses regidos por normas de extrema indisponibilidade, como as penais e aquelas não penais trazidas como exemplo (esp., direito de família). É a indisponibilidade desses direitos, sobretudo o de liberdade, que conduz a ordem jurídica a ditar, quanto a eles, a regra do indispensável controle jurisdicional (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p. 54).

Insertas na seara criminal, Cintra, Grinover e Dinamarco enumeram quatro medidas realizadas pela Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, constantes na conjuntura da prática consensual:

[...] a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais introduziu no sistema um novo modelo consensual para a Justiça criminal, por intermédio de quatro medidas despenalizadoras (medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar a pena de prisão): a) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, par. ún.); b) não havendo composição civil ou tratando-se de ação penal pública incondicionada, a lei autoriza a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva de direitos ou multa), mediante transação penal (art. 76); c) as lesões corporais culposas e leves passam a depender de representação (art. 88); d) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89) (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.55).

Esta lei traz medidas alternativas, como a transação penal, que não priva a liberdade. Aqui, as partes envolvidas, juiz, promotor, advogado, vítima e autor do fato dialogam entre si, na busca de uma solução, sem imposição de pena. Caso não haja acordo civil – que pode ser de cunho patrimonial ou um pedido de desculpas – o Ministério Público pode oferecer a transação penal, substituindo o processo.

A aplicação de medidas alternativas, medidas adequadas, revertidas em benefício da sociedade (propostas na transação penal) por meio de doações ou serviços a entidades assistenciais, faz com que uma conduta tida por infracional se possa fazer algo para o bem. Tais medidas são substitutivas ao processo, já que, aceitas, não importarão em qualquer acusação formal (BACELLAR, 2016, p.93).

A composição dos danos, a conciliação, a transação penal e a própria possibilidade de suspensão condicional do processo demonstram um bom aproveitamento do diálogo consensual dentro até mesmo dos Juizados Criminais (BACELLAR, 2016, p.94).

Nos casos de improbidade não se admite a transação em decorrência da inadmissibilidade prescrita pelo art. 17, §1º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Limitando a atuação administrativa, esta previsão legal expressamente inviabilizou a autocomposição nesse caso.

O direito a uma administração lícita e proba é direito cívico. Portanto, não se permitiu a realização de um acordo que porventura viesse a permitir que o agente público corrupto continuasse a atividade administrativa, furtando-se às sanções legais cabíveis (TARTUCE, 2018, p.155).

Também não se pode valer apenas dos métodos autocompositivos nas causas que envolvam, a título exemplificativo, o divórcio de casais com filhos incapazes.

Esta é uma ação necessária, que precisa ser feita em juízo. E ainda assim, mesmo diante desta obrigatoriedade, havendo consenso entre as partes envolvidas, facilita-se a resolução da situação mediante a propositura do divórcio consensual. Assim, o juiz apenas homologa os termos do pré-acordo.

O próprio ordenamento jurídico delineia os pontos onde a atuação estatal é imprescindível.

Fora, portanto, dos casos em que a apreciação jurisdicional estatal é eleita como essencial, há significativa liberdade para a adoção de diferentes meios de abordagem de controvérsias. Devem-se considerar, para tanto, as características cada mecanismo para definir o âmbito de sua aplicação (TARTUCE, 2018, p.155).

O Estado pode tornar-se instrumento subsidiário no contexto da resolução de conflitos.

[...] preconiza-se o princípio da subsidiariedade, segundo o qual todo ordenamento deve proteger a autonomia da pessoa humana diante das estruturas sociais, não se devendo transferir a uma sociedade maior o que pode ser feito por uma sociedade menor (MONTEBELLO, 2002, p.120).

Fernanda Tartuce acentua:

[...] sob a perspectiva de que a sociedade contemporânea não pode suportar um sistema administrativo sobrecarregado e desorganizado e que o próprio Estado é incapaz de acompanhar as mudanças e progressos gerados por esta sociedade, surge a ideia do chamado “Estado Subsidiário”, fundamentado no princípio de que a atuação centralizadora e totalitária do Estado pode destruir sua estrutura social, política e econômica (TARTUCE, 2018, p.152).

A ideia da subsidiariedade parte do pressuposto de que as atividades sobre as quais a iniciativa privada pode desenvolver independentemente, ao Estado não compete intervir.

Deve auxiliar, estimular e promover, através do emprego dos princípios de justiça, liberdade, pluralismo e distribuição de competências a composição do conflito entre as próprias partes, considerando como essencial a tendência atual de uso dos meios alternativos de composição de controvérsias.

3.1 O estímulo à desjudicialização dos conflitos 

A resolução do conflito por meio do pilar autocompositivo deve ser cada vez mais estimulada. Há que se buscar a desprocessualização das controvérsias.

Premente a necessidade de analisar a garantia de inafastabilidade da tutela jurisdicional por um ângulo diferente. É preciso repensar o papel do Estado e suas funções dentro do círculo social.

O Código de Processo Civil de 2015 incentiva sobremaneira a aplicação da solução consensual do conflito.

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. (grifos nossos)

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (BRASIL, 2015).

Ademais, a Seção V, do Capítulo III é totalmente destinada à regulamentação da atuação dos conciliadores e mediadores. Salutares os esforços públicos voltados para a adequada resolução dos conflitos através do consenso, mesmo quando já iniciado o processo.

Nesse sentido, ressalte-se que, há algum tempo, dentro da própria estrutura do judiciário, medidas foram tomadas voltadas para a composição do conflito de maneira consensual, corroborando para o acesso à ordem jurídica justa e efetividade da resolução alcançada, na tentativa de proporcionar um atendimento célere ao cidadão.

Citem-se os Juizados de Pequenas Causas, instituídos pela Lei nº 9.099/95, que oportunamente possibilitaram a ampliação do atendimento ao cidadão pelo Judiciário e o diálogo entre as partes em meio à sua dinâmica processual.

O Código de Processo Civil de 2015, a Lei de Mediação, com a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejuscs) demonstram a disposição do Judiciário para solucionar o conflito quando sua resolução for impossibilitada pelos métodos consensuais.

Os referidos institutos concentram tentativas de solução de conflitos por meio da conciliação e da mediação. Segundo dados do Relatório Justiça em Números, apenas 12% da população brasileira concilia.

A Resolução nº  219/2016 incluiu os Cejuscs como unidades judiciárias, estando no mesmo patamar que as varas, juizados, turmas recursais e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores[3].

O CNJ já havia regulamentado administrativamente estes Centros por meio da Resolução nº 125/2010. O intuito desta legislação reside na constituição de uma Política Judiciária Nacional, com vistas ao tratamento adequado do conflito.

A proposta é de que o respectivo tribunal componha e organize tais centros, por meio de parcerias e termos cooperativos entre tribunais e instituições, sejam elas públicas ou privadas.

Percebe-se que a garantia de proteção judiciária implica ser possível acessar a jurisdição para definir situações controvertidas relevantes, sem que tal possibilidade impeça a adoção de outros meios de distribuição de justiça. O acesso à justiça, no sentido de composição justa do litígio, difere do acesso ao Poder Judiciário (mecanismo jurisdicional heterocompositivo) (TARTUCE, 2018, p.154).

[…] a garantia de acesso à Justiça, em sua conotação substancial, não sinaliza no sentido de que o Poder Judiciário deva ser a primeira porta a que, direta e imediatamente, os contendores devam ter acesso, mas, ao contrário, quer assegurar uma sorte de garantia residual, para casos de urgência, ou quando falhem ou não sejam idôneos os demais meios de resolução de conflito (homo ou heterocomposição), assim os acordos, a renúncia de direitos, a intervenção dos órgãos colegiados como os de arbitragem, enfim, tudo o que hoje vai se chamando de equivalentes jurisdicionais (TARTUCE, 2018, p.153).

O CPC/15 motiva a aplicação dos meios alternativos dentro do próprio sistema jurisdicional. Sobre isso Theodoro Júnior faz uma ressalva:

[...] a atual escolha pode trazer ferramentas plúrimas ao jurisdicionado, mas sem a pretensão de trazer maior celeridade e diminuição de custos, especialmente quando se percebe a necessidade que o Novo CPC traz de que os novos conciliadores e mediadores passem por uma capacitação obrigatória (que induz gastos – art. 167)para a profissionalização de suas funções e da necessidade de criação dos centros de autocomposição (THEODORO JÚNIOR 2015, p.184).

Bacellar faz a seguinte pontuação a respeito da hipótese de os meios alternativos não conseguirem resolver o conflito:

[...] na impossibilidade de solucionar o conflito pelo método consensual, a exemplo da negociação, da conciliação e da mediação, aí sim, de forma complementar, o Poder Judiciário deverá apreciar a questão, se necessário pelo método adversarial com solução adjudicada (BACELLAR, 2016, p.63).

Posto que, “de nada adianta ter monopólio de todas as causas, para mantê-las em estoque e não julgá-las, descumprindo o mandamento constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CR)” (BACELLAR, 2016, p.62).

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De aduzir que não há pretensão de substituir a via judiciária por outras instâncias de composição de conflitos; busca-se, em realidade, disponibilizar mecanismos adicionais para permitir a adoção de vias adequadas ao tratamento das controvérsias em relação de complementaridade com o mecanismo jurisdicional clássico.

3.2 Os meios alternativos ao Poder Judiciário

A todos é garantido o acesso ao Poder Judiciário e este não se escusará de nenhuma demanda caso provocado.

Todavia, quando conflito é levado à apreciação judicial, a decisão tomada ao final do processo resolve apenas a parte contemplada pelo processo. A pacificação ocorre num determinado âmbito do problema, mas os demais pontos que originaram o mesmo não são resolvidos.

[...] o processo estatal só pacifica a parte do conflito que foi judicializada e não todo o conflito social que está à sua base e pode ser mais amplo do que aquele deduzido em juízo (lides parciais). É comum que, após a solução imperativa estatal, o vencido não fique satisfeito ou que as partes voltem a litigar, porque a pacificação não foi completa (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.48).

Portanto, se pacificar é o fim fundamental da resolução do conflito, é relevante que se busque sempre uma abordagem total do mesmo, a fim de que todas as partes consigam - de certa forma - sair satisfeitas da situação conflituosa.

Pontue-se a seguinte observação em relação ao desafio criado para lidar com a crise da justiça estatal, no caminho para a aplicabilidade plena dos meios alternativos de solução dos conflitos civis:

A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura como formalismo processual. A desinformalização é uma tendência quando se trata de dar pronta solução aos litígios, constituindo fator de celeridade. Depois, dada a preocupação social de levar a justiça a todos, também a gratuidade constitui característica marcante dessa tendência. Os meios informais gratuitos (ou pelo menos baratos) são obviamente mais acessíveis a todos e mais céleres, cumprindo melhor a função pacificadora. Por outro lado, como nem sempre o cumprimento estrito das normas contidas na lei é capaz de fazer justiça em todos os casos concretos, constitui característica dos meios alternativos a pacificação social também a deslegalização, caracterizada por amplas margens de liberdade inexistentes nas soluções a cargo dos órgãos jurisdicionais estatais. Essa tendência manifesta-se não só no informalismo de certos procedimentos, como o arbitral, mas também na abertura de caminhos para os juízos de equidade, caracterizados estes como julgamentos não necessariamente limitados por disposições legais (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.48).

A ideia da cultura de autocomposição traz à tona mais autonomia e menos heteronomia.

Em regra, a solução da disputa é mais eficiente se o mecanismo tiver enfoque primário nos interesses das partes. Assim, nada menos custoso e mais eficiente do que os próprios envolvidos conseguirem resolver a disputa pela negociação direta que: a) possibilite a criação de opções vantajosas para ambas as partes; b) distribua valores com base em critérios objetivos acordados pelas partes. Quando o enfoque nos interesses não for suficiente para resolver a disputa sem a intervenção de um terceiro, deve-se ponderar qual método é mais adequado (TARTUCE et al.apud TARTUCE, 2018, p.184).

Bacellar enumera de forma simples e direta algumas terminologias bem presentes na seara da resolução alternativa dos conflitos e suas significações (BACELLAR, 2016, p.36-37).

A utilização da sigla ADR indica resolução alternativa de disputas (Alternative Dispute Resolution). Emprega a negociação, a mediação e a arbitragem fora do âmbito do sistema oficial de resolução de disputas. As soluções alternativas consistem na aplicação de um portfólio de métodos, formas, processos e técnicas fora do âmbito do Poder Judiciário.

A sigla Masc indica meios ou métodos alternativos de solução de conflitos com concepção semelhante. Representam um novo tipo de cultura na solução de litígios, distanciados do combate clássico entre as partes – autor e réu no Poder Judiciário – direcionada à resolução harmoniosa e cooperativa de solução de conflitos, na busca pela pacificação social.

Ainda se utiliza as siglas Mesc a indicar métodos ou meios extrajudiciais de solução de conflitos ou controvérsias e RAC a indicar resolução alternativa de conflitos, meios esses sempre caracterizados pela aplicação alternativa, complementar ou paralela às atividades desenvolvidas pelo Poder Judiciário.

Poderão esses meios alternativos, extrajudiciais, ser desenvolvidos segundo os métodos consensuais (negociação, mediação e conciliação) ou adversariais (arbitragem).

Mecanismos ou meios alternativos ou extrajudiciais serão, portanto, todos aqueles se desenvolvem fora do ambiente do Poder Judiciário e que encontram soluções lícitas.

[...]

É até recomendável que ocorram soluções extrajudiciais, e hoje há um grande estímulo da própria legislação para isso. Preocupação existe, porém de que isso só ocorra com plena independência e autonomia de vontade das pessoas em solucionar seus conflitos diretamente.

Caso ocorra qualquer ruptura nessa autonomia e livre manifestação de vontades, o Estado-juiz tem de estar à disposição para agir quando provocado (BACELLAR, 2016, p.37).

Há muito sobre o que se aprofundar a respeito de tais institutos, o que desperta, para outra oportunidade, a realização de estudo minucioso dos mesmos. 

3.3 Mudanças de paradigma: educação, orientação e protagonismo das partes para a adequada resolução do conflito           

O art. 92 da CRFB/88 estabelece que os órgãos do Poder Judiciário estão à disposição do jurisdicionado para prestação do serviço público judiciário sempre que demandado. Deve prestá-los sempre da melhor maneira resolvendo a controvérsia, a fim de chegar à coordenação dos interesses privados e à pacificação social.

A cultura brasileira ainda é majoritariamente voltada à aplicação da jurisdição estatal para dirimir seus conflitos. Entende-se, além disso, que o acesso à justiça é sinônimo de acesso à jurisdição.

Diante da dificuldade que o judiciário tem enfrentado, com frequente congestionamento de causas, há um comprometimento de sua legitimação e sustentabilidade.

Torna-se cogente a remodelação da administração da justiça.

Ressalte-se o sistema americano, inspirador do CPC/15, criando uma possibilidade de triagem de casos (screening process) a partir da noção de gerenciamento de litígios (não de processo) ou case management.

A ideia parte da noção de que os litígios, especialmente dentro de um quadro de diversidade de tipos e de graus de complexidade, merecem ser geridos e direcionados para a via processual adequada para seu dimensionamento (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

O CPC/15 tem um modelo próprio que é uma espécie de triagem de casos e que aborda a lide de maneira diferente dentro do próprio âmbito judiciário, aplicando-se técnicas alternativas – a conciliação e a mediação. Uma vez proposta a demanda, escolhe-se a técnica mais adequada para o dimensionamento do conflito:

a) a possibilidade inaugural de julgamento imediato de causas (improcedência liminar – art. 330) em hipóteses em que já exista entendimento consolidado em Tribunais Superiores (em versão constitucional do art. 285-A do CPC Reformado de 1973);

b) audiência inaugural de conciliação ou mediação (art. 331), logo após a análise da petição inicial, na qual o conciliador ou mediador profissional, onde houver, atuará necessariamente;

c) ou mesmo, a remessa imediata aos centros judiciários de solução consensual dos conflitos para que, mediante a ingerência de profissionais treinados, se busque dimensionar o conflito (THEODORO JÚNIOR et al, 2015, p. 186).

Assim, segundo os regramentos do código de processo civil, o conciliador - que atuará preferencialmente quando não houver tido vínculo anterior com as partes - pode sugerir soluções para o litígio, sem constranger ou intimidá-las.

O mediador - preferencialmente vinculado anteriormente com as partes - auxiliará na compreensão das questões relativas ao conflito, restabelecendo a comunicação, a fim de que seja identificada soluções consensuais geradoras de benefícios mútuos.

Denota-se a busca de uma redução das deficiências apresentadas dentro do processo jurisdicional. Mesmo com a ausência de profissionalismo por vezes presente no uso das técnicas, há uma tentativa de promoção do modelo multiportas associada ao modelo judicial, trazendo a possibilidade de uma conciliação ou mediação profissionalizada dentro do processo (THEODORO JÚNIOR et al, 2015, p. 186).

Grinover, no artigo Os Fundamentos da Justiça Conciliativa, afirma que a solução não está apenas no aumento de magistrados:

[...] a solução não consiste exclusivamente no aumento do numero de magistrados, pois quanto mais fácil for o acesso a Justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de neve (GRINOVER, 2008, p.24).

É preciso incentivar a atuação de grupos e cidadãos como protagonistas na composição do conflito.

Entender o acesso à justiça como sinônimo de acesso à jurisdição é uma posição que precisa ser revista. Considerar o Poder Judiciário a prioritária opção para obter a “solução” de conflitos traduz uma visão exacerbada de garantia de acesso ao Poder Judiciário que em nada contribui para a efetiva distribuição de justiça em um regime democrático, pluralista e participativo (TARTUCE, 2018, p.152).

Bacellar reforça que “a livre manifestação da vontade das pessoas capazes, no sentido de solucionar os conflitos fora do sistema oficial (sem acessar o Poder Judiciário), deve ser respeitada e até prestigiada” (BACELLAR, 2016, p.68).

Além disso, é fundamental trabalhar por uma atuação integrada e complementar entre o judiciário e os meios alternativos mais conhecidos e adequados dentro do Brasil (negociação, conciliação, mediação e arbitragem). A preferência em solucionar conflitos pelo sistema judicial dá-se, dentre outros motivos, pela falta de hábito em relação aos meios extrajudiciais.

[...] o direito ao processo não é absoluto. A inclinação natural da coletividade em direção à sociabilidade do Direito torna contínua e progressivamente mais acentuada a limitação dos direitos individuais e a moderação no seu exercício em face do interesse social. E o interesse social, se por um lado está na segurança e garantia de acesso do indivíduo ao Poder Judiciário, por outro lado também está no impedimento da litigiosidade frívola, de emulação e até no desestímulo da litigiosidade legítima, mas evitável. (MORI et al., 2005).

Não obstante, é essencial a educação e orientação do cidadão, dos profissionais, a fim de redirecionar os esforços para uma intervenção preventiva extrajudicial.

A sociedade civil tem tomado iniciativas a fim de efetivar algumas técnicas de ADR no Brasil. Bom exemplo de iniciativa foi a criação do Centro de Mediação e Cidadania, ligado ao Núcleo de Direitos Humanos do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Um dos objetivos de sua criação foi

ampliar o acesso da população ao exercício de seus direitos e oferecer aos alunos e professores do Curso de Direito um modelo de prática jurídica renovada por intermédio de instrumentos inovadores de composição de conflitos, tais como o da mediação e a capacitação de líderes comunitários, junto ao seu já instituído Núcleo de Prática Jurídica (NAJOP) (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

Ao se considerar as dificuldades enfrentadas pelo próprio Judiciário na triagem dos casos, encorajar a sociedade civil e capacitá-la para dimensionar seus próprios conflitos é uma forma de trazer o cidadão para o protagonismo na resolução do conflito.

Dessa forma, os Núcleos de Prática poderão superar um modelo exclusivamente assistencialista e trazer meios alternativos ensejadores da resolução consensual dos conflito.

É possível a integração harmônica entre Núcleos de Assistência Judiciária e Centros de Soluções consensuais.

Buscou-se, com isso, uma integração (sem competição) entre as práticas de extensão: ao chegar um cidadão no local, ele é atendido por dois estagiários, um do NAJOP e outro do Centro de Mediação, com o auxílio de professores do curso. Então, após conversa entre os envolvidos, é exposta ao solicitante a possibilidade da mediação e da adjudicação, explicando para ele os procedimentos e vantagens de cada um, para então decidir-se por uma ou outra via.

Encaminhada que seja para a mediação, é assinado um termo de confidencialidade e a outra parte é chamada para tomar conhecimento do procedimento e dizer se aceita a mediação. Caso aceite, o procedimento continua. Em dia e hora marcados, um mediador e as partes se encontram no núcleo e as partes tentam chegar a um acordo. Em qualquer caso, do início ao fim do procedimento, não havendo vontade de alguma das partes, o caso é remetido ao Najop. (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p.184).

A desprocessualização de controvérsias no direito moderno representa uma retomada da tradição jurídica na qual a solução dos litígios resultava da composição pelos particulares, sem vinculação com o Estado, embora este estivesse disponível para prestar a tutela jurisdicional.

A proposta da política judiciária que incentiva o desenvolvimento de vias diversas é criar, paralelamente à administração da justiça tradicional, novas vias de solução de litígios, preferencialmente por meio de instituições leves, relativa ou totalmente desprofissionalizadas (algumas vezes, até vedando a participação de advogados); a utilização deve ser barata – senão mesmo gratuita – e localizada de modo a facilitar (e maximizar) o acesso aos serviços, operando de forma simplificada e pouco regulamentada para obter soluções mediadas entre as partes (BOAVENTURA, 1989, p. 39).

É preciso que as formas alternativas ao judiciário sejam incentivadas, mesmo que seja ao inseri-las dentro da prestação estatal, tendo em vista que a via jurisdicional ainda é o mecanismo mais utilizado para solução dos conflitos. 

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Sobre a autora
Juliana Silva de Queiroz Pinheiro

Graduanda em Direito, pela Universidade Estadual de Montes Claros, aprovada no XVIII Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, técnica em Farmácia pelo Senac-MG, ex-estagiária da Advocacia Geral da União, Seccional Montes Claros; e da Novo Nordisk Brasil, unidade Montes Claros. Cristã, casada, mãe de dois filhos, pianista, amadora no violão e flauta doce. 25 anos de idade. Inglês intermediário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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