A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 144, §6º, subordina as polícias militares aos Governadores dos Estados e, no §7º, remete à lei sua organização e funcionamento, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades (grifamos), matéria essa cujo conteúdo foi repetido no § 1º do art. 146 da Constituição Estadual baiana.
Não se furtando a essa responsabilidade, o legislador estadual baiano editou a Lei n. º 7.990, de 27 de dezembro de 2001, que, na alínea "e" do parágrafo único do art. 155 confere aos policiais militares a prerrogativa de portar arma de fogo. E vai mais além: em seu art. 158, considera este porte inerente ao policial militar, sendo impostas restrições ao seu uso apenas (grifamos) aos que revelarem conduta contra-indicada ou inaptidão psicológica para essa prerrogativa. No §1º do mesmo artigo, impõe a legalidade do registro.
Em momento posterior, o art. 6º da Lei n. º 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) assegurou o porte funcional aos integrantes da Polícia Militar e, no seu § 1º, estende o referido porte, permitindo-o mesmo fora de serviço. Desta forma, manteve-se o legislador federal na mesma linha de entendimento do legislador estadual. Logo, inexistindo choques, não se pode alegar que tenha o Estatuto Federal revogado parcialmente o Estatuto dos Policiais Militares no que respeita ao porte de arma.
Paira certa controvérsia – fato incontesti no nosso sentir _, sobremaneira diante de recente manifestação do Ministério Público do Estado da Bahia em sede de pedido de relaxamento de prisão de um Oficial da Polícia Militar da Bahia, quanto à redação do mencionado § 1º do art. 6º, que alude ao porte de arma de fogo fornecida pela respectiva Corporação ou Instituição (grifamos), aplicando-se, nos casos de armas de fogo de propriedade particular, os dispositivos do regulamento da lei nacional (Decreto n. º 5.123, de 1 de julho de 2004). Este, por sua vez, em seu art. 35, estabelece que, somente em casos excepcionais, poderá ser autorizada pelo órgão competente a utilização, em serviço, de arma de fogo de propriedade particular e, nesta hipótese, conduzida com seu respectivo Certificado de Registro. Este registro é aquele constante do § 9º do art. 152 do Decreto n.º 3.665, de 20 de novembro de 2000 _ publicação em Boletim Interno Reservado _, em nada incompatível com o novo diploma do desarmamento. Muito pelo contrário, o § 3º do art. 5º da citada Lei Nacional do Desarmamento considera-o válido, impondo sua renovação no registro federal no prazo de 3 (três) anos, prazo este ainda não expirado, já que a sobredita lei fora sancionada no dia 22 de dezembro de 2003.
Seguindo o mesmo raciocínio, agora se valendo de uma interpretação sistemático-teleológica, o caput do art. 37 do Regulamento da Lei n. º 10.826/2003 impõe aos transferidos para a reserva remunerada ou aposentados a submissão, a cada três anos, aos testes de avaliação psicológica, para conservarem a autorização de Porte de Arma de Fogo de sua propriedade (grifamos). E, no seu §2º, veda aos integrantes da reserva não remunerada (que, em tese, rompem o vínculo com a Corporação) essa prerrogativa (grifamos).
Assim, entendemos, com a devida venia das opiniões em contrário, que não seria razoável ao legislador federal conservar a autorização de porte dos servidores inativos, de arma de sua propriedade, condicionando-a apenas aos testes de aptidão psicológica, e vedar aos servidores ativos a mesma prerrogativa.
Neste diapasão, pensamos que, no momento em que o Regulamento da Lei n.º 10.826/2003 autorizou, de forma excepcional, a utilização, em serviço, de arma de fogo de propriedade particular, houve-se no sentido de conferir maior proteção aos servidores, frente às dificuldades orçamentárias que impõem, muitas das vezes, a utilização de armamentos ultrapassados, não no intuito de restringir o seu porte, pois que, no nosso entender, a real finalidade da norma posta em discussão foi estabelecer critérios mais rigorosos de concessão, limitando-se o porte, sobremaneira, àqueles investidos em funções atinentes ao Sistema de Defesa Social, desde que preenchidos certos requisitos de habilitação técnica, psicológica e cadastral, neste último, a exigência do porte de armas registradas.
Frise-se que a importância do registro está em se conhecer a titularidade e procedência da arma, não sendo, ao nosso ver, razoável que o legislador autorize o porte de arma da Corporação mesmo fora do serviço e vede o porte de arma particular de procedência certa, conhecida, induvidosa, em nome do titular, pois, assim sendo, colocaria em dúvida o sentido último da norma, qual seja, reduzir a criminalidade e buscar um estado aceitável de paz social.
Por fim, importante deixar claro que essas prerrogativas se coadunam com outros diplomas legais que impõem aos policiais militares o dever de agir mesmo que fora de serviço. Vejam-se, à guisa de exemplos, o art. 301 do Código de Processo Penal, repetido no art. 243 do Código de Processo Penal Militar.