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Direito e sustentabilidade ambiental:

o regime jurídico aplicado à gestão dos rejeitos da construção civil

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22/06/2019 às 11:15
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2 A (IN)OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DE GESTÃO DOS REJEITOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL E SEUS PRINCIPAIS IMPACTOS AMBIENTAIS

Desde os primórdios do conceito de Sustentabilidade, o qual ocorreu nos anos 1980, no âmbito do relatório Brundtland da Organização das Nações Unidas (ONU), a temática da gestão dos rejeitos da Construção Civil é debatida com vistas a obter uma prática sustentável que concilie os benefícios sociais e econômicos da atividade com a manutenção de um meio ambiente saudável e equilibrado. Reconhece-se assim, que a Construção Civil constitui um setor econômico estratégico no esforço de cunho multisetorial pela sustentabilidade ambiental, conforme indicado pelo documento internacional e titulado “Agenda 21 para a Construção Sustentável”, produzido pelo Conselho Internacional de Pesquisa e Inovação na Construção Civil (CIB), conforme apontado por SEGATO e NETO:

 A [...] gestão sustentável baseia-se no princípio dos três R´s de Reduzir os resíduos ao mínimo; Reutilizar e Reciclar ao máximo. Correlacionar estas ações de forma integrada constitui a estrutura ambientalmente saudável do manejo dos resíduos. Medidas como controle, monitoramento e a fiscalização fazem parte de atividades afins da gestão dos resíduos sólidos (SEGATO; NETO, 2014)

Infelizmente, o Brasil figura entre os países com o pior indicativo no que tange ás boas práticas na gestão dos resíduos sólidos decorrentes da atividade de Construção Civil. Apesar de existir normas legais relativas a tal temática, a maior parte dos engenheiros civis, mestres de obras e demais trabalhadores, ignoram completamente essas regras, o que viabiliza a efetiva aplicação delas em muitos canteiros de obras no Brasil.

Ciente do grande potencial das atividades da Construção Civil impactarem negativamente ao meio ambiente, o Governo Federal instituiu acurada normativa que regula a gestão dos resíduos sólidos provenientes da atividade, na Resolução CONAMA nº 307, de 2002, a qual estabeleceu critérios e procedimentos para destinação final dos rejeitos da obra. Entretanto, muitos profissionais alegam o desconhecimento desse ordenamento, ou até mesmo, o desobedecem de forma explícita no momento da destinação final dos rejeitos sólidos, o que faz com que o Brasil tenha um dos piores indicativos mundiais no que tange a essa temática de importância estratégica quantidade de áreas que impactam, conforme se aduz dos excertos a seguir:

A [...] da Construção Civil, impacta o meio ambiente ao longo de sua cadeia produtiva, desde a ocupação de terras, a extração de matéria-prima, o transporte, o processo construtivo, os produtos, a geração e a disposição de resíduos sólidos (CONAMA, 2014)

2.1 OS IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO CIVIL E SUA RESPONSABILIZAÇÃO

A Construção Civil, enquanto uma atividade de transformação de grande amplitude física, com vasta capacidade de modificar o espaço de forma definitiva, e que produz uma série de externalidades no espaço geográfico, constitui uma variável estratégica no que concerne a produção em bases sustentáveis. Seus benefícios são facilmente de vislumbradas no âmbito das grandes obras de acessibilidade como estradas, pontes, empreendimentos de edificações de grande amplitude, melhoramento de instalações de saneamento, entre outros. As externalidades negativas, por sua vez, não são facilmente notadas, visto que incidem sobre modificações na qualidade do solo, assoreamento de lagos e rios, poluição do ar, contaminação de lençóis freáticos para citar somente alguns desses impactos, os quais muitas vezes são imperceptíveis visto que se dão ao longo do tempo, de forma cumulativa e lenta, o que reduz muitas vezes a capacidade da população perceber o quanto a atividade de Construção Civil pode ser deletéria para o meio ambiente.

Os principais impactos ambientais causados pela atividade da Construção Civil compreendem o uso intensivo de recursos naturais que não são renováveis no curto espaço de tempo, modificações de paisagens naturais de forma definitiva, e principalmente, a geração de uma grande quantidade de rejeitos sólidos que se acumulam ao longo do tempo comprometendo sobremaneira o equilíbrio ambiental, incidindo sobre a saúde do solo, corpos de água, galerias de águas pluviais e aparelhos subterrâneos de tratamento de água e esgoto.

Os Resíduos de Construção Civil, deveriam receber maior atenção da sociedade, dos órgãos governamentais, e do próprio setor da construção, por apresentarem características inertes, devido ao volume produzido, por serem gerados através da atividade que é fundamental para o desenvolvimento econômico e para suprir necessidades básicas, como moradia, saneamento e infraestrutura, e devido aos problemas causados pela deposição indevida (ARAUJO; GÜNTHER, 2007)

Sobre os danos causados pelo consumo exacerbado dos recursos naturais disponíveis, é importante destacar que atividade de construção civil responde pelo consumo de mais de 50% de todos os recursos naturais disponíveis no planeta, sejam esses de cunho renovável ou não renovável. Outrossim, atividade ainda é a maior responsável pela modificação definitiva da paisagem e do espaço geográfico, visto que a extração de recursos naturais, sua exploração e transporte, se acumulam no rastro das obras realizadas pela atividade fim da construção civil.

Dado o exposto, é nítido que os impactos causados pela construção civil enquanto atividade econômica causam modificações ambientais de grande impacto, sejam essas restritas ao meio ambiente ou ao espaço geográfico, e suas modificações não se restringem aos canteiros de obras, ao contrário, constituem modificações que se sedimentam ao longo do tempo de forma inexorável transformando o espaço para todo o sempre .

Conforme atestam os dados oficiais do Ministério das Cidades, os resíduos da construção civil são responsáveis por mais de 50% dos resíduos sólidos gerados em meio urbano no Brasil. Isso se deve ao fato de que grande parte das atividades- fim ou atividades-meio da Construção Civil são pautadas na geração de grande quantidade de entulho, pela extração de grandes quantidades de recursos naturais e pela deposição de forma direta dos sólidas (aterros específicos onde a empresa coloca o resíduo) ou de forma indireta, caracterizada pela deposição irregular ou não direcionada dos resíduos sólidos causando assoreamento de lagos e rios através do carreamento desses pela água da chuva.

 A Associação Brasileira para reciclagem de resíduos da construção civil e demolição, a Abrecon, em suas observações mais recentes, aponta que, por ano, no Brasil, são recolhidos 35.000 toneladas de resíduos da Construção Civil. O que permite conceder de forma lógica que a produção total de tais resíduos constitui um número bem maior, e que essa diferença possui destinação irregular ou clandestina, que agravam sobremaneira o impacto ambiental gerado pela atividade. Assim, segundo os critérios exigidos da sustentabilidade produtiva, a Construção Civil constitui uma das áreas de maior necessidade de gerenciamento estratégico sobre os impactos que causam ao meio ambiente.

Cumpre ressaltar, que embora a Construção Civil produza muitos rejeitos no âmbito da consecução de suas atividades, esta possui também a capacidade de reciclar e de reutilizar grande parte dos resíduos que cria, basta que para tanto, sejam criadas políticas diligentes de aproveitamento desses. Tal efeito benéfico se estende não somente a sustentabilidade, mas também aos critérios de economicidade dos custos da obra pelo reaproveitamento de insumos e pela geração de emprego e renda ás população que exploram esse nicho de mercado.

Os resíduos da construção civil classificados enquanto “resíduos de construção e demolição”, os RCD, não constituem os principais rejeitos causadores dos impactos ambientais, visto que suas características físico-químicas são semelhantes aos encontrados no solo natural. Entretanto, misturados aos RCDs podem conter, e geralmente contém, resíduos de tintas, óleos utilizados para maquinários, solventes, fragmentos de amianto, asbestos de telhas, entre outros corpos estranhos, os quais quando depositados de forma irregular no ambiente, tem caráter poluidor, sendo prejudicial à saúde animal e vegetal. 

Os principais impactos biológicos sanitários causados pelos RCDs no meio ambiente restam relacionados ainda a deposição de entulho nos aparelhos de drenagem sanitária urbana, o que lhes compromete o tráfego, e favorece a multiplicação de patógenos vetores de risco biológico, dentre os quais podemos citar os vírus, as bactérias e os fungos, assim como permite a procriação de insetos, como moscas, lacraias, larvas, baratas e até mesmo se tornam cativeiro para roedores como os ratos.

Devido à sua importância estratégica na manutenção da sustentabilidade ambiental, a gestão dos rejeitos da construção civil necessita uma tutela séria e diligente, que perpassam obrigações governamentais e particulares. Visto que os agentes públicos, por mais que se regule a respeito, não conseguem obter gerência adequada de todo a quantidade de rejeitos produzidas nos canteiros de obras privados. Assim, a solução passa, necessariamente, pela conscientização dos trabalhadores da Construção Civil sobre a importância em se realizar uma cuidadosa destinação dos rejeitos, com bases nas normatizações legais existentes. Infelizmente, tal dado constitui uma mazela no Brasil, onde muitos profissionais desconhecem as regras sobre a destinação dos rejeitos sólidos ou simplesmente ignoram sua observância.  

Diante disso, o cuidado sobre o processo de destinação sustentavel dos resíduos da Construção Civil em local apropriado e legalmente indicado é uma responsabilidade a ser compartilhada no âmbito público e privado com vistas a garantir a manutenção de um meio ambiente equilibrado, o que só pode ser obtido através da responsabilidade humana na condução das atividades econômicas estratégicas, como é a Construção Civil, conforme indicado na resolução 30 de 2002 do CONAMA, a qual objetiva promover uma responsabilização determinada sobre a destinação dos rejeitos oriundos dos canteiros de obras:

Considerando que os geradores de resíduos da construção civil devem ser responsáveis pelos resíduos das atividades de construção, reforma, reparos e demolições de estruturas e estradas, bem como por aqueles resultantes da remoção de vegetação e escavação de solos.(CONAMA, Resolução 30 de 2002).


3     ESTRATÉGIAS SALUTARES PARA A DESTINAÇÃO SUSTENTÁVEL DOS REJEITOS SÓLIDOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL

É sabido que os impactos negativos oriundos da má gestão dos resíduos da construção civil, são sentidos por toda a sociedade constituindo uma nefasta herança intergeracional. Entretanto, cabe ressaltar que os efeitos de uma gestão cuidadosa e responsável desses rejeitos possui efeitos positivos tanto no âmbito material quanto no que tange a conscientização social sob a responsabilidade quanto à destinação dos resíduos sólidos que são produzidos nos canteiros de obras. Tal responsabilidade, deve ser compartilhada entre os entes privados, os entes governamentais, e a sociedade civil que usufrui dos bens criados pela atividade da construção civil, assim como os empresários que dela extraem sua fonte de riqueza, tendo a esfera governamental a responsabilidade divida em igual medida, tanto pela legislação aplicada ao setor quanto pela função de fiscalização efetiva com vistas a coibir eventuais abusos ou inobservâncias legais e criminosas. 

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Nesse diapasão, faz-se necessária a constituição de boas práticas na gestão dos resíduos da construção civil, as quais decorrem em sua maioria, das prescrições legais já estabelecidas para o atividade com vistas á obtenção da sua prática sustentável. Uma das principais formas de controle sobre a produção exacerbada de resíduos sólidos constitui o combate dirigente ao desperdício de materiais, realizado por meio de estimativas responsáveis e cuidadosas, que redundam não somente na redução dos custos totais da obra como também na redução da quantidade de rejeitos. A cultura de desperdício de materiais e o descarte irregular de resíduos, geram nefastos custos tanto para empresa quanto para a sociedade em geral, ao passo que esses sempre são repassados ao consumidor final. Outrossim, o descarte indevido redunda em maiores custos para o setor público que deve despender de maiores aparatos de manutenção para remoção desses entulhos depositados clandestinamente nos leitos e nas margens dos lagos e rios, assim como das encostas, estradas e lixões, com vistas a proteger a coletividade e os bens tutelados pela saúde pública.

Cumpre destacar que a reciclagem ou a reutilização dos materiais barateia obra em até 46%. Essa economia se deve tanto pela redução dos custos decorrentes de novas aquisições de produtos tanto da não necessidade de se de transportar os rejeitos com o objetivo de descartar os resíduos em locais apropriados. Em que pese a economicidade ser um dado importante ao argumento em favor na política de reciclagem, um dos maiores benefícios dessa de corrente constitui a economia gerada na redução da extração de matérias-primas naturais do meio ambiente, diminuindo assim os impactos ambientais diretos e indiretos decorrentes da extração indiscriminada . Isso contribui sobremaneira para a sustentabilidade das atividades econômicas uma vez que quanto menor a quantidade de matéria-prima extraída, mais tempo essa atividade poderá ser realizada com aplicação econômica e geração de riqueza e bem-estar para a coletividade. Além disso, uma cuidadosa política de reaproveitamento de rejeitos impede as ações de assoreamento de rios e lagos, reduz a contaminação dos lençóis freáticos, os grandes corpos de água como os lagos e rios, impede o acúmulo de entulho em encostas estradas e lixões, e que reduz por sua vez, a prevalência de doenças relacionadas a gestão do lixo sólido.

Dentre as boas práticas de reaproveitamento de rejeitos sólidos provenientes da construção civil, destaca-se a produção industrial de pedrisco, britas e areias, usando como matéria-prima. Os entulhos e materiais de demolição outrora descartados nos canteiros de obras, se aproveitados constituem uma ferramenta bastante promissora na redução do custo para moradias destinadas ás parcelas de renda de menor potencial econômico, figurando como um excelente custo-benefício aos empresários imobiliários, ás construtoras e ás incorporadoras. Sabe-se, que pelas suas características, os produtos oriundos de reciclagem não podem ser usados com funções estruturais, conforme a Abrecon, seus usos recomendados são:

Areia: produção de argamassa de assentamentos, blocos e tijolos de vedação.

Pedrisco: fabricação de artefatos de concreto, como mesas e bancos de praça, pisos intertravados, manilhas de esgoto.

Brita: obras de drenagem e produção de concretos não-estruturais.

Bica corrida: base e sub-base de pavimentação, reforço e subleito de pavimentos e regularização de vias não-pavimentadas.

Rachão: obras de pavimentação, drenagem e terraplanagem.(Abrecon, 2004)

Dado exposto, a Construção Civil, enquanto atividade de suma importância ao Desenvolvimento Social, principalmente no que tange às políticas habitacionais, deve buscar combinar sua prática produtiva com ações pautadas nos preceitos da sustentabilidade, da economicidade e da responsabilidade sobre os efeitos que sua atividade promove no espaço geográfico no meio ambiente geral, garantindo assim usufruto de um ambiente saudável e equilibrado pelas gerações futuras.

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Sobre a autora
Tatiana Lopes

Odontóloga pela Universidade Federal Fluminense. Pós graduada em Políticas Sociais e Gestão Púbica pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Acadêmica do curso de bacharelado em Direito na Universidade Federal Fluminense. Mestranda em Sociologia e Direito PPGSD-UFF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Tatiana. Direito e sustentabilidade ambiental:: o regime jurídico aplicado à gestão dos rejeitos da construção civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5834, 22 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74846. Acesso em: 25 abr. 2024.

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