A crise do sistema carcerário brasileiro diante da ressocialização e a lei de execução penal

22/06/2019 às 13:47
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O presente estudo objetiva em linhas gerais analisar o caráter ressocializador da lei de execução penal frente a crise do sistema carcerário brasileiro.

INTRODUÇÃO

 

Inicialmente, cumpre destacar que a sanção penal, em termos de existência, é uma das mais antigas instituições sobre as quais se encontram relatos no decorrer da história da civilização. Desde seu surgimento, a sanção nada mais era do que uma consequência frente a natural reação do ser humano antigo para a manutenção de sua espécie, e, no decorrer do tempo, ela se tornou uma maneira de retribuição pelo que houve e como intimidação, através de parâmetros rígidos de punição.

Ainda sobre a origem da sanção penal, pode-se destacar a origem semântica do vocábulo pena, pena origina-se do latim poena, só que com uma derivação do grego poine, resultando assim no seu significado como dor, punição, sofrimento, penitência, vingança e até mesmo como recompensa. Atualmente, vê-se que a forma de punir possui falhas, prova disso está em nosso sistema penitenciário que apenas funciona como instrumento de encarceramento e, portanto, não regenera, não reeduca e tão pouco efetua a ressocialização do infrator, fazendo com que saia com mais sequelas e ainda mais violento.

No Brasil, a Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, intitulada de Lei de Execução Penal (LEP), é a legislação responsável por definir juridicamente as formas e os modos de cumprimento de pena após condenação criminal. Infelizmente, porém, ela ainda não possui aplicação efetiva na realidade atual.

Assim, o presente trabalho apresenta como problemática a seguinte indagação: por que existe uma discrepância gritante entre o que foi definido em lei e a execução prática do cumprimento da pena? Como possível hipótese tem-se a seguinte afirmação: a atual execução do cumprimento da pena possivelmente seja uma situação mais humilhante do que a aplicação de castigos que existia antigamente, o preso sobrevive nos presídios em situações sub-humanas.

Por essa razão, o presente estudo objetiva em linhas gerais analisar o caráter ressocializador da lei de execução penal frente a crise do sistema carcerário brasileiro; e, em linhas específicas analisar o atual sistema carcerário brasileiro, além do processo de ressocialização.

Existe uma complexidade de entendimentos doutrinários acerca da ressocialização do preso no Sistema Prisional Brasileiro que são indispensáveis ao entendimento do assunto, pois a atual situação de organização e de infraestrutura o sistema prisional está um caos, contudo no presente trabalho não irá tratar sobre penas, finalidades da pena.

Dessa forma, o presente trabalho justifica-se perante a atual situação de intensa criminalidade e da superlotação carcerária, dos custos do encarceramento, assim como dos efeitos trágicos da pena de prisão e da corrupção que corrói o aparelho estatal. Ou seja, entende-se que se faz indispensável a criação de novas possibilidades de cumprimento das penas, bem como a privatização do sistema penitenciário. Considera-se que a pura e simples adoção de medidas repressivas tem se mostrado insuficiente para lidar com o fenômeno da criminalidade.

Esta pesquisa bibliográfica é do tipo descritiva e qualitativa. A abordagem do tema foi realizada com base em material já elaborado, principalmente artigos, mídia escrita e bancos de dados bibliográficos, tais como, Jusnavegandi e publicações jurídicas.

 

2 COMPREENSÃO HISTÓRICA DO PUNIR

 

Inicialmente, cumpre destacar que a sanção penal, em termos de existência, é uma das mais antigas instituições sobre as quais se encontram relatos no decorrer da história da civilização. Desde seu surgimento, a sanção nada mais era do que uma consequência frente a natural reação do ser humano antigo para a manutenção de sua espécie, e, no decorrer do tempo, ela se tornou uma maneira de retribuição pelo que houve e como intimidação, através de parâmetros rígidos de punição (ANDREUCCI, 2013, p. 141).

No decurso da evolução humana é possível observar que o ser humano tem se progredido de forma significativa em todos os sentidos. Possível, portanto, afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver em sociedade, e dentro disso tem vivido em uma verdadeira “societas criminis”, ou seja, em uma sociedade criminal, pelo fato das relações sociais muitas vezes não serem harmônicas entre pessoas, e por isso o homem revela seu lado instintivo, como por exemplo, a sua agressividade, daí pode-se observar o surgimento do Direito Penal, como instituto de defesa da ordem coletiva e proteção social, com o cunho de tornar a comunidade pacífica (ANDREUCCI, 2013, p. 141).

A partir disso, pode-se adentrar em sua evolução histórica, a qual se divide em três períodos, o primeiro denominado de período da vingança, o segundo denominado de período humanitário e, por último, o denominado período científico. Inicialmente, o período descrito como sendo o da vingança estende-se até o século XVIII, o qual estava envolto por um cenário mágico e religioso. Em relação a esta fase, sua principal característica era a vingança privada, pública, e divina, em cenários no qual o infrator era punido pelo seu ato diretamente pela vítima ou sua família, ou em representações que a comunidade juntava-se para denegrir o criminoso, por meio de seu soberano, ou ainda, até mesmo pela igreja punindo o mesmo, já que seus crimes atingiam a Deus, e só poderia ter seus pecados perdoados através do suplício (ESTEFAM, 2013, p. 51).

O principal exemplo desta fase é o Código de Hamurabi – por volta de 2000 (dois mil) anos antes de Cristo – considerado até a atualidade como um dos ordenamentos normativos mais antigos do planeta. Nele, ainda, é possível identificar os parâmetros da punição – esta de caráter vingativo. Insta ressalta que esta legislação ficou marcada pela célebre máxima de “olho por olho e dente por dente” (GRECO, 2014, p. 19).

O segundo período, o período humanitário, foi por volta de 1750 a 1850 – final do século XVIII, e seu início se deu por meio do iluminismo. Assim, esse período foi caracterizado principalmente pelos pensadores com ideais absolutistas. Neste período foram efetuadas diversas e significativas reformas nas legislações e regulações da justiça penal. As sanções penais, nesta época, passaram a ter o sentido humanitário, qual seja da ressocialização do indivíduo, e tem como consequência o surgimento da ideologia de prevenção do crime e não em simplesmente punir como vingança pelo ato criminoso (ANDREUCCI, 2013, p. 143).

Logo, vislumbra-se como a mais expressiva transformação no objetivo da sanção penal é que a sua eficácia foi vinculada a sua fatalidade – como, por exemplo, a segregação do criminoso por um determinado número de anos por meio de uma sentença proferida em um órgão julgador legal – e não mais a sua intensidade visível (o exemplo público, como o suplício em praça pública), ou seja, para o período, a certeza que o infrator deveria ter da punição que o aguarda, independente de qual fosse, é que deveria intimidá-lo, e não mais a teatralidade das punições (novamente citando o suplício como principal exemplo). Já que, para o período, nada mais tornaria frágil o ordenamento das leis do que a ideia (crença) da impunidade (ESTEFAM, 2013, p. 53).

Em decorrência disso, iniciou-se a ideologia moderna de que o instrumento de justiça seja acompanhado por um órgão regulatório, um órgão de vigilância, e, portanto, um órgão de execução da pena, para que o criminoso não saia impune de sua sentença, e que a sociedade possa ter a certeza do cumprimento de sua pena (GRECO, 2014, p. 19).

Por fim, tem-se o terceiro período, o período científico, também conhecido como sendo o período criminológico, o qual tem seu surgimento no século XIX, mais precisamente em meados de 1850, e estende-se até o presente momento (OLIVEIRA, 2012, p. 51).

Neste período, a marca mais importante é a preocupação com a pessoa que cometeu o crime, e, consequentemente, com a razão pela qual o indivíduo veio a cometer o delito. Ainda, o período científico subdivide-se em três outros, quais sejam, o antropológico, no qual os fatores psíquicos e físicos daquele que comete o crime são explicitados para as suas ações; o sociológico, no qual são levadas em conta as determinantes externas ao ser humano como indivíduo, e no qual o ato criminoso acaba por ser pensado como um fenômeno social; e, por derradeiro, o jurídico, no qual se é dado o suporte legal às sanções penais, representando os valores das demais divisões já citadas (ANDREUCCI, 2013, p. 143).

Após essa breve compreensão histórica do punir, pode-se entender então, a finalidade da atual execução penal, na qual se vislumbram as teorias que englobam sua finalidade. Assim, é notório no ordenamento jurídico brasileiro que o legislador nunca havia se pronunciado explicitamente a respeito das funções da pena até o ano de 1984, no Código Penal, e, posteriormente, na Lei de Execução Penal, em seu artigo 1º, ao tratar primeiramente da punição e, em seguida, da ressocialização. Neste momento que se pode ver a pena como sentido retributivo e sentido preventivo (GRECO, 2014, p. 21).

Ainda, fora o fato da retribuição simples, o qual a doutrina abriga como teoria absoluta, os outros objetivos visados para a pena compõem a teoria relativa e estão separados entre os que têm caráter geral, ou seja, são destinados à sociedade, e os que têm caráter especial, que são os que têm como destino o autor do delito. Logo, o fim dado à pena por Hegel, possui caráter geral, pois, para ele, a pena é uma consolidação do ordenamento jurídico e, portanto, serve para reforçar os valores que foram violados com o descumprimento da norma penal (ESTEFAM, 2013, p. 54).

Já a teoria preventiva da pena, conhecida também como teoria relativa da pena, é aquela cujo objetivo da sanção penal consiste em refrear o cometimento de novos delitos, e, desta maneira, proteger os bens jurídicos tutelados. Ainda, pode ser dividida em teoria preventiva especial, na qual a sanção penal inibe o delinquente de cometer novas infrações, neste aspecto, a finalidade da pena é a de evitar a reincidência. Em relação à teoria preventiva geral, vislumbra-se que ela atua como um fator de intimidação, assim a exemplaridade da punição faria com que outros na sociedade não vissem vantagem em descumprir a norma penal (OLIVEIRA, 2012, p. 51).

No que se refere à teoria especial, vislumbram-se duas formulações. A primeira formulação é o simples afastamento daquele que cometeu o crime da sociedade, afastando-lhe a possibilidade concreta dele vir a cometer outros crimes. A segunda formulação é a ressocialização, que é a reforma moral do delinquente enquanto submetido às sanções impostas pelo Estado (ANDREUCCI, 2013, p. 146).

Constata-se que a doutrina brasileira adotou a teoria mista ou unificadora. Por essa teoria, a sanção penal deve perseguir um objetivo em sintonia com a democracia; assim como, os ditames da Constituição Federal. Isso fica bastante cristalino no atual Código Penal brasileiro, que é um exemplo de que tais fins da pena não necessariamente devem ser separados, e ainda relata que a pena tem como fim tanto de prevenção quanto o de repressão.

 

3 A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

 

 Como já exposto a pena de prisão teve sua origem em tempos remotos, mais especificamente na Idade Média como punição ao mal feito. Além das formas de punição imposta à própria população, os monges ou clérigos faltosos, se recolhendo em suas celas para pedir perdão e tentarem uma reconciliação com Deus. Entretanto, com o desenvolver da história, as penas sofreram transformações e deu-se por alguns motivos. É o que assegura Monteiro (1998, p. 59):

 

1-política criminal, isto é, distúrbios religiosos, longas guerras, destruidoras expedições militares, devastações do país, aumento dos núcleos urbanos, a crise na forma feudal de vida e a economia agrícola ocasionaram um enorme aumento da criminalidade;

2-penalógico, pois a pena de morte estava desprestigiada;

3-econômica, pois os encarcerados, trabalhando, seriam úteis para a prosperidade da sociedade, na prática, porém eram mão de obra barata.

 

Existem vários tipos específicos de sistemas penitenciários no mundo. Em todos eles se prevê a reclusão do indivíduo ao cárcere. Alguns como ocorre com o sistema prisional brasileiro, permite que o apenado se recolha durante a noite e trabalhe durante o dia, como é o caso do sistema usado em Auburn. Outros (a exemplo do regime fechado brasileiro), não permitem o uso desse benefício, devendo o preso ficar em isolamento absoluto durante todo o período que estiver preso. E por fim, aqueles denominados sistemas progressivos, onde o preso, com o decorrer do tempo em que estiver submetido a prisão, poderá se utilizar de alguns benefícios, como detração, remição ou a progressão de regime. Esse é o que mais se assemelha ao utilizado no Brasil.

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Depois da promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, com a Reforma do Código Penal e por fim, com o surgimento da Lei de Execuções Penais (LEP), as penas privativas de liberdade devem atender sua verdadeira finalidade, qual seja, corrigir e recuperar o criminoso, com estimulo ao ensino básico e ao trabalho, e com a assistência que deverá ser realizada depois do detento solto. Atendendo a esses requisitos, o apenado teria condições de se reintegrar no meio social.

Entretanto, o sistema penitenciário brasileiro, apresenta falhas que dificultam e impossibilitam a aplicação da sua real finalidade, qual seja, a ressocialização e reeducação do detento. Um dos principais problemas enfrentados pelo sistema é a questão da superlotação nos cárceres. Mesmo com a exigência de que todos os detentos deverão passar pelo exame criminológico para um possível “separação” com base no grau de periculosidade de cada um, na prática isso não é feito. Todos ficam aglomerados nas mesmas celas, e como a prisão é uma escola daqueles que não tiveram a oportunidade de educação, aprendem na prática com os delinquentes mais cruéis que “só roubar” não é a melhor forma de se dá bem no mundo do crime. É o que corrobora Moretto (1998, p.60):

 

O sistema penitenciário brasileiro, no entanto, tem inúmera falha, não se prestando adequadamente a ressocialização do condenado, além de estar, em sua grande maioria, com uma população carcerária acima da capacidade do estabelecimento prisional, com os detentos sujeitos a doenças venéreas, à submissão a facções criminosas e às mazelas do Judiciário, como a falta de assistência judiciária gratuita, falta de recursos, enfim, sujeitos a uma prestação jurisdicional deficitária.

 

Diante dessa crise da instituição, o caráter ressocializador perde sua força. Resultados práticos disso são os casos de reincidência. Muitas vezes, tais reincidências são por crimes mais graves daqueles cometidos pela primeira vez que o delinquente fora preso. Movidos pelo espírito de vingança os presos são agredidos verbalmente e fisicamente, jogados em celas sem as menores condições de agregar valor aquele individuo desviante da conduta considerada legal. O Estado se mostra alheio a tal problema e com ele soma-se uma população movida pelo espírito de punição e aos profissionais incapacitados pra esse tipo de trabalho. Moretto (1998, p. 60) ressalta:

 

A prisão apresenta como uma instituição em crise, pois se sua finalidade é a reintegração do detento, os altos índices de reincidência demonstram seu fracasso, que se deve principalmente a fatores como a classificação dos internos servir, na prática, apenas, para ser instrumento de controle e vigilância; cria a subcultura da sociedade carcerária (fenômeno da “prisonização” e aculturação); a natureza da prisão é contrária a ressocialização, pois o preso ingressa no cárcere sendo humilhado (...)

 

Ademais, depois que o detento entra no sistema prisional, seu antes da prisão é deixado pra trás e passa a se basear no mundo particular do próprio cárcere.

O apenado passa a obedecer a regras e normas particulares, de facções e de grupos que denominam. Ficam subordinados a punições ditadas por tais grupos. Se um acusado que pratica um delito por circunstâncias alheias ou que sua conduta antes de preso era “boa”, ele passa a visualizar o que a cadeia oferece de pior, sendo submetido aos piores castigos e humilhações. É a partir de então que sua personalidade será corrompida. Mesmo depois de adquirir liberdade, as feridas adquiridas enquanto mantido preso, certamente permanecerá (MORETTO, 1998).

É de se ressaltar que o declínio dessa instituição, não se deu de agora. O próprio processo de execução se mostra ineficaz e causou o aumento das prisões cautelares, isso só reflete na superlotação da população. Os meios de comunicação atraem uma população sedenta por vingança, isso reflete de maneira direta na majoração da pena imposta. A ineficácia e agilidade num sistema movido pelo interesse particular, entre outros.

Apesar do sistema prisional ser um dos fatores que dificulta a resssocialização, outros fatores ainda persistem, como a má elaboração de Leis pelo legislativo, tendo em vista a dificuldade de aplicabilidade na prática de tais, somados a precariedade do sistema educacional, a falta de acesso ao mercado de trabalho e a uma sociedade embebedada pelo preconceito e estigma criado sobre o nome presidiário.

A prisão, apesar de ser vista por muitos como o meio menos eficaz para que um infrator pague por aquilo que cometeu, ainda assim é considerada como sendo inevitável, tendo em vista que hoje seria o único meio para punir. Entretanto é preciso privar o individuo de sua liberdade o dando condições para essa reclusão. Com ambientes adequados, profissionais mais capacitados, divisão de detento conforme o crime praticado, e aplicação efetiva da Lei de Execução Penais (LEP), talvez assim o sistema carcerário brasileiro poderia atingir sua finalidade.

 

4 A RESSOCIALIZAÇÃO DIANTE DA LEI DE EXECECUÇÃO PENAL

 

Inicia-se o capítulo com o seguinte trecho ora escrito na obra de Sá (2004, p. 28), “a finalidade da Lei de Execuções Penais, ao tratar do egresso, é a reintegração da sociedade”. Numa visão etimológica, ressocialização significa socializar-se mais uma vez. O acréscimo à palavra do prefixo “re”, é o mesmo que desenvolver relações sociais entre indivíduos que por algum motivo se deixaram corromper e praticaram algum ato que foi contra aquilo que se entende por moral e/ou legalmente proibido. Surgem para tanto as prisões que (para o caso em tela) o privam de sua liberdade com o objetivo de fazer com que o delinquente reaprenda a viver e conviver na sociedade. Nesse sentido, Moretto (‘2005, p. 137):

 

Socializar é suscitar ou desenvolver relações sociais entre os indivíduos; portanto, o acréscimo do prefixo “re” ao termo leva-nos à seguinte conclusão: ressocializar, suscitar ou desenvolver relações sociais entre indivíduos que em algum tempo já o tiveram.

 

Dada à punição, com a privação de sua liberdade, entende-se que o detento cumpriu a penalidade a qual foi subjugado, podendo assim, ativamente, voltar a integrar o seio da sociedade. Em tese, isso deveria acontecer, entretanto, o Estado não dá condições para que isso se mostre real e eficiente. Passa a criar Leis que “disciplinam” nossa conduta, mas esquece de criar também condições reais para sua implantação. Assim sendo, faz-se validar um aparato legal que não se adequa à realidade do indivíduo, em termos práticos. Se para ressocializar é preciso fazer com que o delinquente reflita e entenda que a prática de um ilícito penal é nociva a sociedade, sobretudo, a ele, deve o Estado mostrar meios reais para sua efetivação. Nessa esteira Sá (2004, p. 30), afirma:

 

Então o Estado, protetor dos direitos das pessoas, promulga leis para proteger aquele que precisa se ressocializar e se reintegrar à sociedade, e, aí tudo começa a se perder: a sociedade continua com seus velhos valores perfeitos e acabados, irredutíveis, mutáveis só a muito longo prazo; o Estado cria leis, mas não cria condições de colocá-los em prática (...).

 

Tais Leis que foram criadas pelo Estado, além de estarem previstas na Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, e no próprio Código Penal – CP, fora criada uma Lei específica que deveria tratar e reger toda a execução de uma penal, aqui se fala da Lei 7210/84, que recebera o nome de Lei de Execução Penal – LEP. Em todos os artigos do aludido dispositivo legal, traz de maneira clara a forma que o egresso deverá ser tratado. A LEP surgiu, portanto, em um contexto no qual o detento, para se ressocializar, deverá modificar seu comportamento frente à sociedade que, na grande maioria dos casos, não assegura ao apenado tal oportunidade. Para que tal mudança comportamental se efetive, sofre importante influência do meio externo, no caso das penas privativas de liberdade, a cela ou o cárcere.

Ainda no desenvolver da discussão, cumpre pontuar a inobservância à verdadeira finalidade da LEP, qual seja, seu caráter reeducativo. Em decorrência do convívio social ativo interrompido, o apenado volta ao meio social com uma grande desvantagem se comparado àquele que já está inserido em tal contexto.

Ademais, a própria LEP traz, além das obrigações do detento, os direitos conferidos aquele ser humano. Um deles é o trabalho, segundo previsto em seu artigo 27: “o serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção do trabalho”. Como já explanado, deve o preso trabalhar, recebendo um salário para a prestação da obrigação. Em contraposto, surgem críticas aos trabalhos desempenhados dentro do sistema carcerário. Alguns autores acreditam que o produto do trabalho é, além de ultrapassado, inaproveitável no mercado, em uma posterior circunstância de liberdade. Nesse sentido, Moretto afirma (2005, p.121) que “ainda que sejam oportunizados trabalhos, esses são, na maioria das vezes, já desnecessários no mercado formal, pois completamente superados, tal como ocorre com o artesanato, à costura manual de bolas e bonecos”.

Porém, em tais circunstâncias, o trabalho deve ser entendido como um direito conferido a todo e qualquer ser humano, independente da condição que se encontra, representando também um objetivo de vida pessoal. O trabalho dignifica o homem, devendo ser ofertado. Mesmo que para tanto, se faça necessário prestar serviço como artesão, construir carros ou bonecas, ainda assim deve ser dado ao apenado tal direito. Assim, o trabalho é direito do preso e não poderá o Estado, por questões de incapacidade, privá-lo desse direito, de modo que é com esse trabalho que o apenado também poderá usufruir da remição de pena, fazendo com que a cada três dias de trabalho, o Estado tenha de remir um dia de pena do condenado.

A Lei de Execuções Penais traz também em seu artigo 10 a finalidade da LEP, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Assim, o Estado está obrigado a devolver a sociedade um cidadão pronto, que terá as mesmas condições, na presente situação dar continuidade a sua vida, de maneira digna, entretanto, a escola que esse egresso estava, é deficiente e se mostra falha. Corroborando com o entendimento, Sá (2004, p. 38) afirma:

 

Esqueceu-se de esse artigo, deixar de tratar o egresso com um ser doente, recém-saído de um “hospital”, conforme o nome que se queira dar ou a visão que se tenha da prisão. Não avaliou um pressuposto simples que a maioria dos seres racionais sabe e sente que há a lógica de que na prisão o ser humano se bestializa, volta ao troglodismo e a lei que impera é a da força e nunca a da razão.

 

No que diz respeito à educação, o artigo 18 da Lei de Execuções Penais – LEP infere: “o ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa”. Esse ensino deveria envolver todas as ciências do ensino básico e médio, e inclusive, profissionalizante. A função social desse artigo seria garantir àqueles que, por algum motivo, não puderam frequentar uma escola e ter acesso ao ensino básico. É bem sabido, que a educação instiga o ser humano a observar, analisar e a criar novas perspectivas de vida fora do sistema carcerário. Deve para tanto, o Estado fazer aquilo que a lei determina. É o que afirma Sá (2004, p. 39):

 

Este artigo, tão simples, se colocado em prática, talvez, desse ao egresso, enquanto presidiário, condições de ressocialização. Pois que, estudando, não apenas repetindo lições gramaticais ou matemáticas, mas também históricas, geográficas e cientificas, morais, éticas e profissionalizantes, haveria a possibilidade concreta de ajudar àquele que, menos privilegiado econômica e moralmente, não puderam frequentar escolas.

 

Percebe-se pela leitura do artigo que a educação dentro do sistema prisional deverá ser obrigatória. A própria Constituição Federal, em seu artigo 6º, determina como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados. Sendo um direito fundamental do homem, tais direitos possuem por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, com vista à concretização da igualdade social, a liberdade e a fraternidade.

Deve, portanto, o próprio Estado que deu competência ao legislador, criar condições para que a Lei seja cumprida. Infelizmente, depois de o Estado criar e publicar a Lei, não a põe em prática, trata-se aqui de uma visão hipócrita dos legisladores que fingem não saber que o papel aceita tudo, mas o ser humano não deverá de maneira alguma ser tratado como tal.

Pelo grande lapso de tempo em que o indivíduo fica no cárcere, é obvio que ele aprenderá com o que for ensinado. Assim, as prisões são verdadeiros centros de aperfeiçoamentos para aqueles que tenham tendência a cometer ilícitos ou delitos.  Resta ao Estado, orientá-los e instruí-los antes de voltar ao seio da sociedade preconceituosa e exacerbada de conceitos errôneos. Se não lhe é dado uma chance, enquanto preso, de melhorar sua autoestima, se através de seu trabalho não lhe é possível sustentar sua casa e sua família, o detento voltará a cometer atitudes ilícitas e voltará àquele meio de onde saiu. É o que afirma Sá (2004, p. 47):

 

Se a Lei de Execuções Penais, em seu art. 25, propôs que o egresso terá ajuda em forma de orientação e apoio com vistas a reintegrar-se na sociedade, pois que este é o fim da pena, deve o Estado criar condições materiais para que, realmente, o egresso, não caia no mesmo erro, nem em outro que possa fazê-lo voltar a ser apenas réu.

 

O inciso segundo do aludido artigo é enfático ao afirmar que o Estado deverá dar, pelo prazo máximo de dois meses, alojamento àquele infrator que ao sair da prisão se sentir desamparado, sem qualquer pessoa para ajudá-lo em um recomeço. Crítica se faz a esse dispositivo no sentido de que, deve partir do egresso a busca pela orientação e instrução. Nessa esteira, Sá (2004, p. 47) afirma:

 

O art. 25 da Lei de Execuções Penais define o egresso e estipula o prazo de um ano para que seja considerado egresso e possa, portanto, merecer a atenção por parte do Estado. Triste é a certeza de que o egresso é quem deve buscar ajuda orientação e apoio. Não é o Estado que, ao mantê-lo preso, “trabalhou-o” para que não volte a delinquir. É o egresso quem deve apresentar-se para esmolar orientação e apoio.

 

Um detalhe se faz a questão do tempo dado. O detento está preso a uma memória que jamais esquecerá. Ele foi submetido a um regime disciplinar, onde os presos são seus próprios orientadores. Mais do que preso à sua memória, o egresso ficou preso à memória do povo, de uma sociedade marcada pelo espírito de vingança. Dessa forma, o tempo poderá estancar o sofrimento e a certeza da condenação na memória do egresso, mas jamais apagará da sociedade o que ele veio a cometer, voltando a relembrar o mal que um dia veio a infringir.

E por fim, o artigo art. 83, reza que o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Esse artigo seria de certa forma um resumo de tudo aquilo já discutido. Deve o Estado, ainda que preso, garantir-lhe condições de vida digna dentro da prisão. Infelizmente, observa-se, não diferente dos outros dispositivos supracitados, uma falta de respeito que se está positivado. Se para àquele que comete atos que vão contra o que se está legalmente escrito, porque não impor também punições ao Estado por deixar de fazer o que um dia se propôs? Nessa baila, Sá (2004, p.31) propõe que:

 

É preciso o querer por parte do Estado; é preciso o participar da sociedade; é preciso o dar a chance por parte dos empresários; é preciso o orientar, por parte de profissionais e estudiosos do Direito. É preciso o descobrir, por parte do egresso. Todos são responsáveis. Todos são, direta e indiretamente, culpados pela não ressocialização e não reintegração de egresso no meio social.

 

Desta feita, resta possível concluir que em termos práticos a Lei de Execuções Penais- LEP, não faz valer o direito que o egresso deveria ter. Em outras palavras, o apenado quando posto em liberdade, não lhe dadas dado condições para que possa em termos econômicos, físicos e morais sobreviver em meio a uma sociedade marcada pelo preconceito. Sem falar na tendência a estereotipação a qual o apenado é submetido, na medida em que a sociedade acredita que por ter cometido algum ilícito no passado, poderá voltar a cometê-lo, é uma visão preconceituosa da imagem de um detento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

           

Para fins de conclusão cumpre destacar a aplicação das penas em diferentes contextos históricos a discutir-se, primeiramente, a Idade Média. As penas, nessa época da história, eram aplicadas como um castigo àquele sujeito que cometeu o delito. Aqui existiam verdadeiros castigos corporais, que nos remetem à idade média e às épocas passadas, exemplo clássico era a denominada lei “Olho por olho, dente por dente”, através da qual se propunha que o crime praticado o infrator teria como sanção o massacre do próprio corpo.

Posteriormente, foram criadas as primeiras Teorias da pena, com as denominadas Teorias Absolutas ou Retributivas, além das Teorias Preventivas e as Deslegitimados do Direito Penal, cada uma com suas peculiaridades. Sabe-se, entretanto, que o Direito Positivo, em regra, deve acompanhar a evolução da sociedade. Conforme as variações sociais vinham se transformando, o Direito em seus vários ramos, também acompanhava essa progressão da sociedade. Se antes o castigo era imposto para o cumprimento de uma pena, hoje o foco está na ressocialização dos detentos, trazendo consigo o caráter puramente social.

Portanto, esse é, em tese, o foco da aplicação das penas, o caráter preventivo e reintegrador, galgado por uma ideologia onde cujo objetivo também deveria estar ligado à punição.

Todavia, está ocorrendo um desvio dessa finalidade, voltando a prevalecer somente o caráter punitivo e “vingativo” das penas, ocorrendo o que poderíamos chamar de uma verdadeira regressão de valores.

Contudo, analisou-se sistematicamente e aprofundadamente do tema em tela, com o intuito de desmistificar o motivo da não aplicação da função ressocializadora das penas.

Para tanto, cumpre destacar que hoje se tem uma visão equivocada no que diz respeito à verdadeira função na aplicação das penas. Se antes as prisões tinham caráter somente punitivo, hoje, em tese, tais prisões deveriam ter um caráter reconstrutor e ressocializador dos detentos, o que não ocorre.

É bem sabido que no nosso ordenamento penal brasileiro, nos deparamos com duas espécies de penas, quais sejam, as privativas de liberdade e as restritivas de direito, ambas com seus regimentos específicos. Cabe discutir sobre as primeiras. Estas podem ser divididas em reclusão ou detenção, cumpridas em regime fechado, semiaberto ou aberto.

A respeito da função da pena, há se dizer que no direito Penal, sua aplicação justifica-se pela necessidade, teorias que afirmam que sua existência deve ter uma função filosófica, todas adequadas à época histórica. Entre tais teorias, destacam-se, as teorias absolutas ou restritivas, teorias relativas, e teorias unificadoras ou ecléticas.

As teorias absolutas a finalidade da pena é simplesmente o castigo pelo mal praticado, havendo somente a reparação “moral”. Teoria vivida com a existência de um Estado Absolutista, em que os homens eram punidos de acordo com o tamanho dos seus pecados.

Já de acordo com a função retribucionista, a pena tem como único fim a realização da justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com um a imposição de um mal com o cumprimento de uma pena.

No que diz respeito à teoria relativa, a pena tem o cunho exclusivamente preventivo, valendo-a como forma de proteção da sociedade e oportunidade de ressocializar o criminoso. Temos, portanto a partir dessa fase uma pena que começa a ganhar um caráter social.

Em contrapartida, para as teorias preventivas a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido, mas sim prevenir sua pratica. Esta, por sua vez, se divide em prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral fundamenta-se na ideia da intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem. Já a prevenção especial procura evitar a prática do delito dirigindo ao delinquente em particular.

No atual âmbito político social brasileiro, está em pauta a discussão sobre as funções manifestas e latentes do poder punitivo estatal. De um lado os efeitos punitivos da aplicação das penas, e do outro a vontade de querer ressocializar aquele delinquente, com vista a aplicar na prática o que se propõe com a Lei 7210/84, Lei de Execuções Penais – LEP. Resguardando os direitos do detento quando aplicada.

Dessa forma, A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) traz princípios que disciplinam a conduta humana. Ideais Revolucionários garantidos na época Iluminista e com o apogeu das grandes Revoluções, trazem a discussão o que deveria ser entendido por liberdade, igualdade e fraternidade. Movidos por esse espírito, é que surge a obediência à dignidade do ser humano. Dignidade esta que deveria compreender a proteção física, psíquica e moral. Deveria a pessoa humana ter dignidade de um lar, a educação, ao trabalho, a saúde e, quando privado de sua liberdade, a um tratamento que fosse de encontro com o que se determina.

Tendo por foco tais preceitos constitucionais, uma nova teoria da pena, passa pela retirada do que se está imposto, livre de um preconceito para que depois de posto em liberdade, possua condições equânimes de atuação com o restante da sociedade.

A pena deve ter o caráter curador ou reeducador, mas seria hipocrisia acreditar, que somente a pena sirva para reeducar o apenado, principalmente no sistema prisional brasileiro. Possui, hoje, a pena uma reação da sociedade que, frente ao delito e engrenada por uma indústria midiática, torna o infrator um completo “monstro”, sem considerar as condições que o fizeram praticar aquela conduta. Dessa forma reagem da maneira mais vingativa possível, voltando-se contra o réu e desejando sua punição e castigo.

Desta feita, é preciso reavaliar as verdadeiras finalidades da pena privativa de liberdade, pois, da forma que ela está se colocando hoje, existe um desvio da finalidade a qual se destina, sendo necessária uma profunda mudança no sistema prisional brasileiro, com a aplicação real da Lei de Execução Penal (LEP), tendo em vista que o apenado ao adentrar no sistema, passa a obedecer a regras e normas particulares, de facções e grupos dominantes. Ficam, portanto, mais vulneráveis a cair na armadilha do permanecer no crime, uma escolha, que em muitos casos, é irreversível.

           

REFERÊNCIAS

 

ANDREUCCI, R. A. Legislação Penal Especial. 9ª Ed. Atualizada e ampliada. São Paulo, Saraiva, 2013.

 

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BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02 de mai. de 2020.

 

GRECO, R. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. rev. ampl. atual.Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2014.

 

ESTEFAM, A. Direito Penal – Parte Geral, volume 1. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

 

MONTEIRO, M. V. Penas Restritivas de Direitos. Campinas: Impactus, 1998.

 

MORETTO, R. Crítica Interdisciplinar da Pena de Prisão: controle do espaço na sociedade do tempo. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2005.

 

OLIVEIRA, E. O futuro alternativo das prisões. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

 

SÁ, M. M. G. de. O Egresso do Sistema Prisional no Brasil. São Paulo: Paulistana Jur ltda, 2004.

 

MORAES, A. de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

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Sobre a autora
Michele Amorim

Advogada, com licenciatura plena em Letras – Português pela Universidade Federal do Piauí, Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Constitucional pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP), e Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Estácio – CEUT.

Informações sobre o texto

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