3. UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O FUTURO DO DIREITO DIANTE DA ASCENSÃO DO EXTREMISMO POLÍTICO
Sob um primeiro prisma, parece ousado e pode soar muito abrangente tentar vislumbrar o futuro do Direito ocidental. Porém, o contexto atual fornece elementos capazes de identificar o conteúdo do processo hodierno de produção jurídica, bem assim a sequência que certamente se dará daí em diante.
Como é de sabença, o Direito surge como instrumento destinado a regular as relações sociais, em especial, visando à pacificação de conflitos entre indivíduos33. O Direito é, pois, fruto de uma dada sociedade e reflexo de sua cultura34.
Em Zygmunt Bauman, a humanidade estaria vivenciando a era da denominada modernidade líquida 35, significando dizer que os indivíduos desses tempos estariam vivendo num mundo mergulhado em conceitos e institutos altamente fluídos, tudo suscetível a mudanças abruptas, numa velocidade surpreendente36.
Neste sentido, o futuro do Direito estaria igualmente ligado a uma noção de fluidez, liquidez, isto é, sem qualquer garantia de permanência de longo prazo.
No intercâmbio entre as disciplinas, o Direito tem se prontificado a serviço da economia. O avanço do neoliberalismo, sem limitações éticas e morais, tem influenciado a produção legislativa. O Direito cegamente a serviço do capital acende um sinal amarelo, demandando atenção!
A economia global, num cenário de baixo desempenho, somado ao recrudescimento de governos conservadores, tem conduzido à flexibilização de direitos sociais, alienações de empresas estatais para cobrir déficits públicos (gerados a partir da má-gestão da própria classe política), adoção de medidas xenófobas, facilitação do acesso a armas pela população em geral, dentre outras medidas.
Com isso, constata-se que temas conservadores estão em alta na produção legislativa mundo a fora, tal como ocorre na Hungria, Grécia, França, Dinamarca, Holanda, Espanha, Inglaterra, Polônia, Alemanha37.
Para se ter uma noção prática, as eleições ocorridas no ano de 2014 para deputados da União Europeia e para o Parlamento Europeu revelaram uma tendência de crescimento do extremismo político, uma vez que os eleitos retomaram a concretização de uma agenda marcada por temas ligados ao conservadorismo e nacionalismo, com ênfase em temas sobre migração e questões trabalhistas38.
Segundo o Relatório anual 2018 do Human Right Watch, estaria havendo na União Europeia a edição de legislação anti-imigração sob um viés extremista39.
Nos Estados Unidos, o presidente eleito em 2016, Donald Trump, com a guarida de milhares de americanos, diariamente, vem exibindo manifestações de ódio e intolerância a outros povos, sustentando a necessidade de construção de muros a impedir o ingresso de migrantes latinos, promovendo ameaças diretas a países e a lideranças mundiais40. Esses temas têm se traduzido em projetos de leis junto ao parlamento americano.
No Brasil, o discurso polarizado, marcado por certo radicalismo, também vem encontrando facilmente adeptos, que, com o apoio massivo dos eleitores, alçou à Presidência da República, nas eleições de 2018, um candidato propagandista de ideologia “antiesquerda”41, em favor de temas até então tidos como polêmicos, como por exemplo: liberação de armas de fogo à população, matéria envolvendo o enfraquecimento da legislação sobre o meio ambiente42, flexibilização de direitos trabalhistas.
Nessa linha, a título exemplificativo, o governo brasileiro vem editando Decretos destinados a facilitar a posse e o porte de arma de fogo ao cidadão comum43.
Tendo em vista o avanço da violência urbana, há uma forte tendência de edição de medidas penais mais rigorosas, porém, desacompanhadas de um investimento sério e adequado para o aperfeiçoamento das polícias.
No ano de 2017, o governo brasileiro, afirmando tratar-se de medida destinada à redução do desemprego no país e combate a crise econômica, aprovou a chamada reforma trabalhista, alterando a Consolidação das Leis Trabalhista - CLT, através da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 44, bem como a denominada lei disciplinando as terceirizações de serviços, por meio da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017 45.
Ambas as supracitadas leis promoveram verdadeira flexibilização na legislação laboral.
O governo federal, visando reduzir o rombo no orçamento público e melhorar o perfil da dívida pública brasileira, conseguiu realizar a reforma da previdência social. Seus apoiadores têm explanado ser esse fato uma conquista para todos, todavia, mediante uma irônica retirada de direitos do povo. O argumento dos que apoiam a medida é a de que a economia para os cofres públicos será de bilhões pelos próximos anos!
Para mais além, há um debate envolvendo uma possível derrocada do chamado “Estado do bem-estar social”, também conhecido por sua denominação em inglês Welfare State, uma vez que seu custo de manutenção supostamente não caberia mais no bolso do contribuinte.
O Estado do Bem-estar se traduz num Estado assistencial que garante acesso do cidadão a direitos sociais básicos, tais como: educação, saúde, seguridade social, trabalho, renda, habitação.
Em Zygmunt Bauman 46, o Estado na era da modernidade líquida vai ficando cada vez mais enxuto, ao perseguir a concretização de um ideal de eficiência na prestação dos serviços públicos. Nesse processo de enxugue, abre-se espaço para a atuação da iniciativa privada, que, por sua vez, está mergulhada numa coisa chamada mercado livre, cuja noção é altamente líquida.
Assim, identifica-se que, com o avanço do extremismo político, os temas conservadores estão em alta na produção legislativa em diversas democracias.
Isso posto, o futuro do Direito parece estar ligado a uma noção de acentuada fluidez e conservadorismo em alta, e a serviço do capital resta por conduzir à flexibilização de direitos sociais e fundamentais (em especial, com a redução e extinção de garantias trabalhistas, assistenciais, previdenciárias), bem como a privatização de empresas estatais para reduzir déficit orçamentário (cujo rombo é fruto da má-gestão da classe política), edição de legislação anti-imigração, liberação de acesso a armas a cidadãos, enfraquecimento da legislação ambiental em prol de um suposto desenvolvimento econômico.
CONCLUSÃO
O presente trabalho constatou, como problemática essencial, que a civilização tem vivenciado um período de ascensão do extremismo político, na esteira de uma crise socioeconômica, potencializada pelo avanço do neoliberalismo e somada a redução de direitos, bem assim agravada pelos embates e polarizações estimulados através das mídias digitais, que tem se revelado como veículo de organização das multidões de eleitores, num ambiente em que “robôs malignos” vêm atuando massivamente na divulgação de mentiras.
No primeiro capítulo, identificou-se que legendas extremistas oriundas do século XX se fortaleceram diante de um cenário marcado por profundas crises socioeconômicas e agitações políticas, ocasiões em que o apoio popular, bem como o préstimo de militares, se tornou crucial à ascensão e manutenção de regimes autoritários.
Desta forma, averiguou-se que não apenas crises de ordem econômica conduzem ao recrudescimento de radicalismos políticos, mas que, além do caos econômico, existirão outros fatores contributivos, tais como a existência de fragilidade no sistema de representação política de um país, apoio das massas e respaldo das forças nacionais de segurança.
Cabe destacar que movimentos totalitários e de concepção extremista não são manifestações exclusivas da direita radical, mas também podem ser encontrados em regimes políticos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Rússia bolchevista, sustentada no apoio das massas.
No segundo capítulo, chegou-se a conclusão de que o ciberespaço, além de instrumento para organização de protestos, tem sido profundamente explorado nas campanhas eleitorais, especialmente na divulgação de programas político-partidários.
Tem sido identificado, ademais, o uso indevido de “robôs maliciosos” nas eleições, interferindo ilegitimamente no processo eleitoral, ao disseminar informações tendentes a conferir vantagens a agentes políticos determinados, ensejando riscos à democracia.
Com isso, as mídias sociais têm se traduzido como seara de disputas ideológicas e “polarizações raivosas”, atraindo, destarte, tendências de manipulação de informações, influenciando, em alguma medida, no resultado das urnas.
O terceiro capítulo versa sobre as tendências do futuro do Direito, em que se tem assistido a extinções de direitos sociais e fundamentais; privatizações para cobrir déficits públicos; edição de leis voltadas à segregação sociocultural; advento de legislação penal mais rigorosa como investida para o controle do avanço da insegurança pública frente ao empobrecimento da população e sucateamento das polícias; enfraquecimento das leis ambientais para melhor atender ao capital. Enfim, todo esse contexto tem resultado numa produção legislativa dotada de retrocessos.
Portanto, o presente artigo, sem a pretensão de esgotar o tema, teve por objetivo analisar, de forma panorâmica, a ascensão do extremismo político na era das redes sociais, bem assim entender minimamente como esse cenário tem influenciado a produção legislativa.
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