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Apontamentos à Emenda Constitucional nº 45/04 e a reforma do Judiciário

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09/11/2005 às 00:00
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7- MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO

            Diversas modificações advieram no tocante às carreiras da Magistratura e Ministério Público. Uma primeira alteração que ainda não foi definitivamente esclarecida concerne à exigência de "três anos de atividade jurídica" do bacharel de direito para poder ocupar um dos cargos. Duas questões despontam. Primeiro. O que se há de entender por atividade jurídica? Segundo, ela terá de ser exercida em cargo privativo de bacharel?

            Os concursos mais recentes apresentam variada gama de interpretações do dispositivo, uns exigindo cargo privativo de bacharel, outros aceitando até estágios acadêmicos.

            O redação deixa margem à duvida. Ela não menciona que a atividade judiciária tenha de ser feita na condição de bacharel ou em cargo exclusivo de pessoa já formada. Todavia, é razoável sustentar que a atividade judiciária tenha de ser exercida por pessoa já formada (é exigível do bacharel).

            De plano descarta-se a interpretação que condiciona a atividade prática ao exercício de advocacia ou à inscrição na OAB, pois em tal caso, todos os servidores públicos, em regra, estariam impedidos, já que normalmente é vedado o exercício concomitante de advocacia.

            Neste contexto, poderíamos dizer, então, que há necessidade de que a pessoa seja formada quando do exercício de atividade judiciária, mas esta atividade não precisa ser privativa de bacharel. Esta interpretação cumpre a finalidade da exigência, que é a de fazer com que pessoas com alguma experiência ocupem os cargos, e ao mesmo tempo se coaduna com as regras hermenêuticas que regem a interpretação de normas de restrição de direitos, em especial a de que devem ser interpretadas de forma restritiva, vendando-se ampliações não especificadas no próprio texto.

            Aliás, recente decisão do Conselho Nacional de Justiça trilhou esta interpretação ao atender a pedido de consulta de servidor do judiciário que, embora bacharel, exercia atividade que não era privativa de pessoa formada, e que representava atividade onde havia contato concreto com a movimentação de processos.

            Ficam desconsiderados, neste diapasão, os estágios acadêmicos. De certa forma, esta exclusão torna as chances dos candidatos mais igualitárias, pois nem sempre os estágios implicam necessariamente prática jurídica e os critérios para escolha não são necessariamente objetivos, de modo que todos possam ter acesso a esta possibilidade. Se a igualdade não é atingida de forma absoluta, pelo menos diminuem-se as diferenças.

            Por outro lado, qualquer atividade de prática jurídica ou afim, como serviços cartorários, serviços de assessoria etc...podem e devem ser considerados, pois contribuem efetivamente na formação do conhecimento profissional e da experiência necessários ao exercício de atividades de tamanha importância como a magistratura ou o cargo na carreira do Ministério Público.

            Na promoção por merecimento, foi incluído o critério de produtividade (art. 93, inciso II, alínea "c", da CF/88). Conforme já referido, este é um critério que deve ser apreciado com parcimônia, porque rapidez nem sempre significa eficiência na jurisdição. A formação da convicção do magistrado ou do membro do Ministério Público é algo intangível e intimamente relacionado ao princípio da independência funcional que deve presidir as atividades destes cargos em um Estado Democrático de Direito. Claro que isso não significa que estas atividades não estejam sujeitas ao princípio da eficiência, como dito alhures, e há o dever de prestação de jurisdição em prazo razoável. Mas há que se atentar para o fato de que a conformação de um pequeno detalhe em uma demanda pode tornar a análise de questões a ela relativas muito mais difícil do que em outra idêntica.

            Na apuração da antigüidade, foi mantido o quorum de dois terços dos votos dos membros para recusa de nome que conste na lista. Mas agora há expressa menção à necessidade de fundamentação nos votos. A questão da fundamentação dos votos era objeto de várias demandas. A rigor, por força do artigo 93, inciso IX, da CF, toda decisão, ainda que administrativa, carece de fundamentação e o dispositivo da alínea "d" não falava em voto secreto. Mas o dispositivo, em sua nova redação, dirime qualquer dúvida.

            Foi inserida uma alínea "d" ao inciso II do artigo 93 da CF/88, que determina que "não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão". Norma de escassa aplicabilidade. Quem fiscalizará?: As partes? E com que critério sustentar que o juiz ou membro do Ministério Público excedeu-se. Bastará invocar-se o excesso de serviço (que, aliás, é uma realidade na maioria das comarcas) para justificar.

            No inciso III do mesmo artigo, foi suprimida a menção a Tribunal de Alçada, pois estes foram definitivamente extintos.

            O inciso IV estabelece como requisito para o vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento. É realmente uma medida interessante para assegurar um mínimo de qualidade no serviço jurisdicional, assegurando, também, de homogeneidade na formação.

            O inciso VII permite que o magistrado (e o promotor) deixem de estar obrigados a residir na respectiva comarca mediante autorização do Tribunal (ou Procurador-Geral). A flexibilização é fundamental, mas a reforma deveria ter ido além, deveria ter abolido a previsão de residência na comarca. É uma ilusão acreditar que o fato de o magistrado residir na comarca efetivamente faça com aquele conheça melhor a realidade desta. O juiz e o promotor ocupam cargos importantes, mormente nas pequenas cidades, e, além do status natural do cargo, normalmente também ocupam, diante da realidade das pequenas cidades brasileiras, uma posição privilegiada no que tange a situação econômica. É, portanto, absolutamente natural que convivam em meios sociais mais restritos. Logo, o conhecimento que acabam tendo da comunidade é obtido principalmente através da atividade forense, para a qual não faz diferença alguma onde residam.

            Pelo contrário, a residência na comarca acaba por submeter os ocupantes desses cargos a pressões das mais diversas. Em pouco tempo o magistrado já condenou o parente próximo de um comerciante (ou o próprio comerciante), ou o promotor denunciou parente ou amigo de um líder da comunidade etc... É inegável que acaba se gerando um certo constrangimento, que se não chega a inibir a atividade profissional, certamente a torna mais difícil do que já é, quando o magistrado tem de valer-se quiçá do único mercado da cidade ou o promotor vai à reunião onde está o citado líder. A apreciação das questões deve ser feita de forma imparcial, e a melhor forma de assegurar isso é exatamente o contrário, permitir que o magistrado e o promotor residam fora da comarca, se possível, permitindo que a convicção seja formada unicamente pelo material carreado aos autos e não por boatos ou comentários. A exigência de moradia na comarca, em síntese, benefício algum traz para o bom desempenho da atividade jurisdicional, pelo contrário, é fonte de preocupação e constrangimento que poderiam ser evitados. De ponderar que é uma questão que motivo algum tem para figurar em um texto constitucional, e deveria, quanto muito, constar das leis organizativas de cada carreira.

            A remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, também poderá ser promovida pelo Conselho Nacional, sendo que na remoção, a pedido, ou permuta, são aplicáveis as regras do artigo 93, inciso II, alíneas "a", "b", "c" e "e", da CF/88, vale dizer, as regras relativas à promoção por merecimento.

            No caso da publicidade dos julgamentos, a redação do artigo 93, inciso IX permitia que a lei, se o interesse público o exigisse, limitasse a presença às partes e advogados ou somente a estes. A nova redação, porém, acresce que isto somente será possível "nos casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação". Há, assim, uma limitação, uma mitigação à possibilidade de redução da publicidade, intervindo a variável do interesse público à informação.

            A legitimidade da atividade jurisdicional está diretamente relacionada à transparência com que é conduzida, e este se liga diretamente com a publicidade. A publicidade é que permite a fiscalização da fiel observância dos princípios constitucionais. De par com o direito à intimidade, que é um direito individual, há também o direito à informação, base da fiscalização da atividade do Estado, e a norma reforça a valia deste último.

            A mesma preocupação com a publicidade informa a alteração no inciso X do artigo 93, que determina que as decisões administrativas dos tribunais serão, além de motivadas, em sessão pública.

            No tocante ao órgão especial dos tribunais, há o acréscimo do adjetivo "delegadas" às competências do Tribunal Pleno que serão exercidas, sendo o preenchimento das vagas metade por antigüidade, e metade por eleição do Tribunal Pleno.

            Foram extintas, por força do inciso XII, acrescido ao artigo 93 da CF/88, as denominadas "férias forenses", que se caracterizavam pela paralização dos feitos (excetuados os processos criminais e outras exceções, como as dos artigos 173 e 174 do CPC), havendo expressa determinação acerca da necessidade de plantões nos dias em que não houver expediente normal, o que já é feito na prática.

            O inciso XIII do artigo 93 estabelece que "o número de juizes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população". Em outras oportunidades já apontei para o fato que uma das grandes causas na demora dos feitos reside no insuficiente número de juizes. Melhorias administrativas ajudam, como, exemplificativamente, a informatização, mas, ao fim, a atividade jurisdicional concentra-se sempre nas mãos do juiz. É humanamente inviável conduzir seis ou sete mil processos em prazo razoável, sob pena de cometimento de erros graves, o que é intolerável ao exercício da jurisdição, onde estão em jogo vidas de pessoas. Esta norma restará sem eficácia alguma se não forem tomadas as medidas administrativas necessárias.

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            O inciso XIV prevê que aos servidores possam ser delegada a execução de atos administrativos e de mero expediente, sem caráter decisório. Isto na prática já ocorria. Caráter decisório somente haverá naqueles casos onde há uma alternativa passível de escolha, o que não há em casos como os de meras vistas e juntadas de documentos, dentre outros.

            O inciso XV determina que a distribuição de processo será imediata em todos os graus de jurisdição. O que disposição deste teor faz no texto de uma Constituição? Qual o motivo? Ora, isto é matéria a ser tratada em legislação ordinária, motivo algum havendo para constar de disposição constitucional.

            No artigo 98, a tratativa das vedações teve acréscimo de dois incisos (de número IV e V). O primeiro veda ao magistrado (e ao membro do Ministério Público), o recebimento "a qualquer título ou pretexto, auxílio ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as hipóteses legais". Em linha de princípio, o recebimento de auxílio ou contribuição relacionado à atividade judicante caracteriza crime e grave falta funcional. A disposição visa deixar clara a vedação. Dentre as hipóteses de exceções, podemos mencionar bolsas de pesquisa científica.

            O inciso V traz a "quarentena", nome conferido à necessidade de afastamento por um prazo mínimo a fim de que o magistrado não usufrua das vantagens representada pelo fato de ter exercido suas funções em determinado juízo ou tribunal. O prazo estabelecido foi de três anos, mas é relativo exclusivamente ao órgão onde o juiz atuava.


8- ORÇAMENTOS E CUSTAS

            No artigo 99, foram inseridos três parágrafos. O primeiro deles, o parágrafo 3º, diz que, na ausência de envio da proposta orçamentária do respectivo Tribunal, deverá ser considerada a proposta vigente, ajustada de acordo com os parâmetros do § 1º do mesmo artigo. Menciona-se a posposta vigente porquanto a proposta a ser enviada é a do ano seguinte.

            Se os limites do § 1º, relativos à lei de Diretrizes Orçamentárias não forem observados, caberá ao Poder Executivo efetuar os necessários ajustes.

            No curso da execução orçamentária, despesas superiores às constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias somente poderão ser feitas mediante créditos suplementares, devidamente aprovados (§ 5º do artigo 99).

            Por expressa determinação do artigo 98, § 2º, as custas e emolumentos serão destinadas exclusivamente ao custeio das atividades da Justiça, o que é absolutamente correto, uma vez que se trata de taxa. [08]


9- COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÔES DO STF E STJ

            As competências do STF e do STJ foram alteradas. No caso do STF, foi revogada a alínea "h" do inciso I do artigo 102, que dispunha acerca da homologação de sentenças estrangeiras e do exequatur às cartas rogatórias, os quais poderiam delegados pelo regimento interno ao seu Presidente. Esta atribuição passou ao STJ, por força do artigo 105, inciso I, alínea "i", da CF/88.

            Ainda no mesmo inciso, foi incluída uma alínea "r", que determina ser competência do STF o julgamento das ações contra o Conselho Nacional de Justiça e Conselho Superior do Ministério Público.

            No inciso III, foi incluída a alínea "d" que cria nova hipótese de recurso extraordinário nas demandas que julgarem válida lei local em face da lei federal. È uma hipótese totalmente nova e diversa da anterior compleição do recurso extraordinário. De fato, nas três alíneas do inciso terceiro do artigo 102 sempre esteve em voga a Constituição Federal. Na alínea "a", havia menção direta à decisão que contrariasse dispositivo da Constituição. Na alínea "b", em caso de a decisão declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal [09]. No caso da línea "c", tínhamos a decisão que julgasse válidos lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.

            Mas na alínea inserida pela Emenda nº 45/04, a contrariedade não é à Constituição, mas à lei federal, ou seja, somente de forma indireta a Constituição é afetada. A disposição na verdade toma parte da alínea "b" do inciso III do artigo 105, que dispunha ser competência do STJ julgar em recurso especial as causas em que a decisão julgasse "válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal." O adjetivo "local" também é extensivo à lei, e abarca a lei municipal ou estadual.

            O dispositivo da alínea "b" do inciso III do artigo 105 da CF menciona, em sua nova redação, como passível de interposição de recurso especial somente a decisão que "julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal".

            Na contrariedade de lei local ao direito infraconstitucional federal, é a integridade deste que é diretamente visada. A tutela constitucional somente de forma indireta é assegurada na medida em que a contrariedade viola o princípio do federalismo (art. 1º da CF/88) e a disciplina das competências legislativas (artigos 22, 23 e 24 da Cf/88). Mas a tutela direta é em relação ao direito federal infraconstitucional. Logo, não mais podemos afirmar que a finalidade do recurso extraordinário seja a tutela direta da Constituição, asserção antes válida.

            Desta dicotomia de competência e remédio jurídico em caso de contrariedade de ato ou lei ao direito federal podem resultar problemas. É que normalmente os atos contestados escudam-se em leis, e estas produzem efeitos concretos através daqueles. Assim sendo, teremos possibilidade de decisões contrárias em recurso especial e extraordinário abordando a mesma hipótese e analisando, ainda que de forma indireta, o julgamento de cada um dos recursos o objeto do outro.

            O parágrafo 2º do artigo 102 recebeu nova redação para estender também para as ações diretas de inconstitucionalidade o efeito erga omnes e vinculante das decisões, mencionando, ainda, que é extensivo à administração direta e indireta das três esferas.

            Esta sim uma matéria genuinamente constitucional, mas que estava regulada pelo direito infraconstitucional, mais especificamente a Lei nº 9.868/99, artigo 28, parágrafo único, que estendeu estes efeitos, antes próprios somente da ação declaratória de constitucionalidade, também para a ação declaratória de inconstitucionalidade, atentando para a paridade das situações e para o caráter objetivo do processo de controle concentrado de constitucionalidade. [10]

            Foi inserido, ainda, um § 3º ao artigo 102, relativo à necessidade de demonstração, no âmbito do recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas, com possibilidade de que o Tribunal, por dois terços dos votos, não conheça do recurso. A regra visa afastar discussões banais que marcaram muitos dos recursos interpostos nos últimos anos, onde a questão constitucional acabava servindo de "pano de fundo" para discussões de questiúnculas individuais.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Apontamentos à Emenda Constitucional nº 45/04 e a reforma do Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7508. Acesso em: 18 mai. 2024.

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