A fungibilidade da tutela provisória e o poder geral do juiz

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02/07/2019 às 11:49
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Analisa-se o poder do juiz na concessão de tutela provisória, aplicando a medida necessária para obtenção do objeto da tutela provisória e da possibilidade de se adotar uma espécie de tutela provisória diversa da pleiteada

1. Introdução

A tutela provisória, introduzida em nosso ordenamento jurídico há tempos, visou assegurar a parte o direito a possibilidade de antecipar o efeito de sua pretensão, desde que cumprido requisitos específicos, até que se finde a demanda jurídica.

Ocorre que a análise sobre o deferimento ou não da tutela pretendida sempre partiu da discricionariedade do juiz, de modo que a análise permitia ao juiz inclusive deferir a espécie da tutela diversa daquela almejada, mas que se aplicasse o mesmo efeito. Nessa linha, é possível o juiz adotar espécie de tutela provisória e meios para sua obtenção distintos daqueles pleiteados pela parte no atual ordenamento jurídico brasileiro? A partir de uma análise do Código de Processo Civil e de doutrinas a respeito, há a possibilidade de se adotar a fungibilidade na concessão da tutela provisória para a obtenção do resultado pretendido, podendo o juiz adotar meios diversos dos requeridos para alcançar tal objetivo.

No presente estudo foi usada a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, por meio da análise de doutrina envolvendo tutela provisória e suas especificidades e da análise dos dispositivos legais do Código de Processo Civil que disciplinam acerca das tutelas provisórias, suas medidas e a aplicação da fungibilidade na concessão da tutela provisória de urgência e da tutela de evidência.

2. Da Tutela Provisória

A possibilidade de antecipar os efeitos da tutela definitiva pretendida pelo autor era regulada no Código de Processo Civil de 1973 como antecipação de tutela (art. 273). Entretanto, o legislador infraconstitucional ao elaborar o Código de Processo Civil de 2015, optou por unificar várias formas de liminar, adotando a terminologia “tutela provisória” (arts. 300 e seguintes). Sobre essa terminologia adotada pelo novo Código de Processo Civil, Marcus Vinicius Rios Gonçalves afirma que:

A expressão “tutela provisória” passou a expressar, na atual sistemática, um conjunto de tutelas diferenciadas, que podem ser postuladas nos processos de conhecimento e de execução, e que podem estar fundadas tanto na urgência quanto na evidência. As tutelas de urgência, por sua vez, podem ser tanto de natureza satisfativa quanto cautelar.[1]

Percebe-se, então, que a tutela provisória tem suas ramificações, sendo a de urgência e a de evidências, ambas podendo ser requerida nas fases de conhecimento ou de execução. Além disso, o legislador infraconstitucional, ao aproximar a tutela antecipada e a tutela cautelar, antes tratadas em livros distintos do Código de Processo Civil de 1973, tentou tornar similar o procedimento de ambas no que era possível.[2]

Logo, com essa aproximação, a controvérsia existente quanto a diferenciação do que seria tutela cautelar e tutela satisfativa se tornou mais difícil pela similaridade procedimental, mas ainda assim existe distinção entre a tutela provisória antecipada e a tutela provisória cautelar, como será vista posteriormente.

2.1 Noções Gerais da Tutela Provisória

Com o advento do novo Código de Processo Civil, não há mais a possibilidade de se ter uma tutela de urgência (antecipada ou cautelar) ou uma tutela de evidência constituindo um processo autônomo, como ocorria com a cautelar no Código de Processo Civil de 1973, pois, agora, as tutelas provisórias foram unificadas de forma genérica em um livro único e projetar-se-ão de forma antecedente ou incidental em um processo de conhecimento ou execução.[3]

A terminologia “tutela provisória” adotada pelo legislador no novo Código de Processo Civil remete-se ao momento processual em que essa tutela é deferida, qual seja, fase em que a cognição é sumária, ou seja, sem o esgotamento de todas as vias cognitivas do processo, exceto quando esta é analisada na sentença, momento em que a cognição é exauriente. A respeito disso, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma que:

A tutela provisória é proferida mediante cognição sumária, ou seja, o juiz, ao concedê-la, ainda não têm acesso a todos os elementos de convicção a respeito da controvérsia jurídica. Excepcionalmente, entretanto, essa espécie de tutela poderá ser concedida mediante cognição exauriente, quando o juiz a concede em sentença. (...) Ser provisória significa que a tutela provisória de urgência tem um tempo de duração predeterminado, não sendo projetada para durar para sempre. A duração da tutela de urgência depende da demora para a obtenção da tutela definitiva, porque, uma vez concedida ou denegada, a tutela de urgência deixará de existir. Registre-se que, apesar de serem provisórias, nenhuma das tutelas de urgência é temporária. Temporário também tem um tempo de duração predeterminado, não durando eternamente, mas, ao contrário da tutela provisória, não é substituída pela tutela definitiva; simplesmente deixa de existir, nada vindo tomar seu lugar .[4]

Assim, o caráter provisório da tutela de urgência não pode ser confundido com temporário, pois, apesar de ambas possuir prazo fixo, a tutela provisória será substituída pela tutela definitiva, mas a expressão temporária, após certo decurso temporal, apenas deixa de existir. Essa ideia de provisoriedade foi difundida pelo jurista italiano Piero Calamandrei e adotada no Código de Processo Civil vigente, sendo que ela exerce um papel secundário no processo cognitivo, a fim de atender a função principal do processo (julgamento definitivo da lide).[5]

Há outros procedimentos que preveem o deferimento de tutelas provisórias distintas daquelas previstas no Código de Processo Civil, por exemplo, as liminares em ações possessórias ou nas ações de alimentos de procedimento previsto na Lei nº 5.478/68. No Código de Processo Civil de 1973 não era possível concessão genérica de medida liminar satisfativa, pois esta era restrita a alguns procedimentos especiais.[6] Nesse sentido, existe a possibilidade de concessão da tutela provisória genérica prevista nos arts. 294 e seguintes do Código de Processo Civil, mas também há a possibilidade de concessão de tutela provisória específica prevista em procedimento especial.

2.2 Conceito e Classificações da Tutela Provisória

O Código de Processo Civil de 2015 não previu conceito para tutela provisória, recaindo tal dever para a doutrina e/ou jurisprudência, com base nos elementos já fornecidos pela lei supracitada, por exemplo, natureza, fundamentação, requisitos e classificação. A tutela provisória é a tutela produzida em cognição sumária, ou seja, sem o exaurimento de todos os meios cognitivos do processo, com efeito iminente e sem caráter definitivo, podendo ser modificada, revista, confirmada ou revogada a qualquer instante.[7]

Marcus Vinicius Rios Gonçalves conceitua a tutela provisória como “a tutela diferenciada, emitida em cognição superficial e caráter provisório, que satisfaz antecipadamente ou assegura e protege uma ou mais pretensões formuladas, e que pode ser deferida em situação de urgência ou nos casos de evidência”.[8] Já Nickolas Campos Maluf define a tutela provisória como “um instituto jurídico que visa a antecipação de um determinado direito quando preenchido determinados requisitos, de finalidade preparatória ou satisfatória”.[9]

Então, a tutela provisória é uma análise não exauriente da pretensão do autor que antecipa os efeitos ou garante um ou mais pedidos, quando verificada a urgência ou a evidência do caso, sem que para isso seja necessário esperar o deslinde da demanda judicial, uma vez que sem essa possibilidade, uma das partes poderia se utilizar de artifícios para delongar o processo, provocando mais prejuízos à parte contrária.

Nessa linha, a função da tutela provisória é amenizar os prejuízos decorrentes da morosidade do processo, a fim de manter a igualdade entre as partes e dar maior efetividade ao processo concretizando a garantia do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, qual seja afastar possível perigo ou ameaça de lesão ao jurisdicionado.[10]

Por uma questão de didática, adota-se no presente trabalho a classificação das tutelas provisórias pontuada pelo doutrinador Marcos Vinicius Rios Gonçalves, a qual divide a tutela provisória em razão da sua natureza (antecipada ou cautelar), da sua fundamentação (urgência ou evidência) e do momento de concessão (antecedente ou incidental).

O critério da natureza considera a característica da urgência para dividir a tutela provisória em tutela antecipada e tutela cautelar, sendo que o Código de Processo Civil em seu capítulo I, do Título II, do Livro V, da Parte Geral apresenta as regras gerais da tutela de urgência aplicáveis às tutelas antecipadas e às tutelas cautelares. Ademais, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, subtrai-se a unificação da tutela antecipada e da tutela cautelar no gênero tutela de urgência com os mesmos requisitos, quais sejam, a probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Apesar da similitude de requisitos, há diferenciação entre essas tutelas. De acordo com Daniel Amorim Assumpção Neves, a tutela cautelar assegura para satisfazer no final o resultado útil do processo e a tutela antecipada satisfaz o direito no plano fático para assegurar a utilidade futura do processo.[11] Ainda sobre essa diferenciação, Marcos Vinicius Rios Gonçalves afirma que:

A satisfatividade é o critério mais útil para distinguir a tutela antecipada da cautelar. As duas são provisórias e têm requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência. Mas somente a primeira tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final. Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas determina uma medida protetiva, assecurativa, que preserva o direito do autor, em risco pela demora no processo.[12]

Nesse sentido, muito embora a finalidade da tutela cautelar seja assegurar e a finalidade da tutela antecipada seja satisfazer, ambas conduzem a uma satisfação ou a uma garantia no resultado final do processo e, em razão disso, gira a controvérsia sobre a diferenciação das tutelas cautelar e antecipada.

Em relação a classificação em razão da fundamentação, a tutela provisória pode ser tutela de urgência ou tutela de evidência. A primeira poderá ter natureza cautelar ou não satisfativa e, a segunda, visa um fato jurídico processual.[13] Com o advento do Código de Processo Civil não há mais a distinção entre processo principal e processo cautelar, a tutela antecipada e a tutela cautelar são previstas como incidentes do processo e não mais como processo autônomo, como visto anteriormente. Acerca dessa classificação, Humberto Theodoro Júnior explana que:

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As tutelas provisórias têm em comum a meta de combater os riscos de injustiça ou de dano, derivados da espera, sempre longa, pelo desate final do conflito submetido à solução jurídica. Representam provimentos imediatos que, de alguma forma, possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente tutelada pela ordem jurídica material (fumus boni iuris). (...) Correspondem esses provimentos extraordinários, em primeiro lugar, às tradicionais medidas de urgência - cautelares (conservativas) e antecipatórias (satisfativas) -, todas voltadas para combater o perigo de dano, que possa advir do tempo necessário para cumprimento de todas as etapas do devido processo legal. (...) A essas tutelas de urgência, agregou-se, mais modernamente, a tutela de evidência, que tem como objetivo não propriamente afastar o risco de um dano econômico ou jurídico, mas, sim, o de combater a injustiça suportada pela parte que, mesmo tendo a evidência do seu direito material, se vê sujeita a privar da respectiva usufruição, diante da resistência abusiva do adversário. (...) O que se tem em mira, nessa modalidade de tutela provisória, não é afastar o perigo de dano gerado pela demora do processo, é eliminar de imediato, a injustiça de manter insatisfeito um direito subjetivo, que, a toda evidência, existe e, assim merece a tutela do Poder Judiciário.[14]

Destarte, as medidas provisórias, como vistas, podem ser de urgência ou de evidência, de modo incidental, não mais necessitando de um processo autônomo, como era no Código de Processo Civil de 1973 em relação a tutela cautelar. O deferimento dessas medidas visa conservar ou satisfazer um direito, por meio de tutelas cautelares ou antecipatórias, bem como afastar a injustiça causada pela oposição quando evidenciado direito subjetivo da parte que pleiteia a tutela para desfrutar seus efeitos imediatamente.

Nesse critério, a concessão da tutela provisória terá como fundamento ou a urgência ou a evidência, no primeiro caso, evidenciada a probabilidade do direito e o periculum in mora, pela concessão de medida satisfativa antecipada ou medida assecuratória busca evitar perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, enquanto que, no segundo caso, a tutela sempre será satisfativa e não busca afastar um perigo, independentemente de sua existência no caso concreto.[15]

Por fim, a última classificação se refere ao momento do requerimento e/ou concessão da tutela provisória. A tutela provisória de urgência pode ser requerida em caráter incidental ou antecedente, nos termos do parágrafo único do art. 294 do Código de Processo Civil. Porém, a tutela de evidência sempre será incidental, pois o Código de Processo Civil vigente não previu a modalidade antecedente para essa tutela.

Humberto Theodoro Júnior afirma que “considera-se antecedente toda medida urgente pleiteada antes da dedução em juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa”.[16] Já a tutela provisória na modalidade incidental, segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “(...) não haverá nenhuma dificuldade: como o processo principal já foi ajuizado, a medida será requerida no seu bojo quando se apresentar uma situação de urgência.”[17]

Assim, nesse critério temporal a tutela provisória na forma antecedente é requerida antes do processo principal, sendo que o pedido principal será objeto deste mesmo processo no prazo para emenda a inicial, ou seja, após a análise da tutela provisória, nos termos do arts. 303 e 308 do Código de Processo Civil, lembrando que essa modalidade se aplica apenas às tutelas de urgência. Por outro lado, a tutela provisória requerida em caráter incidental encontra-se embutida na inicial ou requerida por petição simples no decurso de um processo já formado.

2.3 Características da Tutela Provisória

A tutela provisória, seja de urgência ou de evidência, possui algumas características em comum que serão explicitadas a seguir. A primeira característica é a sumariedade da cognição. Acerca dessa característica, Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira afirmam que “a decisão se assenta em análise superficial do objeto litigioso e, por isso, autoriza que o julgador decida a partir de um juízo de probabilidade.”[18]

Marcus Vinicius Rios Gonçalves, relembrando a lição de Kazuo Watanabe, aponta dois sentidos da cognição, quais sejam, a extensão e a profundidade, sendo que no primeiro sentido, a cognição na tutela provisória não possui restrições de matérias conhecidas pelo juiz e, no segundo sentido, a cognição do julgador é rasa, pois a decisão se baseia em mera probabilidade do direito alegado.[19] Leonardo Greco acrescenta que “a simples caracterização das tutelas de urgência e de evidência como tutelas provisórias resulta do reconhecimento que são o fruto de uma cognição não exauriente.”[20]

Dizer que a decisão da tutela provisória é proferida em cognição sumária, significa dizer que o juiz não precisará ter certeza da existência do direito e da ameaça ou risco de lesão irreparável, ou seja, a cognição existente é aparente, perfunctória. Na tutela de evidência, apesar do grau elevado acerca da presença do direito, conforme hipóteses do art. 311 do Código de Processo Civil, também não há convicção absoluta do direito alegado.

A segunda característica é a provisoriedade. A tutela provisória é concedida em caráter precário e por tempo determinado. Nos termos do art. 296, caput, do Código de Processo Civil, a provisoriedade da tutela significa que elas podem, a qualquer momento, ser revogadas ou alteradas. Acerca dessa precariedade e temporariedade, Teori Albino Zavascki defende que:

É, pois, tutela provisória, entendida a provisoriedade em seu sentido amplo, para compreender temporariedade e a precariedade. É provisória porque temporária, isto é, com eficácia necessariamente limitada no tempo. E é provisória porque precária, já que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, não estando sujeita à imutabilidade própria da coisa julgada.[21]

Na tutela provisória, a provisoriedade é compreendida como a tutela com eficácia restrita por prazo fixo e com possibilidade de revogação ou modificação, a qualquer instante. A tutela provisória trata-se de “provimentos modificáveis e revogáveis (inaptos a ditar uma regulamentação do direito deduzido de forma definitiva), com eficácia temporânea, limitada à pendência do processo (mesmo durante o período de sua suspensão).”[22] Quanto a sua revogabilidade, modificação e cessação da sua eficácia, Marcus Vinicius Rios Gonçalves afirma que:

A revogação ou modificação pressupõe alteração nas circunstâncias fáticas que a justifique. Se houver agravo de instrumento, o juiz poderá retratar-se, mesmo sem alteração fática, já que o recurso é dotado de juízo de retratação. Fora isso, o juiz pode modificar ou revogar sua decisão se novos elementos de convicção forem trazidos aos autos. (...) A perda da eficácia consiste ou em sanção imposta ao autor que, tendo obtido a tutela, não tomou providências a seu cargo, necessárias para mantê-la, ou como consequência natural da extinção do processo ou da improcedência do pedido principal.[23]

A tutela provisória é passível de alteração ou revogação quando verificados novos fatos que impeçam a persistência da sua decisão, bem como pode ter seus efeitos cessados se o processo for extinto ou a demanda julgada improcedente ou quando o autor deixa de cumprir as condições para a manutenção da decisão proferida acerca da tutela provisória pleiteada. A respeito da revogação, Daniel Amorim Assumpção Neves ressalta que:

A sentença deverá confirmar ou rejeitar a tutela provisória anteriormente concedida, e o ideal é que isso seja realizado de forma expressa pelo juiz, não deixando qualquer margem à dúvida. Não havendo tal manifestação expressa, saber o status da tutela provisória dependerá do conteúdo da sentença: (a) havendo procedência do pedido do autor, a tutela provisória terá sido implicitamente confirmada; (b) havendo improcedência do pedido do autor ou extinção sem resolução do mérito, a tutela provisória terá sido implicitamente revogada.[24]

A revogação da tutela provisória pode ser de maneira tácita ou expressa pelo juiz ao analisar a tutela definitiva da demanda, sendo recomendável o uso do modo expresso para evitar questionamentos. Quanto a instrumentalidade, o Código de Processo Civil de 2015 adotou o entendimento da doutrina tradicional (Piero Calamandrei; Francesco Carnelutti; Humberto Theodoro Júnior), qual seja, a provisoriedade da tutela provisória está atrelada a instrumentalidade, pois as tutelas provisórias de urgência e evidência exercerão sempre um papel acessório a outra forma de tutela cognitiva ou executiva no processo.[25]

Por fim, outra característica da tutela provisória é a inércia. O exercício da jurisdição na tutela provisória não pode ser por iniciada pelo juiz, pois cabe a parte interessada requerê-la.[26] Desse modo, a tutela provisória deve ser requerida pela parte, não podendo ser concedida de ofício pelo juiz, ficando o órgão julgador adstrito ao que foi pedido pela parte, nos termos dos arts. 2 e 492 do Código de Processo Civil.

2.4 Tutela Provisória e Processo

O Código de Processo Civil vigente não restringiu os tipos de processo em que é cabível tutela provisória, ou seja, as tutelas provisórias podem ser concedidas tanto em processo de conhecimento quanto em processo de execução, desde que respeitados os seus requisitos e características compreendidos no Livro V da Parte Geral do Código supracitado.

Entretanto, há a possibilidade de existir incompatibilidades entre as tutelas pleiteadas e o tipo do processo em que ela é requerida, pois a tutela provisória pode ser inconciliável com o pedido principal do processo. A tutela provisória pode ser deferida até em processos onde há liminar específica para o caso, mas seus requisitos não são comuns. A tutela provisória é cabível em processos com pretensão condenatória, constitutiva, desconstitutiva desde que compatível com a provisoriedade da medida, havendo divergência apenas quanto ao deferimento de tutela provisória satisfativa em ações declaratórias. [27]

Não há empecilho para concessão da tutela provisória genérica disciplinada nos arts. 294 e seguintes do Código de Processo Civil, pois ela é aplicável até em processos com procedimento especial e liminar específica prevista. Entretanto, deve-se atentar se a tutela provisória é compatível com pretensões de determinados processos para resguardar as características dessa medida, por exemplo, não se pode declarar inexistente uma dívida de forma provisória, mas se pode deferir efeitos para restringir a cobrança dessa dívida quando pendente a discussão judicial sobre ela, a fim de preservar a segurança e a certeza jurídica.

É cabível tutela provisória em ação executiva quando presente situação de risco ou de perigo no processo para garantir a satisfação do débito ou afastar a situação supracitada, mas, a princípio, não cabe tutela de evidência, pois a execução processada já possui um título certo, líquido e exigível.[28] Acerca do cabimento da tutela provisória em execução, Cândido Rangel Dinamarco esclarece que:

Entre os atos pertinentes ao processo executivo, existem ainda as ‘medidas urgentes’ (cautelares ou antecipatórias de tutela jurisdicional), que o juiz determinará e serão efetivadas por ato de um auxiliar da justiça. É o caso do arresto a ser realizado incidentalmente ao processo de execução (CPC, arts. 653 ou 813) ou de alguma medida destinada à imediata fruição do bem pelo credor, a ser concedida quando presentes os requisitos estabelecidos no art. 273 do Código de Processo Civil.[29]

Nesse sentido, é possível a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias em casos de urgência para garantir a satisfação da obrigação almejada com a execução ou para permitir o imediato uso do bem pelo exequente, pois a execução quando recebida já conta com um título certo, líquido e exigível, restando imprescindível a demonstração do risco ou do perigo de dano irreparável ao caso para a concessão da medida.

2.4.1 Competência para Julgamento da Tutela provisória

No que se refere a competência, nos termos do art. 299 e parágrafo único do Código de Processo Civil, a competência para apreciar a tutela provisória é do juízo da causa ou juízo competente para julgar a pretensão principal e, nos tribunais, a tutela provisória será apreciada pelo órgão jurisdicional responsável pelo julgamento do mérito da competência originária ou dos recursos.

Daniel Assumpção Amorim Neves critica o art. 299 do Código de Processo Civil, aduzindo que ao estabelecer a competência com base no pedido principal poderá complicar, em certos casos, a efetivação da tutela cautelar ou do respeito a essa regra de competência em decorrência da natureza conservativa da cautelar e do seu objeto distinto da pretensão principal. Ele afirma ainda, com base no REsp. 1.038.199/ES do Superior Tribunal de Justiça proferido na vigência do Código anterior, a possibilidade de o juízo incompetente analisar as tutelas cautelar e antecipada para evitar o perecimento do direito ou lesão grave ou de difícil reparação.[30]

Nessa linha, o fim almejado é conceder efetividade a tutela cautelar ou a tutela antecipada deferida, haja vista que, em situações excepcionais de urgência, o juízo incompetente poderia analisar a tutela provisória como resposta imediata ao perigo demonstrado para depois reconhecer sua incompetência. A previsão do art. 299 e parágrafo do Código de Processo Civil permaneceria como regra, mas há exceções a ela, por exemplo, no caso do bem ou da pessoa objeto da tutela provisória se localizar em juízo incompetente, mas por efetividade, sua concessão neste juízo seria mais razoável.

2.5 A Fungibilidade da Tutela Provisória e o Poder Geral do Juiz conceder Tutelas Provisórias

O artigo 297 do Código de Processo Civil dispõe que: “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.” Deste modo, esse dispositivo legal confere ao juiz um poder geral para a concessão e concretização da tutela provisória necessária a efetividade do processo judicial. A respeito desse poder geral, Marcus Vinicius Rios Gonçalves aponta dois sentidos de aplicação dessa previsão legal:

O primeiro deles é o de dar ao juiz a possibilidade de conceder a medida que lhe parecer mais adequada para o caso concreto. E o segundo, o de permitir a ele determinar toda e qualquer providência necessária para que a medida por ele deferida se concretize, afastando-se, assim, eventuais obstáculos que possam dificultar ou impedir a sua efetivação.[31]

O juiz tem o poder de decidir pela tutela provisória mais adequada ao caso concreto, mesmo que seja diversa da solicitada, bem como o poder de ordenar o meio essencial para concretizar a tutela deferida para evitar empecilhos em sua consumação. Esse poder geral de cautela do órgão julgador já tinha previsão no art. 798 do Código de Processo Civil revogado ao prever que o julgador poderia dispor das medidas provisórias adequadas quando houver possibilidade de lesão grave e de difícil reparação ao direito de uma parte.

Sobre os artigos 297 e 301 do Código de Processo Civil de 2015,Fredie Didier Júnior, Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga,afirmam que eles são responsáveis de fornecer ao julgador a capacidade de poder geral da cautela e sua respectiva efetivação, sendo esta última remetida a todo o regime legal da execução provisória[32]. Sobre o artigo 297 do Código de Processo Civil Cassio Scarpinella Bueno analisa ainda que:

O caput do art. 297 deve ser compreendido em harmonia com o art. 798 do CPC atual, que abriga, no plano infraconstitucional, o que é hoje chamado de “dever-poder geral de cautela”. Importa também lê-lo ao lado da parte final do art. 301 para alcançar mesma conclusão. Vantagem inegável do novo CPC está em que este “dever-poder” pode ser empregado tanto para fins de cautelar, insto é, asseguramento do resultado útil do processo, como também para fins de satisfação imediata de um direito que, pelo que se pode depreender do art. 294, é ocaso de “tutela antecipada”.[33]

Antônio Pereira Gaio Júnior entende que “a existência de tal poder justifica-se com fulcro no argumento de que, ao legislador, seria impossível prever e dispor, taxativa e exaustivamente, sobre todas as formas de perigo exequíveis e suas possíveis soluções.”[34] Essa ideia de que o juiz pode determinar as medidas essenciais para o cumprimento da tutela jurisdicional é reforçada também pelo art. 139, IV do Código de Processo Civil, onde há a previsão de aplicação de medidas atípicas pelo juiz.

Destarte, o legislador mescla os requisitos das tutelas provisórias no Código de Processo Civil, o que consequentemente leva maior justificativa para se aplicar a fungibilidade, conforme demonstrado por Guilherme Antunes da Cunha e Henrique Antunes Dilélio afirmarem que:

Assim, o novo Código de Processo Civil unifica os requisitos, tanto da tutela de urgência antecipada quanto da tutela cautelar, tornando a problemática de diferenciação entre os institutos ainda maior, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de existência das denominadas “cautelares satisfativas”.

Percebe-se que, quando o legislador mistura os requisitos das tutelas, dá margem, novamente, a uma indagação sobre a possibilidade da fungibilidade entre os institutos cautelar e antecipatório no novo Código de Processo Civil.[35]

Em virtude da similaridade para os requisitos das tutelas, a fungibilidade sobre a tutela pleiteada torna-se cada vez mais necessária, vez que a formalidade em que foi requerida não prejudica os requisitos para que a melhor aplicada seja analisada, não podendo ser imposto a parte o prejuízo em razão desta similaridade.

O juiz não possui discricionariedade para conceder ou denegar tutela provisória, mas ele possui um pouco de liberdade na análise do preenchimento dos requisitos em virtude das normas abertas, com teor indeterminado ou vago usadas pelo legislador infraconstitucional, devendo fundamentar sua decisão com nitidez, expondo seus motivos do deferimento, denegação, alteração ou revogação da tutela provisória, conforme determinado pelo art. 298 do Código de Processo Civil.[36]

Não há previsão expressa do princípio da fungibilidade no Código de Processo Civil, mas ele decorre do sistema jurídico vigente, em especial, do princípio da instrumentalidade localizado nos arts. 188 e 277 do diploma legal supracitado.[37] Com o Código de Processo Civil de 1973, o juiz possuía um poder geral de cautela apenas para decidir a tutela cautelar mais adequada, já com o Código de Processo Civil de 2015, esse poder do juiz foi ampliado para incluir o poder de conceder tutela diferente da requerida.[38]

Antes a previsão legal era restrita a um poder geral de cautela, agora com a fungibilidade entre as tutelas de urgência, o juiz pode e deve adotar a medida mais condizente ao caso. Isso decorre da unificação das tutelas cautelar e antecipada no mesmo gênero (tutela provisória) que reduziu sua distanciação, mas preservou a diversificação da sua natureza. Nessa linha, Marcus Vinicius Rios Gonçalves conclui que:

O Código atual dá ao juiz não um poder geral de cautela, mas o poder geral para concessão de tutelas provisórias, isto é, de deferir, em caso de urgência, a medida - cautelar ou satisfativa - mais apropriada, com o que se tornou despiciendo falar em fungibilidade. O poder geral já permite ao juiz conceder a medida pertinente, seja ela de que natureza for.[39]

Ao juiz é possibilitado a concessão da melhor medida, independente de sua natureza, de analisar de modo a conceder a tutela provisória que melhor se aplique ao caso em tela. Daniel Amorim Assumpção Neves ressalta que o princípio da fungibilidade deve ser utilizado em consonância com o princípio da adstrição do juiz ao requerimento da parte, aduzindo que o juiz só pode adequar a modalidade de tutela de urgência a situação concreta, se limitando a conceder aquilo que foi pleiteado pela parte.[40] Desse modo, a fungibilidade não concede ao juiz o poder de adequar o requerimento de urgência à modalidade de medida necessária ao caso concreto.

Ademais, Antônio Pereira Gaio Júnior acredita que o legislador infraconstitucional restringiu a fungibilidade apenas para as tutelas de urgências requeridas em caráter antecedente, mas entende que a fungibilidade deveria ser aplicada entre as tutelas provisórias de urgência, seja antecipada ou cautelar, seja incidental ou antecedente.[41] Em suma, a fim de efetivar os princípios da razoabilidade e da duração razoável do processo, a fungibilidade deveria ser estendida a todas as tutelas de urgência em todas suas fases, haja vista sua similaridade de requisitos.

CONCLUSÃO

Ao teor do exposto, a fungibilidade das tutelas é capacidade do juiz em deferir tutela diversa daquela pleiteada pela parte, pois, assim, trará uma maior efetividade a pretensão da parte, independentemente da tutela requerida. Considerando esse princípio da efetividade e o princípio da instrumentalidade, muito embora não haja previsão expressa do princípio da fungibilidade, é possível concluir que não há vedação de o juizoptar por tutela provisória diversa da pleiteada, desde que respeite o objeto da pretensão da parte.

Além disso, o legislador ordinário concedeu ao juiz o poder-dever geral de cautela ao disponibilizar medidas típicas e atípicas para concretização da tutela provisória concedida, conforme se verifica no artigo 297 do Código de Processo Civil. Esse poder, apesar de ampliativo, também deverá ser adstrito ao objeto da tutela provisória.

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