Vícios sociais no Brasil e no Haiti

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A grandeza do povo brasileiro contrasta com a baixa qualidade de ensino que recebe e a democracia mascarada que suporta. Buscou-se compreender as origens dos vícios sociais.

Resumo: O trabalho alterca sobre a influência que a colonização e o processo de independência têm na política, cultura e religião de cada país. O Brasil aceita milhares de haitianos em seu território e o Haiti recebe milhares de brasileiros para auxílio humanitário. A grandeza do povo brasileiro contrasta com a baixa qualidade de ensino que recebe e a democracia mascarada que suporta. Buscou-se compreender as origens dos vícios sociais e concluiu-se que a cultura tem barrado o desenvolvimento nacional e o Executivo governa com os olhos vendados. Teve como base o brilhante estudo do sociólogo Dr. José Murilo de Carvalho e entrevista com um dos brasileiros que auxiliou na missão humanitária da ONU no Haiti.

Palavras-chave: Vícios. Brasil. Haiti.


Introdução

Abordar-se-á a história política do Haiti, as migrações e sua cultura. Também, momentos desde a colonização do Brasil até os movimentos sociais mais atuais que vive. O liame entre estas duas nações faz-se presente na medida em que se influenciam historicamente e, todos os dias, haitianos servem brasileiros em restaurantes, fazem o serviço braçal na construção civil, retiram o lixo do litoral brasileiro. O Brasil aceita milhares de haitianos em seu território e o Haiti recebe milhares de brasileiros para auxílio humanitário. Clama a necessidade de saber mais sobre este povo que tem integrado a população do Brasil.

Ademais, indaga-se se falta mão-de-obra ou o Governo Brasileiro está facilitando a entrada dos haitianos, concedendo mais de 100 vistos por mês, por ser mais barato e não gerar problemas. Esta é apenas uma das questões que está agravando cada dia mais a situação econômica do país e será estudada ao longo do presente trabalho.

O Brasil tem vivido uma fase de incertezas e insatisfações com o Governo e o povo tem ido às ruas protestar. Conhecendo a história e analisando os movimentos reivindicatórios da atualidade, se pode compreender e necessidade de sanar vícios sociais político-culturais que países como o Brasil e o Haiti enfrentam todos os dias.


História

A colonização determina como será a economia, a cultura e a religião de cada país. O povo local fica aprisionado aos ditames de seus dominadores e no Brasil não foi diferente, o peso do passado interfere assiduamente em seu presente:

“Ao proclamar sua independência de Portugal em 1822, o Brasil herdou uma tradição cívica pouco encorajadora. Em três séculos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira. ” (CARVALHO 2010, 17-18)

O processo de independência foi, de certa forma, pacífico. O apelo social da elite brasileira, combinado com o desgaste econômico e os altos impostos exigidos pela Coroa Portuguesa, garantiram a autonomia do país. Não existiram grandes guerras armadas, apenas batalhas curtas ocorridas no Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão.

Mesmo após a emancipação, permaneceu, por longos anos, uma multidão de escravos – mais de um milhão em 1822. Outro dado importante é que em 1872, apenas dezesseis por cento da população sabia ler e escrever e, para adentrar num curso de ensino superior, os brasileiros tinham que ir para Portugal, pois não existiam universidades no país.

O grande receio dos proprietários rurais era que acontecesse no Brasil o que acontecera no Haiti, entre 1791 a 1804, onde os escravos proclamaram sua independência e baniram a população branca: “O ‘haitianismo’, como se dizia na época, era um espantalho poderoso num país que dependia da mão de obra escrava e em que dois terços da população eram mestiços.” (CARVALHO 2010, 27)

O Haitianismo não foi necessariamente a revolução escrava, mas a consequência que a mesma gerou. O Haiti foi isolado do restante da América, política e economicamente. Antes era o maior produtor de açúcar do mundo e hoje sofre de uma miséria absurda.

“As elites brancas e criollas que dominavam todo o continente passaram a ignorar o pequeno vizinho do Caribe, dando início a um calvário de isolamento político e econômico, que foi denominado pelos historiadores de haitianismo. Esse isolamento econômico provocou o enfraquecimento da infraestrutura produtiva do Haiti empobrecendo o país, que também sofria com lutas internas entre as próprias facções políticas haitianas.” (Haiti - entre um sonho de liberdade e a tragédia do mundo real 2015)

A Revolução Negra, como também era conhecida, teve uma repercussão mundial em face da escravidão, sendo a primeira nação independente da América Latina e a segunda das Américas.

As revoluções ocorridas na Bahia (Revolta dos Malês - 1835) e no Pará (Cabanagem – 1835/1840) foram inspiradas diretamente na revolução dos escravos haitianos; assim como a Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro e, consequentemente, acabou incentivando a imigração de mão de obra branca europeia. O dinheiro que era usado para comprar escravos foi então utilizado nas primeiras indústrias brasileiras.

Acontece que, depois de formada uma sociedade, torna-se muito difícil sanar vícios que estão encalacrados em sua estrutura basilar. A única forma para mudar uma realidade já estabelecida no surgimento de determinada nação é através de movimentos sociais e reivindicatórios.

O Brasil teve um número maior que o Haiti em episódios marcantes: Revolta da Vacina (1904), Revolução de 1930, Revolução de 1932, Intentona Comunista (1935), Redemocratização (1943), Marcha da Família com Deus pela Liberdade (1964), Golpe Militar (1964), Diretas já! (1983), Ocupação da reitoria da UFRN (1980), Caras-pintadas (1992), Revolta do Busão (2012), Vem pra rua (2013).


Democracia no Brasil

Os progressos obtidos ao longo da história, apesar de significativos, ainda são insuficientes. O descontentamento do povo brasileiro está esculpido em cada rosto. Critica-se sobremaneira a ditadura militar, mas não há quem acredite na democracia política atual. Excessos são execráveis, omissões também.

A legislação interna do país é condenada por muitos, quando na verdade o grande problema está na ineficácia de sua aplicação. A única solução que resta ao homo medius é protestar, manifestando sua indignação pelo fardo que carrega sem pedir. A Constituição Federal de 1988 protege este direito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[...]

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

[...] (BRASIL 1988)

A legitimidade das reuniões – leia-se manifestações – está claramente prevista na Carta Magna, o que possibilita que todos os cidadãos brasileiros se expressem, exercendo a democracia em sua esfera mais pura. O Presidente da OAB de Rondônia, Andrey Cavalcante, reafirma a ideia sobre a mobilização social no país:

“A capacidade de mobilização e a participação política são referenciais importantes para o aprimoramento e reafirmação do Estado Democrático de Direito, na medida em que o Estado abre possibilidade para a atuação no sentido não só de representação popular, como é o caso de eleições, mas possibilidades que permitem a participação efetiva da sociedade civil, rompendo as fronteiras existentes entre o Estado e os cidadãos e aproximando-os. Ou seja: as manifestações populares repousam no manto do exercício da democracia. ” (CAVALCANTE 2015)

Em 2013, iniciou-se o movimento social VEM PRA RUA. Parafraseando este nome, milhares de vozes gritavam VEM PRA URNA, VEM. Ora, até que ponto exercer o direito de voto resolve algum problema? Este foi apenas um dos direitos conquistados em movimentos anteriores, importante evolução na democracia, mas não solução para a situação do país.

Nas palavras de José Murilo de Carvalho, grande estudioso das ciências sociais, a representação política não funciona para resolver os grandes problemas da população:

“O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o deputado apoia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores. Cria-se uma esquizofrenia política: os eleitores desprezam os políticos, mas continuam votando neles na esperança de benefícios sociais. ” (CARVALHO 2010, 223-224)

Partindo destes pressupostos, o cidadão precisa votar para exercer a democracia, mas tal exercício não valerá de nada, pois descobrir a índole de um político é impossível, sendo este um grande ciclo vicioso.

Talvez o que todos acabem esquecendo é que, para a evolução de um país, não basta a existência de candidatos e eleitores. Todos têm seus níveis de corrupção e, como diz o ditado, “todos têm seu preço”. Porque o pai que pede justiça nas ruas, na grande maioria das vezes ensina, através do exemplo, seu filho a jogar lixo nas ruas, ficar com o troco que lhe deram errado, burlar o sistema. Talvez se este mesmo pai tivesse o poder de um influente político, cometesse tantas desonestidades quanto as que reivindica ativamente.

O problema social do país não pertence ao deputado X ou ao senador Y, pertence a todos. O ensino pertence ao Estado, mas a educação pertence a sociedade. Professores estão sendo obrigados a educar, ensinar as matérias disciplinares e ainda implorar por salários dignos; isto é uma questão cultural que deve ser resolvida. A criança virtuosa de hoje será o deputado ou senador honesto de amanhã.

O foco em movimentos coletivos tem sido tão grande, que a cultura brasileira perdeu o rumo. Observando a história, percebe-se que as questões levantadas em protestos anteriores eram mais definidas, lutava-se por um direito específico, como por exemplo o direito ao voto, a igualdade entre homens e mulheres, direitos dos trabalhadores etc. Atualmente, pedem apenas que as pessoas compareçam às urnas, exercer um direito que já é seu. Boa parte dos manifestantes não sabiam sequer o que estavam pedindo, mergulhados em sua própria ignorância.

“Aqui no Brasil, a campanha das Diretas-Já — o maior movimento de massas da história do país — mobilizou dezenas de milhões de brasileiros nas ruas e praças públicas em torno de uma palavra de ordem límpida, clara e de compreensão imediata: acabar com a farsa do Colégio Eleitoral que “elegia” generais e fazer com que o povo voltasse a escolher o presidente da República.

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Movimentos com dezenas de reivindicações perdem o foco e podem morrer na praia. Como ocorreu com o fenômeno realmente impressionante dos “indignados” na Europa, em 2011.” (SETTI 2013)

Perderam-se os valores. Esta seria uma grande bandeira a ser levantada. Pais, mães e responsáveis sendo inspirados a criar pessoas dignas, capazes de exercer solidariedade, justiça e honestidade. Sempre existirão maus entre os bons, mas grande parte da futura sociedade pode ser mudada através do ensino e da educação.

A cultura é essencial na formação de valores de uma comunidade. Discorrer sobre a cultura de determinada nação é algo muito complicado. O correto para alguns pode ser errado para outros, a referência é o ponto determinante.

“Cultura e nação são dimensões de referência necessárias para se entender o mundo contemporâneo. Observem que mesmo o confronto entre as classes sociais e seus interesses tem a cultura e a nação como marcos e panos de fundo inevitáveis, já que ambas lhe fornecem arenas institucionais, códigos de ação, projetos de desenvolvimento. Do mesmo modo não se pode compreender as tendências constatáveis na atualidade de fortalecimento de vínculos internacionais e de formação de uma civilização mundial, sem levar em consideração a ambas. Podemos observar com clareza que o confronto entre as classes sociais transforma tanto a cultura quanto a nação, mas não se pode dizer que prescinda delas, que a possa ignorar. Antes, a transformação da sociedade exige sempre que o potencial tanto da cultura quanto da nação seja considerado.” (SANTOS, PEREIRA e FEIJÓ 1994, 48-49)

O Brasil é um país democrático, culturalmente desigual. É necessário expandir a cidadania social, conforme explica a socióloga Maria Victoria Benevides, em sua brilhante observação:

“A expansão da cidadania social implica, além de uma ação efetiva dos poderes públicos e da pressão popular, num tipo de mudança cultural, no sentido de mexer com o que está mais enraizado nas mentalidades marcadas por preconceitos, por discriminação, pela não aceitação dos direitos de todos, pela não aceitação da diferença. Trata-se, portanto, de uma mudança cultural especialmente importante no Brasil, pois implica a derrocada de valores e costumes arraigados entre nós, decorrentes de vários fatores historicamente definidos: nosso longo período de escravidão, que significou exatamente a violação de todos os princípios de respeito à dignidade da pessoa humana, a começar pelo direito à vida; nossa política oligárquica e patrimonial; nosso sistema de ensino autoritário, elitista, e com uma preocupação muito mais voltada para a moral privada do que para a ética pública; nossa complacência com a corrupção, dos governantes e das elites, assim como em relação aos privilégios concedidos aos cidadãos ditos de primeira classe ou acima de qualquer suspeita; nosso descaso com a violência, quando ela é exercida exclusivamente contra os pobres e os socialmente discriminados; nossas práticas religiosas essencialmente ligadas ao valor da caridade em detrimento do valor da justiça; nosso sistema familiar patriarcal e machista; nossa sociedade racista e preconceituosa contra todos os considerados diferentes; nosso desinteresse pela participação cidadã e pelo associativismo solidário; nosso individualismo consumista, decorrente de uma falsa ideia de “modernidade”. ” (BENEVIDES 2015)

Percebe-se uma enorme insatisfação do cidadão consigo mesmo. Isto não é observado apenas pelos estudiosos, mas em todas as classes sociais. O grande problema é como resolver esta questão cultural que, como disse BENEVIDES, está enraizada nas mentalidades.


Atual situação política brasileira

Vinte anos depois do movimento estudantil “Caras Pintadas” (1992), uma sequência de protestos, iniciada pelo movimento “Revolta do Busão” (2012), apertou o gatilho do ativismo brasileiro.

A internet tem sido o meio de comunicação chave para demonstrar sua indignação.

“O crescimento das redes sociais no Brasil é cada vez mais evidente e as mesmas se propagam de forma assustadora. Todas elas se tornaram grandes ferramentas – não só para os usuários fazerem amizades, mas também para reclamarem e protestarem contra situações que julgam errado. As redes sociais funcionam hoje em dia como uma espécie de “arma” na hora de reivindicar direitos, expor ideias ou simplesmente elogiar determinada ação.

Nesses sites, os usuários criam conteúdo e compartilham com sua rede de amigos. Os manifestos sociais acontecem da mesma forma: o usuário que não gostou de algo expõe sua indignação na rede e seu protesto é repassado para todos aqueles que compartilham o mesmo pensamento.

Para o analista de mídias sociais Vinícius Pinto, os internautas têm reclamado de uma forma que dificilmente fariam na “vida real”. “Eles têm um sentimento de que estão ´blindados´ pela tela do computador, pensam que o que eles falam não vai ter impacto em sua vida offline”, observa o analista.” (PINTO 2015)

Existem três formas para protestar através das redes sociais: 1.divulgando seus ideais ou compartilhando pensamentos alheios; 2. Marcando e divulgando o evento através da rede e, posteriormente, reunindo multidões nas ruas do país; 3. Pactuando com determinada atitude e praticando-a individualmente.

É impressionante o quanto as redes sociais têm influenciado na vida de todos os brasileiros. Tanto positiva quanto negativamente. A ampla divulgação pode ser perigosa, visto pode funcionar como uma espécie de “telefone sem fio”, espalhando informações erradas ou distorcidas. Pior ainda, podem ser apenas ineficazes, conforme relata a socióloga TUFEKCI:

“A socióloga turca Zeynep Tufekci, em sua palestra na TEDGlobal, destacou o papel das mídias sociais nos protestos que ocorreram em vários países nos últimos anos. De acordo com ela, o problema é que, ao mesmo tempo em que se torna muito fácil reunir as pessoas em torno de uma causa, como ocorreu na Turquia, no Barein, com os Indignados na Espanha ou o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a mobilização por meio das redes sociais ainda não foi capaz de trazer as mudanças profundas que os ativistas e manifestantes desejavam. “ (OERJ 2014)

Diante disto, manifestantes são considerados a nova geração do movimento de 1992, intitulando-se os “novos caras-pintadas”. Eles se reúnem através de eventos criados em páginas do Facebook.

“[...] será outro momento histórico para o país. Márcia participa no Facebook de grupos que se denominam como “novos caras-pintadas” e pedem o impeachment da presidente Dilma Rousseff, reeleita no fim de 2014.

Tais grupos explicam que a diferença entre os caras-pintadas antigos e os atuais é que, em 1992, as pessoas eram contra um político: o ex-presidente Fernando Collor, senador pelo PTB-AL, e suas atitudes, e hoje são contra um partido, no caso o PT e a também a corrupção.” (GOMES 2015)

Ora, percebe-se a falta de solicitações objetivas, com fundamentos constitucionais válidos para terem eficácia. Pede-se o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, mas pouquíssimas pessoas sabem que este processo deve ser solicitado também ao Vice-presidente Michel Temer. Caso contrário, é ele quem assume e assim o país continuaria a ser governado pelo Partido dos Trabalhadores – PT. O impeachment ocorrendo nos dois primeiros anos do mandato, é realizada uma nova eleição; nos dois últimos anos quem assume é o representante do Congresso Nacional.

“Pesquisa Datafolha publicada neste sábado (11) pelo jornal Folha de São Paulo revela que quase dois terços dos brasileiros (63%) afirmam que deveria ser aberto um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, diante da revelação da Operação Lava Jato.

A pesquisa mostra ainda, que a maioria, no entanto, desconhece o que vem depois do impeachment. Dos que defendem a saída de Dilma, só 37% sabem que o cargo seria ocupado pelo vice-presidente. Quando perguntados sobre o nome do vice atual metade errou. Isto significa dizer que somente 12% dos eleitores brasileiros favoráveis ao processo de impeachment contra Dilma conhecem realmente o que vez depois.

A pesquisa Datafolha ouviu 2.834 pessoas. A margem de erro é de dois pontos. Embora a maioria da população apoie a saída de Dilma, 64% não acredita realmente que ela saia. O levantamento mostra ainda que 75% apoia os protestos contra a presidente. 57% acredita que Dilma sabia da corrupção na Petrobras e deixou acontecer.

A pesquisa mostra também que a corrupção passou a ser uma das maiores preocupações da população. Para 23% o maior problema do país é a saúde e para 22% é a corrupção. Se Dilma fosse cassada e fossem realizadas novas eleições, o senador Aécio Neves (PSDB­MG) alcançaria 33% das intenções de voto contra 29% do ex-­presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “ (RAULINO 2015)

A ignorância caminha junto à indignação. Os temas são, em grande parte, superficiais. Preocupa-se apenas com a corrupção e com a figura presidencialista. Os problemas vão muito além.

Não houve avanço na tão sonhada reforma tributária, reforma da gestão pública ou aumento do investimento e da produtividade. Vê-se um enorme país, mergulhado numa ignorância que começa num diálogo infundado e termina com altos impostos.

Dentre os principais impostos cobrados no Brasil, estão o imposto sobre importação, imposto sobre operações financeiras, imposto sobre produto industrializado, imposto de renda pessoa física, imposto de renda pessoa jurídica, imposto sobre a propriedade territorial rural, contribuição de intervenção no domínio econômico, contribuição para o financiamento da seguridade social, contribuição provisória sobre movimentação financeira, contribuição social sobre o lucro líquido, fundo de garantia do tempo de serviço, instituto nacional do seguro social, programas de integração social e de formação do patrimônio do servidor público, imposto sobre circulação de mercadorias, imposto sobre a propriedade de veículos, imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, imposto sobre serviços, imposto sobre transmissão de bens inter vivos.

Lógico que a necessidade do pagamento de impostos é inegável, visto que o dinheiro que pertence ao Estado nada mais é que a circulação dos valores de cada cidadão, que devem ser revertidos em seu próprio benefício e em benefício da sociedade.

Acontece que poucos se atentam para a origem do problema, a massa percebe apenas as consequências que ele gera.

Hipoteticamente, pensando na economia de uma família pertencente à classe média brasileira, que tenha uma renda média mensal de dois salários mínimos nacionais (R$788 x 2 = R$1.576), some R$100 na conta de luz, R$50 na conta de água e esgoto, R$150 com telefone e internet, R$500 no financiamento de uma casa simples, R$100 com a parcela do IPTU, considerando que tenha um carro popular com uma parcela de financiamento de R$ 400 e de IPVA de R$ 90, tenha que gastar R$ 400 com combustível para ir ao trabalho e R$ 800 no mercado.

Mesmo que esta família tivesse seus filhos estudando em escola pública e nunca comprasse uma peça de roupa, nem um par de calçados, não tivesse atividades recreativas como ir ao cinema ou tomar um sorvete, não comprasse um presente de natal nem remédios, estaria devendo R$1.014 reais todo mês.

Infelizmente esta é a realidade do país: baixos salários, alta inflação, altos impostos e pouco retorno em saúde e ensino. E a realidade da grande massa brasileira é viver afundada em dívidas e juros altíssimos, o que causa um inadimplemento absurdo no país e quebra muitas empresas de pequeno porte.

Foi isso que aconteceu no Governo do PT, puramente assistencialista. Sem dúvidas, sua política retirou milhares de brasileiros da miséria, mas a um custo exorbitante às outras classes. Não houve uma redistribuição de renda e sim um endividamento que levou o Estado a uma crise financeira, mascarada há mais de uma década.

“O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) está complementando a renda, por meio do Bolsa Família, de 14,1 milhões de famílias em todo o País em abril. O pagamento, que começa a ser liberado na terça-feira (15), segue até o dia 30. Ao todo, o governo federal está investindo mais de R$ 2,1 bilhões.” (Cidadania e Justiça 2014)

Foram mais de dois bilhões de reais gastos com o Bolsa Família. O governo injetou muito dinheiro em determinados projetos e faltou para investir em infraestrutura, ou seja, tira daqui e coloca lá.

No Brasil, mais de 25 milhões de famílias estão inscritas em programas sociais, ou seja, 40% da população brasileira. Veja alguns dos principais programas:

“• Programa Bolsa Família: programa de transferência de renda que atende famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Para participar, a família deve ter renda de até R$ 140 por pessoa e fazer o acompanhamento das condicionalidades de educação e saúde.

• Programa Brasil Carinhoso: benefício complementar ao Programa Bolsa Família para garantir que famílias extremamente pobres, com crianças ou adolescentes entre 0 e 15 anos, vivam com renda mínima igual a R$ 70 por pessoa.

• Aposentadoria para pessoa de baixa renda: pessoas que se dedicam ao trabalho de casa (do lar) que não têm renda própria e que fazem parte de famílias com renda mensal de até dois salários mínimos podem contribuir para a Previdência Social com 5% do salário mínimo, para obter aposentadoria

• Isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos: candidatos de baixa renda que estejam no Cadastro Único têm o direito de não pagar taxa de inscrição em concursos públicos realizados pelo Poder Executivo Federal.

• Telefone Popular: oferta de linha de telefone fixa com tarifas mais baratas para todas as famílias de baixa renda que estejam com o cadastro atualizado. O beneficiário do Telefone Popular tem direito a 90 minutos por mês para fazer ligações para outros telefones fixos da mesma cidade, pagando até R$ 15 por mês.

• Bolsa Verde: benefício pago a cada três meses para famílias extremamente pobres que morem em áreas protegidas e conservem florestas nacionais, reservas extrativistas federais, projetos de assentamento florestal, projetos de desenvolvimento sustentável ou projetos de assentamento agroextrativista, entre outras áreas.

• Carteira do Idoso: destinada às pessoas com 60 anos ou mais que não tenham como comprovar renda, para passagem de graça ou desconto nos bilhetes de ônibus, trem e barco entre estados diferentes. Podem participar idosos que tenham renda individual de até dois salários mínimos.

• Programa de Cisternas: beneficiam a população rural de baixa renda com construção de cisternas na região do semiárido brasileiro.

• Carta Social: famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família têm direito a enviar a carta social – peso máximo de 10 gramas, cobrado o valor de R$ 0,01.

• Passe Livre para pessoas com deficiência: pessoas com deficiência com renda familiar por pessoa de até um salário mínimo por mês têm direito a viagens gratuitas em transporte coletivo, entre estados diferentes por ônibus, trem ou barco.

• Programa Minha Casa Minha Vida e outros Programas Habitacionais do Ministério das Cidades: programas que ajudam famílias de baixa renda na compra da casa própria. Para o Programa Minha Casa Minha Vida, voltado para a baixa renda, a família precisa ter renda mensal total de até três salários mínimos.

• Tarifa Social de Energia Elétrica: desconto na conta de luz para famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa ou que tenham algum beneficiário do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). O desconto varia de 10% a 65%, sendo maior quanto menor for o consumo de luz da casa. Famílias indígenas e quilombolas com renda de até meio salário mínimo por pessoa têm direito a 100% de desconto na conta de luz, até o limite de 50 KWh/mês de consumo.” (Departamento do Cadastro Único/Senarc/MDS 2012)

Além do Auxílio-gás, Bolsa Atleta, Bolsa estiagem, Brasil sem Miséria, Luz no Campo, Mais Médicos, Programa Fome Zero, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), Programa Universidade para Todos (PROUNI), Projeto Casa Brasil, e tantos outros programas sociais que tem um custo elevadíssimo.

Convenhamos que, se 40% da população brasileira depende de programas sociais, quem arcará com todo o custo será o restante da população, composto em sua grande maioria pela classe média.

O problema político-social vai muito além disso, pois se todos os programas funcionassem corretamente e perpetuamente ainda vá lá, mas no início de 2015 o Governo deixou de repassar os valores do Bolsa-família, cortou os financiamentos do Minha Casa Minha Vida, bloqueou o site com inscrições para o PROUNI, aumentou a dificuldade para aquisição do seguro-desemprego e várias outras conquistas que levaram centenas de anos para alcançar e aumentou drasticamente os impostos.

Não é questão de ser contra programas sociais, pelo contrário. Eles são a garantia de que as pessoas terão o mínimo para sobreviver. Acontece que não se pode fornecer mais do que se tem, sob pena de quebrar o quinto maior país do mundo em extensão territorial.

Grande parte da responsabilidade pertence aos cidadãos brasileiros, que tem originariamente uma cultura imediatista, preocupam-se exclusivamente com o hoje, abrem os olhos apenas quando falta dinheiro na carteira.

Consciência leva a protestos legítimos e o conhecimento amedronta o Governo, que consequentemente fica obrigado a mudar de posição e promover as almejadas reformas tributária e de gestão pública.

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Sobre a autora
Karoline Eloise Manjinski Cherobim

Advogada atuante, graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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