3.A Eficácia Institucional no Brasil
O Estado brasileiro também possui vários exemplos de busca pela Eficácia Institucional, muitos deles ainda permeiam a memória recente do país. A maioria em mídia impressa, mas nem todas se elevaram à condição de referencial jurídico. Bons exemplos são os periódicos da corte no Brasil colônia, e os encartes iluministas que entravam no país por meio da ebulição política na Bacia do Prata no século XIX [12]. Estes últimos, por óbvio, são referenciais historiográficos sem um perfeito enquadramento em nosso tema, posto que veiculavam informações contrárias aos paradigmas constituídos da época, mas produziam eficácia no processo de consolidação da então desejada república dos pampas.
De Luca (1999) registra que a Revista Brasil, que circulou entre 1916 e 1925, sustentou a missão de irradiar dispositivos da Constituição Republicana de 1891. Nos recentes anos 60 foram os "Cadernos do Povo Brasileiro", e nos anos 80 chamaram a atenção os fascículos da coleção "Primeiros Passos" [13]. Estas mídias, entretanto, não eram alicerçadas na determinação estatal de aderência de dispositivos de direito. Eram muito mais externalizações não governamentais, sem dúvida a serviço da informação, mas bem pouco focadas nas questões constitucionais formadoras, caracterizando-se pelo seu cunho pontual.
Por outro lado, não podem ser esquecidos os procedimentos do Projeto Rondon e o ativo programa de rádio "A Voz do Brasil", que se transformaram em referenciais de comunicação institucional.
Um exemplo mais recente, e ímpar na textura jurídica, é a obra da Academia Paulista de Magistrados (Netto, 2003) que produziu uma cartilha ilustrada sobre a Lei 10.406/02 – Novo Código Civil. Neste material fica especialmente clara a busca da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais.
As iniciativas não governamentais, portanto, sempre alcançaram extraordinário movimento dentro do Estado. Necessário que se pondere, contudo, a capacidade de difusão por ocasião da mídia e por ocasião do custo, ainda que simbólico, inacessível á grande parte da população. É, outrossim, a contribuição que a sociedade dá à si própria, cumprindo os próprios preceitos constitucionais, mas não consegue caráter compensador da educação ministrada pela formalidade do ensino. Esta, como obrigação do Estado, é mecânica de abrangência infinitamente maior e duradoura, sólida e funcional, capaz de atingir o cerne da problemática da aderência dos dispositivos constitucionais no consciente coletivo dos titulares do Estado.
Sempre se dividiu a responsabilidade da educação ao Estado e a sociedade, sendo que a parte que caberia ao Estado fica formalizada através do ensino (escola). Quanto à responsabilidade da sociedade na educação, esta recai sobre sua célula mãe: a família, embora reste certo que o modelo familiar passa por modificações importantes desde a revolução industrial. A Constituição Federal de 1946 trazia em seu artigo 166 :
"A Educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana"
Não registrava a Carta, entretanto, qualquer sinalização analítica sobre o tema. Contudo, em 1961 houve inserção de dispositivo ordinário que conduz diretamente à Eficácia Institucional através da lei n° 4.024 de 20 de dezembro de 1961 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
"Art. - 1° A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:
a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade".
É bastante claro que a alínea "a" do dispositivo não alude ao direito material (Eficácia Operacional), mas sim à fixação destes direitos (Eficácia Institucional), tomando esta última como uma das finalidades da Educação.
Muito provável que a lei 4.024/61 fosse uma tentativa do governo de João Goulart não de obstar o golpe militar iminente, mas de diminuir-lhe o potencial à medida que encontraria uma sociedade civil mais familiarizada com seus direitos individuais e coletivos, e sobre a formação do Estado. Os direitos a que se refere o dispositivo da lei 4.024/61 reencaminhavam o conteúdo normativo da Constituição Federal de 1946, que era representativa quanto à forma e muito positiva quanto aos direitos. O conhecimento do Estado era de suma importância para o afastamento de sistemas ilegítimos, fosse não permitindo a dilapidação constitucional, ou exigindo nova assembléia constituinte quando de nova ordem [14]. O processo, entretanto, na época, corria contra o tempo.
Foi a partir do golpe militar de 1964, que se intensificou a busca da Eficácia Institucional dos direitos, deveres e princípios constitucionais. Com o Ato Institucional nº 2, em 1967, modificou-se o texto constitucional de 1946 sendo criado outro paradigma.
A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 alterou o texto constitucional de 1967 inserindo nova redação a partir do artigo 1º. Houve suspensão, flexibilização ou supressão de direitos normatizados em nível constitucional, em detrimento de outros emergentes como o da "segurança nacional", que constava dos textos constitucionais de 1967 e de 1969.
Já em 1969 a nova ordem, erigida em 1964, vez que não logrou completo êxito no processo revolucionário pela Eficácia Operacional, investiu na vertente comportamental das normas, isto é, na busca da Eficácia Institucional.
O decreto lei 869 do mesmo ano trouxe a obrigatoriedade do ensino de Educação moral e Cívica para primeiro e segundo graus, e de Estudos de Problemas Brasileiros para ensino superior. Importante notar que a alínea "f" do dispositivo legal possui exatamente a mesma formatação da alínea "a" do artigo 1º da lei de Diretrizes e Bases da Educação do governo democrático de 1961.
"Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:
... f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do País;
Em 1971 passou a vigorar a lei n° 5.692 que traçava novas diretrizes educacionais, e alterou ainda mais substancialmente a parte estatal da Educação (ensino), em especial do 1° e 2° graus. Mais uma vez, é interessante notar que a nova lei não revogou as bases da Educação estabelecidas no artigo 1° na lei 4.024/61, e que buscava a Eficácia Institucional dos dispositivos constitucionais, muito embora revogasse outros pontos através do seu artigo 87. Por óbvio, o dispositivo legal servia à consolidação do conteúdo normativo da nova ordem constitucional.
O fato da lei 5.692/71 não revogar por completo as Diretrizes e Bases da Educação de 1961 (lei 4.024) também gerou controvérsia no próprio meio doutrinário da nova ordem.
Renan (1978), texto de vários cursos de universidades brasileiras na década de 80, classifica a lei 4.024/61, ainda vigente à época, como material de cunho marxista e "praticamente neutra", devendo ser re-interpretada sempre à luz do novo ordenamento constitucional.
Por toda a década de 80 o Estado buscou a máxima eficácia com ações operacionais e a aplicação de uma educação formal voltada para a solidificação do modelo vigente, como forma de extirpar um viés ideológico que já não competia com o princípio revolucionário de 1964.
Faltava, entretanto, o retorno da democracia e sua positivação em dispositivos constitucionais livres, pois a Eficácia Institucional é ferramenta que visa tão somente à aderência da ordem jurídica estabelecida no texto constitucional, mas não tem o condão de transfigurá-la. Esta função modificadora do paradigma veiculado institucionalmente é atribuição dos titulares do Estado no aspecto operacional.
A Constituição Federal de 1988 reafirma o aspecto educacional dentro das obrigações do Estado em seu artigo 205:
"A Educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualificação para o trabalho"
Tanto este dispositivo quanto aquele da Constituição de 1946 (art. 166) registram a conjunção de direitos e princípios, mas fica latente o foco operacional da vontade constituinte (a Educação é direito e dever).
Podemos ponderar que o dispositivo de 1988, entretanto, sinaliza a Eficácia Institucional de forma tímida. Na intenção de abarcar o máximo possível de variáveis, e abandonar as mazelas ditatoriais, acaba o dispositivo sendo muito vago no aspecto subjetivo:
"...visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania...".
Por outro lado, o dispositivo constitucional já possuía o meio ideal para sua Eficácia Institucional, visto que ainda encontrava-se vigente o art. 1º da Lei 4.024/61 com toda sua condição formadora.
Neste sentido a seqüência institucional perfeita teria se iniciado, posto que agora o Estado possuía um texto constitucional democrático, bem como lhe era assegurado o veículo ideal para fixá-lo via educação.
Com a lei 8.663 de 14 de junho de 1993 o Estado retirou a base doutrinária da ditadura, porquanto revogou o Decreto Lei 869 de 1969, pondo um fim à "cartilha revolucionária" de 1964:
"Art. 1º É revogado o decreto-lei nº 869, de 12 de dezembro de 1969, que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País e dá outras providências."
Esta mudança implicaria, em tese, que os dispositivos constitucionais, já sem os óbices ditatoriais [15], poderiam fluir por todo o Estado Democrático de Direito, sendo que, ainda, a norma alocava a reserva horária ao estudo das ciências humanas e sociais:
"Art. 2º A carga horária destinada às disciplinas de Educação Moral e Cívica, de Organização Social e Política do Brasil e Estudos dos Problemas Brasileiros, nos currículos do ensino fundamental, médio, e superior, bem como seu objetivo formador de cidadania e de conhecimento da realidade brasileira, deverão ser incorporados sob critério das instituições e dos sistemas de ensino respectivo às disciplinas da área de Ciências Humanas e Sociais."
Nota-se que não foi retirada a busca da Eficácia Institucional (grifo) da proposta de educação formal, mas houve tão somente a transferência desta para outros subsistemas didáticos condizentes com o novo paradigma do Estado, isto é, do modelo ditatorial para o modelo democrático, em perfeita sintonia com o dispositivo constitucional. Também fica mantido o aparato formador da lei 4.024/61, ainda em vigência, que dispõe em seu artigo 1º que a educação nacional tem por fim "a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado...".
4.A decadência da Eficácia Institucional na educação
Em 1995 a lei 9.131 dá outro formato às Diretrizes e Bases da Educação nacional efetuando alterações administrativas na lei 4.024/61. Verifica-se nesta nova norma sua influência quase que exclusivamente operacional, mas ainda sem alterar o artigo 1º da lei 4.024/61. Houve amplitude burocrática na educação formal com manutenção do propósito de aderência do Estado à luz dos dispositivos constitucionais e, ordinariamente, no que prescrevia a lei 8.663/93.
Entretanto, em 1996 foi criada a lei 9.394 compilando a nova LDBE – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – que consolida os programas para todos os níveis do ensino nacional. Esta norma revogou por completo a lei 4.024/61, e inseriu um novo conceito pedagógico em substituição àquele de 1961, trazendo uma substancial diferença em relação à proposta de aderência constitucional.
Pode-se fazer um comparativo entre a LDBE de 1961 (lei 4.024) e a LDBE de 1996 (lei 9.394) a fim de verificar suas propostas de Eficácia Institucional, em que pese ainda o fato de ter esta última o respaldo de uma Ordem Jurídica fincada em preceitos da Carta Magna de 1988, tida como a mais democrática da história do país:
Lei 4.024/61
"Art. 1° - A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:
a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade."
Lei 9.394/96
"Art. 2º- A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." (grifo nosso)
Observa-se aqui o recuo da Eficácia Institucional na educação, posto que o primeiro texto normativo referia-se a conteúdos bem mais concretos: "a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado...", e o segundo texto caminha pela abstração: "....seu preparo para o exercício da cidadania", motivo pelo qual pôs-se a trabalhar com generalidades e não com a didática de direitos e deveres. Não possuem os dois comandos normativos, portanto, a mesma mecânica de eficácia. A mesma norma, ao referir-se ao ensino (porção da educação fornecida pelo Estado) conjuga em seu artigo 3º, como reprodução do artigo 206 da Constituição Federal, ainda menos o objetivo da aderência, porquanto não sinaliza a necessidade de fixação, mas tão somente de referenciais para pacificação social (liberdade, igualdade), e condução administrativa do processo (gestão, valorização, qualidade):
"Art. 3o - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Quanto ao currículo do ensino, a lei 9.394/96 trouxe diretrizes para sua elaboração com a aposição de comandos igualmente abstratos:
"Art. 27 - Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:
I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comam e à ordem democrática;"
No final de década de 90 o Estado recebeu de entidades ligadas ao Ministério da Educação um projeto didático contendo otimização e padronização de procedimentos, além de inovação pedagógica acerca dos temas afetos ao ensino fundamental (1ª a 8ª série – 7 a 14 anos). Este projeto chamava-se Parâmetros Curriculares Nacionais. Dentro destes Parâmetros, ou PCNs, a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais foi mitigada para aporte de assuntos difusos e, na visão governamental, operacionalmente importantes, com base ainda na capacidade de assimilação dos temas em cada faixa etária.
Assim, nos PCNs surgiram os Temas Transversais, que consistem até hoje em veiculo dos dispositivos peculiares à realidade social brasileira, sendo esses temas a Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual, Trabalho e Consumo. Estes dois últimos ministrados aos estudantes da segunda metade do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série – 11 a 14 anos). A concretização do Estado Democrático de Direito, do ponto de vista da Eficácia Institucional, dependeria, a partir deste ponto, não mais de orientação focada no direito, mas em multidisciplinariedades capazes de abarcar conteúdos operacionais em detrimento das matérias de cunho formador.
Ordinariamente à lei 9.394/96, a Câmara de Educação Básica do Conselho de Educação instituiu diretrizes curriculares especiais para o Ensino Médio através da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998. Nela se consubstanciam três princípios educacionais: estética da sensibilidade, política da igualdade, e a ética da identidade. Estes princípios deveriam ser observados na organização curricular daquele nível de ensino, o qual, segundo a UNESCO, comportaria alunos entre 15 e 17 anos de idade.
Estes princípios curriculares – art. 3º da Resolução CEB n° 3 – conquanto desmembramentos operacionais dos princípios exigidos pela lei 9.394/96 (LDBE), tinham a finalidade de alicerçar a dinâmica da formulação curricular do Ensino Médio:
"III – a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos e deveres da cidadania, visando à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano."
Observamos aqui (grifos) a intenção da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais, posto que tratam diretamente dos Direitos Individuais e da formação do Estado, muito embora faça diferentes referências entre norma e princípio. No texto é expresso que a educação como obrigação do Estado, através do ensino, constitui elemento fixador do próprio Estado Democrático de Direito. A proposta de Eficácia Institucional, contudo, não se sustentou, porquanto em 1998 o Estado recebeu o censo educacional do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística -IBGE e, como comanda a Constituição Federal (art. 214), elaborou projeto de gestão dos problemas indicados naquele relatório estatístico, dando origem à lei 10.172/2001 em que aprova o Plano Nacional de Educação [16].
Entre as constatações das estatísticas governamentais está a precária situação das escolas brasileiras, o alto índice de evasão escolar, e o atraso no acesso aos níveis de ensino em relação à faixa etária. Chamou a atenção a situação especial do Ensino Médio onde faltavam vagas nas escolas, ficando este nível do ensino em situação de estrangulamento operacional também devido à presença de pessoas com idade superior a 18 anos (atraso escolar).
Foram muitas as conseqüências do plano, como a obrigatoriedade de ensino de 8 anos (7 a 14), e diminuição da progressão meritocrática neste período a partir de uma metodologia garantidora de maior fluxo de alunos entre os níveis de ensino, com vistas a compensar repetências e liberar espaços operacionais àqueles que adentram no sistema escolar.
Ainda no anexo da lei 10.172/2001, os objetivos do Plano Nacional de Educação traçam prioridades para o Ensino Fundamental (7 a 14 anos), sendo que esta prioridade externa a Eficácia Institucional à medida que incluía:
"o necessário esforço dos sistemas de ensino para que todas [as crianças] obtenham a formação mínima para o exercício da cidadania".
Contudo, a referência normativa para a Eficácia Institucional não fica demonstrada no artigo 210 da Constituição Federal que prescreve:
"Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais." É, outrossim, demonstrada no seu artigo 205: "(...) visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania...".
Esta hermenêutica mostra que a consecução da meta para o Ensino Fundamental não se trata simplesmente de "esforço" estatal, mas de imperatividade do comando constitucional, posto que não se fala em formação mínima quanto às características da cidadania, mas em conteúdo mínimo para a sua formação, o que nos são bem distintos em sua aplicação e, mais ainda, quanto à matéria (cultura e cidadania).
Quanto ao Ensino Médio (15 a 17 anos), a norma traz no item 3.2 do seu anexo o entendimento de que este, por sua característica de relação educação-mercado de trabalho, é estratégico em quase todos os países, e que o Brasil teria meta árdua de desenvolvimento. Desta forma registrou-se comando normativo afirmando que "o ensino médio deverá permitir a aquisição de competências relacionadas ao pleno exercício da cidadania".
Ainda no Ensino Médio, o Estado, através do Ministério da Educação, inseriu em 1999 dispositivo semelhante aos PCNs do ensino fundamental. São os PCN+, ou PCNEM, que constituem conjuntos de tópicos didáticos voltados ao ensino do segundo grau. Estes parâmetros oferecem educação através de três conjuntos de disciplinas: Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias.
Não cabe aqui, obviamente, efetuar debate acerca da correção didática sobre cada tema do sistema vigente, senão especificamente no ponto de interesse da matéria constitucional em estudo. Neste sentido, destaca-se o grupo disciplinar das Ciências Humanas e suas tecnologias, onde são apresentadas as disciplinas Geografia, História, Filosofia, Sociologia. Como anteriormente exposto, a lei 10.172/2001 dispõe sobre base didática do Ensino Médio:
"...o ensino médio deverá permitir a aquisição de competências relacionadas ao pleno desenvolvimento da cidadania", mas existe substancial divergência doutrinária quanto à substituição dos conceitos educacionais formadores, tidos até 1998, pelo conceito de competências.
Para Lopes (2002) os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM, enquanto determinação estatal em cumprimento a diretrizes do Banco Interamericano de Desenvolvimento, não atende aos anseios educacionais históricos. O modelo estaria dissociado das necessidades de formação do cidadão à medida que converge com maior ênfase para a satisfação de processo mercadológico global. Neste sentido, o projeto apresentaria clara política eficientista, em franca contraposição ao sentido construtivista por qual deveria transitar o educando. Vê Lopes (2002) com grande reserva a dicção do MEC acerca do desenvolvimento de "competências", a "centralidade ao contexto do trabalho", e a própria contextualização exigida do educando que, dissociada de lastro cultural, poderia gerar contrariedades às normas, ou "acentuar e revitalizar processos de submissão" social.