Direitos sucessórios dos nascidos através de inseminação artificial após a morte do genitor

11/07/2019 às 00:16
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A inseminação artificial após a morte do genitor deu surgimento a uma lacuna entre o direito de família e o direito sucessório no tocante aos direitos da pessoa concebida por este método de concepção artificial, analisar-se-á esta importante temática.

1. RESUMO

É importante que haja uma preocupação diferenciada, tanto acerca do atraso do direito positivado em relação às mudanças sociais, quanto na ciência, no que tange aos desafios da solução de conflitos da família moderna, bem como suas implicações nas relações jurídicas de Direito Sucessório. Dessa forma, se faz impreterível o estudo aprofundado de preceitos jurídicos e sociais para que se torne possível solucionar as demandas mais diversas originadas por esses laços familiares. Nesse contexto, a inseminação artificial após a morte (post mortem) deu surgimento a uma lacuna entre o direito de família e o direito sucessório no tocante aos direitos da pessoa concebida por este método de concepção artificial. Tal matéria é demasiadamente complexa e necessita ser analisada em conjunto da filosofia jurídica, de valores sociais e dos princípios Constitucionais. Portanto este estudo tem a finalidade de analisar criticamente os lados da questão supramencionada, trazendo ao final sugestões para que sejam sanados os conflitos de interesses entre os envolvidos, visando o respeito aos princípios constitucionais e a proteção à dignidade da pessoa humana. 

 

Palavras-Chave: Inseminação Artificial Post Mortem, Direito Sucessório, Direito de Família, Herdeiros, Dignidade da Pessoa Humana.

Orientador: Prof. Esp. Luiz Domingos Zahluth Lins

 

2. INTRODUÇÃO

Se há no mundo objetivos predeterminados de vida, um deles certamente é o instinto humano de constituir uma família e ter filhos, trata-se de um sentimento natural e primitivo.

A fertilidade, por sua vez, está diretamente relacionada à realização pessoal, e a incapacidade de procriar pode representar um grande sofrimento àqueles que não são hábeis para gerar um filho.

Dados estatísticos apuram que um entre cada seis casais apresenta problemas de fertilidade e para 20% deles, o único modo de obter gestação é através da utilização de técnicas de Reprodução Assistida.

Com base no exposto, deduz-se que, atualmente, é relativamente comum a população se valer das técnicas de Reprodução Assistida para alcançar o sonho de ter filhos, sendo comum a preservação de material genético em bancos especializados, no entanto, o problema adquire uma conotação complexa quando, antes de atingido o objetivo de procriar, um dos genitores vem a falecer.

Desse modo, observa-se que um aumento exponencial no tocante à solicitação de material genético em caso de morte de um dos genitores. A partir de tal realidade, surgem diversos questionamentos, quais sejam: existe direito à reprodução após a morte? Como resolver a questão da herança no âmbito do Direito Sucessório?

O cenário supramencionado é expressamente vedado por diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, no entanto, conforme se confere através das regras da atual legislação brasileira, um filho concebido enquanto seus pais ainda estão vivos será considerado herdeiro legítimo, ao passo que serão negados os direitos sucessórios de um filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem. Neste último caso,  atualmente existe apenas previsão legal de direito à herança caso testamentado pelo de cujus, o que indubitavelmente viola o direito de igualdade entre os filhos, protegido pela Constituição Federal.

Como é de se notar, tema é bastante controvertido, não há jurisprudência pacificada sobre a matéria, sendo que as opiniões dos doutrinadores brasileiros se dividem.

Enquanto alguns defendem que deve ser garantido o direito à inseminação, pelo Princípio do Livre Planejamento Familiar, sendo assegurado a este o direito de sucessão pelo princípio da Isonomia e da Dignidade da Pessoa Humana, outros aduzem que não deve ser aceita a prática de inseminação artificial homóloga post mortem e caso ocorra, o filho não pode ter direitos sucessórios porque violaria o princípio da segurança Jurídica, que protege o direito de herdeiros que existiam anteriormente à morte do pai. Para agravar a questão, nenhum dos projetos de lei atualmente em tramitação nas casas do congresso nacional aborda a problemática do direito sucessório.

Desta feita, observa-se que o atrasado sistema legislativo brasileiro não acompanha as evoluções tecnológicas e sociais de cunho tão complexo e polêmico, formando-se as lacunas existentes, que devem ser preenchidas pelo judiciário brasileiro por meio da análise de diversos princípios constitucionais primordiais, que serão expostos a seguir.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

 

3.1. SOPESAMENTO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DA DOUTRINA EM FAVOR DA VIDA CONCEBIDA ATRAVÉS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL APÓS O FALECIMENTO DO GENITOR.

Houve uma significativa inovação do Código Civil de 2002 ao trazer uma série de princípios e valores visando preservar a unidade familiar, esta com a função social, protegida pelo ordenamento jurídico-legislativo brasileiro com a introdução da nova Constituição de 1988.

Nesse sentido é importante mencionar os apontamentos de Edgar Kohn (2006) sobre as naturezas distintas dos princípios e regras a partir dos ensinamentos de Robert Alexy acerca do tema, verbis:

“Princípios prescrevem que algo deve ser cumprido da melhor forma possível, dentro das possibilidades práticas e jurídicas, enquanto uma regra deve ser cumprida totalmente. Diferente dos princípios, a regra já considerou as possibilidades práticas e jurídicas na sua fixação e, portanto, deve ser cumprido integralmente, sem questionar se seu cumprimento é juridicamente e praticamente possível”.

Portanto, é de salutar que os princípios do direito de família, com bases constitucional e infraconstitucional, nas legislações especiais, buscam proteger, não só a família, mas também o indivíduo a que ela pertence, sendo necessário recorrer ao respeito e equilíbrio entre os referidos princípios, para que seja possível garantir a proteção dos direitos sucessórios da pessoa concebida postumamente, tendo em vista que nosso país ainda não possui legislação específica acerca da matéria. 

3.1.1 Aplicação dos Princípios da Paternidade Responsável e do Livre Planejamento Familiar.

 Dentro do ordenamento jurídico brasileiro é possível presumir que o direito à reprodução encontra-se abarcado na esfera de inviolabilidade do direito à vida, verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

           (...)

Ademais, o direito à reprodução tem respaldo no princípio do livre planejamento familiar como livre decisão do casal, conforme se oberva:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 (…)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

(...)

A Constituição Federal também incumbe e encarrega uma série de obrigações ao Estado para que se alcancem os supramencionados princípios, entre elas, verbis:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

(...)

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. 

 Neste sentido se vislumbra uma forte ligação entre o dever do Estado em proteger a família, aliado à ciência e tecnologia e ainda respeitar os princípios fundamentais de dignidade da pessoa humana.

 Insta destacar que direito de constituir uma família encontra-se previsto até mesmo na Declaração Universal dos Direitos do Homem:

ARTIGO 16.º 

1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 

(...) 

Observa-se, a partir da análise crítica e ampla dos dispositivos acima transcritos, uma forte relação entre a possibilidade da utilização dos meios artificiais de inseminação para geração de filhos e consequente formação da família, que obrigatoriamente deve ser amparada pelo Estado.

É consensual que o direito à reprodução está intensamente relacionado ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, a qual, por sua vez, consiste na obrigação que os genitores possuem de garantir todo tipo de assistência, seja ela material, afetiva, moral e intelectual aos filhos.

A seu tempo, o planejamento familiar consiste em decidir sobre quando e quantos filhos se deve ter, com plena possibilidade de utilização da inseminação artificial como recurso à reprodução, ressalvadas as hipóteses de prática de eugenia.

O art. 226 § 7º da Constituição Federal de 1988 torna evidente a liberdade às famílias para exercerem o Planejamento Familiar, ao tempo em que prescreve ao casal a responsabilidade de escolher o melhor momento para terem filhos bem como a quantidade desejada.

 Importante ressaltar que, além dos deveres expostos, se faz necessário aos genitores identificarem as formas por meio dos quais poderá ser alcançada a formação completa e sucessiva da criança, exigindo-se dos pais, para tanto, o empenho e dedicação e não somente no momento da concepção, mas ao longo de toda a formação da criança, através do carinho, da correta formação de valores, educação, nutrição e saúde, dentre outros.

Interessante comentar acerca do Principio da Paternidade responsável, alguns doutrinadores preferem denominá-lo como Principio da Parentabilidade (Krell 2009), tendo em vista que levam em consideração o fato de que as obrigações são de inteira responsabilidade do conjunto homem e mulher e não somente do polo paterno, conforme reforça a própria Constituição Federal, verbis:

 

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

(...)

 Assim, observa-se que o planejamento familiar consiste em ato consciente e responsável, que deve levar a sério a decisão de quantos filhos e quando se deve tê-los de acordo com as condições por meio das quais o casal poderá suprir as necessidades mínimas para uma vida feliz e saudável.

No entanto, é de se ressaltar que os assuntos em comento, quais sejam a paternidade responsável e planejamento familiar, não tem recebido muita atenção por parte dos Órgãos responsáveis.

 Dessa forma, frisa-se que o direito à reprodução e o princípio da paternidade responsável, o qual está diretamente ligado, encontram íntima relação com as técnicas de inseminação artificial, haja vista serem fatores intrínsecos à sua possibilidade de uso.

3.1.2 O instituto da Prole Eventual (interpretação do Artigo 227, §6º da Constituição Federal)

 Conforme já explanado anteriormente, não deve existir distinção entre a pessoa concebida por inseminação artificial dos filhos concebidos naturalmente, ou dos adotados. Assim, importante se torna apontar que a diferenciação tampouco deve ocorrer no que concerne ao fato de nascer em momento anterior ou posterior à morte do genitor.

 Deste modo temos que o art. 1.798 do Código Civil, ao tratar sobre a vocação hereditária, estabelece que:

“Art, 1.798 Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”

A partir do vislumbre do dispositivo supramencionado, é possível concluir que o ordenamento legislativo oferece proteção ao nascituro, haja vista que, a partir de sua concepção, esta já tem vocação hereditária, dependendo do seu nascimento com vida, ou ao menos da ocorrência da respiração (GONÇALVES, 2008).

Nesse sentido, interessante se faz observar que o Código Civil dispõe sobre a possibilidade de concessão da capacidade sucessória por aqueles ainda não concebidos, ao estabelecer o instituto da chamada “prole eventual”, conforme se constata a partir da leitura do art. 1799, I do Código Civil de 2002: 

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

(...) 

O art. 1.800 especifica a situação do artigo antecedente, verbis:

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

§ 1o Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775.

§ 2o Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.

§ 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.

§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. 

 A leitura dos supramencionados artigos leva à conclusão de que o instituto da prole eventual consiste na disposição testamentária a ser adquirida pelos filhos das pessoas indicadas pelo testador, ainda que não concebidos no momento do testamento. No entanto, conforme o parágrafo 4º, estes só terão direito à herança caso a concepção ocorra em até dois anos contados da abertura da sucessão, salvo disposição em contrário.

 Tal instituto encontra-se previsto, inclusive, quando da vigência do Código Civil de 1916, porém, à época, apenas tinha aplicabilidade quanto aos filhos biológicos, havendo diferenciação do filho adotado, a não ser que o testamento encontrasse disposição contrária e expressa.

No intuito de reforçar tal ideia, a própria Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 227 § 6º, trouxe a introdução do princípio da igualdade entre os filhos tornando incabível a diferenciação entre os filhos mesmo que de naturezas diferentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Desta feita, à luz do Novo Código Civil de 2002, os bens testados poderão ser destinados aos filhos indicados, não havendo distinção se forem “de sangue” ou adotivos, ambos terão os mesmos direitos referentes à herança através de testamento.

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 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald concordam com tal posicionamento, verbis:

A partir dessas ideias, vale afirmar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em nível patrimonial, seja mesmo na esfera pessoal. Com isso, todos os dispositivos legais que, de algum modo, direta ou indiretamente, determine tratamento discriminatório entre os filhos terão de ser repelido do sistema jurídico. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 111).

Conforme aduz Sílvio de Salvo Venosa (VENOSA 2009, p. 99) acerca da prole eventual: “a matéria ganha maior importância agora, com as técnicas de reprodução assistida”, Em consonância com o referido comentário, é perceptível na sociedade contemporânea o quanto as técnicas de inseminação artificial têm se popularizado, dando surgimento a novos paradigmas diante do instituto da prole eventual, haja vista que o método de concepção não se vale apenas de meios naturais para ocorrer.

Seguindo a mesma defesa de pensamento isonômico, determinada parcela da doutrina acredita que negar direitos sucessórios aos filhos gerados artificialmente vai contra com os princípios constitucionais. É o que se extrai das lições de José Luiz Gavião de Almeida, verbis

“Uma interpretação a contrário sensu do artigo 1.798 poderia levar à conclusão de que o indivíduo não concebido à época da abertura da sucessão a ela (herança) não tem direito. Mas a ligação parental entre o de cujus e o indivíduo vindo de inseminação artificial homóloga é indiscutível, quer tenha ele nascido enquanto vivo ou depois de morto o seu pai (art. 1.597, III). Se o indivíduo, a qualquer tempo, nasce com vida, decorrente do desenvolvimento de embrião excedentário, mediante inseminação artificial homóloga, forma-se a relação de filiação.” (ALMEIDA, 2003, p. 104).

Ou seja, por meio de analogia básica, pode-se facilmente presumir que devem ser preservados os mesmos direitos dos filhos concebidos através da Inseminação artificial, mesmo que postumamente, ou de qualquer outra técnica de fertilização, de concepção natural ou civil ou filhos adotivos. O entendimento encontra amplo acolhimento na doutrina, como o pensamento de Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho: “[...] Tal situação não encontra guarida constitucional, ao contrário, o legislador constitucional não previu exceção, não cabendo ao legislador ordinário, tampouco ao intérprete estabelecer exceções ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos. (ALBUQUERQUE FILHO, 2006, p. 175)”. 

Em outras palavras, apesar da existência da crescente capacidade humana de adaptação as mudanças sociais e científicas, a severa debilidade do sistema legislativo brasileiro continua falhando em assegurar proteção a casos especiais de pessoas por pura e lamentável lentidão em face das lacunas atuais.

 Portanto, resta evidente que deve haver proteção da isonomia dos filhos advindos de toda e qualquer origem, sendo que tal igualdade deve se estender tanto aos direitos pessoais quanto aos direitos patrimoniais.

3.1.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Consiste no elemento central do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que objetiva o respeito da pessoa humana como origem primordial para toda formatação do Estado e para o Direito, se traduz no dever de praticar comportamentos comissivos que efetivem a proteção da pessoa humana. 

Notadamente complexo e amplo, o supramencionado princípio constitucional é, segundo Maria Helena Diniz, no âmbito do direito de família, uma garantia de desenvolvimento pleno de cada um dos seus integrantes, com a possibilidade de realização de seus interesses e anseios, englobando nesse contexto familiar, a garantia de assistência educacional aos filhos, sempre com a finalidade de manter a família unida e saudável.

Conforme leciona Júnior Cunha (CUNHA JUNIOR, 2008), o princípio da dignidade da pessoa humana nada mais é do que resultado de uma conquista e construção histórica, moldado para defender a pessoa humana de sua exploração e consequente aniquilação. Desta forma, é imposto ao Estado, por meio deste principio, que respeite a pessoa humana hipossuficiente, de modo que seja possível a promoção de condições que a levem a ter uma vida digna.

Ainda conforme o pensamento do supramencionado autor, tal princípio se transforma em peça fundamental para realização concreta de todos os direitos fundamentais, ou seja, é inegável que o conceito de dignidade da pessoa humana está fortemente ligado aos vários princípios fundamentais, desta maneira, a proteção da dignidade humana inerente aos direitos da personalidade é inseparável do contexto em que se insere o bem jurídico da família.

Com a presença de tais inovações jurídicas, se tornaram possíveis os avanços sociais mais recentes, exemplifica-se a partir dos novos conceitos de união estável, família monoparental, casamento homoafetivo, entre outros, razão pela qual tal princípio pode muito bem defender os direitos das crianças concebidas após a morte de seus genitores.

3.1.4. A consonância entre a Manifestação da Vontade e o Animus de Construir uma Família. 

Outro critério merecedor de destaque é o da manifestação de vontade que, em combinação com o animus de constituir família, serve de pilar importante na defesa da isonomia de direitos entre filhos concebidos antes e depois da morte do genitor, exemplifica-se a força da combinação dos referidos princípios pela adoção póstuma por meio da qual não se exige que o adotante tenha por expresso um documento ou testamento apresentando o filho adotivo que ainda virá como seu sucessor para que possa ter a vocação hereditária junto com os demais herdeiros.

Na supracitada hipótese a manifestação de vontade se dá de maneira indubitável, tendo em vista o animus que o levou a proceder com o então processo de adoção. Utilizando da analogia, nos parece que o referido animus do genitor adotante poderia ser observado ao providenciar a criogenia de seu material genético para futura inseminação artificial após sua morte.

Por outro lado, a doutrina não é totalmente favorável a tal isonomia, notadamente no tocante à forma pela qual se daria essa manifestação, alguns doutrinadores, por exemplo, não entendem possível a presunção estabelecida do artigo 1.597, III do Código Civil sob a alegação de que seria impossível saber se o de cujus gostaria de que seu material genético fosse utilizado para gerar uma vida, sendo que, ao tempo de sua concepção, o genitor já não estaria entre os vivos.

 É o caso de Mônica Aguiar, que é contra a filiação na supramencionada hipótese, devendo ser afastada, pois iria de encontro com a teoria da vontade e o art.5º, inciso I do Código Civil.

 A referida autora e estudiosa do tema defende que seja retirada da legislação brasileira a referida presunção de paternidade, dada a partir da inseminação póstuma, aduzindo para tanto que o motivo para estabelecer a relação de filiação nesses casos é o volitivo, ao contrário da concepção havida pela maneira natural, observando que a morte ocasiona uma revogação da decisão tida em vida, não devendo a vontade de reprodução ser atendida depois de sua vida.

Discorda-se veementemente da supramencionada opinião, pois se leva em consideração a existência no ordenamento da possibilidade de extensão da manifestação de vontade após a morte em relação ao desejo justificado de ter um filho adotivo, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivando a proteção das crianças brasileiras, verbis:

“Art. 42.  Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.

(...)

§ 6o  A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.”

(...)

 É impreterível rememorar que o testamento pode também ser utilizado como manifestação de vontade em vida, dessa forma, em havendo inequívoca manifestação de vontade dos adotantes que venham a falecer depois de iniciado o processo de adoção admite-se a conclusão do procedimento.

Entende-se que de igual maneira também deve suceder na fecundação post mortem, uma vez que solução diversa irá de encontro ao melhor interesse da criança, a qual tem o direito de ser reconhecida filha do pai falecido para todos os efeitos jurídicos, no âmbito do direito de família e das sucessões. 

Também é importante salientar que, apesar de o dispositivo do Estatuto da Criança e o Adolescente estabelecer a hipótese de adoção póstuma apenas quando já estiver em curso o processo judicial, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça faz uma interpretação extensiva do mencionado dispositivo legal, verbis:  

ADOÇÃO PÓSTUMA – MANIFESTAÇÃO DE PROPÓSITO. É PERMITIDA A “ADOÇÃO PÓSTUMA” SE, QUANDO DO ÓBITO DO ADOTANTE, JÁ ESTIVER ENCAMINHADO AO JUÍZO O PEDIDO DE ADOÇÃO (ART.42, §5º DO ECA). Ocorre que a exigência do processo instaurado, pode ser substituída por documento que evidencie o manifesto propósito do de cujus de adotar a criança. Trata-se de “inequívoca manifestação de propósito que pode existir independentemente do procedimento de adoção. Na hipótese, há certidão de batismo do menor, que expressamente indica os adotantes como pais, além do depoimento do advogado quanto a ser procurado pelo falecido pra regularizar a adoção. Isso, aliado ao fato de o menino, hoje com dez anos, ter sido criado como filho pelos adotantes desde seus primeiros dias de vida, impõe o restabelecimento da sentença, que determinou a retroação da adoção à data da abertura da sucessão do marido da autora. REsp 457.653-PB, j.19.11.2002, rel. Min, Ruy Rosado.   

 Deste modo, faz-se imprescindível quebrar determinados “tabus”, primeiramente não há que se falar em revogação automática do consentimento dado em vida, referente a inseminação e a vontade se ter um filho mesmo após a morte de seu pai, haja vista a existência da prova da vontade à época do recolhimento do material genético, frise-se que o planejamento familiar deve sempre ser protegido, mesmo após o falecimento do genitor.

Em segundo lugar, não há de prosperar eventual alegação de que o material genético (esperma) seria dado como forma de herança à esposa, como afirma Paulo Lôbo:

“O princípio da autonomia dos sujeitos, como um dos fundamentos do biodireito, condiciona a utilização do material genético do falecido ao consentimento expresso que tenha deixado para esse fim. Assim, não poderá a viúva exigir que a clínica de reprodução assistida lhe entregue o sêmen armazenado para que seja nela inseminado, por não ser objeto de herança. A paternidade deve ser consentida, porque não perde a dimensão da liberdade. A utilização não consentida do sêmen deve ser equiparada à do doador anônimo, o que não implica atribuição de paternidade.”

Acompanhando o supramencionado entendimento, o Enunciado n° 106, aprovado na I Jornada de Direito Civil, estabelece que, para ser presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de fertilização artificial post mortem, seja viúva, mostrando ainda, a autorização escrita do de cujus para a utilização de seu material genético após sua morte.  

É de salutar, no entanto, que a Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1358/92 não abrange todas as hipóteses de fertilização artificial, não tendo qualquer força coercitiva, razão pela qual faz surgir a necessidade de elaboração de diploma legal que se posicione, tanto no sentido de liberar ou vetar o exercício dessas técnicas, quanto ao estabelecimento sobre como poderá ser realizado o processo de sucessão patrimonial deixado pelo de cujus.

Como já fora demonstrado, a autorização em vida para utilização do material genético com o fim de posteriores inseminações artificiais, mesmo que esporadicamente, mostra o desejo do genitor e a sua vontade de construir uma família, a partir deste momento se observa uma ligação de genitor com a possível prole eventual. 

 Desse modo, caso o procedimento tenha êxito, a criança concebida obviamente passará a ter todos os mesmos direitos que todos os outros herdeiros ou mesmo do que qualquer criança concebida naturalmente, sem exceção: direito ao carinho, da correta formação de valores, educação, nutrição e saúde, entre outros.

Muito embora não haja qualquer previsão legal aos direitos patrimoniais. A doutrinadora Anna de Moraes Salles Beraldo entende o seguinte:

“A declaração de vontade pode se dar de forma complexa quando há um fato gerador, embora único, composto por dois atos simultâneos, formando somente um ato. É quando duas pessoas, mutuamente, obrigam-se a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns (CC 981). É um homem aliar sua iniciativa à de seu semelhante para atingir determinado escopo; é a conjunção voluntária e declarada de esforços, com determinada finalidade.”

 Em apertada síntese, o que se observa é que a capacidade sucessória dos filhos concebidos pela inseminação artificial está cheia de obscuridades e lacunas legislativas.

3.1.5 Princípio da Isonomia.

O supramencionado princípio é de importância ímpar para a análise da condição sucessória do indivíduo concebido postumamente, tema principal deste estudo. Tal princípio deriva do Princípio da Igualdade, estabelecido no art. 5º, caput e inciso I do Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal de 1988. Prevê a igualdade geral de aptidão, de oportunidade e de tratamento pela lei, de acordo com os valores protegidos pelo poder constituinte e que regem o Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, é de se ressaltar que não basta que a Constituição Federal proteja a isonomia de todos no limite da lei, não podendo ser somente uma proteção de igualdade formal, devendo também garantir também a igualdade material, para tanto deve a mesma dar igual para os iguais e tratamento desigual para os desiguais na medida de suas desigualdades, ultrapassando inclusive, sempre que necessário, o alcance normativo.

Noutro giro, acerca do Principio da Isonomia Entre os Filhos, encontra-se estabelecido no Art. 227, §6º da Constituição Federal e por ele veda-se qualquer distinção entre os filhos havidos dentro ou fora do casamento, mesmo que adotado. Deste modo, atualmente existem apenas filhos, não havendo mais diferença entre filhos legítimos e ilegítimos, tampouco em relação à qualificação, direitos e deveres (DINIZ, 2008).

É possível, inclusive, notar tal evolução de pensamento a partir da análise do Código Civil de 1916:

“Art. 377 Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária.”

A supramencionada e defasada norma prevista no referido código foi definitivamente revogada pelo Código Civil de 2002 e substituída pelo Art. 1.596:

“Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. ”

Observa-se que também é garantida maior isonomia a partir da leitura do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90) que, em seu art. 20, apregoa:

“Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. ”

Desta forma, nota-se que a adoção garante, a um filho adotivo, ter os mesmos direitos e deveres dos demais filhos de um casal, não podendo haver quaisquer diferenciações em detrimento dos adotados, sequer na certidão de registro do adotado.

A presente análise é importante para que se demonstre como a evolução e surgimento do princípio da isonomia é importante para o surgimento da sociedade que conhecemos hoje, sendo essa constante evolução e expansão da segurança, dada à isonomia entre os filhos, de máxima importância para a não discriminação do filho concebido por inseminação artificial post mortem, no âmbito do Direito de Família e do Direito Sucessório.

3.1.6 Solução Judicial para lacuna Legislativa: Petição de Herança na Reprodução Assistida Após a Morte do Genitor.

 Surpreendentemente o novo Código Civil de 2002 possibilita uma forma de os herdeiros genéticos, advindos após a morte do genitor, terem seus direitos sucessórios, que é a chamada ação de petição de herança, que encontra disposição entre os artigos 1.824 a 1.828 do Código Civil de 2002.

A supramencionada petição consiste em uma ação ordinária e declaratória, por meio da qual o herdeiro legítimo ou testamentário, não habilitado na sucessão, pode ter garantido a sua capacidade sucessória e recuperar assim a herança a que tem vocação.

Conforme aduz CARLOS ROBERTO GONÇALVES (GONÇALVES, 2008), após o ajuizamento da ação de petição de herança, retroagirão os direitos sucessórios até a data da abertura da sucessão, estando inseridos ali os frutos e rendimentos a que o herdeiro “post mortem” fazia jus desde o início.            

 Neste sentido, interessante destacar que o legislador não especificou prazos prescritivos para o peticionamento da ação de petição de herança, no entanto o Supremo Tribunal Federal – STF, por meio de sua súmula 149, determina:

“Súmula 149 - STF : É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”

 Em outras palavras, a ação de petição de herança também está sujeita a prescrição, sendo aplicado o disposto no art. 205 do Código Civil, verbis:

 “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

 Assim, de acordo com o Enunciado n.º 267 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, temos que:

“A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança”.         

Portanto, em razão das lacunas normativas, o judiciário deve se utilizar de caminhos alternativos, no entanto, atualmente, a única solução encontrada por aqueles que estejam na situação do presente estudo, ou seja, do filho concebido após a morte de seu pai por meio inseminação artificial, para que tenham reconhecido o direito de vocação hereditária, reside na propositura tempestiva da ação de petição de herança em até dez anos após ter declarada sua condição de filho.

Noutro giro, referente ao Direito de filiação, esta é possibilidade que poderá ser suscitado a qualquer momento por ser de natureza imprescritível conforme a súmula 149 do STF e do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

4. CONCLUSÃO

Foi possível observar que a evolução científica e tecnológica evolui de maneira acelerada hodiernamente, trazendo uma série de vantagens práticas para o dia-a-dia, além de servir para estender progressivamente a expectativa de vida humana, desta feita, é primordial que, nesse tempo de progressos e avanços, sejam observadas as relações jurídicas que podem ser afetadas, cabendo aos operadores do direito preencherem as lacunas que o legislativo não consegue alcançar.

Apesar de a inseminação artificial homóloga post mortem estar expressamente prevista no art. 1.597 do mais atual Código Civil, não se encontram normatizadas todas as condições isonômicas imprescindíveis para o desdobramento deste método de reprodução assistida.

Atualmente a medicina moderna trouxe os respectivos métodos de reprodução assistida, o primeiro deles consiste na chamada “barriga solidária”, método por meio do qual o casal doa seus gametas, que serão fecundados in vitro e implantados no útero da mulher que vai gerar a vida.

O segundo método, qual seja a inseminação artificial e fertilização in vitro, o material genético do casal é colhido e manipulado em laboratório e, somente após a fecundação fora do útero, o embrião é implantado no útero materno. Noutro giro, quando a mulher não tem condições físicas de sustentar uma gestação, serve-se de útero emprestado, preferencialmente, de pessoa pertencente à sua família, com parentesco até o segundo grau. 

Por fim, na terceira e última hipótese, chamada inseminação artificial in vivo, nesta ocorre a fusão do óvulo da mulher com o espermatozoide do seu marido ou companheiro (homóloga) ou utiliza-se óvulo e/ou espermatozoides fornecidos por terceiros (heteróloga) no útero da mãe.

O que se observa é que o sistema jurídico brasileiro é omisso em diversos pontos no tocante à regulamentação de direitos dos nascidos pelos métodos supramencionados, deixando diversas lacunas, notadamente quando relacionadas à inseminação artificial homóloga post mortem, ou seja, aquela que ocorre após a morte do companheiro, mais precisamente no que tange aos direitos sucessórios do filho concebido por tal método.

No entanto, imperioso apontar condição estabelecida pelo Enunciado 106 do Conselho da Justiça Federal, o qual dispõe ser imprescindível documento escrito com autorização do finado de cujo material genético foi colhido, e o status de viúva para a esposa ou companheira para que seja autorizada a inseminação póstuma.

Tais requisitos são exigidos tendo em vista que o Conselho Federal de Justiça rechaça o nascimento de um filho sem genitor, inclusive é importante destacar que no Enunciado nº 127 do mencionado Conselho, é proposta a modificação no inciso III, do artigo 1.597, do CC, de modo a retirar a frase “mesmo que falecido o marido”, ante a impropriedade segundo a ótica do Conselho.

À luz desse estudo, entende-se ser errôneo o supracitado posicionamento, haja vista que a família monoparental encontra proteção no artigo 226, § 4º da Constituição Federal.

Não se sustenta o posicionamento do Conselho Federal de Justiça, inexistindo qualquer justificativa razoável para se proíba a reprodução póstuma e sejam vedados os direitos dos nascidos por meio de tal método reprodutivo, ademais quaisquer alegações em sentido contrário certamente feririam o princípio da isonomia amparado pela Constituição Federal. 

O Código Civil de 2002, por sua vez, apesar de sua grande importância é falho e mereceria ser aperfeiçoado, notadamente no que tange à abordagem de questões quanto ao direito sucessório da pessoa concebida posteriormente à morte do genitor. 

Como se não bastasse, é de se observar que a questão em tela não é tratada profundamente na doutrina, restando apenas o debate acerca das divergências sobre essa possibilidade moral e jurídica, de igual maneira na jurisprudência o tema não é solidificado, não havendo qualquer tipo de entendimento firmado sobre o assunto.

Essa divisão doutrinária apenas reflete a contradição da legislação brasileira sobre o tema, que em um primeiro momento aceita a inseminação artificial post mortem como hipótese de reconhecimento de paternidade, e em outro exclui da sucessão a pessoa concebida postumamente através de um requisito desatualizado de coexistência, em total dissonância com os princípios da Carta Magna, notadamente o princípio da isonomia.

Desse modo, faz-se urgente e imprescindível a necessidade de o Brasil se atualizar legislativamente conforme os avanços da medicina, notadamente quando se percebe que outros países já buscam regulamentar a situação por meio de leis específicas que até mesmo protegem o melhor interesse da criança concebida posterior à morte do genitor, dessa forma amparando-a e resguardando seus direitos.

Com tais inovações jurídicas obtidas até então se tornaram alcançáveis os avanços sociais mais recentes como os novos conceitos de união estável, família monoparental, casamento homoafetivo, dentre diversos outros.

Com base nos fatos expostos no tangente ao tema principal, afirma-se que a dignidade dos filhos concebidos postumamente apenas se concretizará com a plena utilização dos direitos fundamentais previstos na Constituição em prol desta classe “abandonada” pelo legislador.

Restou evidente que o conceito de dignidade da pessoa humana está diretamente vinculado a inúmeros outros princípios fundamentais, ademais a proteção da dignidade humana, inerente aos direitos da personalidade, é inseparável do contexto em que se insere o bem jurídico maior da família.

Ademais insta destacar que os princípios do direito de família buscam proteger não só a família, mas também o indivíduo a que ela pertence, sendo imprescindível recorrer ao respeito e equilíbrio entre os mencionados princípios para que se possibilite resguardar os direitos sucessórios da pessoa concebida postumamente, haja vista que o Brasil se encontra relativamente “atrasado” quanto ao tema e ainda não dispõe de legislação específica acerca da matéria.

A partir do raciocínio supramencionado, observa-se que, caso o procedimento de reprodução assistida tenha êxito, a criança concebida obrigatoriamente deverá ter os mesmos direitos que todos os demais herdeiros, não apenas no tangente aos direitos sucessórios, mas também o direito ao carinho, da correta formação de valores, da educação, da nutrição, da saúde, dentre outros.

 Diante das lacunas legislativas, a solução para a problemática trazida reside atualmente nos meios processuais de habilitação a solução encontrada por aqueles que estejam na situação do presente estudo, ou seja, o filho concebido, após a morte de seu pai, por meio de inseminação artificial, para que tenha reconhecido o direito de vocação hereditária, deve se sujeitar à propositura tempestiva da ação de petição de herança em até dez anos após ter declarada sua condição de filho.

Por fim, o presente artigo ressalta que, apesar de o direito pátrio não acompanhar os avanços da ciência médica, é inaceitável excluir quaisquer classes minoritárias, notadamente os filhos concebidos por inseminação artificial post mortem, ao passo que os direitos sucessórios são naturamente concedidos aos demais filhos, sejam biológicos, civis ou socioafetivos utilizando-se, dentre outros, o Princípio, constitucionalmente estabelecido da Igualdade entre os filhos, por analogia (art. 227, § 6º, da Constituição da República), o qual dispõe:

Art. 227  É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”).  

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Leia mais: http://jus.com.br/artigos/21747/reproducao-assistida-postmortem-e-seus-aspectos-sucessorios/2#ixzz3MHGHPTFn

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http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos 2009_2/daniela_fonseca.pdf

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A dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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Sobre o autor
Mateus Valério

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (2015) e Pós- Graduação Lato Sensu em Direito Civil e Processo Civil (2017). Professor de turmas de pós graduação na Universidade Nilton Lins. Advogado com experiência nas áreas trabalhista e cível. Servidor público da Universidade Federal do Amazonas, exercendo suas atividades na Assessoria Técnico- Legal da Pró- Reitoria de Administração e Finanças da UFAM.

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