I - INTRODUÇÃO
No exercício da profissão, deparei-me algumas vezes com ações individuais e coletivas cujos pedidos buscavam fazer com que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS passasse a reajustar o benefício previdenciário com índices que não o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC (sobretudo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA), em contrariedade com as disposições legais sobre o tema.
Aos que não estão de todo habituados com a legislação previdenciária, isso ocorre porque o art. 41-A da Lei 8.213/1991 estipula o Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC como índice para o reajustamento dos benefícios previdenciário, conforme se pode ver de sua redação:
Lei 8.213/1991
Art. 41-A. O valor dos benefícios em manutenção será reajustado, anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Em outras situações, não se questiona o reajuste do valor do benefício previdenciário, mas a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, no lugar do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA ou de outro índice, para a correção monetária dos valores a serem pagos em atraso, ou seja, dos valores a serem pagos às partes e aos advogados em virtude da obrigação de pagar pretérita pelo tempo decorrido sem o devido pagamento do benefício.
Na quase totalidade dessas demandas, o argumento central que se desenha é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC não recomporia devidamente o valor real de compra dos benefícios previdenciários, sendo, por isso, inconstitucional.
A despeito dos Tribunais Superiores já terem sinalizado que o argumento de recomposição real não deve receber guarida, ainda mais quando busquem afastar os índices legais, bem assim das questões relativas à possibilidade de ação coletiva buscar o afastamento de dispositivo legal, há algo que precisa ser descortinado: qual a razão teleológica para aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC para esse tipo de reajuste/correção? Há diferença conceitual, metodológica e prática entre esse índice e outros índices, especialmente o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA (que mede a inflação)?
Essas indagações merecem ser respondidas, não somente num contexto jurídico, mas igualmente prático e econômico, para que possamos melhor adequar nossas condutas e pretensões à realidade.
Este artigo busca sobretudo fazer uma análise jurídico-econômica, bem como teleológica, do INPC e de sua aplicação para o reajustamento dos benefícios previdenciários, a fim de aferir se existe diferença considerável a justificar eventual proveito de uma pretensão direcionada a atacar esse índice de correção.
II – POR QUE O INPC REAJUSTA E CORRIGE OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS?
Como visto, pelo art. 41-A da Lei 8.213/1991, os benefícios previdenciários em manutenção pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS devem ser reajustados na mesma data que o salário mínimo com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor, nominado daqui em diante somente de INPC.
Em sua essência, o INPC é um índice calculado pelo IBGE que leva em consideração o aumento médio dos preços dos bens e serviços ao consumidor em dado período, sobretudo para as famílias de até 5 (cinco) salários-mínimos, o que corresponde a mais de 80% (oitenta por cento) de todas as famílias brasileiras[1].
Em seu cálculo, o INPC leve em consideração os fatores alimentação, transportes, habitação, saúde, despesas pessoais, vestuários, comunicação, artigos de residência e educação, em diferentes pesos, vide os seguintes parâmetros:
Fonte: http://www.portalbrasil.net/inpc.htm
Nesses moldes, deve-se averiguar que o INPC, em verdade e diferente do que por vezes se aduz, é um índice que leva se embasa em um conjunto de elementos de consumo, cujas despesas das famílias brasileiras em grande parte se destinam. Com efeito, mostra-se, ante ao seu amplo espectro, confiável para a averiguação da variação dos preços dos bens e serviços para a grande maioria da população brasileira.
Afinal, o INPC é calculado com base na despesa média do brasileiro que recebem até 05 (cinco) salários mínimos, ou seja, até aproximadamente R$ 4.990,00 (quatro mil, novecentos e noventa reais) em 2019, lembrando que mais de 80% (oitenta por cento) das famílias brasileiras estão na faixa de percepção de até 1.400,00 (mil e quatrocentos) reais.
Por sua vez, a grande maioria dos benefícios previdenciários também estão dentro dessa composição. Vejamos alguns dados:
a) Em torno de 70% (setenta por cento) dos segurados do INSS recebem valores de um salário-mínimo e 83% (oitenta e três por cento) recebe até 02 (dois) salários mínimos[2];
b) O teto do INSS em 2019 é de R$ 5.839,45 (cinco mil, oitocentos e trinta e nove reais e trinta e cinco centavos), sendo poucos os segurados que a ele fazem jus.
Assim, considerando a metodologia do INPC e o valor médio e máximo dos benefícios previdenciários, há de se concluir que o índice atende perfeitamente à atualização dos valores referentes aos benefícios administrados pelo INSS e, sendo assim, a realidade da enorme maioria dos segurados da Previdência Social.
Portanto, numa visão estática, considerando-se apenas o INPC, percebe-se que, pelas suas características metodológicas e de aferição, ele é adequado ao reajuste/correção dos benefícios previdenciários. Isso porque é calculado levando em conta a faixa salarial que compreende a enorme maioria dos benefícios.
Ademais, para além disso, também é interessante a realização de uma análise comparativa.
Ainda que considerássemos outros índices semelhantes a apurar a inflação do período, perceberíamos que existe uma grande similaridade percentual deles com o INPC. Veja-se, por exemplo, a comparação do IPCA, que mede a variação inflacionária com base no custo médio das famílias que percebem de 01 a 40 (um a quarenta) salários mínimos, com o INPC, nos últimos 04 (quatro) anos e depois nos últimos 23 (vinte e três) anos:
Fonte: http://www.debit.com.br
Perceba que o crescimento é basicamente idêntico, de modo que as duas linhas mal se distinguem, com períodos em que o INPC é maior que o IPCA (como de julho a setembro de 2016), e outros que o IPCA é maior que o INPC (como os meses de janeiro a março de 2017). No acumulado, de janeiro de 2014 até novembro de 2018, o IPCA foi de 33,48%, enquanto o INPC foi de 32,82%. Ou seja, patamares basicamente idênticos.
Ainda que considerássemos períodos maiores, ambos possuem deslocamentos muito semelhantes. Veja-se os últimos 23 (vinte e três) anos:
Fonte: IBGE
Em todo o período que os índices existiram, o IPCA teve uma variação média anual de 7,0% enquanto o INPC de 7,1%.
Mesmo outros índices inflacionários possuem patamares muito semelhantes (veja-se a comparação de janeiro de 2014 a novembro de 2018) dos principais índices inflacionários acumulados, medidos por diferentes institutos:
Índice Inflacionário |
Acumulado (2014/2018) |
IPCA |
33,48% |
IGP-M |
32,85% |
INPC |
32,82% |
IGP-DI |
31,85% |
IPC |
31,05% |
Em suma, o INPC, além do índice inflacionário estatuído em lei, é o mais adequado para a atualização dos benefícios previdenciários, porque: 1) é o índice que melhor detecta a variação de preço quando se auferi de 01 a 05 (um a cinco) salários mínimos, o que é o caso da quase totalidade dos segurados da Previdência Social; 2) os dois índices mais utilizados (IPCA e INPC) possuem uma evolução quase idêntica na linha do tempo; 3) mesmo se levássemos em consideração uma gama maior de índices inflacionários, não propriamente adequados a realidade previdenciária, o INPC possui maior ou ao menos igual possibilidade de correção dos benefícios.
Por essa razão, a adoção do INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor pelo art. 41-A da Lei 8.213/1991, para além de qualquer discussão jurídica, é fática, lógica e matematicamente correta. Isso porque representa a correção precisa da inflação para a imensa maioria dos benefícios previdenciários, segundo a sistemática adotada pelo IBGE para o cálculo da inflação brasileira nessa faixa de remuneração.