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Maus antecedentes: conceito

24/07/2019 às 09:50
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Geralmente falando, os maus antecedentes são os fatos concretos da vida pregressa do acusado, reveladores de hostilidade franca ou militante incompatibilidade em relação à ordem jurídico-social.

I – Crime e Castigo

Ao conhecer da causa-crime e proferir decisão condenatória, o juiz, para fixar ao réu sua pena, atenderá ao ponto dos antecedentes. É a dicção do art. 59 do Código Penal.

Que coisa, porém, à face da Justiça Criminal, é isto dos antecedentes?

Os mais dos autores têm para si (e o mesmo étimo está a persuadi-lo) que antecedentes significam os fatos pretéritos da vida de alguém.

Não só os fatos anteriores bons, também os maus (sobretudo estes, pois que irão agravar a sorte do condenado) caem na conta do julgador. Destarte, importa saber o que se entende, para os efeitos da lei penal, por maus antecedentes. Geralmente falando, são os fatos concretos do currículo da vida pregressa do acusado, reveladores “de uma hostilidade franca, ou militante incompatibilidade em relação à ordem jurídico-social”[1].


II – Maus Antecedentes. Lição da Doutrina

Nem todo fato antissocial, entretanto, há de ser averbado de mau antecedente, só o que for a “expressão de uma personalidade predisposta para o crime”[2]. Esta, a razão por que nossos Tribunais, seja por advertirem na conveniência de se oporem temperamentos à repressão das “infrações penais de menor potencial ofensivo”[3], seja por lhes parecer que, avaliando com extremos de rigor as ações humanas, antes estariam servindo à iniquidade que à Justiça, têm ultimamente expungido o caráter de maus antecedentes a certos episódios e acontecimentos da vida pretérita do indivíduo.

Demonstram-no julgados sem conto, que o saudoso penalista Celso Delmanto e seu diligente irmão Roberto deram a lume em livro prestantíssimo[4]. “Exempli gratia”: mercê do estado de inocência do réu, princípio que nossa Carta Magna recebeu como garantia fundamental[5], a increpação de portador de maus antecedentes já não pode prevalecer contra aquele que, por desventura, tenha processo ou inquérito policial em andamento. Com maioria de razão, se absolvido, ou arquivado o inquérito.


III – Jurisprudência. Aresto Memorável

Tal liberalidade no conceituar maus antecedentes, no entanto, chegou a mais. Deveras, ainda que anteriormente condenado, não se reputa de maus antecedentes o réu se decorrido o quinquênio depurador (art. 64, nº II, do Cód. Penal). É que, segundo ponderou em memorável julgamento o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, “o estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo”[6].

Fora injúria grande aos preceitos lógicos, em verdade, não desaparecessem com a reincidência também os maus antecedentes que a pressupunham (“sublata causa, tollitur effectus”). Volvidos cinco anos, a condenação anterior já não opera o efeito da reincidência; esta desaparece, e com ela os maus antecedentes.

Tal doutrina, conquanto se afigure demasiado generosa para com o infrator, não discrepa todavia do sistema filosófico sob cuja inspiração o legislador da parte geral do Código criou as circunstâncias atenuantes inominadas (art. 66), como a lembrar a todos os que julgam que o réu, não podendo ser um relicário de virtudes, nem por isso houvera de ser um filho bastardo de Belzebu.


Notas

[1] Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1951, vol. III, p. 83.

[2] José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. III, p. 74.

[3] Art. 98, nº I, da Constituição Federal. Faz muito ao caso o erudito artigo doutrinário de Luiz Flávio Gomes, tirado à luz na Revista Brasileira de Ciências Criminais (número especial de lançamento, pp. 88 a 109) sob o título: Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela.

[4] Código Penal Comentado, 3a. ed., p. 92.

[5] “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, nº LVII).

[6] Tem esta substância a ementa oficial do venerando aresto: “O art. 64, nº I, do Cód. Penal determina que, para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior houver decorrido período superior a 5 (cinco) anos. O dispositivo se harmoniza com o Direito Penal e Criminologia modernos. O estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo. Transcorrido o tempo referido, sem outro delito, evidencia-se ausência de periculosidade, denotando, em princípio, criminalidade ocasional. O condenado quita sua obrigação com a justiça penal. A conclusão é válida também para os antecedentes. Seria ilógico afastar expressamente a agravante e persistir genericamente para recrudescer a sanção aplicada” (STJ; RHC nº 2.227-2/MG; 6a. Turma; rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; j. 18.12.92; m.v.; DJU 29.3.93, p. 5.267).

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Maus antecedentes: conceito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5866, 24 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75431. Acesso em: 21 nov. 2024.

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