Capa da publicação Deep fake e proteção à imagem
Capa: Bruno Sartori

O deep fake e a legislação brasileira.

Utilização de instrumentos legais para a proteção à imagem

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O Deep Fake é a edição de vídeos e vozes criadas por aplicativos com Inteligência Artificial para trocar o rosto de pessoas e sincronizar movimentos labiais.

Resumo: Este artigo tem por objetivo tecer considerações acerca do significado de ‘Deep Fake’, consequentemente os limites da liberdade de expressão e à aplicabilidade da legislação brasileira, em especial, a Lei Federal n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). A metodologia adotada na investigação torna possível classificar a presente pesquisa, quanto aos meios, como sendo bibliográfica e quanto aos seus fins, trata-se de uma pesquisa exploratória.


INTRODUÇÃO

O ‘Deep Fake’ é uma expressão em inglês que significa uma ferramenta virtual de edição de vídeos e vozes criadas por aplicativos. As Startups, como são chamadas as empresas do ramo de tecnologia, utilizam-se de ferramentas da Inteligência Artificial em seus ‘apps’ para trocar o rosto de pessoas em vídeos, com direito à sincronização de movimentos sonoros e labiais, expressões e tudo o mais, em alguns casos com resultados impressionantes e bem convincentes.

A partir do desenvolvimento desta tecnologia, naturalmente, passou-se a utilizar essa inovação tecnológica para a prática de fatos moralmente reprováveis, tais como pornografia, falsidades ideológicas e principalmente ofensa ao direito à imagem.

O ‘Deep Fake’ é uma recente inovação tecnológica, razão pela qual, não existe legislação específica para tutelá-lo. Não obstante, há alguns anos, já existe uma legislação que combate os crimes praticados na rede mundial de computadores.

Podemos exemplificar:

a) A Convenção de Budapeste;

b) Lei Federal n.º 12.735/2012 (Lei Azeredo);

c) Lei Federal n.º 12.737/2012 ( Lei Carolina Dieckmann);

d) Lei Federal n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet);

e) Lei Federal n.º 13.718/2018 oriunda do Projeto de Lei n.º 5.555/2013;

f) Lei Federal n.º 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais que regulamenta os direitos dos titulares dos dados pessoais, as obrigações dos agentes de tratamento de dados, responsabilidade civil destes por violação das regras sobre proteção de dados pessoais, bem como outras sanções administrativas que podem ser aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Esta última lei foi alterada parcialmente pela Lei Federal n.º 13.853/2019.

Todas essas normativas estão implicitamente conectadas ao direito de imagem, cuja previsão legal está no artigo 5º, X e XXVIII CF 88 e nos artigos 11 e ss c/c artigo 186 do Código Civil Brasileiro.


1. “DEEP FAKE’

O avanço da tecnologia e a inteligência artificial não estão apenas criando fotos, vozes e vídeos falsos. Mas estão revolucionando o que se chamava de realidade virtual. A perfeição das reproduções, em tempos de era digital, trazem uma falsa percepção do que é realmente verdadeiro ou falso. A diferença quase imperceptível do que venha ser realidade e/o ficção.

Deepfakes são, essencialmente, identidades falsas criadas com o deep learning (aprendizagem profunda por meio de uso maciço de dados), aplicado a uma técnica de síntese de imagem humana baseada na inteligência artificial. É usada para combinar e sobrepor imagens e vídeos preexistentes e transformá-los em imagens ou vídeos “originais”, utilizando a tecnologia de GAN (Generative Adversarial Network, ou rede geradora antagônica).

Não muitos anos atrás, ao assistirmos seriados na TV ou no cinema como ‘Guerra nas Estrelas” e outros do gênero, achávamos que as projeções holográficas era algo inimaginável, pertencente a outra galáxia. Hoje, esta realidade existe, todos os dias a vivenciamos nos nossos tablets, smartphones e computadores pessoais.

A tecnologia invadiu nossos lares e trabalhos. O Deep Fake pode afetar a qualquer um de nós, pessoas públicas ou as mais reservadas. O mundo digital evoluiu tanto que só se faz necessário alguns minutos até que se simule fatos, vozes e imagens, colocando pessoas em situação de constrangimento virtual. A ferramenta pode ser utilizada para se criar álibis, depoimentos, convencimento político e/ou pessoal. Tudo é possível a depender da criatividade do editor e de quantos vídeos existem na internet a fim de serem modificados.

Um exemplo clássico de que a “Deep Fake” está em nossas vidas é quando assistimos um magazine eletrônico dominical exibido por uma grande emissora de TV aberta, no qual em um de seus quadros, se simulam vozes e imagens a título de humorizar momentos marcantes do jornalismo semanal. Neste programa, utilizam-se personagens que fizeram ‘fatos e versões’ ao longo da semana. Esta ferramenta tecnológica nada mais do que a expressão prática do que venha ser esta nova inovação digital.

É evidente que tamanha inovação causaria o descontentamento de certos setores da sociedade, tais como a indústria do entretenimento, fonográfica, editorial e a tutela dos direitos autorais e principalmente a tutela dos direitos da imagem.

Neste contexto, passaremos a discorrer acerca destes temas.


2. LEGISLAÇÃO PERTINENTE

Antes da particularização acerca dos principais pontos trazidos pelo Marco Civil da Internet se faz necessária traçar um breve histórico da legislação que antecipou e sucedeu o marco regulatório da internet no Brasil no concerne à regulamentação do ‘deep fake’.

2.1 CONVENÇÃO DE BUDAPESTE

A Convenção sobre o Cibercrime1, também conhecida como Convenção de Budapeste, é um tratado internacional de direito penal e direito processual penal firmado no âmbito do Conselho da Europa para definir de forma harmônica os crimes praticados por meio da Internet e as formas de persecução. Basicamente, discutiu-se violações de direito autoral, fraudes relacionados a computador, pornografia infantil e violações de segurança de redes. A convenção e sua minuta relatório explicativos foram adotados pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa na 109ª Sessão de 08 de novembro de 20012.

Entrou em vigor em 01 de julho de 2004. Até de 2 de setembro de 2006, 15 Estados haviam assinado, ratificado ou aderido à Convenção, enquanto mais 28 Estados a assinaram, mas não a ratificaram.

Atualmente, integram a Convenção de Budapeste, além dos países da União Europeia, outros que estão fora do bloco, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão. Alguns países latinoamericanos aderiram recentemente, como Argentina, Paraguai, Chile, Costa Rica e República Dominicana. A Colômbia está em processo de adesão. Entre os latinos, Chile, Argentina, Panamá e Costa Rica estão dentro. Colômbia e México estão fora como o Brasil.

Vale lembrar que o Brasil não é signatário da Convenção de Budapeste pela tradição diplomática de não aderir a acordos sobre os quais não foi sequer convidado a discutir os termos. Elaborado pelo Conselho da Europa, tem forte foco em direito autoral e originalmente reuniu a União Europeia e outros países ricos como EUA, Canadá, Japão e Austrália, mas também a África do Sul.

Insta observar que até o junho de 2019, O Brasil ainda não é signatário da Convenção de Budapeste, mas o Ministério Público Federal apoia a adesão do país, ainda em 20183, enviou ao Ministério das Relações Exteriores ofício no qual defende a adesão do Brasil à Convenção. O assunto também foi tratado em reuniões no Departamento de Assuntos de Defesa e Segurança do MRE”, revela o MPF, em nota.

Há de se enfatizar que a ausência de legislação eficiente sobre crimes cibernéticos, implica na cooperação internacional pouco eficiente, falta de estrutura pericial das polícias em todos os estados e de capacitação insuficiente dos órgãos de persecução penal (Ministério Público e Polícia).

2.2 LEI FEDERAL N.º 12.735/2012 (LEI AZEREDO)

Trata-se do projeto de Lei nº 84/1999, no qual houve a propositura de criminalização da conduta de destruição de dados eletrônicos de terceiros, o acesso e obtenção de informações em sistemas restritos sem autorização e a transferência não autorizada de dados ou informações particulares se tornariam crime, passíveis de prisão e multa.

A Lei foi aprovada em 2012 trouxe como inovação prática no que concerne ao preparo das Polícias Judiciárias para o combate dos crimes digitais (estímulo da criação de delegacias de crimes digitais). Esta lei por vezes, é rediscutida no Congresso Nacional, pois em sua propositura inicial previa várias condutas incriminadoras a fim de tipificar crimes digitais, que foram decotadas do texto e hoje carecem de regulamentação legal.

2.3 LEI FEDERAL N.º 12.737/2012 – LEI CAROLINA DIECKMANN

A nova lei ganhou notoriedade porque, antes mesmo de publicada e sancionada, já havia recebido o nome de “Lei Carolina Dieckmann”. Tal apelido se deu em razão da repercussão do caso no qual a atriz teve seu computador invadido e seus arquivos pessoais subtraídos, inclusive com a publicação de fotos íntimas que rapidamente se espalharam pela internet através das redes sociais.

A atriz vitimada então abraçou a causa e acabou cedendo seu nome que agora está vinculado à nova lei.

Referida lei, pela primeira vez no direito brasileiro, dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, permitindo a responsabilização penal dos infratores, vez que até então o Código Penal não possuía artigos que tratassem especificamente de crimes eletrônicos.

A principal inovação é que foram acrescentados ao Código Penal, por meio da lei em questão, os artigos 154-A e 154-B, e foram alterados os artigos 266 e 298.

O artigo 154-A tipifica o crime de invasão de dispositivo informático, seja este conectado ou não à rede de computadores, através de violação de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular do dispositivo.

A pena prevista para a conduta trazida no caput, bem como para quem comercializa dispositivo ou programa cuja finalidade seja permitir a prática de referida conduta, é de 3 meses a 1 ano de detenção e multa. Ademais, se da invasão resultar prejuízo econômico a pena pode ser aumentada de 1/6 a 1/3.

No caso de invasão para obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais ou informações sigilosas a pena é mais grave: de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa, isso caso a conduta não constitua crime mais grave.

A lei prevê também outras causas específicas de aumento de pena, como, por exemplo, se o crime for praticado com presidente da República, governadores, prefeitos, entre outros previstos no rol taxativo do parágrafo 5º.

O artigo 154-B estabelece que a Ação Penal para as condutas trazidas pelo artigo anterior somente se procede mediante representação do ofendido, qual seja, daquele que teve seu dispositivo violado, salvo se o crime for cometido contra a administração direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, estados, Distrito Federal ou municípios ou ainda contra empresas concessionárias de serviços públicos. Nesses casos específicos a Ação Penal será pública incondicionada.

Ao artigo 266 do Código Penal foram acrescentados dois parágrafos, o primeiro para acrescentar ao tipo penal já existente a interrupção de serviço telemático ou informação de utilidade pública e o segundo prevendo a aplicação de pena em dobro se o crime for cometido por ocasião de calamidade pública.

A última alteração trazida pela lei que passa a vigorar é a inserção do parágrafo único no artigo 298 do Código Penal, que equipara a documento particular o cartão de crédito ou débito para fins de tipificação do crime de falsificação de documento particular. Como se denota a regulamentação legal ficou bem inferior com a velocidade das inovações tecnológicas.

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2.4 LEI FEDERAL N.º 12.965/2014 (MARCO CIVIL DA INTERNET)

O Marco Civil da Internet, oficialmente chamado de Lei n° 12.965/2014, é a lei que regula o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado.

O projeto surgiu em 2009 e foi aprovado na Câmara dos Deputados em 25 de março de 2014 e no Senado Federal em 23 de abril de 2014, sendo sancionado logo depois pela então presidenta do país.

A Lei 12.965/144 conta com trinta e dois artigos, divididos em cinco capítulos: Disposições preliminares; Dos direitos e garantias dos usuários; Da provisão de conexão e aplicações da Internet; Da atuação do poder público; e Disposições Finais.

Destacaremos os principais pontos concernentes a este artigo, in verbis:

CAPÍTULO I-DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:

I – o reconhecimento da escala mundial da rede;

II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;

III – a pluralidade e a diversidade;

IV – a abertura e a colaboração;

V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

VI – a finalidade social da rede.

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II – proteção da privacidade;

(...)

VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

(...)

CAPÍTULO II-DOS DIREITOS E GARANTIAS DOS USUÁRIOS

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

(...)

Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que:

I – impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou

II – em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil.

(...)

Seção III-Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.

Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento à indisponibilização.

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

(...)

Art. 30. A defesa dos interesses e dos direitos estabelecidos nesta Lei poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma da lei.

Art. 31. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.

Art. 32. Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 23 de abril de 2014; 193º da Independência e 126º da República.

Destarte observar que até a edição do Marco Civil da Internet, já existiam no Brasil, garantias e limitações sobre o tema previstos na Constituição Federal, no Código Civil Brasileiro, no Código de Defesa do Consumidor e no Decreto nº 7.962/13, que normatiza as contratações no comércio eletrônico, dispondo sobre garantias do consumidor, contratos relativos a negociações via internet e outros assuntos, porém a Lei n.º 12.965/14 veio suprimir uma lacuna existente, na ordem jurídica nacional, regulamentando o uso de uma poderosa ferramenta de interação e comunicação, fomentando a criação de novas tecnologias e protegendo o usuário e o provedor através de fundamentos norteadores, princípios gerais e objetivos.

Esta lei trouxe um rol extenso de direitos e garantias dos usuários, além de definições próprias dos Sistemas de Informações.

Vê-se que acima destacamos ao longo do texto legal, diversos trechos que remetem à proteção do direito a imagem e a personalidade, inclusive assinalando que os Juizados Especiais seriam a via competente para o julgamento das causas postas em discussão. Mas infelizmente, surge um problema que não foi previsto expressamente pela Lei, ou seja, o “Deep Fake”. Na época da edição da Lei, em 2014, sequer, esta ferramenta de inteligência artificial, havia sido concebida. Dai o intuito deste artigo, em questionar a tutela do direito à imagem judicialmente.

A omissão legislativa foi parcialmente suprimida a partir da edição das Leis Federais n.º 13.709 e 13.718, respectivamente de 2018, abaixo pormenorizadas.

2.5 LEIS FEDERAIS N.º 13.709/2018 E 13.718/2018

Com a necessidade de se inserir na globalização e os avanços tecnológicos, em 14 de agosto de 2018 o Brasil promulgou a lei federal nº 13.709, que dispõe sobre a proteção e o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, pelas empresas públicas ou privadas, entes públicos e pessoas físicas.

O destaque desta lei é a criação dos chamados dados pessoais sensíveis, merecedores de uma maior proteção por aqueles que o colhe, armazena, trata e exclui, consistentes na convicção religiosa, política, filosófica, opção sexual, origem racial, étnica, dados relativos a saúde, a vida, dado genético ou biomédico, bem como, a filiação a sindicatos. Os dados podem ser tanto as informações que geram a identificação do indivíduo, quanto aqueles que, se cruzados com outros dados, possam lhe tornar identificável. Ainda que os dados sejam de um titular anônimo será considerado dado para os fins desta lei.

A nova lei exige proteção a estes dados, bem como, o consentimento do titular, a informação quanto a finalidade da exigência de tais dados, entre diversas outras coisas, sob pena de responsabilização civil, criminal e administrativa que pode chegar até 2% (dois) por cento do faturamento, limitada a R$ 50.000,000,00 (cinquenta milhões de reais), por infração.

A lei federal n.ª 13.718/2018 promulgada dia 25 de setembro de 2018 introduziu diversas modificações na seara dos crimes contra a dignidade sexual. Sua ementa "Tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro; altera para pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a dignidade sexual; estabelece causas de aumento de pena para esses crimes; cria causa de aumento de pena referente ao estupro coletivo e corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais)."

Em resumo, inseriu-se no Código Penal: a) o art. 215-A, que tipifica a importunação sexual; b) o art. 218-C, que trata da divulgação de cena de estupro e de estupro de vulnerável, e de sexo ou pornografia sem autorização dos envolvidos; c) o §5º no art. 217-A para tornar expresso na lei o fato de que o consentimento e a experiência sexual do vulnerável são irrelevantes para a caracterização do crime; d) o inciso IV no art. 226 para aumentar de um a dois terços a pena das formas de estupro coletiva e corretiva.

Além disso, foram modificadas as redações dos artigos 225 e 234-A. No art. 225, a nova regra atinge a natureza da ação penal, que nos crimes contra a dignidade sexual passa a ser pública incondicionada. E, no art. 234-A, causas de aumento de pena foram reajustadas e ampliadas.

Destaca-se que parte da doutrina, especialmente, os garantistas afirmam que tais inovações legislativas não poderiam ser aplicadas, eis que não há previsão expressa sobre o tipo penal ‘Deep Fake’, o que poderia causar analogia im mala parte, que é vedada pelo direito penal.

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Sobre o autor
Paulo Alexandre R. de Siqueira

Promotor de Justiça - Assessor Especial Jurídico do Procurador-Geral de Justiça do Tocantins cumulativamente como Membro do Grupo de Atuação Especial em Combate ao Crime Organizado (Gaeco) -Ex- Membro do Grupo Especial do Controle Externo da Atividade Policial - GECEP - MPTO. Ex- Coordenador Interino do Centro de Apoio Operacional do Consumidor - Ex- Membro do Grupo Nacional dos Direitos Humanos - órgão auxiliar do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça (CNPG). Recentemente eleito e indicado na lista triplíce do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores Gerais) para a vaga de Conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e membro do Grupo Nacional de Acompanhamento Legislativo e Processual(GNLP) e Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC); Graduado pela Faculdade de Direito da UFG- Turma 2000.Pós-graduado em Direito Penal e em Direito Público pela Fesurv/GO. Pós-Graduando em Direito Constitucional UFT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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