Algumas anotações sobre o dever de reparar e da liquidação da obrigação

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25/07/2019 às 11:44

Resumo:


  • A responsabilidade civil resulta na obrigação de reparar o dano, que pode abranger tanto danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) quanto imateriais.

  • A indenização por ato ilícito inclui casos especiais como homicídio, lesão corporal e esbulho, com regras específicas para a liquidação do dano.

  • Em situações de responsabilidade civil, pode-se exigir a constituição de capital ou caução para garantir o pagamento de pensões, conforme previsto pela Súmula 313 do STF e pelo Código Civil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo descreve a discussão sobre a responsabilidade civil e o dever de reparar, discutindo ainda a temática da liquidação da sentença.

I – A OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

Sabe-se que o efeito da responsabilidade civil é o dever de reparar. O responsável, por fato próprio ou não, é obrigado a restabelecer o equilíbrio rompido, indenizando o que a vítima efetivamente perdeu (danos emergentes), como o que razoavelmente deixou de ganhar, além de atender às regras específicas relativas à liquidação das obrigações por ato ilícito, em que se preveem casos especiais de homicídio, lesão corporal, mutilação, esbulho etc.

Para atribuir a responsabilidade a alguém é preciso verificar se há nexo causal, ou seja, se a conduta praticada pelo agente infrator está relacionada com o dano que a vítima sofreu, se a resposta for sim, logo o agente causador responde pelo dano que causou à vítima, tendo que indenizar a vítima reparando seu erro, seja o dano de ordem material ou imaterial.

A obrigação de indenizar, a teor do que se lê nos artigos 186 e 927 do Código Civil, é a consequência do ato ilícito, traçado nos artigos 944 a 954 do Código Civil.

Sabe-se que o Código Civil de 2002 ao prever as hipóteses de responsabilidade civil por atos ilícitos, consagrou a teoria objetiva em vários momentos, como se lê dos artigos 927, parágrafo único, 929, 931, 933, 938, substituindo a culpa pela ideia de risco-proveito

A lei obriga o autor do ato ilícito, que comete o dano ao direito de outrem, visto numa relação de causalidade entre este e o comportamento do agente, a se responsabilizar pelo prejuízo que causou indenizando-o. Entretanto, admitem-se casos em que há responsabilidade por ato de terceiro, sendo que essa responsabilidade indireta se caracteriza mesmo que não haja prova da concorrência de culpa do responsável e do agente para o evento danoso. Assim, pouco importa a culpa do patrão, por ato de seu empregado, se o escolheu mal (culpa in elegendo) ou se não o vigiou de modo devido (culpa in vigilando). Para que a vítima do dano causado pelo empregado possa incluir o empregador na lide, não terá de provar a culpa do agente direto do dano, nem a concorrência da culpa do patrão, que o escolheu mal ou não o vigiou.

Observe-se o que preceitua a Súmula 341 do STF:

É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.

 Ausência de responsabilidade civil da empregadora por ato doloso praticado por seu empregado, por razões estritamente pessoais (...) o acórdão que nega a responsabilidade civil do empregador, por homicídio praticado por seu empregado (vigilante), por razões pessoais e estranhas ao serviço,  não entra em manifesta divergência com a Súmula 341 do STF. Nesse sentido, a 1ª Turma, no julgamento do RE 106.664/RJ, Rel. Ministro Sydney Sanches, decidiu: "EMENTA  - Súmula 341 do STF. Não entra em manifesta divergência com a súmula 341 do STF acórdão que nega responsabilidade civil da empregadora, por ato doloso (homicídio) praticado por seu empregado (vigia), por razões estritamente pessoais, estranhas ao serviço, contra vizinho do estabelecimento. RE não conhecido, quanto à alegação de negativa de vigência dos artigos 159, 1521, III, 1522 e 1524 do C. Civil, e de dissídio com julgados, face ao óbice regimental do valor da causa (art. 325, VIII, do RISTF, c/ a redação anterior a ER n. 2/85). Nem por manifesta divergência com a súmula, porque não configurada, na espécie."Isso posto, nego seguimento ao recurso (Código de Processo Civil, art. 557, caput).
[RE 601.811, rel. min. Ricardo Lewandowski, dec. monocrática, j. 30-9-2009, DJE 195 de 16-10-2009.]

Na década de 40 do século anterior, surgiram na Corte Suprema dois magistrados que tiveram importante papel no desenvolvimento desse entendimento: Orozimbo Nonato e Filadelfo Azevedo.

O ministro Filadelfo Azevedo, ao criticar a ancianidade do Código Civil de 1916, na redação dada ao artigo 1.521, III, apontou o caminho para se considerar presumida a culpa do patrão, em vista do risco assumido na empresa(RE 5.427, RT 93/287.

O ministro Gonçalves de Oliveira entendeu que a presunção de culpa dos preponentes por atos dos prepostos, que para aqueles trabalham, é iuris et de iure, ao contrário do que se dá em relação à presunção de responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos(CC, artigo 1.521 do CC de 1916), e daqueles que auferem proveito dos atos dos representados, como tutores e curadores(RF 92/385).

A matéria hoje está delineada no artigo 932 do Código Civil de 2002, onde se diz:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Ainda a propósito, aplicam-se os artigos 934, 927 e 928:

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.


II – A DISCUSSÃO SOBRE A LIQUIDAÇÃO DO DANO

Passo a discussão sobre a liquidação do dano.

Seja por título judicial ou extrajudicial, todo devedor tem, por efeito da obrigação, de pagar o devido. Se se trata de coisa certa, cumpre-lhe efetuar a entrega. Se de quantia certa, solvê-la mediante o pagamento da soma devida.

Vem a indagação referente à liquidação das obrigações

A liquidação das obrigações ocorre se a res debita não é certa quanto à existência, e não é determinada no que concerne ao objeto.

Caio Mário da Silva Pereira(Responsabilidade civil, 1994, pág. 310), aduziu que a primeira regra, é que o devedor tem que solver o obrigado em espécie. Tem de cumprir a obrigação especificamente, mediante a entrega de uma coisa, ou a prestação de um fato ou o desfazimento do que a que se deveria abster. O problema da reparação do dano em espécie leva a consideração de alguns pressupostos significativos. Nas obrigações de dar, o agente pode ser condenado à entrega da própria coisa, ou outra idêntica. Se anui, cumpre a sentença com a sua traditio. Se discorda, pode ser imposta, em princípio, na responsabilidade contratual. Na aquiliana(extracontratual), depende das circunstâncias de cada caso.

Mas a reparação em espécie nem sempre é possível.

Em certos casos, como lembrou Caio Mário da Silva Pereira, pode dar-se, como nas hipóteses lembradas por Yves Chartier como por Philippe Malaurie: publicação da decisão condenatória, direito de resposta, difusão de desmentido pela televisão. Em se tratando de obrigatio dandi, o principio cardeal é o da identidade da coisa devida; o da obligatio faciendi é a prestação, positiva ou negativa, do próprio fato. Quando a obrigação consiste num facere e se impossibilita(não sendo fungível não pode ser realizada por outrem), e como de regra ninguém pode ser compelido coercitivamente à prestação de um fato precisamente

Observe-se que se o devedor não cumprir a obrigação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente, no lugar onde se execute a obrigação. Para as obrigações exequíveis no Brasil, a liquidação consiste na estimativa do quid debetur em uma soma expressa na moeda nacional.

Tendo a obrigação valor oficial no lugar do cumprimento, estabelece-se o quantitativo para a taxação na data do pagamento. Não sendo possível, tomar-se-á o meio termo do preço ou da taxa, entre a data do vencimento e a solutio, adicionando-se à importância encontrada os juros de mora.

 Os juros de mora são devidos a partir do vencimento de cada parcela em atraso, nos termos do art. 960 do CC.

Juros moratórios são os que, nas obrigações pecuniárias, compensam a mora, para ressarcir o credor do dano sofrido em razão da impontualidade do adimplemento. Bem por isso, sua disciplina legal está inexoravelmente ligada à própria configuração da mora. O Código Civil/2002, no artigo 395, prescreve expressamente a obrigação do devedor de responder não apenas pelos prejuízos que decorrem diretamente da mora, mas também pelos juros que dela advêm.

Confira-se o artigo 395 do CC:

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Nessa linha tem-se o artigo 396 do CC de 2002:

Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora. O dispositivo em questão se coaduna com a regra instituída pelo artigo 393, excluindo a responsabilidade do devedor por caso fortuito ou força maior.

No que concerne à configuração da mora a nossa legislação é bastante diversificada. Além dos casos específicos constantes de legislação esparsa, tem-se, como mais destacados, os seguintes dispositivos do Código Civil.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. A

Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster. O artigo 397 celebra distinção clássica entre a mora ex re (ou automática), que se constitui pelo simples inadimplemento, e mora ex persona , que depende de interpelação.

Mantendo a tradição do Código Civil de 1916, o diploma em vigor estabelece como regra geral, que a simples estipulação de prazo para o cumprimento da obrigação já dispensa, uma vez descumprido esse prazo, qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora.

Para que incida a regra da mora automática é necessário previsão contratual ou o concurso dos requisitos previstos no artigo 397, caput: dívida líquida, certa e que não tenha sido cumprida em seu termo.

A justificativa é óbvia: se o devedor acertou um prazo certo para cumprir a prestação e se não há dúvida quanto à expressão dessa prestação, não haverá também razão para se exigir que o credor o advirta quanto ao inadimplemento. Nesses casos, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine.

Nas obrigações de não-fazer e nas decorrentes de ato ilícito, a mora também é ex re, mas por outros fundamentos.

De acordo com os artigos 390 e 398 do Código Civil a mora estará automaticamente configurada a partir da prática do ato que era vedado ou da prática do ato ilícito, respectivamente. A orientação justifica-se na medida em que a ilicitude, nesses atos, segundo acepção genérica do termo, já é ou deveria ser do conhecimento do autor do ato no momento em que ele é praticado. Se, na hipótese anterior, o inadimplemento nascia com a negativa de prestação no prazo assinalado, aqui já se pode considerar o agente inadimplente desde que praticou o ato e não procedeu a sua reparação de forma imediata.

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Diversamente, nas obrigações em que o termo não vem previamente determinado, não há como imputar ao devedor qualquer espécie de sanção por não tê-la cumprido no prazo desejado pelo credor. Nesses casos será necessário que o credor atue para constituir o devedor em mora. O mesmo ocorre naquelas situações em que, sem prejuízo do perfil da obrigação, a lei exige a interpelação prévia.

Além dos casos em que essa interpelação se faz necessária em razão da própria natureza da obrigação (CC/2002, artigo 397, parágrafo único), a lei ainda a exige em muitos casos. Cite-se, por exemplo, o mútuo contraído no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação em que se exige, para fins de prosseguimento da execução hipotecária, a expedição de pelo menos duas notificações para constituir o devedor em mora (Súmula 199/STJ). Da mesma forma, o segurado não pode ser considerado em mora pelo simples atraso no pagamento do prêmio, para efeitos de rescisão do contrato, antes de interpelado pela seguradora (REsp 316552/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, DJ 12/04/2004).

Os juros moratórios, repita-se, são uma consequência da própria mora (CC, art. 395).

É preciso reconhecer que o termo inicial dos juros moratórios deve corresponder ao dia em que configurada a mora.

Diga-se que o termo inicial dos juros de mora está sujeito à natureza mesma da obrigação descumprida, mesmo porque, repita-se, o contrato não traz estipulação em sentido contrário.

Nesse sentido a lição de JUDITH MARTINS-COSTA (Comentários ao Novo Código Civil, Vol V, Tomo II. Coord. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, ed.: Forense. Rio de Janeiro, 2004, p. 374):

A orientação jurisprudencial que discerne, para fixação do termo a quo, entre o tipo de obrigação descumprida não deverá ser modificada: é que, desenhando o Código um sistema móvel de regras e princípios, há, conforme o caso, conexões intra-sistemáticas (entre regras do próprio Código), inter-sistemáticas (entre regras do Código e de outros corpos normativos, como a Constituição e o Código de defesa do Consumidor, por exemplo) e extra-sistemáticas (entre regras do Código e ordenamentos extranormativos, como a Ética, a Economia, a Bioética, etc).

Diz o enunciado 54 da Súmula do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual".

O artigo 405 do Código Civil, a seu turno, estabelece, como regra geral: "Contam-se os juros de mora desde a citação inicial". Combinando-se esses dois textos, conclui-se, em função do enquadramento do caso na binariedade segundo a qual os juros de mora devem fluir a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extra-contratual e a partir da citação nas hipóteses de responsabilidade contratual. Nesse sentido cite-se, por exemplo, as fórmulas enunciadas nas seguintes ementas: Civil. Recurso especial. Ação monitória. Cobrança de faturas relacionadas a débitos de cartão de crédito. Embargos à monitória acolhidos. Redução do valor exigido sob entendimento de que ocorrera rescisão contratual, com impossibilidade de exigência dos encargos moratórios contratuais durante o período de inadimplência. Necessidade, porém, de incidência de juros moratórios e correção monetária sobre a dívida em substituição aos encargos afastados. (...) - Quanto aos juros moratórios, porém, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que tal encargo incide apenas a partir da citação, em casos de responsabilidade contratual. Precedentes. (REsp 873632/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 09/09/2009); INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – PAGAMENTO EFETUADO EM ATRASO – TERMO DE JUROS LEGAIS – CITAÇÃO. 1. Os juros de mora decorrentes de inadimplemento contratual correm a partir da citação do réu, nos termos do art. 219 do CPC. Precedentes. (AgRg no REsp 1188970/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, DJe 28/06/2010).

O conceito de correção monetária é diverso do de dívida de valor e de juros de mora.

De algum tempo, como se lê de Paulo B. de Araújo Lima (A correção monetária sob a perspectiva jurídica, 1972, pág. 40), na vigência da Emenda Constitucional n. 1/69, já se entendia que o princípio da correção monetária parte da ideia de que nada escapa ao poder político do Estado no ato de manipular o instrumental monetário. No ato de impor o curso forçado do dinheiro, o Estado teria a mais absoluta discrição (ato político), de forma que o Estado poderia ou não corrigir a expressão monetária das relações jurídicas.

Por sua vez, a dívida de valor é conceituada como um direito subjetivo. O direito do respectivo credor de assegurar-se um poder de compra determinado ou uma situação patrimonial certa e imutável incapaz de ser alterada por flutuações econômicas.

Segundo ensinou Arnold Wald (Aplicação da teoria das dívidas de valor), “reconhece-se que ao lado das dívidas em dinheiro, existem outros débitos que não devem ser alcançados pela depreciação monetária, pois a moeda neles não é levada em conta como objeto da dívida, mas como medida de valor. São débitos que visam a assegurar ao credor um quid, ou seja, determinada situação patrimonial e não um quantum, um certo número de unidades monetárias”.

Tulio Ascarelli (Teoria sulla la moneta, páginas 65 e seguintes), depois de repassar o conceito de moeda através dos tempos e de asseverar que, a partir do Código de Napoleão, o princípio nominalista triunfou, até por imposição do capitalismo então florescente, esclarece que, não obstante o princípio geral, existem certas dívidas cujo objeto, excepcionalmente, não é o dinheiro, mas um valor patrimonial. Essas seriam as dívidas de valor em contraposição às pecuniárias.

Vem ainda a questão dos honorários advocatícios.

Os honorários contratuais são a remuneração advinda do contrato de prestação de serviços relacionados à atuação extrajudicial, envolvendo a assessoria, consultoria, o planejamento jurídico, que objetive a representação em juízo.

A questão de terem ou não natureza alimentar os honorários advocatícios já recebeu amplo enfrentamento pelo Col. Supremo Tribunal Federal, notadamente no RE 141.639/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j.un. 10.5.1996, DJ 13.12.1996, p. 50179; RE 146.318, 2ª Turma, rel. Min. Carlos Velloso, j.un. 13.12.1996, DJ 4.4.1997, p. 10.537; e RE 143.802/SP, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j.un. 3.11.1998, DJ 9.4.1999, p. 34. Quando a questão foi ventilada perante a 1a Turma do Col. Supremo Tribunal Federal no RE 141.639/SP, o Min. Moreira Alves não negou caráter alimentar aos honorários advocatícios. Fez, contudo, uma  distinção entre as possíveis origens dos honorários advocatícios. Segundo o decidido: “Quando a Constituição excepciona do precatório para a execução de créditos de natureza outra que não a alimentícia os créditos que tenham tal natureza, a exceção só abarca a execução da condenação em ação que tenha por objeto cobrança específica desses créditos, inclusive, portanto, dos honorários de advogado, e não a execução de condenação a pagamentos que não decorrem de créditos alimentares, ainda que nessa condenação haja uma parcela de honorários de advogado a título de sucumbência, e, portanto, a título de acessório da condenação principal”.

Assim já decidiu:

“Execução fiscal – Honorários advocatícios sucumbenciais – Natureza alimentar – Precedentes. 1. A Corte Especial, na sessão do dia 20 de fevereiro de 2008, no 29. STJ, 2ª Turma, REsp 865.469/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.un. 5.8.2008, Dje 22.8.2008. 30. STJ, 2a Turma, REsp 1.004.476/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.un. 7.8.2008, DJe 26.8.2008. 31. STJ, 2a Turma, REsp 909.668/PR, rel. Min. Eliana Calmon, j.un. 22.4.2008, DJe 8.5.2008. São indicados como sucessivos deste acórdão, os seguintes: REsp 1.041.706/PR, j. 21.10.2008, DJe 18.11.2008; REsp 1.032.123/RS, j.14.10.2008, DJe 7.11.2008; REsp 1.004.378/PR, j. 16.9.2008, DJe 14.10.2008; REsp 1.027.727/PR, j.26.8.2008, DJe 19.9.2008; REsp 959.825/RS, j. 12.8.2008, DJe 5.9.2008; REsp 1.017.126/DF, j. 12.8.2008, DJe 8.9.2008 e REsp 854.486/SC, j. 27.5.2008, DJe 12.6.2008. 32. STJ, 2ª Turma, Resp 958.327/DF, rel. p./acórdão Humberto Martins, j.m.v. 17.6.2008, DJe 4.9.2008. 15 julgamento do EREsp 706.331/PR, de relatoria do Min. Humberto Gomes de Barros, decidiu, por maioria de votos, que os honorários advocatícios, inclusive os de sucumbência, têm natureza alimentar. 2. O advogado tem direito autônomo sobre a verba que lhe é devida pelo trabalho prestado. Havendo sentença transitada em julgado, não se deve obstar o pagamento dos honorários ao patrono da parte. A circunstância de o crédito da parte ser objeto de penhora em processo de execução fiscal não possui a faculdade de impedir o recebimento da verba advocatícia pelo patrono, que trouxe aos autos cópia de seu contrato de honorários. 3. O Supremo Tribunal Federal, também, reconheceu a natureza alimentar dos honorários pertencentes ao profissional advogado, independentemente de serem originados em relação contratual ou em sucumbência judicial. (RE 470407/DF, DJ 13.10.2006, Rel. Min. Marco Aurélio) Embargos de divergência improvidos.

Em verdade os honorários podem ser divididos em dois: honorários contratuais, combinados entre o advogado e o seu cliente, como retribuição pelo trabalho; e honorários de sucumbência, fixados pelo juiz na sentença.

A titularidade dos honorários de sucumbência é naturalmente da parte vencedora do processo, como reparação pelo que gastou com seu advogado. Já a titularidade dos honorários contratuais é do advogado.

O Código de Processo Civil adotou o princípio do sucumbimento, em seu artigo 20.pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor. Repita-se: há o fato objetivo da derrota, daí a sucumbência.

O Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), por sua vez,  lançou cinco normas apropriadoras dos honorários de sucumbência em favor do advogado.

O artigo 21, seu parágrafo único e o parágrafo 3º do artigo 24, mais aplicáveis aos advogados empregados, foram limitados pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.194. Os artigos 22 e 23, mais aplicáveis aos advogados autônomos, foram salvos do julgamento de inconstitucionalidade por força de preliminar processual salvadora: impertinência temática, conforme ementa abaixo.

EMENTA: ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB. ARTIGOS 1º, parágrafo 2º; 21, PARÁGRAFO ÚNICO; 22; 23; 24, parágrafo 3º; E 78 DA LEI N. 8.906/1994. INTERVENÇÃO COMO LITISCONSÓRCIO PASSIVO DE SUBSECÇÕES DA OAB: INADMISSIBILIDADE. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ARTIGOS 22, 23 E 78: NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO. ARTIGO 1º, parágrafo 2º: AUSÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 21 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO: INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. ARTIGO 24, parágrafo 3º: OFENSA À LIBERDADE CONTRATUAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A intervenção de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade tem características distintas deste instituto nos processos subjetivos. Inadmissibilidade da intervenção de subsecções paulistas da Ordem dos Advogados do Brasil. Precedentes. 2. Ilegitimidade ativa da Confederação Nacional da Indústria - CNI, por ausência de pertinência temática, relativamente aos artigos 22, 23 e 78 da Lei n. 8.906/1994. Ausência de relação entre os objetivos institucionais da Autora e do conteúdo normativo dos dispositivos legais questionados. 3. A obrigatoriedade do visto de advogado para o registro de atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas (artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei n. 8.906/1994) não ofende os princípios constitucionais da isonomia e da liberdade associativa. 4. O artigo 21 e seu parágrafo único da Lei n. 8.906/1994 deve ser interpretado no sentido da preservação da liberdade contratual quanto à destinação dos honorários de sucumbência fixados judicialmente. 5. Pela interpretação conforme conferida ao artigo 21 e seu parágrafo único, declara-se inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 24 da Lei n. 8.906/1994, segundo o qual "é nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência". 6. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, nessa parte, julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme ao artigo 21 e seu parágrafo único e declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 24, todos da Lei n. 8.906/1994.(ADI 1194, MAURÍCIO CORRÊA, STF).

Disse o Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADI 1194/DF, que "... os honorários de sucumbência, a teor do disposto no artigo 20 do CPC, são devidos à parte vencedora e não ao profissional da advocacia".

Na mesma ADI, o Ministro Cezar Peluso proferiu voto reconhecendo expressamente que o artigo 21 da Lei 8.906/94 afronta o devido processo constitucional substancial:

"Penso que tal norma também ofenderia o princípio do devido processo legal substantivo, porque está confiscando à parte vencedora, parcela que por natureza seria destinada a reparar-lhe o dano decorrente da necessidade de ir a juízo para ver sua razão reconhecida."

O ministro Gilmar Mendes aderiu ao entendimento do ministro Peluso, conforme excerto de seu voto:

"Penso, na linha do Ministro Peluso, que essa sistemática possui uma matriz constitucional. Ao alterar a disposição que constava do Código de 1973, a lei acabou por comprometer um dos princípios basilares desse modelo, dando ensejo a um indevido desfalque do patrimônio do vencedor.É evidente que a decisão legislativa contida na disposição impugnada acaba por tornar, sem justificativa plausível, ainda mais onerosa a litigância, e isso é ofensivo ao nosso modelo constitucional de prestação de justiça."

Na mesma linha, o entendimento do ministro Joaquim Barbosa, abaixo com destaque:

"Pode-se dizer o mesmo quanto ao contexto brasileiro. Incrementar custos de litigância "sem um justificativa plausível" - para usar as palavras do ministro Gilmar Mendes - é atentatório ao princípio da proteção judiciária. Não é plausível, assim, que uma lei cujo objetivo seja regular prerrogativas para a nobilíssima classe dos advogados estabeleça que não cabe à parte vencedora, seja ela empregadora ou não, os honorários de sucumbência. Tais honorários visam justamente a que a parte vencedora seja ressarcida dos custos que tem com o advogado, empregado seu ou contratado. Os dispositivos impugnados, ao disciplinarem que a verba de sucumbência pertence ao advogado, não promovem propriamente a rule of law, mas o rule of lawyers. Com isso, não se incrementa a proteção judiciária, mas apenas se privilegia certa classe de profissionais que devem atuar sempre em interesse da parte que representam, de acordo com as regras de conduta da advocacia."

Fundamental a lição de Ovídio Baptista da Silva(Comentários ao CPC, volume I, ano 2000) quando disse: "... ao cliente cabe a legitimação para postular reembolso contra o vencido, salvo se o advogado tiver direito aos honorários de sucumbência por haver contratado com o cliente que estes lhe pertencem, em caso de vitória, cumulativamente com os honorários entre eles ajustados"

Mas veja-se o novo CPC, a partir dos projetos que lhe antecederam. Em especial o artigo 87 que determina que o vencido pagará honorários de sucumbência ao advogado (e não ao vencedor do processo).

Além da mudança de titularidade, os parágrafo1º ao parágrafo13 do mesmo artigo 87 do Projeto estabelecem novas regras. Determina cumulação dos honorários de sucumbência por instâncias e fases do processo, inclusive na execução não resistida, podendo chegar a 25% na fase de conhecimento e mais um tanto na fase de execução. É até razoável a idéia da cumulação por instância e execução, para evitar recursos procrastinatórios e também porque os contratos de honorários normalmente prevêem acréscimo para o caso de recursos a Tribunais, mas desde que em favor da parte vencedora do processo, como ressarcimento. A pretensão, de qualquer forma, parece exagerada e pode resultar em valores elevados. Como está no Projeto, os honorários podem chegar a 65% da causa: 25% na fase de conhecimento, 20% na fase de execução e mais 20% de honorários contratuais, por exemplo.

Por fim, o Projeto previa uma espécie de tabela percentual para os honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública. O tabelamento tira a liberdade do Juiz de julgar conforme as peculiaridades do caso concreto, tomando em consideração somente um aspecto da demanda, o valor da causa, podendo levar a honorários incompatíveis em casos de ações milionárias ou repetitivas, já definidas nos Tribunais Superiores, onde o maior trabalho é esperar o andamento do processo.

Assim ficou o artigo 85 do novo CPC:

Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Em matéria de sucumbência em processos que envolvam a Fazenda Pública, o novo CPC chegou ao limite de estabelecer um tabelamento. Veja-se:

§ 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

De toda sorte, a lição de Candido Rangel Dinamarco(Fundamentos do processo civil moderno, tomo I, 2001, pág. 658 a 659), deve ser reiterada: “Uma vez findo o processo e condenada a parte pelas custas e honorários, ela se encontra numa situação jurídico-substancial desfavorável quanto ao custo do processo, sendo portanto devedora na mesma medida em que, correlativamente, a parte adversa se encontra em posição jurídica favorável e é credora por despesas processuais e honorários advocatícios, tendo direito subjetivo relativo a eles..... O réu vencido é ordinariamente obrigado por despesas e honorários (artigo 20), porque ele teve uma conduta tal que tornou indispensável à outra parte o recurso ao serviço estatal jurisdicional, pagando por isso ao Estado mesmo e ao advogado que a patrocinou: o autor vencido veio ao Poder Judiciário com uma demanda e obrigou o adversário a despender com advogado e com o processo mesmo, molestando sem ter direito: o executado, com a não-satisfação do crédito do exequente, forçou este a vir a juízo e gastar. Em qualquer hipótese, tem-se alguém gastando para obter o reconhecimento judicial da sua razão, de modo que, se não for reembolsado, o direito que tem fica desfalcado na medida daquilo que tiver gasto.”

Em qualquer hipótese, o montante da indenização não pode ser inferior ao prejuízo, em atenção ao princípio, segundo o qual a reparação do dano há de ser integra. Necessário que se atente para a gravidade da falta e suas consequências, bem como para a natureza do dano. Mas, tendo a indenização por objeto reparar o dano, o montante da indenização não pode ser superior ao prejuízo, pois se o for, as perdas e danos convertem-se em fonte de enriquecimento(lucro capiendo), o que confronta o princípio da equivalência, rompendo o binômio dano-indenização. Mas, lembre-se que o valor da reparação não deve exceder ao da coisa danificada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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