VII – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA E LESÃO CORPORAL
Sob o regime do Código Civil de 1916, tinha-se no artigo 1.538 o fundamento da responsabilidade civil em caso de ferimento ou outra ofensa à saúde.
Ali se dizia:
Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.
§ 1o Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
§ 2o Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.
Art. 1.539. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Nesses casos, o ofensor responde pelas despesas de tratamento, compreendendo todas as despesas necessárias à obtenção da cura. Abrangerá, portanto, a assistência médica e hospitalar, e, se necessário, o custo de aparelhagem técnica destinada a suprir as deficiências causas pela lesão.
A verba de lucros cessantes é mais elástica e mais ampla. Abrange o que o ofendido deixou de ganhar até o fim da convalescença, como ensinou Clóvis Beviláqua(Comentários ao Código Civil, artigo 1.538), inclusive os dias de serviço perdidos pelo empregado ou a expectativa de ganho do trabalhador autônomo.
Na indenização estará ainda compreendida a perda da capacidade de trabalho(plena ou parcial, conforme o caso; temporária ou definitiva, segundo o tempo de recuperação).
O Código Civil de 2002 assim tratou a matéria:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Para determinar o valor da indenização, o juiz terá de considerar se a vítima perdeu por inteiro a capacidade laborativa, especialmente em referência a sua profissão ou atividade normal. Não quer dizer que a perda total somente ocorrerá se o ofendido ficar paralítico. Total será a perda se o pintor perde a visão ou mecânico as mãos.
A perda parcial será estimada em função da diminuição da força de trabalho, desde que, não obstante a lesão, a vítima tem ainda capacidade para trabalhar, posto que em escala inferior ao status quo ante. Avalia-se em termos percentuais a diminuição laborativa, e concede-se a indenização de forma proporcional. Embora visando a situação específica, a tabela anexa à Lei de Acidentes do Trabalho pode ser boa ferramenta para tal.
Por sua vez, assim como o antigo artigo 1.539 do Código Civil revogado e, hoje, o artigo 950 do Código Civil em vigor, de forma minuciosa, tem em vista a hipótese de resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer seu ofício ou profissão ou lhe diminua o valor do trabalho, ou seja, sua capacidade laborativa. É uma fórmula entendida como abrangente e, em consequência, a reparação compreenderá, além das despesas, uma pensão correspondente a importância do trabalho para que o ofendido se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Nesse sentido tem-se, como linha de interpretação, a Súmula 490 do STF:
A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.
Vedação à indexação de pensão indenizatória ao salário mínimo.
(...) Não vislumbro dúvida razoável de que a utilização do salário-mínimo para a formação da base de cálculo de qualquer parcela remuneratória ou com qualquer outro objetivo pecuniário (indenizações, pensões, etc.) incide na vinculação vedada pela Constituição do Brasil. O que é ali proibido é exatamente tomar-se o salário mínimo como fator indexador para novos e diferenciados ganhos decorrentes ou não de dever remuneratório. 6. Esse raciocínio está explícito nos precedentes do Supremo Tribunal Federal que afastaram a validade de vinculação ao salário-mínimo nos casos de seu aproveitamento como parâmetro para o cálculo inicial de condenações, sendo o seu valor nominal sujeito a correção monetária, afastando a indexação. São exemplos o Agravo de Instrumento 508.844-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 1º.4.2005, e os Recursos Extraordinários 389.989-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 5.11.2004; 407.272, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.9.2004; 409.427-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 2.4.2004; 270.161, Primeira Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 16.11.2001. Nesse sentido: "Vinculação ao salário mínimo: incidência da vedação do art. 7º, IV, da Constituição, restrita à hipótese em que se pretenda fazer das elevações futuras do salário mínimo índice de atualização da indenização fixada; não, qual se deu no acórdão, se o múltiplo do salário mínimo é utilizado apenas para expressar o valor inicial da condenação, a ser atualizado, se for o caso, conforme os índices oficiais da correção monetária (RE 338.760, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 28.6.2002)." Também por não ter havido reflexo pecuniário na vinculação foi que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional lei que estabeleceu o salário-mínimo como parâmetro para a definição de hipossuficiência econômica para fins de inscrição gratuita em concurso público: (...) Na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal acima citada, se essas decisões mencionadas pelos Recorrentes fixaram condenações em múltiplos de salário-mínimo com o objetivo de utilizá-lo como critério de correção monetária, estariam, sim, contrariando texto constitucional. Todavia, se o objetivo tiver sido apenas o de fixar o valor inicial da condenação, corrigindo-o monetariamente de acordo com os índices oficiais, então, não contrariam a vedação constitucional (conforme item 6 deste voto). A solução depende do exame de cada caso.
[RE 565.714, rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 30-4-2008, DJE 211 de 8-8-2008.]
Tem-se que a necessidade de atualização dos valores correspondentes à indenização na responsabilidade civil, em virtude da desvalorização monetária, levou o juiz às soluções mais viáveis a fim de possibilitar uma indenização justa.
Uma das primeiras soluções foi a atualização, tomando-se por base o salário-mínimo vigente, com as variações posteriores(RE 53.336, RTJ 38/591, 44/108, 46/420, e 564; ERE 54.632, RTJ 39/499; ERE 57.039, RTJ 42/612; ERE 60.516, dentre outros. O critério para a atualização automática é mais justo e sem ônus para o indenizado, e o reajustamento faz-se imediatamente(RE 78.022, 85.576, 89.894). A Lei 6.205, de 29 de maio de 1975, descaracterizou o salário mínimo como fator de correção monetária, adotando o coeficiente de variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional. O Supremo Tribunal Federal, no passado, deu pela invalidade da adoção do salário-mínimo(RE 85.933 e 86.110; RTJ 110/342).
A incapacidade permanente tem em vista dois aspectos: em relação ao passado, quando as sequelas do sinistro se estabilizaram; em relação ao futuro, quando inexiste “toda a esperança razoável” de recuperação. Em termos de incapacidade permanente, levar-se-á em consideração se esse estado atinge todas as atividades da vítima ou apenas uma parte delas.
Ao quantificar a reparação, o juiz terá de apreciar todas essas condições, de forma a condenar no que seja o ressarcimento integral do dano, sem constituir fonte de enriquecimento.
Observe-se, ainda se tratando de indenização por lesões, que o juiz poderá substituir a constituição do capital por caução fidejussória, que será prestada na forma da lei, levando-se em conta a possibilidade de concessão de medida cautelar de urgência.
Mas observe-se que ainda que a fixação da pensão passe em julgado(sentença determinativa), está ela subordinada a uma cláusula rebus sic stantibus, podendo ser alterada para mais ou para menos, se sobrevier modificação nas condições econômicas.
Anoto, outrossim, que o § 1º do artigo 1.538 do Código Civil revogado continha disposição que era traduzida por indenização por dano moral, como ensinou Clóvis Beviláqua(obra citada) ao estabelecer que a soma será duplicata, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. Essa duplicação compreendia reparação compensatória do defeito, que atingia psicologicamente a vítima.
Compreendia-se, em certos casos, essa deformidade ou aleijão como dano direto, se a profissão ou a atividade do ofendido depender de sua integridade física ou de sua aparência, como seria o caso de um médico especializado em cirurgias.
Por sua vez, o revogado artigo 1.539 do Código Civil de 1916 previa ainda como fator complementar da indenização por ferimento ou ofensa física “a multa no grau medida pena criminal correspondente. “ Lembro que Carvalho Santos(Código Civil interpretado, volume XXI, pág. 128), na linha de pensamento de João Luiz Alves, entendia que o Código Penal não estabelecia pena pecuniária para casos de ofensa física, e não é admissível considerar no civil o que no crime inexiste
Isso diante de que a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal.
VIII – A LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA E O DANO ESTÉTICO
Ditava o artigo 1.538, § 2º, do Código Civil revogado:
Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.
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§ 2o Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.
Ora, toda a indenização por ato ilícito está sujeita aos pressupostos de capacidade econômica do devedor, a condição pessoal da vítima e a natureza e extensão do defeito. No passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o dano moral só é indenizável quando produz, por si, dano econômico(Revista Forense, volume 269, pág. 221).
Observe-se que no caso da condição pessoal da vítima, a legislação revogada apresentava quanto a condição pessoal da vítima parâmetro injustificável.
Por sua vez, criticava, com razão, Aguiar Dias(Responsabilidade Civil, vol. II, n. 232) que a circunstância de ser “capaz de casar” é totalmente subjetiva.
Já a questão do dote não tem qualquer pertinência perante a legislação atual, uma vez que a mesma não a recepcionou dentre os regimes de casamento.
IX – LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA E ESBULHO OU USURPAÇÃO DO ALHEIO
Aqui aplica-se o artigo 952 do Código Civil de 2002:
Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado.
Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele.
Ficaram revogados os antigos artigos 1.541 e 1.542 do Código Civil de 1916:
Art. 1.541. Havendo usurpação ou esbulho alheio, a indenização consistirá em se restituir a coisa, mais o valor das suas deteriorações, ou, faltando ela, em se embolsar o seu equivalente ao prejudicado.
Art. 1.542. Se a coisa estiver em poder de terceiro, este será obrigado a entregá-la correndo a indenização pelos bens do delinquente.
Fala-se que a indenização(ressarcimento) consistirá em pagamento do valor de suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado. Não se fala mais em restituição da coisa, mais o valor das deteriorações, ou, faltando ela, em se embolsar o seu equivalente ao prejudicado.
O projeto 634 – B de 1975 ao Código Civil previa que, se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, de acordo com as circunstâncias do caso.
O Código Civil de Telecomunicações de 1962 mandava reparar o dano, quando a calunia ou a injúria é cometida por via de radiodifusão, no mínimo de cinco e no máximo de dez vezes o maior salário mínimo vigente, Devia a indenização ex vi do artigo 5º, X, da Constituição.
X – LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA E A OFENSA A LIBERDADE PESSOAL.
O Código Civil de 1916 assim ditava:
Art. 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado: I – se, virgem e menor, for deflorada; II – se, mulher honesta, for violentada, ou alterada por ameaças; III – se for seduzida com promessas de casamento; IV – se for raptada.
Art. 1.549. Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-seá judicialmente a indenização.
Art. 1.550. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do artigo 1.547.
Art. 1.551. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I – o cárcere privado; II – a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má fé; III – a prisão ilegal. Art. 1.552. No caso do artigo antecedente, no III, só a autoridade, que ordenou a prisão, é obrigada a ressarcir o dano. Art. 1.553. Nos casos não previstos neste Capítulo, se fixará por arbitramento a indenização.
A matéria ganhou outro tratamento com a redação trazida pelo artigo 954:
Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I – o cárcere privado; II – a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III – a prisão ilegal.
Tal dispositivo se adequa às recentes mudanças no Código Penal, em sua parte especial, no que tange ao tratamento dado a mulher.