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A Lei nº 11.187/2005 e a necessidade de exclusão do agravo de instrumento do processo civil brasileiro

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07/11/2005 às 00:00
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A AUSÊNCIA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

A quem é ferrenho defensor da figura do agravo de instrumento, argumentos a demonstrar a prejudicialidade da retirada desse recurso da sistemática processual civil se constituem em fertilizante que faz verdejar essa erva mais daninha do que medicinal. Estima-se que dentre os ingredientes desse adubo certamente estaria o argumento relativo às afrontas a princípios do processo civil, verificáveis acaso banido o agravo de instrumento do Código de Processo Civil. E os princípios aparentemente fragilizados, partindo-se da relação dos princípios do processo civil elaborada por Rui Portanova em sua obra Princípios do Processo Civil, certamente seriam os da recursividade, ampla defesa, devido processo legal e duplo grau de jurisdição


PRINCÍPIO DA RECURSIVIDADE

Referido princípio do processo civil, segundo Portanova (2003, p. 103) tem o seguinte Enunciado: "A parte que se sentir prejudicada tem o poder de pedir o reexame, visando a obter reforma ou modificação da decisão". Ainda Portanova (2003, p. 106) ao escrever sobre tal princípio aponta que "no sistema brasileiro vigora o princípio da ampla recorribilidade. Ou seja, é bastante ampla a permissibilidade de recursos". A afronta a esse princípio é robusto argumento para que o agravo de instrumento conviva ao lado do agravo retido, já que este não é capaz de resolver situações de urgência e difícil e incerta reparação. No entanto, não é desejável que o processo fique sujeito a um sem-número de obstáculos trancadores do seu curso. Como já visto, a danos estão todos sujeitos a todo tempo, mormente na atual sociedade em que vicejam as relações de massa. Assim, o sacrifício de um bem menor (lesão, mesmo que irreversível a um direito individual, não sendo este líquido e certo, não cabendo mandado de segurança, portanto) para que um bem maior seja preservado (a pacificação social e, conseqüentemente, a legitimação do poder estatal com a confiança da população no Poder Judiciário) denota orientação que mais se coaduna com a idéia da prevalência do interesse público sobre o particular.

De todo modo, vale observar que eventual desaparecimento do agravo de instrumento não feriria de morte o princípio da recursividade. Haveria apenas uma amenização do mesmo, sem implicar desaparecimento total da sua força, em favor do princípio da celeridade. Dinamarco (1990, p. 115), quando aborda o tema "Jurisdição e decisão no quadro da política e do poder" aponta que:

O processo, em si, como sistema voltado à remoção de obstáculos à consecução dos objetivos estatais também ocasiona custos e enfrenta obstáculos. Diz-se hoje, com insistência, que os seus males maiores são o custo financeiro e a demora. Quanto a esta, é mais o resultado de obstáculos, do que obstáculo ela própria.


PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Portanova (2003, p. 125) ensina que:

A defesa não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático. A defesa plena é garantida pela nova Constituição Federal (inciso LV do artigo 5°).

Nem por isso o direito de defesa deve ser exercido com abuso, tanto é assim que o artigo 273, II do CPC dá resposta adequada a respectivo comportamento. Na mesma medida o agravo de instrumento, notadamente pela possibilidade de o mesmo ser convertido em agravo retido, possibilita que as partes utilizem-se de tal recurso desenfreadamente já que, na pior das hipóteses, a interlocutória não resultará preclusa ante a conversão acima noticiada. Até mesmo a aplicação de penalidades por litigância de má-fé ou manifesto abuso no uso do expediente não impede que o mesmo seja distribuído a relator, o que, já referido, ocasiona custos e tempo. De outra parte, se o litigante for obrigado a manejar o mandado de segurança, ante a inexistência do agravo de instrumento, terá de fazer a opção certa, já que impossível a conversão da ação autônoma em agravo retido. Evitar-se-iam, sim, abusos ao direito de defesa, e não afronta ao mesmo.


PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Reza o artigo 5°, LIV, da Constituição Federal que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Muito embora, segundo Portanova (2003, p. 145) referido princípio tenha como enunciado a obediência do processo às normas previamente estipuladas em lei, fato que leva à conclusão de que basta a retirada do agravo de instrumento da processualística através de regular processo legislativo para que qualquer afronta seja descartada, o debate encontra lindes mais complexos. Com efeito, Portanova (2003, p. 146) lembra que "a tortura com objetivo de confissão já fez parte do devido processo legal", daí que argumentos há, aos borbotões, que tachem a retirada do recurso em exame como grave agressão a referido princípio. É que, consoante Dória (apud PORTANOVA, 2003, p. 147):

Due process of law não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma mera fórmula. O princípio é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos. Due process of law não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É um dedicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício do julgamento por aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento deste processo.

Portanova (2003, p. 147) lembra, contudo que:

Adaptado à instrumentalidade, o processo legal é devido quando se preocupa com a adequação substantiva do direito em debate, com a dignidade das partes, com preocupações não só individualistas e particulares, mas coletivas e difusas, com, enfim, a efetiva igualização das partes no debate judicial.

Que instrumentalidade processual há, no entanto, em contenda na qual o processo fica parado, para discussão de mera questão formal, como se fosse um fim em si mesmo, em detrimento do direito material, que, enquanto perdura o processo, fica em mão de quem não deve, no aguardo de longa jornada contraditória? Que dignidade traz às partes (pelo menos a uma delas) o manejo desenfreado de um recurso que mais se adéqua a um Judiciário com pouco fluxo processual, podendo os juízes assim se dedicar, com todo o tempo necessário, à resolução instantânea das controvérsias (coisa de época em que o acesso ao Poder Judiciário era privilégio de uma minoria)? Da mesma forma, nada mais individualista o manejo de um recurso no qual a interlocutória suspensa é discutida, para atender aos anseios do agravante, em detrimento da crença da população em um Judiciário célere, o que afeta em conseqüência toda a coletividade. Por isso, o princípio do devido processo legal estará melhor observado se a ofensa a direito líquido e certo que cause danos de incerta reparação puder ser sanada pela via do mandado de segurança.

A essas alturas cumpre lembrar Lima (1999, p. 199), quando a mesma aborda o enfoque procedimental do devido processo legal no Brasil. A autora refere que o princípio apresenta diferentes postulados básicos, dentre eles "o assecuramento da igualdade das Partes, evitando uma situação de privilégio, de qualquer dos envolvidos no litígio, garantindo-lhes a igualdade efetiva entre os direitos e deveres". Conclui Lima (1999, p. 200) que:

[...] sob o ângulo de visão procedimental, o devido processo legal concretiza-se por meio de garantias processuais oferecidas no ordenamento, visando ordenar o procedimento, e diminuir ao máximo o risco de intromissões errôneas nos bens tutelados.


PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Finalizando o espectro de princípios processuais cujo abalo poderia ser alegado por defensores ferrenhos do agravo de instrumento, tem-se ainda o princípio do duplo grau de jurisdição. Doutrina esse princípio, segundo Portanova (2003, p. 264) que "a decisão judicial é suscetível de ser revista por um grau superior de jurisdição". Muito embora tal princípio esteja mais ligado à decisão final do órgão julgador (sentença), a subtração do agravo de instrumento poderia consistir afronta ao princípio, na medida em que algumas interlocutórias não poderiam restar suspensas. Sob pena de tautologia, utilizam-se aqui os argumentos expendidos em relação ao princípio da recursividade, sem transcrevê-los, no entanto. Some-se a isso o argumento de que não se está buscando, através do presente, a irrecorribilidade das interlocutórias, já que o agravo retido não merece qualquer crítica. Quer-se dificultar, isto sim, a suspensão a todo o momento de um processo que foi concebido para marchar à frente.

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CONCLUSÃO

Resulta por demasia claro que a mera retirada, aqui pretendida, do recurso de agravo de instrumento de decisões interlocutórias não se constitui na resolução de todos os problemas que o processo moderno enfrenta. Será auxiliar, no entanto, na diminuição da litigiosidade contida do cidadão, pois o processo terá um recurso a menos e só nos casos teratológicos em que direito líquido e certo esteja ameaçado poderá a interlocutória restar modificada ou suspensa antes do final da contenda. Resultado disso é um sistema mais enxuto, célere e confiável perante o cidadão, ingrediente a menos na "panela de pressão social", feliz expressão utilizada por Watanabe (apud Dinamarco, 1990, p. 225). Dinamarco (1990, p. 225) continua:

Por tendência, desinformação ou descrença, o brasileiro é pouco afeito às disputas judiciárias. Nesse contexto é que a Lei das Pequenas Causas também procura exercer papel muito relevante, seja no sentido de restaurar a confiança da população no Judiciário, seja no de criar o entendimento geral de que ir ao processo é a solução de muitos problemas. Hoje, são muitos os estados de insatisfação que se perpetuam e convertem em decepções permanentes, porque as pessoas não se animam a litigar em juízo. É a ‘litigiosidade contida’, da feliz expressão verbal que ganhou foros de cidade na doutrina brasileira mais recente, da qual fatalmente derivam perigosos desdobramentos sociais. Essa insatisfação, multiplicada entre os membros da população que não dispõem de uma infra-estrutura em que confiem, está intimamente ligada a manifestações violentas como linchamentos, depredações e até mesmo atos de hostilidade ao próprio Judiciário

Observa-se do trecho que o autor aposta em um sistema em que não há recurso das decisões interlocutórias, consubstanciado no atual sistema dos Juizados Especiais Cíveis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LENZI, C. A. S. O novo agravo. Disponível em: <https://apps.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/o-novo-agravo/indexee20.html%3Fno_cache=1&cHash=fdf6f1a18b0e6b3c4c523a9096cf8a75.html>. Acesso em: 9 jan. 2005.

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. 304. p.

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NERY JR., N.; NERY, R. M. A. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 2249. p.

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REIS DE PAULA, C. A. O sistema recursal trabalhista. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/27175/reis_de_paula_sistema_recursal_trabalhista.pdf?sequence=2&isAllowed=y>. Acesso em: 29 dez. 2004.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatórios Estatísticos da Atividade Jurisdicional. Disponível em <https://www.tjrs.jus.br/novo/institucional/transparencia/relatorio-anual/>. Acesso em: 9 jan. 2005.

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Sobre o autor
Fernando dos Santos Wilges

analista judiciário em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILGES, Fernando Santos. A Lei nº 11.187/2005 e a necessidade de exclusão do agravo de instrumento do processo civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 859, 7 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7556. Acesso em: 20 dez. 2024.

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