Flexibilização dos direitos do trabalhador.

Uma análise dos riscos de retrocesso aos direitos trabalhistas elencados no artigo 7º da Constituição Federal

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31/07/2019 às 09:55
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3. FLEXIBILIZAÇÃO E O ARTIGO 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

3.1. O Artigo. 7º, Constituição Federal, - Como Rol Direitos Trabalhistas Mínimos.

Os direitos trabalhistas cujo rol consta do art. 7º da Constituição Federal, estão inserto no Capítulo dos Direitos Sociais, que por sua vez são considerados direitos fundamentais do homem. Estando sob a proteção dos Direitos e Garantias Fundamentais, relacionando-se, intimamente, com a dignidade da pessoa humana.

MORAIS conceitua:

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.19

Preceitua o art. 60, § 4º, um rol de direitos intangíveis, são as cláusulas pétreas. Recordemos das lições de Direito Constitucional que cláusulas pétreas são um núcleo duro da Constituição, um rol de direitos e diretrizes tão fundamentais que não podem sequer ser objeto de emenda à Constituição tendente a aboli-los. Há doutrinadores que os denominam de imutáveis, mas a Constituição veda tão somente emenda que as queiram abolir, e nada fala sobre emendas que objetive amplia-los. Logo amplia-los não encontra restrições.

Dentro desse rol temos que destacar o inciso IV, que somado ao § 4º, ambos do artigo 60 da Constituição, estabelece “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.”20

Em que pese os direitos sociais, dentre os quais se insere os direito constitucionais trabalhistas do art. 7º, não constarem explicitamente do rol de cláusulas pétreas, podemos inferir que eles estão contidos no conjunto de direito e garantias individuais. Logo, nos filiamos a corrente que entende os direito sociais como cláusulas pétreas. Impassíveis de sofrerem restrições ou retrocessos, até mesmo por meio de emendas à Constituição.

A doutrina majoritária entende que a Constituição de 1988 possui um proposito claramente social, tendo em vista que está amplamente voltada a assegurar a dignidade da pessoa humana, o bem-estar dos indivíduos, e por isso a apelidaram de Constituição Cidadã. Um Constituição que marca a devolução do poder para o povo por meio da democracia, e feita para o povo.

Por isso uma preocupação tão grande com o social. O indivíduo volta a ser o centro do Estado. A dignidade da pessoa humana passa a nortear o ordenamento jurídico. De forma que a Constituição elenca um rol, não exaustivo, de direitos e garantias com vista a uma visão de sociedade justa e igualitária.

Os direitos trabalhistas previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, caraterizados de imperatividade, inviolabilidade e só se sujeitando à vontade das partes contraentes da relação trabalhista nos casos e limites lá categoricamente previstos. Sendo enumerados exemplificativamente no Capítulo II do Título II do texto constitucional, não se esgotando ali. Os direitos fundamentais, constitucionais dos trabalhadores, se encontram também difusamente espalhados pelo texto da Carta Magna e pela legislação esparsa.

O artigo 7º da CF enumera em seus trinta e quatro incisos enunciados que visam a dar ao trabalhador um patamar de dignidade e segurança na relação de trabalho. Tratam-se dos pilares que dão sustentação a toda a construção do ordenamento jurídico jus-laboral.

Por óbvio o Direito do Trabalho surgiu antes da Constituição de 1988, e em nosso ordenamento já existiam diversas normas regulamentando o direito do trabalhador. A própria CLT de 1943 é um grande marco que comprova isso.

Mas com a positivação de um rol extenso de direitos trabalhista no corpo da Carta Magna de 1988, o constituinte deixa claro sua intenção de proteger o trabalhador. Elevando os direitos trabalhista ao ápice da pirâmide normativa.

Mesmo com uma enumeração relativamente extensa e de nossa Constituição analítica, o constituinte não conseguiria esgotar todos os pormenores que gravitam os direitos trabalhistas.

Logo, o art.7º pode ser visto como um compilado de tudo que o constituinte entendeu ser essencial para garantir a dignidade do trabalhador. Deixando a cargo do legislador infraconstitucional a missão de pormenorizar os direitos positivados na Constituição e criar novos direitos.

Um legado que visa a garantir direitos mínimos aos trabalhadores. Regulando desde aspectos da jornada de trabalho e salários, que são os pontos fulcrais da relação de trabalho, até adicionais de caráter indenizatório nos casos especiais de prestação de serviços em condições que prejudicam à saúde do trabalhador (insalubridade, periculosidade e penosidade –art. 7º, XXIII).

3.2. A Flexibilização de Jornada de Trabalho e da Remuneração na Constituição Federal de 1988.

Neste ponto já temos uma conceituação do instituto da flexibilização e um entendimento da importância dos direitos trabalhistas elencados no texto constitucional. Agora chegou a hora que analisarmos a aplicação da flexibilização nos pontos autorizados pela Constituição.

Dentre as hipóteses constitucionalmente conjecturadas de flexibilização no âmbito trabalhista, estão os incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º que estabelecem os limites constitucionais aquiescentes da relativização dos direitos trabalhistas mediante prévias discursões que acabam por corroborar em acordos ou convenção coletiva.

Como regra geral as condições de trabalho mínimas previstas na Constituição são imperativas, não se subordinando à vontade das partes, como ocorre no direito privado. Porém no próprio art. 7º a Constituição abriu pontuais exceções: incisos VI (irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo), XIII (duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho) e XIV (jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva)21. São hipóteses pontuais nas quais o constituinte flexibiliza a rigidez constitucional para as partes possam negociar. Contudo, nos 3 casos a flexibilização ficar subjugada a instrumentalização por meio de acordos ou convenção coletiva de trabalho.

Inicialmente vamos tratar da irredutibilidade salarial. O termo salário tem sua origem no latim “salarium”, que por sua vez tem origem na palavra “salis” que significa sal, que era a utilidade usada como contraprestação pelos serviços prestados por empregados doméstico e soldados das legiões no império romano.

O art. 457. da CLT define salário como a contrapartida paga pelo empregador ao empregado em razão da prestação de serviços inerente ao contrato de trabalho22. Por se tratar de uma contrato sinlagmático, uma prestação e uma retribuição é caraterístico das obrigações das partes.

NASCIMENTO explica a importância do salário.

Ter um salário para prover às necessidades mínimas de subsistência é uma questão de dignidade do ser humano. O salário vital é um direito fundamental porque corresponde a uma renda mínima. Tendência, essa, necessária para que numa sociedade justa as pessoas desfavorecidas tenham um mínimo necessário que permita fazer frente aos gastos indispensáveis para a sua manutenção e da sua família. A ideia do salário mínimo tem por escopo o mesmo fim. Os estudos sobre o tema são desenvolvidos principalmente pela doutrina social da Igreja Católica, com a tese do justo salário, e pelo marxismo, com a tese da mais-valia.23

Pelo exposto, o salário tem como função prover o trabalhador de condições de mantar suas necessidades básicas. Um instrumento vital para que a dignidade do trabalhador possa ser efetivada. O próprio conceito do salário mínimo estabelece valores abaixo dos quais seria impossível, ao homem que trabalha, uma existência digna e harmonizável com as necessidades vitais.

Temos que ponderar que o conceito não se coaduna com a realidade em muitos país de mundo, dentre os quais o Brasil, onde os salários ainda são dissonantes das necessidades dos trabalhadores e de suas famílias. Ficando o salário relegando ao conteúdo de normas programáticas.

Dada sua característica de essencialidade, o instituto do salário goza de grande proteção para evitar que abusos possam acabar por precarizar, ainda mais, a vida do trabalhador. Em síntese a regra é que o obreiro receba seus numerários de forma integral, irredutível e intangível.

A própria Constituição Federal no art. 7º, X, determina a proteção do salário, constituindo crime sua retenção dolosa. E a doutrina destacar que a proteção pode se dar conta investidas do empregador para evitar descontos, parciais ou totais, de modo injustificado, e contra credores visto seu caráter de impenhorabilidade.

Garantir o mínimo ao empregado é vital, por isso o constituinte originário elevou-o ao nível constitucional princípios como a irredutibilidade e intangibilidade salarial. Porém, nenhum princípio ou norma é absoluto, tanto que o próprio texto constitucional apresenta uma exceção à irredutibilidade salarial. Nesta linha RESENDE defende:

A regra não se aplica caso decorra de negociação coletiva, consubstanciada em instrumento coletivo de trabalho (ACT ou CCT). Neste caso, a maioria da doutrina entende que é necessário o que Maurício Godinho Delgado chama de motivação tipificada. Segundo a tese, não pode o sindicato simplesmente acatar a redução salarial sem qualquer motivação e/ou contrapartida (vantagem) deferida ao trabalhador. Exemplo: em meio a uma grave crise econômica, é razoável que o sindicato firme com uma grande empresa um acordo de redução temporária de jornada com a redução proporcional dos salários, a fim de evitar a demissão em massa dos trabalhadores. Por sua vez, não é razoável, por exemplo, que os empregados continuem cumprindo a mesma jornada e tenham o salário reduzido, ainda que autorizado em instrumento coletivo de trabalho24.

A doutrina majoritária aponta que a redução salarial por meio da via negocial, deve estar amparada por alguma razão de fato ou de direito que vise a motivar uma melhoria. Assim, não se admite a diminuição dos salários sem que exista uma contrapartida correlata para os trabalhadores. Não pode ser uma ato de mera liberalidade do empregador com vista a impor aos empregados uma sucumbência para que seus lucros possam ser aplicados.

Em complemento a esta linha de pensamento MARTINEZ acrescenta mais um detalhe:

A diminuição salarial deve ser temporária, ou seja, deve permanecer como medida emergente pelo tempo suficiente ao restabelecimento do empregador ou da política econômica. Desaparecendo o fato gerador da redução salarial, deve o salário voltar ao patamar originário.25

O segundo instituto em que a Constituição autorizou a flexibilização por meio de normas coletivas dentro de seu art. 7º foi a jornada de trabalho. O inciso XIII tratando da jornada ordinário e o inciso XIV se referindo a jornada em turno ininterruptos de revezamento.

MARTINEZ conceitua:

Jornada de trabalho é o tempo que o empregado permanece à disposição do empregador durante um dia. Por isso, é uma redundância falar em jornada diária, porque toda jornada é obviamente diária; constitui, por outro lado, uma incoerência falar em jornada semanal ou mensal, porque jornada somente diz respeito ao dia, e nunca à semana ou ao mês.26

A jornada normal/ordinária, segundo os preceitos constitucionais e legais, é de 8 horas diárias e 44 horas semanais. São horas de trabalhos prestados ou de disposição ao empregador. Não vamos adentrar nas discussões sobre o que integra ou não integra a jornada por não ser este o cerne deste trabalho.

Apenas temos que entender a fixação dessa quantidade de horas, que limita a jornada, como uma garantia dada pelo legislador ao trabalhador como forma de evitar jornadas extenuantes, que outrora levavam os trabalhadores ao extremo esgotamento físico e mental.

Logicamente não se trata de uma regra de caráter absoluto, o trabalho extraordinário pode ser exigido, sempre que necessário. Cabendo ao empregador compensar o labor extraordinário com uma retribuição pecuniária que a Constituição fixa num patamar mínimo de cinquenta por cento a mais do que seria pago em uma hora trabalhada dentro dos limites da jornada normal.

No que concerne à redução da carga horária da jornada temos que analisar duas situações: redução da jornada sem redução dos salários e redução da jornada coma respectiva e proporcional redução dos salários.

No que diz respeito a redução da jornada sem a redução dos salários, temos uma situação que favorece ao trabalhador. É uma melhoria autônoma que vai gerar uma condição mais benéfica. O trabalhador manteria seu padrão econômico e poderia aproveita esse novo tempo livre como melhor lhe aprouvesse. Uma benesse que lhe permitiria uma oportunidade de estudar mais, desenvolvendo seu intelecto ou até usá-lo para atividades sociais ou lúdicas.

e é gerada uma condição mais benéfica ao trabalhador, e toda a normativa trabalhista que é pautada no princípio da condição mais benéfica, dá sustento para que essa normatização seja eficaz e válida.

De outro lado a redução da jornada com a redução da remuneração do trabalhador acaba por afetar o campo econômico deste. Por obvio o trabalhador teria que se adequar à nova realidade fazendo cortes no seu orçamento para compatibiliza-lo ao novo salário.

E nenhuma queda no padrão de vida é vista com bons olhos. Por isso o constituinte exigiu que neste caso a redução da jornada ficaria condicionada a formalização por meio de uma norma coletiva, seja um acordo coletivo de trabalho ou uma convenção coletiva de trabalho.

Em que pese a Constituição não fazer esta distinção, seu caráter protetivo visando ao bem estar do trabalhador nos leva ao entendimento que se existe uma apetrechos que ampliam os requisitos para que um ato regulatório da relação de trabalho seja aplicado, tal ferramenta só pode está criando obstáculos a possíveis abusos. Logo objetiva manter a proteção do trabalhador. Por isso ao exigir que a redução da jornada de trabalho com a redução dos salários seja feita por norma coletiva, o constituinte tenta equilibrar as forças que vão criar a nova regra.

O inciso XIII também faculta que a jornada de trabalho possa ser compensada, ou seja, que o excesso de trabalho em um dia possa ser descontado em outro dia de trabalho. Foge-se do sistema de horas extraordinárias no qual o empregado é indenizado pecuniariamente pelo excesso de horas trabalhadas e busca tão somente uma compensação de tempo pelo tempo.

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Temos que ponderar que a lei 13.467 (Lei da Reforma Trabalhista) modificando o art. 59. da CLT flexibilizou ainda mais a compensação de jornada. Foram instituídos acordos de prorrogação de jornada com compensação mensal cuja validade demanda acordo escrito ou tácito firmado entre empregado e empregador e bancos de horas, aplicáveis quando a compensação ultrapassar o módulo mensal.

O banco de horas se subcategoria em dois grupos: o primeiro é o banco de horas semestral que tem sua validade fundada em uma acordo escrito e individualizado para cada empregado. O segundo trata do banco de horas anual o qual demanda negociação coletiva para que seja considerado válido.

Por derradeiro, trataremos da jornada especial dos turno ininterruptos de revezamento. O inciso XIV da CF/1988 elenca que a jornada ordinária dos obreiros submetidos a esse regime é dia 6 horas, mas pode ser ampliada como o implemento de norma coletiva.

Mas o que vem a ser os turnos ininterruptos de revezamento? DELGADO explica:

Enquadra-se no tipo legal em exame o sistema de trabalho que coloque o empregado, alternativamente, em cada semana, quinzena, mês ou período relativamente superior, em contato com as diversas fases do dia e da noite, cobrindo as horas integrantes da composição dia/noite oi, pelo menos, parte importante das fases diurnas e noturnas. Daí a ideia de falta de interrupção no sistema de trabalho – sob a ótica do trabalhador (turnos ininterruptos)27.

Em regra os turnos ininterruptos de revezamento são aplicados em empresa cuja atividade seja contínua, ou seja, aquelas em que sistema produtivo funciona 24 horas por dia. Assim, se a atividade da empresa não pode ser paralisada a necessidade de trabalhadores para mantê-la funcionando é um imperativo.

Contudo, o TST flexibilizou o enquadramento dos trabalhadores submetidos ao sistema de turnos ininterruptos de revezamento. Para abarcar, também, aqueles que não exercem atividade em empresas de trabalho contínuo, mas laboram com alternância de turnos28.

A alternância de horários é altamente prejudicial à saúde do trabalhador. Sem uma rotina fixa de jornada o corpo sente os efeitos de necessitar constantemente de se adaptar a mudança de horários para alimentação, descanso etc. Até mesmo o convívio social fica prejudicado. Logo o propósito da Constituição ao reduzir a carga horaria da jornada desses trabalhadores, eram minimizar o desgaste do trabalhador, físico, mental e emocional, uma vez que submetido a esse sistema de trabalho o empregado ultrapassa o desgaste ordinário que já é próprio da prestação de serviços.

Apesar do caráter protetor dado ao instituto, a própria Constituição cria uma exceção, ao afirmar que a jornada em turno ininterruptos de revezamento será de 6 horas, salvo negociação coletiva. Mais uma vez a Carta Federativa dá margem para que o negociado entre as partes se sobreponha ao legislado.

A ampliação da jornada nessas condições é demasiadamente prejudicial ao trabalhador. Mas o constituinte mitiga a norma e até mesmo o princípio da norma mais favorável. Nesta linha DELGADO aponta:

Essa ressalva a cláusula in pejus de negociação coletiva constitui, na verdade, explicita e rara exceção ao princípio da norma mais favorável brandido pelo próprio Texto Máximo da República (caput do art. 7º) e aos limites imperativos que incidem sobre o processo negocial coletivo.

Pactuada a cláusula menos benéfica, nos limites constitucionais, esvai-se a vantagem da jornada especial instituída, não tendo caráter de horas extras a sétima e a oitava horas laboradas (súmula 423 TST29 30

Como se observa a exceção prevista na Constituição permite que o trabalhador submetido a essa jornada especial seja levado de volta à vala comum da jornada normal, mantendo-se as condições prejudiciais. A benesse compensatória dá lugar a mais trabalho, com a ampliação da jornada.

Submeter tal retrocesso a exigência de um norma coletiva é tentar dar ao trabalhador, por seu sindicato, a possibilidade de minimizar os danos, buscando outras formas de compensação. Mas, ainda que alguma compensação seja firmada, não acreditamos que possa fazer frente a prejudicialidade que a falta de rotina na jornada de trabalho traz ao trabalhador.

Talvez, uma legislação delimitando a questão se faça necessária para que a exceção não se torne a regra. Para que o capital não se sobrepuje a saúde do trabalhador.

Superados estes breves comentários sobre as possibilidades flexibilização elencadas no art. 7º da Constituição, quanto a remuneração e jornada, percebemos que o constituinte buscou dar às partes do pacto laboral uma oportunidade de autorregularão para que fosse utilizada em ocorrências pontuais, em que ajustem fossem necessários e acima de tudo temporários.

Como já mencionado tratam-se de situações excepcionais, não passiveis de abusos sob pena de desvirtuar os institutos. O texto constitucional em relação ao trabalhador é protecionista, as exceções visam tão somente dar uma margem de negociação a patrões e empregados que estão passando por um momento de crise ou outro motivo ponderável que justifique a mitigação temporária dos direitos.

3.3. Princípios do Direito do Trabalho Como Limite à Flexibilização dos Direitos Fundamentais do Trabalho

Como visto acima a flexibilização já uma realidade em nosso ordenamento jurídico. O próprio texto constitucional já elenca possibilidades de redução da rigidez de algumas normas para que as partes possam se auto-regulamentar.

E com a intitulada Lei da Reforma Trabalhista (lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) a CLT ganhou um novo art. 611-A, ampliando o rol de direito que o legislador considera passiveis de serem regulados pelas partes. Trata-se de rol que exige que a pactuação seja feita por meio de norma coletiva, onde se exige sempre a participação dos sindicatos laborais, buscando dar equilíbrio o poder de negociação entre as partes.

Contudo, havemos de nos recordar que em suas raízes o Direito do Trabalho tem natureza protecionista quanto ao hipossuficiente (empregado, em regra) e sua matriz principiológica busca assegurar o mínimo existencial para que o trabalhador tenha uma vida digna.

Logo, não poderíamos discutir o processo de flexibilização sem tecer alguns comentários sobre alguns princípios jus trabalhistas e como cada um deles limita a liberdade das partes.

a) Princípio da proteção

Em primeiro lugar vamos tratar do princípio da proteção, que para a doutrina majoritária é a base da elaboração e da hermenêutica do Direito Laboral.

SARAIVA e SOUTO, em apertada síntese, concluem que o princípio da proteção “consiste em conferir ao polo mais fraco da relação laboral – o empregado- uma superioridade jurídica capaz de lhe garantir mecanismos destinados a tutelar os direitos mínimos estampados na legislação”31.

DELGADO complementa o conceito supra afirmando:

Parte importante da doutrina aponta este princípio como o cardeal do Direito do Trabalho, por influir em toda a estrutura e características próprias desse ramo jurídico especializado. Esta, a propósito, a compreensão do grande jurista Américo Plá Rodriguez, que considera manifestar-se o princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica32.

O princípio assevera que há uma desigualdade na relação entre o trabalhador e empregador, assim, tal princípio visa a busca pelo equilíbrio entre as partes, forçando o Estado a estabelecer medidas para que a relação ocorra em pé de igualdade, com o cristalino propósito de diminuir a desigualdade no pacto de emprego.

Volta-se a criação de mecanismos de proteção para impedir que a exploração do capital subjugue o trabalho humano, e por consequência o próprio ser humano, possibilitando melhorias das condições de vida dos obreiros. Vendando retrocessos e estimulando avanços para o bem-estar social do trabalhador.

Conforme já explicitado, o princípio protetivo desmembra-se em outros três subprincípios ou como menciona DELGADO: dimensões para Américo Plá Rodriguez.

O primeiro subprincípio é o in dubio pro operário/misero – PEREIRA exemplifica que “uma determinada norma trabalhista pode ser dúbia, comportando várias interpretações. Neste caso, aplicando-se o princípio em comento, o intérprete deverá optar, entre duas ou mais interpretações possíveis, pela mais favorável ao empregado”33.

O ponto fulcral deste esse princípio é a interpretação. Diante de um texto jurídico contendo uma norma relativa a direito trabalhista, a qual oferecer dúvidas sobre qual dos significados interpretativos possíveis deve ser seguido, o interprete tem de perquirir, dentre as hipóteses viáveis, e optar pela que mais benéfica ao trabalhador.

Neste momento cabe uma ressalva: O princípio do in dubio pro operário não se aplica ao campo probatório por força do art. 818. da CLT, que impõe ao reclamante o ônus do fato constitutivo de seu direito alegado e, ao reclamado, o ônus da prova quanto a fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do reclamante.

O segundo subprincípio é o da norma mais favorável ao trabalhador - Segundo RESENDE “existindo duas ou mais normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, dever-se-á aplicar a que for mais favorável ao empregado, independentemente do seu posicionamento na escala hierárquica.”34

Por tal subprincípio, o Direito do Trabalho flexibiliza a pirâmide normativa de Kelsen, ou seja, o critério hierárquico de aplicação das normas perde a rigidez, que é latente a outros ramos do direito, para que no caso concreto seja avaliado qual norma é mais favorável ao trabalhador. E uma vez determinada a norma mais benéfica, ela será aplicada em detrimento das demais independentemente de sua posição no escalonamento hierárquico das normas.

Para identificar a norma mais favorável a doutrina desenvolveu três teorias: Teoria da Acumulação ou da Atomização; Teoria do Conglobamento Puro e Teoria do Conglobamento Mitigado, Orgânico, por Instituto ou Intermediária, sendo está última a mais aceita pela doutrina. Contudo, por fugirem ao objeto do presente trabalho, não vamos tecer comentários sobre elas.

Cabe ainda, mencionar uma exceção ao princípio da norma mais favorável. RESENDE alerta que: “Entretanto, como mencionado alhures, não se aplica o princípio da norma mais favorável diante das chamadas normas proibitivas estatais – por exemplo, no tocante à fixação dos prazos prescricionais (art. 7º, XXIX, CRFB/88)”35.

Por derradeiro, temos o Subprincípio da Condição Mais Benéfica ou também conhecido como da cláusula mais vantajosa – trata-se de acordo com PEREIRA: “[...] as condições mais benéficas prevista no contrato de trabalho ou no regulamento da empresa prevalecerão, serão incorporadas definitivamente ao contrato de trabalho, não podendo ser suprimidas ou reduzidas no curso da relação empregatícia.”36

Em síntese o subprincípio afirma que mesmo havendo a superveniência de novos diplomas normativos, caso estes sejam menos protetivos, eles não terão efeito sobre os contratados de trabalho já existentes, limitando sua aplicação aos contratos novos.

Se consubstancia na Teoria do Direito Adquirido, pela qual um direito se incorporar ao patrimônio jurídico de alguém, ou seja, passa a fazer parte de um rol de direitos que a pessoa pode exercer de pronto. E retira validade do texto constitucional (art. 5º, XXXVI) e art. 6º, § 2º da LINDB.

No que diz respeito as condições mas benéficas trazidas no bojo de normas coletivas a doutrina digladiava-se em torno de três teorias com o fito de argumentar acerca da aderência de tais normas ao contrato de trabalho, quais sejam: Teoria da Aderência Limitada pelo Prazo, Teoria da Aderência Ilimitada e a Teoria da Aderência Limitada por Revogação ou da Ultratividade.

Sendo que o TST adotava esta última, Teoria da Ultratividade, conforme consubstanciado na súmula 277. Porém, com a reforma trabalhista, o legislador privilegiou a Teoria da Aderência Limitada pelo Prazo ao estabelecer vedação a ultratividade no art. 614, § 3º.37

Desse modo, o princípio protetor, em todas as suas três dimensões, busca resguardar os direito do trabalhador, seja por meio de uma interpretação mais benéfica, seja pela escolha de uma norma mais favorável a ser aplicada em um caso concreto ou até mesmo, a busca por evitar retrocessos impostos por novas regulamentações.

Trata-se de preservar direito já adquirido, mas com a premissa de que novas condições favoráveis possam ser implementadas, ou seja, fatos ou condições praticadas pelas partes, não podem gerar alterações ou supressões em prejuízo daquelas, mantendo-se os direitos já adquiridos, e evitando retrocessos.

b) Princípio da irrenunciabilidade

Por este princípio, o trabalhador não pode, pôr mera liberalidade, abrir mão de receber direitos que o beneficiam enumerado dentro do rol dos direitos trabalhista.

DELGADO complementa:

A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar efetiva liberdade no contexto da relação empregatícia: é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição da vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial38.

Ao dotar de intangibilidade, pela liberdade do trabalhador, determinado grupo de direito, o legislador busca protege-lo. Sendo o obreiro hipossuficiente na relação de trabalho, deixar a seu livre arbítrio negociações sobre quais direitos lhe seriam aplicáveis é de fato um risco. O empregador, se valendo de sua posição de superioridade, poderia pressionar o empregado a abrir mão de diversos direitos, ou no mínimo de mitiga-los.

Segundo GOLDSCHMIDT:

[...] este princípio não protege apenas a pessoa individual do trabalhador, protege toda categoria profissional. Assim é que descabe renunciar ao direito de anotar o contrato em CTPS, ao direito de receber a indenização compensatória de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no caso de despedida sem justa causa, já que tais direitos são de ordem pública, e por que razão irrenunciáveis.39

O princípio da irrenunciabilidade então atua como um garantidor direitos, vendando, em regra, a renúncia e a transação. Contudo, nenhum princípio ou norma tem caráter absoluto. E PEREIRA enuncia três situações acerca do cabimento ou não da renúncia ou transação:

i. Antes da celebração do contrato de trabalho: a indisponibilidade dos direitos trabalhistas é absoluta, por ser o momento em que o trabalhador demonstra maior fragilidade, precisando da celebração do contrato para sustento próprio e de sua família.

ii. No curso do contrato de trabalho: a indisponibilidade é relativa, admitindo-se a renúncia e a transação quando a lei ou a jurisprudência consolidada assim dispuser. Nesse momento, não obstante a possibilidade excepcional de disposição dos direitos trabalhistas, o empregado ainda goza de grande proteção, pela presença marcante da hipossuficiência e do estado de subordinação inerente ao contrato de trabalho.

iii. Após a extinção do contrato de trabalho: a indisponibilidade é relativa, sendo que a renúncia e a transação são admitidas quando a lei ou a jurisprudência consolidada assim dispuser. A diferença em relação ao momento anterior reside na maior flexibilidade da disposição dos direitos trabalhistas após a extinção do contrato de trabalho, pois a subordinação ainda existe, mas de forma mais rarefeita, o que permite maior poder de negociação40.

O autor defende que o princípio da irrenunciabilidade/ indisponibilidade/ inderrogabilidade é aplicado de formas distintas de acordo com os momentos que a relação de trabalho vai se desencadeando. Isso, só retoma a ideia de que o princípio não é absoluto e imutável, mas sim fluído, buscando se adaptar ao momento de maior ou menor necessidade de proteção do obreiro.

Por isso, podemos concluir que o Direito do Trabalho é o campo do Direito em que com maior intensidade se nota a limitação da autonomia da vontade das partes, já que na maioria das vezes, essa autonomia de vontade se atém apenas em celebrar ou não celebrar o contrato de trabalho, de modo que as cláusulas e formas dotadas de maior profundidade, já se encontram estipuladas na lei, bem como seus direitos e deveres.

c) Princípio da irredutibilidade salarial

Consagrado no art. 7°, VI, da CRFB e no art. 468. da CLT. Tal princípio consiste em assegurar ao obreiro um patamar salarial intocável/ intangível, capaz de garantir o mínimo material, necessário para se ter uma vida digna e para a sustento de sua família.

O princípio pode ser interpretado sob duas vertente: a primeira diz respeito à irredutibilidade, ou seja, os valores recebidos a título de salário não podem ser reduzidos. A segunda diz respeito à intangibilidade, pela qual se veda descontos arbitrários que fogem ao dorso legal.

Acerca da intangibilidade CASSAR preconiza:

Intangibilidade significa proteção dos salários contra descontos não previstos em lei. A intangibilidade tem como fundamento a proteção do salário do trabalhador contra seus credores. As inúmeras exceções estão expressamente previstas em lei, tais como: o pagamento de pensão alimentícia, a dedução de imposto de renda, contribuição previdenciária, contribuição sindical, empréstimos bancários, utilidades e outros.41

Dois vértices de uma moeda. A irredutibilidade visa a garantir a estabilidade econômica do trabalhador, que não pode ser sub-julgado as incertezas das variações salariais. Já a intangibilidade visa garanti uma proteção sobre os salários contra os credores, haja vista sua natureza alimentar.

Contudo, o próprio texto constitucional, expressamente, prevê uma exceção: O salário é irredutível, salvo convenção coletiva ou acordo coletivo que autorize a redução – art. 7°, VI, da CRFB.

DELGADO chama a atenção para o fato que a “pacifica interpretação jurisprudencial e doutrinaria de que a regra da irredutibilidade salarial restringe-se, exclusivamente, à noção do valor nominal do salário obreiro”42. Assim, a irredutibilidade se limita a proteção do valor nominal previsto no contrato de trabalho ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social, deixando o salário livre para sofrer as dilapidações econômicas decorrentes da desvalorização da moeda, como ocorre no caso de corrosão pelo aumento da inflação.

Para GOLDSCHMIDT, “este princípio, todavia é um dos mais atacados pelo fenômeno da flexibilização dos direitos trabalhistas, posto que a lei e a jurisprudência permite inúmeros descontos no salário do empregado.”43

De fato, além dos descontos autorizados pelo artigo 462 da CLT44 (a título de exemplo: imposto de renda, contribuição previdenciária, prestação alimentícia e prestação da casa própria), por força da súmula n. 342. do TST45, dada a bilateralidade do contrato de trabalho uma vez autorizado pelo trabalhador, é possível, ainda, descontar do salário, despesas para tratamento médico e odontológico, seguro de vida, mensalidade de associação de empregados, etc.

Se tornou comum, até mesmo, desconto de parcelas de empréstimos pessoais, quando a empresa firma convênios com instituições financeiras para descontos das parcelas diretamente sobre a folha salarial. Apresenta-se taxas de juros mais baixas em troca de maior segurança na operação financeira, já que os descontos se operam antes de o trabalhador ter a posse de seu salário.

A irredutibilidade salarial simboliza o acolhimento, pelo Direito do Trabalho, do princípio civilista da inalterabilidade lesiva dos contratos, pacta sunt servanda, sendo este seu manancial. Visando dar aprofundamento a Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu art. 468, cuida da inalterabilidade contratual lesiva, impondo vedação às alterações que importem prejuízos ao empregado. Mas uma vez, vemos que se trata de uma restrição protetiva em relação ao empregado, o hipossuficiente da relação trabalhista.

Por derradeiro, cabe salientar que a proteção não se restringe somente à verba denominada por “salário”, mas todo o arcabolso de natureza patrimonial que o trabalhador recebe pela contraprestação do serviço.

d) O princípio da boa-fé

A boa-fé refere-se a um conceito egresso da consciência ética, um comportamento probo do indivíduo perante a sociedade, um comportamento adequado e reto, que se espera de todos os indivíduos. MARTINEZ completa: “manifestada por meio de comportamentos reveladores de uma crença positiva e de uma situação de ignorância ou de ausência de intenção malévola, a boa-fé é medida pela prática cotidiana da vida [...]”. 46

No campo juslaboral podemos avaliar que a boa-fé é uma das vigas que dão sustentação a relação de trabalho. Ambas as partes esperam que a ex-adversa tenha uma conduta adequada aos aspectos sociais, quanto aos direitos e obrigações que orbitam a relação. É um pressuposto, algo esperado que patrões e empregados hajam sempre com retidão. Uma proposição sobre a qual as relações se estabelecem, logo, tanto o empregado quanto o empregador devem agir, em sua relação, pautados pela lealdade e boa-fé.

Para CASSAR “A boa-fé deve estar presente no ato da contratação, na execução e na extinção do contrato de trabalho. Desta forma, todos atos praticados com má-fé devem ser punido pela abusividade (art. 187. do CC) e repelido pelo direito (declarado nulo)”47.

Não se trata de um princípio adstrito ao campo trabalhista e sim de um princípio geral do direito, aplicável a todos os ramos deste. Chegamos, pois, a esse entendimento analisando o art. 422. do Código Civil de 2002, o qual dispõe que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”48.

Um meta-princípio que se irradia por todos os campos e subdivisões didáticas do direito. Sendo de mais fácil de detecção no ramo do direito privado onde há maior liberdade e autonomia para que as partes possam negociar. CASSAR acrescenta “as partes contratantes devem comporta-se de forma apropriada, mesmo que isto não esteja previsto expressamente na lei ou no contrato. É uma espécie do gênero “norma de conduta”, pois determina como as partes devem agir”49.

Logo a boa-fé é sempre presumida. Em verdade, uma presunção relativa, que admite prova em contrário. Mas, sempre temos que presumir a lealdade da parte contrária. E por tanto, assim como trabalhador deve agir com lealdade, o empregador deve agir de igual forma.

e) O princípio da proibição do retrocesso social

O Direito do Trabalho foi modelado ao longo da história pelo processo de luta social dos trabalhadores. Greves, paralizações, manifestações e até conflitos físicos lastrearam a bandeira de muito direitos. Assim, à custa de suor e sangue o direito laboral chegou ao patamar que vivenciamos hoje.

Pensar em retirar direitos, conquistados a duras penas, é retroceder, é dá um passo para trás na escala social-histórico-evolutiva. Neste contexto o princípio da proibição do retrocesso social se insurge contra o processo legislativo e social, para que os direitos incorporado ao rol de direitos dos trabalhadores não sejam suprimidos ou restringidos.

GOLDSCHMIDT preleciona da seguinte forma:

Tal princípio, nesta linha, estabelece limites à atividade do legislador no sentido de evitar que um determinado direito fundamental, já contemplado como conquista civilizatória e incorporado ao sistema jurídico, não seja deste extirpado, inadequadamente restringido ou incorporado ao sistema jurídico, não seja deste extirpado, inadequadamente restringido ou impedida sua eficácia. Com efeito, o princípio da proibição do retrocesso social fornece um critério objetivo com o qual é possível controlar a adequação e a correção da atividade restritiva dos direitos fundamentais50.

Tem-se uma limitação à restrição dos direitos fundamentais. Posto um direito já delimitado e incorporado ao patrimônio jurídico do homem, retroceder e retira-lo seria uma involução. Trata-se da imutabilidade do direito adquirido, que não poderia estar subjugada a vontade de terceiros, ainda que este terceiro seja o Estado. Muito pelo contrário, o Estado deve atuar como defensor dos direitos já alcançados, impedindo retrocessos.

Logo, o patrimônio jurídico do homem tem que ser respeitado. Garantindo-se os direitos, em especial os de natureza fundamental, por meia da atividade restritiva Estatal, apresentando-se um núcleo estável, juridicamente perfeito, e delimitando quais benesses ainda não foram incorporadas ao patrimônio jurídico do trabalhador, para que estes passassem por um processo de adequação ou maleabilidade sem que haja a perca do núcleo fundamental. Mantendo-se o que há de essencial no rol de direitos, caso contrário, as, possíveis, restrição perpetradas configurar-se-iam em ilegalidades ou abuso e, portanto, imperfeita.

Corroborando com tais premissas, GOLDSCHMIDT pondera

Transpassando essa noção ao direito obreiro, e tendo em consideração que os direitos trabalhistas enquadram-se no rol dos direitos fundamentais, é mister concluir pela plena aplicabilidade do princípio da proibição do retrocesso social às normas trabalhistas, aí incluída, por óbvio, a proteção de limite material ao poder constituinte reformador. 51

Um ressalva tem de ser feita, levando-se em conta que o ordenamento jurídico brasileiro admite no campo do direito coletivo juslaboral, que empregados e empregadores, com o auxílio de seus respectivos sindicatos, estabelecerem convenções ou acordos coletivas de trabalho, concebe-se a possibilidade do poder negocial, atribuído à partes, de desconsiderar direitos já plenamente constituídos e incorporado ao patrimônio jurídico. VECCHI, citado por GOLDSCHIMIDT assevera:

Assim, é evidente que entre nós também tem plena vigência a cláusula de proibição de retrocesso social, entretanto, entrando, então, em discussão se o legislador infraconstitucional, após já ter colocado em vigência um patamar mínimo de direitos poderia dar competência para que o poder negocial coletivo aniquilasse tais direitos. Parece evidente que não pode o poder negocial dos grupos possibilitar o retrocesso social, atacando direitos que já são uma conquista dos trabalhadores, muito menos pode o legislador infraconstitucional conferir tal competência aos atores coletivos.52

Logo, a vedação ao retrocesso social consiste em proteger as mais relevantes e fundamentais conquistas da sociedade, em especial dos trabalhadores, que foram se sedimentado ao longo dos anos, uma vez que beneficia e fortalece a estrutura social do Estado, garantindo dignidade aos trabalhadores e fortalecendo os direitos fundamentais adquiridos.

f) O princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal de 1988 aponta, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. De fato o instituto é tão privilegiado que sua importância fora mencionada por duas vezes no corpo do Texto Magno: no inciso III do art. 1º, bem como no art. 17053.

Para NASCIMENTO:

O princípio dos princípios do ordenamento jurídico brasileiro é a proteção da dignidade do ser humano (CF, art. 1º, III). Reordena e amplia a tutela econômica para transformá-la em tutela também moral do trabalhador. A Constituição Federal do Brasil (art. 1º, III) declara que nosso Estado Democrático de Direito tem como fundamento, entre outros valores, a dignidade da pessoa humana. A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais54.

Trata-se de um princípio matriz de onde vários outros emanam, com fito de garantir a dignidade ao ser humano em todos os campos de sua vida. Este princípio inspira o legislador a sempre buscar garantir melhores condições para a vida das pessoas e gera reflexão no operador do direito, quando da aplicação de uma norma, para que este busque a melhor solução, preservando a dignidade das partes envolvidas.

A dignidade é o que distingue o conceito de vida, do conceito de mera sobrevivência ou existência. Por isso, sua caraterística de essencialidade. MORAES complementa:

A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade 55.

Na seara trabalhista o princípio ganha enfoque pautado na salvaguarda de condições laborais adequadas e que a contrapartida recebida pelo trabalho seja capaz de permitir o acesso aos bens materiais necessários a uma vida digna. A essencialidade da dignidade e desta no campo do trabalho, neste arcabolso, conduz, inexoravelmente a uma investida jurídica sob o enfoque dos direitos fundamentais.

Um rol de direito essenciais que a Constituição de 1988 os blinda com a imutabilidade que tenha o fito de supressão ou redução, ao lhes elevarem ao status de cláusulas pétreas.

Nesta linhas em respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e com objetivo de combater a nefasta exploração de trabalho escravo, foi editada a Emenda Constitucional 81, de 5 de junho de 2014, pela qual o Estado pode promover a expropriação do imóvel como forma de punição aos infratores que submetam seus empregados a situações análogas à escravidão. E ainda, os referidos imóveis serão destinados à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer contrapartida indenizatória ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana consagra-se como um meta-princípio, uma matriz, de grande relevância, pois se baseia na humanização do trabalho, o ser humano como o centro, ao considerar o empregado como um ser digno e não como um mero instrumento de produção.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia apresentada para obtenção do título de Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, sob orientação da professora Daniela do Amaral Sampaio Dória.

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