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Ressarcimento: bom para o segurador, excelente para a sociedade

10/09/2019 às 16:26
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O artigo mostra que o ressarcimento em regresso pelo causador do dano é algo que vai além dos interesses do segurador, mas atinge todo o colégio de segurados e a sociedade, com a efetiva punição do responsável.

Como advogado do mercado segurador, sou aparentemente suspeito para falar sobre ressarcimento em regresso. Mas, além dessas possíveis inclinações, enxergo-o sinceramente como um dos mecanismos mais justos e equilibrados do Direito em exercício. Com inegável função social, esse instituto impacta diretamente o chamado cálculo atuarial (e, consequentemente, na precificação do seguro) e pune eficazmente o causador de danos.

Explico melhor um e outro, ainda que de modo sumário.

Quanto mais o mercado segurador conseguir reaver as indenizações pagas aos seus segurados, vítimas de danos, fica mais fortalecido o negócio de seguro e menor o valor dos prêmios. A simetria é direta. E assim, atingida uma das principais variáveis que envolve precificação, passa ela a pender para o próprio benefício dos usuários dos serviços e produtos de seguro.

A despeito da previdência da vítima que adquiriu cobertura securitária, o fato é que o causador do dano não pode sair impune dos prejuízos que causou. Deve responder por eles, de forma ampla e integral.

Sem falar que, por detrás, existe ainda um contexto social importantíssimo, em que se vê até mesmo um fundo moral. Nessa busca por ressarcimento a atuação do segurador sub-rogado acaba gerando diversos benefícios sociais, que se manifestam de forma direta ou indireta. A sociedade toda ganha quando um segurador sub-rogado se vê ressarcido dos prejuízos indenizados. Da punição surge o caráter efetivo da teoria do desestímulo, a qual, levada a efeito, fará cair os preços do seguro e, por repercussão direta, os preços dos produtos e serviços em geral.

Por isso a lei e o Poder Judiciário devem sempre preservar a amplitude e a integralidade do ressarcimento em regresso. Antecedido de outra relação jurídica, a de seguro, vital para a saúde econômica de qualquer sociedade, o ressarcimento tem uma dimensão até mais elevada que a da própria reparação civil. Nenhuma atividade econômica considerável acaba sendo bem realizada sem a proteção do seguro.

E para que o contrato seja viável há de se ter certo cuidado com o ressarcimento em regresso, sendo inaceitável qualquer disposição contratual, regra legal ou interpretação judicial que ofereça algum entrave ao seu pleno exercício.

Quando um segurador sub-rogado demanda em juízo, além de fundamento na boa ordem moral, ele ancora-se num poderoso sistema de regras legais e de decisões judiciais que muito fortalece seu direito. Não há ali apenas a defesa de seus próprios interesses, mas também o de todo o colégio de segurados, por força do princípio do mutualismo.

Defendendo-os, o segurador também acaba fazendo o mesmo, ainda que de modo reflexo, em relação aos interesses da sociedade em geral, não havendo quem não se beneficie da punição do ato ilícito e do reequilíbrio econômico do segurador. Daí o firme entendimento de que, ao se sub-rogar nos direitos do segurado, o segurador não pode ser prejudicado na busca do ressarcimento integral.

Logo, caso exista algum elemento normativo capaz de inibir, ainda que parcialmente, a plenitude do exercício da reparação civil à vítima original, isso não se estenderá ao segurador sub-rogado. Difere a razão ôntica das pretensões.

Um exemplo concreto: entendemos que não se pode opor ao segurador a decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, Tema nº 210, que aplica a Convenção de Montreal e a limitação de responsabilidade do transportador aéreo. Ele sempre fará jus à totalidade dos valores indenizados aos donos de cargas e bagagens; não se submete ao conteúdo da Convenção de Montreal, porque vinculado ao sistema legal que trata do negócio de seguro, devendo-se levar em conta que o campo do Direito do Seguro é bem mais amplo que o do Direito dos Transportes.

Há nesse entendimento elementos de justiça e a presença de um conjunto de princípios gerais do Direito e fundamentais constitucionais, como os da proporcionalidade, isonomia, equidade, boa-fé objetiva, função social das obrigações, reparação civil ampla e integral, entre outros.

Tanto acredito nisso que venho acrescentando nas peças forenses um tópico explicativo a respeito.

Antes mesmo de expor a crônica dos fatos e a fundamentação jurídico-legal de sua pretensão, observa a Autora que se encontra legitimamente sub-rogada nos direitos e ações de seu segurado, credor original da obrigação descumprida pela Ré e vítima do ilícito contratual por ela cometido.

Com o pagamento da indenização de seguro, a Autora assumiu a titularidade do direito de provocar a tutela jurisdicional, sem, porém, submeter-se a qualquer condição de ordem contratual ou normativa relacionada a negócios jurídicos alheios ao contrato de seguro.

Para tanto invoca a regra do art. 786 do Código Civil que diz: “Paga a indenização, o segurador sub-rogação, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”.

A regra legal é clara e taxativa em dispor sobre a assunção de direitos e ações, mas não a de deveres e obrigações estranhos ao negócio de seguro. Justamente porque a ninguém é dado qualquer tipo de ônus sem causa concreta ou comprometimento formal e explícito.

Tal inteligência do Direito ajusta-se com perfeição ao Enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro”.

O art. 786 também se conecta aos arts. 346 a 351, todos do Código Civil. Esse conjunto de regras sustenta a legitimidade da Autora para pleitear o ressarcimento em regresso do causador do dano, independente da fundamentação legal da responsabilidade civil que dele se constate.

Por fim, considerando a importância da sub-rogação e a necessidade de punição exemplar àquele que causa danos, convém sempre observar o princípio da reparação civil integral, previsto no conteúdo geral do art. 944 do Código Civil e no rol exemplificativo de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal.

Sendo assim é preciso ter claro que, a despeito de qualquer consideração superveniente, a seguradora sub-rogada terá sempre garantido o uso da jurisdição brasileira e sempre observado o ressarcimento integral do valor indenizado, sem exclusão dos demais pontos juridicamente relevantes a cada caso.

Muito aproveita dizer, desde logo, que a sub-rogação dá-se aos bônus, não aos ônus, da relação de crédito original, conforme o art. 349 do Código Civil: “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.”

Em sendo assim, tem-se que nenhum ato praticado pelo segurado com outrem, ainda que voluntariamente, poderá de algum modo prejudicar ou inibir o pleno exercício do direito de regresso do segurador, segundo dispõe expressamente o §2º, do art. 786 do Código Civil: “é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.

A harmonia entre os artigos 249 e 786, §2º, do Código Civil, interpretados e aplicados ao sabor do Enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal, autorizam correta inteligência, com amparo jurisprudencial, no sentido de não serem oponíveis ao segurador sub-rogados quaisquer normas contratuais, clausulados ou regras legais que imponham jurisdição estrangeira, compromisso arbitral, limitação de responsabilidade e outros temas sem que, antes, de modo expresso e formal, tenha concordado, aderido e explicitado sua livre manifestação de vontade.

Por fim – e nunca é demais lembrar –, quando um segurador sub-rogado demanda em Juízo o ressarcimento em regresso da quantia indenizada contra o causador do dano, não são apenas os seus legítimos direitos e interesses que defende, mas os de todo o colégio de segurados, por conta e ordem do princípio do mutualismo, revestindo sua pretensão de inegável função social, até mesmo em razão da necessidade de se punir adequadamente quem provocou no mundo dos fatos o ato ilícito e desequilíbrio econômico (teoria do desestímulo).

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O objetivo é mostrar o aspecto distinto, singularíssimo, do negócio de seguro, e as consequências que se expandem para além dele e que em muito o transcendem. A defesa da integridade do seguro, do respeito ao contrato, oferece calibragem às relações econômicas, contratuais, sociais e jurídicas, constituindo-se como uma das formais mais eficientes de se defender a Justiça.

Por isso insisto: não se pode esvaziar, diminuir ou impedir o pleno exercício do direito de ressarcimento em regresso, sem que isso atinja fortemente o seio social. Ressarcimento em regresso integral é questão de bom senso, de simetria, de fundo moral e de rigorosa observação da máxima romana de Direito segundo a qual se deve sempre “dar a cada um o que é seu”. Ao segurador, o reembolso do prejuízo, o ressarcimento do valor; ao causador do dano, a justa punição, a reparação do ilícito. Com isso, a própria sociedade sai beneficiada, gratificada, presenteada.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique. Ressarcimento: bom para o segurador, excelente para a sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5914, 10 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75688. Acesso em: 22 dez. 2024.

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