Como advogado do mercado segurador, sou aparentemente suspeito para falar sobre ressarcimento em regresso. Mas, além dessas possíveis inclinações, enxergo-o sinceramente como um dos mecanismos mais justos e equilibrados do Direito em exercício. Com inegável função social, esse instituto impacta diretamente o chamado cálculo atuarial (e, consequentemente, na precificação do seguro) e pune eficazmente o causador de danos.
Explico melhor um e outro, ainda que de modo sumário.
Quanto mais o mercado segurador conseguir reaver as indenizações pagas aos seus segurados, vítimas de danos, fica mais fortalecido o negócio de seguro e menor o valor dos prêmios. A simetria é direta. E assim, atingida uma das principais variáveis que envolve precificação, passa ela a pender para o próprio benefício dos usuários dos serviços e produtos de seguro.
A despeito da previdência da vítima que adquiriu cobertura securitária, o fato é que o causador do dano não pode sair impune dos prejuízos que causou. Deve responder por eles, de forma ampla e integral.
Sem falar que, por detrás, existe ainda um contexto social importantíssimo, em que se vê até mesmo um fundo moral. Nessa busca por ressarcimento a atuação do segurador sub-rogado acaba gerando diversos benefícios sociais, que se manifestam de forma direta ou indireta. A sociedade toda ganha quando um segurador sub-rogado se vê ressarcido dos prejuízos indenizados. Da punição surge o caráter efetivo da teoria do desestímulo, a qual, levada a efeito, fará cair os preços do seguro e, por repercussão direta, os preços dos produtos e serviços em geral.
Por isso a lei e o Poder Judiciário devem sempre preservar a amplitude e a integralidade do ressarcimento em regresso. Antecedido de outra relação jurídica, a de seguro, vital para a saúde econômica de qualquer sociedade, o ressarcimento tem uma dimensão até mais elevada que a da própria reparação civil. Nenhuma atividade econômica considerável acaba sendo bem realizada sem a proteção do seguro.
E para que o contrato seja viável há de se ter certo cuidado com o ressarcimento em regresso, sendo inaceitável qualquer disposição contratual, regra legal ou interpretação judicial que ofereça algum entrave ao seu pleno exercício.
Quando um segurador sub-rogado demanda em juízo, além de fundamento na boa ordem moral, ele ancora-se num poderoso sistema de regras legais e de decisões judiciais que muito fortalece seu direito. Não há ali apenas a defesa de seus próprios interesses, mas também o de todo o colégio de segurados, por força do princípio do mutualismo.
Defendendo-os, o segurador também acaba fazendo o mesmo, ainda que de modo reflexo, em relação aos interesses da sociedade em geral, não havendo quem não se beneficie da punição do ato ilícito e do reequilíbrio econômico do segurador. Daí o firme entendimento de que, ao se sub-rogar nos direitos do segurado, o segurador não pode ser prejudicado na busca do ressarcimento integral.
Logo, caso exista algum elemento normativo capaz de inibir, ainda que parcialmente, a plenitude do exercício da reparação civil à vítima original, isso não se estenderá ao segurador sub-rogado. Difere a razão ôntica das pretensões.
Um exemplo concreto: entendemos que não se pode opor ao segurador a decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, Tema nº 210, que aplica a Convenção de Montreal e a limitação de responsabilidade do transportador aéreo. Ele sempre fará jus à totalidade dos valores indenizados aos donos de cargas e bagagens; não se submete ao conteúdo da Convenção de Montreal, porque vinculado ao sistema legal que trata do negócio de seguro, devendo-se levar em conta que o campo do Direito do Seguro é bem mais amplo que o do Direito dos Transportes.
Há nesse entendimento elementos de justiça e a presença de um conjunto de princípios gerais do Direito e fundamentais constitucionais, como os da proporcionalidade, isonomia, equidade, boa-fé objetiva, função social das obrigações, reparação civil ampla e integral, entre outros.
Tanto acredito nisso que venho acrescentando nas peças forenses um tópico explicativo a respeito.
Antes mesmo de expor a crônica dos fatos e a fundamentação jurídico-legal de sua pretensão, observa a Autora que se encontra legitimamente sub-rogada nos direitos e ações de seu segurado, credor original da obrigação descumprida pela Ré e vítima do ilícito contratual por ela cometido.
Com o pagamento da indenização de seguro, a Autora assumiu a titularidade do direito de provocar a tutela jurisdicional, sem, porém, submeter-se a qualquer condição de ordem contratual ou normativa relacionada a negócios jurídicos alheios ao contrato de seguro.
Para tanto invoca a regra do art. 786 do Código Civil que diz: “Paga a indenização, o segurador sub-rogação, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”.
A regra legal é clara e taxativa em dispor sobre a assunção de direitos e ações, mas não a de deveres e obrigações estranhos ao negócio de seguro. Justamente porque a ninguém é dado qualquer tipo de ônus sem causa concreta ou comprometimento formal e explícito.
Tal inteligência do Direito ajusta-se com perfeição ao Enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal: “O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro”.
O art. 786 também se conecta aos arts. 346 a 351, todos do Código Civil. Esse conjunto de regras sustenta a legitimidade da Autora para pleitear o ressarcimento em regresso do causador do dano, independente da fundamentação legal da responsabilidade civil que dele se constate.
Por fim, considerando a importância da sub-rogação e a necessidade de punição exemplar àquele que causa danos, convém sempre observar o princípio da reparação civil integral, previsto no conteúdo geral do art. 944 do Código Civil e no rol exemplificativo de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal.
Sendo assim é preciso ter claro que, a despeito de qualquer consideração superveniente, a seguradora sub-rogada terá sempre garantido o uso da jurisdição brasileira e sempre observado o ressarcimento integral do valor indenizado, sem exclusão dos demais pontos juridicamente relevantes a cada caso.
Muito aproveita dizer, desde logo, que a sub-rogação dá-se aos bônus, não aos ônus, da relação de crédito original, conforme o art. 349 do Código Civil: “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.”
Em sendo assim, tem-se que nenhum ato praticado pelo segurado com outrem, ainda que voluntariamente, poderá de algum modo prejudicar ou inibir o pleno exercício do direito de regresso do segurador, segundo dispõe expressamente o §2º, do art. 786 do Código Civil: “é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.
A harmonia entre os artigos 249 e 786, §2º, do Código Civil, interpretados e aplicados ao sabor do Enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal, autorizam correta inteligência, com amparo jurisprudencial, no sentido de não serem oponíveis ao segurador sub-rogados quaisquer normas contratuais, clausulados ou regras legais que imponham jurisdição estrangeira, compromisso arbitral, limitação de responsabilidade e outros temas sem que, antes, de modo expresso e formal, tenha concordado, aderido e explicitado sua livre manifestação de vontade.
Por fim – e nunca é demais lembrar –, quando um segurador sub-rogado demanda em Juízo o ressarcimento em regresso da quantia indenizada contra o causador do dano, não são apenas os seus legítimos direitos e interesses que defende, mas os de todo o colégio de segurados, por conta e ordem do princípio do mutualismo, revestindo sua pretensão de inegável função social, até mesmo em razão da necessidade de se punir adequadamente quem provocou no mundo dos fatos o ato ilícito e desequilíbrio econômico (teoria do desestímulo).
O objetivo é mostrar o aspecto distinto, singularíssimo, do negócio de seguro, e as consequências que se expandem para além dele e que em muito o transcendem. A defesa da integridade do seguro, do respeito ao contrato, oferece calibragem às relações econômicas, contratuais, sociais e jurídicas, constituindo-se como uma das formais mais eficientes de se defender a Justiça.
Por isso insisto: não se pode esvaziar, diminuir ou impedir o pleno exercício do direito de ressarcimento em regresso, sem que isso atinja fortemente o seio social. Ressarcimento em regresso integral é questão de bom senso, de simetria, de fundo moral e de rigorosa observação da máxima romana de Direito segundo a qual se deve sempre “dar a cada um o que é seu”. Ao segurador, o reembolso do prejuízo, o ressarcimento do valor; ao causador do dano, a justa punição, a reparação do ilícito. Com isso, a própria sociedade sai beneficiada, gratificada, presenteada.