RESUMO: O texto procura relacionar três eixos essenciais ao entendimento do Direito como um obstáculo ao uso da força, sendo que as duas primeiras temáticas apresentam-se como demonstrações da não-violência: 1) o não-Estado; 2) o típico Estado Jurídico; 3) o não-Direito: este como a violência em espécie. O não-Estado acarreta o desenvolvimento de áreas sociais não-estatais, a exemplo da própria sociedade civil organizada; o Estado Jurídico implica no controle interno e externo do Poder Político; já o não-Direito se reduz ao mero uso da força e da brutalidade: pode ser o arbítrio de um tirano ou a ideologia dominante em determinado momento histórico do Estado-Força.
PALAVRAS-CHAVE: Fundamentos Sociológicos do Direito; Teoria do Estado Moderno; Estado Jurídico; não-Estado; sociedade; não-Direito; arbítrio.
SUMÁRIO:1)o Não-Estado; 2) O não-Estado e o Estado Jurídico; 3) Kelsen e as garantias de Ihering; 4) Estado–Força e Direito; 5)Do Poder Popular e do Poder Extroverso; 6) O Direito como Fato Social; 7) Bibliografia.
O Não-Estado
Comumente se pensa que onde não há Estado, não há Direito, mas a Antropologia já demonstrou que pode haver Direito sem Estado [01] (Clastres, 1990). Porém, o contrário, Estado sem Direito, isto não é possível de se visualizar.
Contudo, sob um ângulo reduzido, o raciocínio comum não estaria de todo errado, mas isto se daria somente se a ausência das políticas públicas concretas implicasse em violência direta, ou seja, para além das divergências políticas. De modo muito mais amplo, no entanto, a figura descritiva da expressão não-Estado — como simples ausência do Estado — implica no espaço social público, mas não estatal. Essa fórmula ainda nos auxilia na distinção entre o que é público e o que é estatal: por exemplo, a sociedade civil é pública, mas não estatal.
A fim de melhor especificar as distinções propostas, vejamos, como diz Reale (2005), o não-Direito é a clara expressão do arbítrio. Já o não-Estado (Bobbio, 1986, pp. 121-123) refere-se a tudo o que o Estado não seja capaz de impor sob alguma forma de dominação ou de nivelamento funcional. Assim, para Bobbio, o não-Estado formado na era do capitalismo em expansão, e em conformidade com o Estado Moderno, teria o seguinte fluxo:
Para o nosso objetivo, é interessante notar que numa doutrina do primado do não-Estado, o Estado se resolve na detenção e no exercício legítimo do poder coativo, de um poder meramente instrumental na medida em que presta serviços (indispensáveis, mas, pela sua própria natureza, de grau inferior) a uma potência supraordenada. Esta observação é interessante porque a própria representação instrumental do Estado ocorre quando o não-Estado que avança as próprias pretensões de superioridade contra o Estado é a sociedade civil-burguesa (Bobbio, 1986, p. 123).
Neste período de formação da sociedade civil burguesa, o Estado Moderno atuou como força centrípeta, ao passo que o capital expansivo e colonialista atuava com força centrífuga (Mészáros, 2002).
O Estado moderno teve que concentrar o Poder Político para robustecer as riquezas nacionais, já o capitalismo precisou expandir o centro do poder de comando — a partir do poderio econômico burguês, sob a modalidade conhecida por colonização ultramarina — para incrementar ainda mais os níveis de acumulação e de concentração de capitais (Marx, 1993). Sobre este conceito de sociedade civil material ou econômica, dirá Marx que:
Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas — assim como as formas de Estado — não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela designação de "sociedade civil": por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política (Marx, 2003, pp. 04-5 – grifos nossos).
Vimos em Marx como a sociedade civil nada mais é do que a construção da infra-estrutura econômica, a base sobre a qual se erige a própria estrutura social e político-administrativa (o Estado), e do que deriva, por fim, a superestrutura jurídica. O Estado e o Direito decorreriam dessa mesma condição econômica que desencadeia a sociedade civil (enquanto entidade orgânica ao capital, de ordem determinada/determinante economicamente). Estado e Direito, portanto, seriam uma das tantas formas de representação:
[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existente ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então (Marx, 2003, p. 05 – grifos nossos).
Uma contradição flagrante no Brasil e que podemos apontar no quadro analítico iniciado no texto, é entre a ordem econômica vigente e as aspirações de constituirmos um Estado Jurídico realmente atuante. Porém, como nossa intenção é dar mais profundidade ao próprio conceito do Estado Jurídico, não deveremos restringir nossa análise à infra-estrutura econômica.
Assim, não tão reclusos ao conceito de sociedade civil marxiana veremos que, se por um lado o Estado Jurídico é limitado por condições/relações históricas e econômicas determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, por outro acaba determinando condições jurídicas também específicas. É sobretudo quanto a estas determinadas, necessárias e independentes condições/determinações jurídicas que este texto recairá, isto é, a sociedade civil organizada será anteposta ao Estado, mas como condição sócio-política e não exclusivamente econômica (Bobbio, 1982).
Em resumo, na vida moderna, o não-Estado é a esfera marcada pelas instituições burguesas – o não-Estado, de modo contraditório, portanto, corresponde às forças sócio-econômicas ativas na formação do próprio Estado de Direito Funcional [02]ou Capitalista:
Com a formação da classe burguesa que luta contra os vínculos feudais e pela própria emancipação, a sociedade civil, como esfera das relações econômicas que obedecem a leis naturais superiores às leis positivas (segundo a doutrina fisiocrática), ou enquanto regulada por uma racionalidade espontânea (o mercado ou a mão invisível de Adam Smith), pretende destacar-se do abraço mortal do Estado, o poder econômico é claramente diferenciado do poder político e ao fim deste processo o não-Estado se afirma como superior ao Estado, tanto na doutrina dos economistas clássicos quanto na doutrina marxiana, embora com sinal axiológico oposto (Bobbio, 1986, p. 123).
Para o caso específico do texto, o não-Estado seria uma construção social mista, entre a economia e a política. Talvez, melhor representado (melhor especificado) pelas faixas sociais não-ocupadas pelo Estado de Direito Formal, a exemplo das ideologias sociais, das utopias, além da religião, dos meandros da vida social. O não-Estado se define enquanto sociedade civil politizada e movida por um intenso fluxo político, provindo essencialmente dos movimentos sociais populares, mas que não estivesse colonizada pela máquina burocrática do Estado. Logo, o não-Estado e o não-Direito são eqüidistantes, não-equivalem entre si, pois enquanto o primeiro tem positividades jurídicas (óbvias), o segundo é absolutamente negativo.
O não-Estado é o conjunto complexo formado pela sociedade civil organizada, e é composto pelos movimentos sociais populares, pelas variadas fontes políticas independentes (excluindo-se as não-partidarizadas), bem como pelas demais organizações sociais reivindicativas, além das ideologias e dos partidos políticos [03] contrários à ordem estabelecida (status quo), e outras organizações não-estatais (e que nem sempre são para-estatais, como as frentes guerrilheiras).
No caso brasileiro — tendo-se em conta a história política — ainda é preciso pôr em relevo o sentido de oposição/restrição política e ideológica que as várias forças sociais alimentam regularmente. Neste sentido, merece destaque o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo fato da força social movida ser altamente expressiva — em torno da luta secular pelo direito à terra — e porque procuram imprimir um debate real acerca da propalada função social da propriedade privada. Esta luta social obriga o Estado de Direito Formal a buscar por novas e razoáveis soluções jurídicas, forçando-o igualmente a se aproximar da prática social requerida pelos estatutos do Estado Jurídico.
Em oposição, o não-Direito só expressa a violência, a brutalidade, o medo e o temor, o caos destrutivo. Portanto, o não-Estado assinala a organização social, ao passo que o não-Direito é a pura desorganização institucional e jurídica. O não-Direito é o não-diálogo que leva à disputa limitada ao famoso discurso de autoridade (isso na melhor das hipóteses) ou ao simples emprego da força bruta.
O não-Estado, portanto, aprimora o Estado Jurídico, pois suas forças sociais atuam externamente, visando a um maior controle jurídico das políticas públicas – o não-Estado, em suma, é o Poder Social agindo como um grau superior do controle de juridicidade do Poder Político. O não-Direito, por sua vez, é a negação de qualquer pretensão de Direito, do chamado "império da lei", enfim, do próprio Estado de Direito.
Onde não há Estado — como espaço afirmativo e de confluência das entidades sociais que formam o não-Estado —, há a sociedade global. Desse modo, o não-Estado não implica necessariamente na ação criminosa, na barbárie atentatória à sociedade e ao próprio Estado, pois o não-Estado não corresponde ao vulgarmente conhecido Estado Paralelo. Portanto, o não-Estado não é sinônimo de Estado de não-Direito [04]; o não-Estado não é reflexo de algum Estado Arbitrário. O não-Estado também não é o Estado-Força, aquele que aplica o Direito como meio de controle ou de opressão. O não-Estado está muito mais próximo dos espaços de interatividade social.
O não-Estado e o Estado Jurídico
O não-Estado é mais facilmente verificável por meio da análise sociológica, em busca da interação social, das contradições e dos conflitos sociais, bem como pela investigação antropológica, em que se destaque o ethos, a ordem da cultura, o mundo das trocas simbólicas, em que se valorize a força da entropia criadora: é do atrito que advém o movimento e a mudança. Por esta razão, o Estado Jurídico — como opção ao Estado-Força — também pode ser investigado seguindo-se os Fundamentos Sociológicos do Direito [05].
É oportuno resgatar Reale quando nos indica que mesmo o Estado Jurídico é — antes de ser jurídico — uma elaborada construção social:
A expressão auto-limitação é infeliz porque dá a idéia de que é o Estado que traça a si próprio os seus limites, quando, na realidade, temos diante de nós um processo de natureza histórico-cultural, que implica uma discriminação progressiva de atividades, para os indivíduos ou para a sociedade civil, de um lado, para o Poder Público, do outro [...] A nosso ver, houve engano ao se apreciar separadamente o problema do indivíduo perante o Estado, quando o Estado não é senão expressão do processo histórico de integração da vida política e jurídica [06] (2005, p. 274).
Desse modo, fica mais fácil perceber como o não-Estado é um elemento essencial à formação do Estado Jurídico. O não-Estado,sob a forma da sociedade civil organizada [07], como alertava Bobbio (1986) — e como vimos confirmar-se em Reale (2005) —, foi o principal meio não-jurídico ou sócio-político a refrear o Estado Arbitrário.
Este fenômeno social progressista — de grandes conseqüências jurídicas — vem ocorrendo marcadamente desde a revolução liberal do século XVII, até desembocar no socialismo do século XX. Essas forças sociais progressistas (menos liberais e mais socialistas) forçaram o Estado a expandir seu controle jurídico, a fim de expressar um verdadeiro controle social: aquele exercido pela sociedade que quer ver mudanças na ordem sócio-econômica, mas também na estrutura política e administrativa do Estado.
A necessidade de mudanças sociais impôs ao antigo Estado de Direito (século XIX), de fora para dentro, novas formas de exercício mais direto de controle estatal, mas é, curiosamente, essa mesma "legitimidade alcançada" que se vê alvo de tantas críticas sociais hoje em dia.
É interessante observar como o não-Estado, a sociedade civil burguesa, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, desenvolveu-se ora incorporando, ora estimulando (alargando) as fronteiras delimitadas pelo próprio Estado Capitalista.
Desse ponto de vista, o Estado Jurídico é uma imposição da sociedade civil burguesa, devendo atuar como freio aos ataques e avanços incontrolados desse mesmo Estado Capitalista. As duas grandes guerras mundiais, nessa ótica, são falhas operacionais do Estado Jurídico, uma vez que, não se conseguiu à época, refrear o ímpeto do Estado expansionista à frente do grande Capital. Vejamos o caso da Segunda Guerra Mundial, como exemplo da negação do Estado Jurídico.
Por que se trata tanto da guerra?
Lembramos, tratamos e estudamos o nazismo - do passado - apenas para combater todas as formas e variáveis do fascismo, tanto as atuais, quanto as do futuro. Da mesma forma, trata-se da Guerra, da sua lógica e da barbárie que se segue, com a mente voltada à paz. Por isso, também devemos tratar da Política com ética e como se fosse a diplomacia, e não só pelo ângulo dos resultados e das conquistas (como quer o "realismo político"), porque essa "razão" traz perdas e prejuízos.
A Segunda Grande Guerra produziu: a) 80 milhões de mortos: além dos que morreram de fome e de doenças: oito vezes mais do que na 1ª Guerra Mundial; b) Uma qualidade diferenciada para as mortes: câmara de gás; torturas extremas; experiências com pessoas vivas; massacres programados.
A resposta, ao final, veio com o bombardeio de Dresden, já com a Alemanha totalmente rendida, e com as duas Bombas Atômicas lançadas desnecessariamente (do ponto de vista militar) no Japão. Esses fatos evidenciam a motivação racista da Segunda Grande Guerra, até o seu término: não jogariam bombas atômicas na Europa, por exemplo.
Além disso, vejamos outras motivações da Segunda Grande Guerra: rivalidades entre impérios coloniais: Grã-Bretanha X França; fortes contradições econômicas entre os chamados países imperialistas; fortes contrações do capital que sempre precisa se expandir; a entrada de novos atores no cenário mundial daquela Geopolítica: notadamente a Alemanha e a Itália; repressão ao movimento socialista desencadeado em 1917, na Rússia: o chamado "Pacto anti-Komintern"; repressão aos movimentos socialistas nacionais: visava "conter a expansão do comunismo".
A "Pax Americana" (a posição de neutralidade americana), neste sentido, foi inicialmente providencial ao capitalismo, como ação concreta diante da "política de apaziguamento" das grandes potências. A América se envolveu na Segunda Grande Guerra porque a lógica da economia de guerra estava em ação, e era expansionista e acumulativa. Seguiu-se a lógica do grande capital internacional da época: mais industrial, material (próprio à grande indústria, à indústria de base).
Daí por diante, a chamada economia de guerra tornou-se uma peça fundamental (um motor) na estrutura da economia global: da Guerra do Vietnã à invasão da Ilha de Granada; da Guerra-Fria às duas Guerras do Golfo; da Revolução Cultural Chinesa e Cubana às guerras fratricidas (de descolonização, "descontaminação") na África.
Pela lógica da economia de guerra global, a chamada "desnazificação" foi uma farsa. Basta-nos lembrar que a Bomba A foi construída com o auxílio dos cientistas alemães. Após a guerra, estavam na ativa 5.000 juízes da fase nazista, do total de 11.500 juízes em atividade na Alemanha, o que reforça a análise de que não é possível pensar-se em termos de um suposto Estado Jurídico Nazista (ou fascista), exatamente porque são termos antitéticos.
Como se sabe, finda a Segunda Grande Guerra, nasceria o chamado Estado Democrático e, após a formação da ONU (1946) e com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, nasceria um novo Direito: o conjunto complexo dos direitos humanos, como resultado do alargamento do próprio direito humanitário que já vinha se desenvolvendo desde o final da Primeira Grande Guerra, e a proibição do uso de armas químicas e biológicas.
Por fim, como visto, o Estado submetido ao Direito Internacional, em tese, evitaria a guerra de conquista (seja territorial, seja de mercado) e este será o objeto e o emblema criado com a ONU e, após, com a Declaração Universal, ou seja, o Estado Jurídico como entrave ao desenvolvimento do Estado Fascista (este que está sempre de plantão). Agora, vejamos o Direito atuando como salvaguarda da autolimitação do Estado.
Kelsen e as garantias de Ihering
Como vimos — tanto na análise social, quanto sob a guerra — estamos na seara da crítica externa (argumento externo) à Teoria da Autolimitação, isto porque não haveria sentido em esperar que o soberano fosse impor sujeições espontâneas a si mesmo [08]. Porém, devemos destacar o argumento externo (história da movimentação social) como freio ao poder outrora incontrolado. Tomemos aqui o exemplo clássico da Magna Carta, de João Sem Terra, em 1215, já conquistando direitos individuais e assim obstaculizando inicialmente o Estado Arbitrário. No fundo, este tema revela a dinâmica, a tensão dialética entre Estado e sociedade civil, entre Direito e Poder.
Como frisa Reale (2000), a Teoria da Autolimitação decorre de uma conceituação inicial de Ihering:
O Estado domina-se, por conseguinte, porque a experiência histórica ensina ser esse o caminho de seu interesse, mas a submissão do Estado ao Direito, isto é, a realização da soberania da lei tem uma dupla garantia: uma é interna e baseia-se no sentimento do Direito; a outra é externa e encarna-se na administração do Direito [...] A única força decisiva que obriga o Estado soberano a subordinar-se à lei é o povo, quando o povo reconhece o direito como condição de sua existência e se sente violentado quando da violação da lei. Embora o Estado possa e deva respeitar a lei por si mesma, são as convicções jurídicas da Nação o fundamento último da submissão do poder ao Direito [...] A essa garantia interna Jhering acrescenta uma externa, a organização da Justiça, a constituição de órgãos especiais, cuja missão é declarar exclusivamente o Direito, sem levar em conta o fator oportunidade que o Estado não pode deixar de considerar nos outros domínios de sua atividade [...] Em virtude dessa dupla garantia, Jhering declara que o Direito, em sua acepção lata, implica a força bilateralmente obrigatória da lei, isto é, a submissão do próprio Estado às leis que ele promulga(Reale, 2000, pp. 254-255).
O que Ihering denomina de garantia interna, chamamos aqui de argumento externo (social, político, histórico), de crítica externa, pois deve colocar restrições ideológicas e políticas ao poder do Estado. É esta a luta histórica (pós-Estado Moderno) entre o chamado "poder de império" (balizado desde o Império Romano e que se definia como poder soberano, inalienável, ilimitado, incondicionado) e o "império da lei" (este configurado pelo Estado de Direito que implica no acatamento do ordenamento jurídico). Porém, em função dessa mesma luta pelo Direito (contra os privilégios), o saldo do ordenamento jurídico deve ser positivo, bem como a separação dos poderes deveria sair fortalecida.
No Estado Jurídico, a idéia geral assegura que a regra da bilateralidade deve recobrir o Estado, e isto tornaria o Estado de Direito [09] mais funcional, pois a Justiça não se pautaria exclusivamente pelo desnivelamento em que os pólos de poder estão habitualmente assentados – a exemplo do que temos ao longo da história política brasileira. Porém o impacto do direito regulador sobre os poderes constituídos não é um dado homogêneo, uma vez que os poderes Legislativo e Executivo têm atuações e finalidades distintas diante do mesmo Direito: a) enquanto o Legislativo atua como formulador desse Direito (de controle interno); b) o Executivo é receptivo e a ele deve recair a maior carga de regulação/contenção dos próprios atos. Por isso, é muito mais difícil e complexo pensar/supor que o Legislativo, no rigor do Estado Jurídico, deve regular a si mesmo. Veja-se um exemplo simples: o Direito Administrativo é regulado pelo Legislativo, mas é endereçado especialmente ao Executivo.
A regra produzida pelo Legislativo, portanto, deverá obrigar o próprio Legislativo de forma diferenciada, pois aí sim nós teríamos a produção da regra que obriga a si mesmo. Por isso, o Estado Legislativo é, em essência, criado a partir do Legislativo que (posteriormente ou subsidiariamente) se dirige à restrição formal dos demais poderes. O Estado Jurídico é, basicamente, pautado pelo Legislativo.