4. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
A possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente é uma inovação legislativa trazida pelo CPC/15 e que tem gerado grande debate doutrinário em razão da incerteza jurídica que circunda a sua aplicação prática. Possui previsão no art. 304. do códex processual, anteriormente citado.
Ao analisar o mencionado dispositivo legal conclui-se que a estabilização somente é cabível quando tratar-se de concessão de tutela antecipada antecedente e, portanto, incabível tal efeito na hipótese de tutela cautelar, tutela de evidência ou, ainda, quando requerida de modo incidental. Logo, o requerente deverá demonstrar a urgência que justifique a concessão da tutela antecipada antecedente, ou seja, a iminência de perigo ou perigo existente (art. 303. do CPC/15).
Segundo Theodoro Júnior (2015, p. 674) as partes podem se contentar com uma decisão sumária, vez que não seria necessário o ajuizamento de uma nova ação de conhecimento exauriente para validade da decisão interlocutória. Concedida a tutela antecipada antecedente pelo magistrado o requerido poderá interpor o recurso competente ou permanecer inerte. Por se tratar de uma decisão interlocutória o meio recursal cabível é o Agravo de Instrumento, nos termos do art. 1.015. do CPC/15.
Importante frisar que a decisão estabilizada que concede a tutela antecipada antecedente não faz coisa julgada material, mas tão somente formal. Nesse sentido, não é possível o ajuizamento de Ação Rescisória para desconstituir coisa julgada formal (art. 966. do CPC/15), em razão da falta de interesse de agir por inadequação da via eleita (art. 17. do CPC15) e, consequentemente, a ação deverá ser extinta sem julgamento do mérito.
No caso de inércia do requerido em razão da não interposição do agravo de instrumento, o art. 304, § 5º, do CPC/15 prevê a possibilidade de ajuizamento de ação autônoma no prazo decadencial de 02 (dois) anos a contar da ciência da decisão que extinguiu o feito principal. Essa nova demanda não resolverá provisoriamente o litígio, mas sim uma decisão definitiva que substituirá a decisão provisoriamente proferida, seja para mantê-la ou para reformá-la (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 675).
O artigo 304 do NCPC determina a estabilização dos efeitos da tutela antecipatória antecedente, em caso de ausência de recurso contra decisão que concedê-la. Equivale dizer que, ao instruir seu pedido com elementos apenas suficientes à arguição da tutela antecipada, pode a parte deixar de discutir toda a matéria naquele momento, para fazê-lo somente posteriormente.
Pela interpretação do artigo 304, caput, do Código de Processo Civil, quando concedida a tutela provisória de urgência antecipada (satisfativa) em caráter antecedente, e não havendo impugnação da parte ré no prazo alusivo ao recurso adequado, estabilizam-se os seus efeitos, de maneira que a decisão concessiva da antecipação da tutela continuará produzindo os seus efeitos, enquanto não for atacada por ação destinada a invalidá-la, reforma-la ou revisá-la (BRASIL, 2015).
Entretanto, quanto ao primeiro aspecto, atinente à forma em que deve ser requerida a tutela antecipada para que ocorra a sua estabilização, cumpre enfatizar que, embora o art. 304, caput, do CPC, refira que só se torna estabilizada aquela “[...] concedida nos termos do art. 303. [...]” (BRASIL, 2015), a qual se refere ao procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, cumpre referir que tal exigência é compreendida como irracional por parte da doutrina.
Outro requisito para que ocorra a estabilização dos efeitos da tutela, é indispensável que o réu permaneça inerte em relação à decisão que antecipa os efeitos da tutela, não manifestando qualquer irresignação (NEVES, 2016). Aliás, para Fredie Didier Jr.:
“Por fim, é necessária a inércia do réu diante da decisão que concede tutela antecipada antecedente. Embora o art. 304. do CPC fale apenas em não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (ex.: suspensão de segurança ou pedido de reconsideração, desde que apresentados no prazo de que dispõe a parte para recorrer”. (DIDIER JR., 2015, p. 608).
Assim, a tutela cautelar, diferentemente da tutela antecipada, não possui um fim em si mesma; não busca satisfazer, de imediato, o bem da vida. A tutela satisfativa tem a possibilidade de se estabilizar por que o seu deferimento, em algumas ocasiões, é suficiente para sanar o pleito da parte autora, na medida em que adianta, parcial ou integralmente, os efeitos de direito que seriam posteriormente reconhecidos pela sentença. Ressalta-se que isso não acontece com uma decisão de natureza acauteladora, visto que esta se apresenta como um meio para garantir a posterior satisfação da pretensão (BRASIL, 2015).
4.2. DA ESTABILIZAÇÃO DA COISA JULGADA
Com o Novo Código de Processo Civil que surge o instituto da estabilização dos efeitos da tutela provisória de natureza satisfativa requerida em caráter antecedente, através de instituto que relaciona o princípio constitucional do acesso à justiça ao princípio da segurança jurídica. Por meio da tutela antecipada antecedente, a parte que se vale do procedimento da tutela antecipada antecedente possui o direito de ver estabilizados os efeitos da decisão concessiva de tutela provisória, na hipótese de ausência de interposição de recurso para parte contrária. Trata-se, assim, ao mesmo tempo, da obtenção dos efeitos provisórios de uma tutela definitiva, que representa, em última medida, o acesso à justiça, e da obtenção de uma decisão que poderá possuir certo grau de estabilidade, o que constitui manifestação do princípio da segurança jurídica.
O instituto da estabilização surge com a função de regular as hipóteses em que as pretensões das partes são satisfeitas com base em um juízo de cognição sumária. Em alguns casos, o interesse em ambiente processual é satisfeito com uma decisão de natureza antecipada, em um processo sumarizado.
O art. 304, § 6º, CPC estabelece que a decisão que a concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º.
Em que pese o art. 304, § 6º do novo CPC tenha optado por definir a ausência do fenômeno da coisa julgada com a estabilização, há uma indefinição acerca da imutabilidade depois de estabilizada a tutela, especialmente após o biênio decadencial previsto para ajuizamento da ação no art. 304, § 5º, CPC.
A doutrina tem debatido este aspecto, de um lado, há os processualistas que defendem a inexistência de coisa julgada e de outro há aqueles que afirmam que se operaria imutabilidade semelhante à coisa julgada depois de transcorrido os dois anos para ajuizamento da ação para rever, reformar ou invalidar a decisão.
Foi adotada a terminologia tradicional, seria uma hipótese de formação de coisa julgada formal sobre a decisão concessiva da tutela antecipada, porque se está diante de uma preclusão máxima, isto é, todos os sujeitos do processo perdem seus poderes de manifestação sobre as questões do processo. Depois de constatada a ausência de impugnação do réu, só o juiz pode atuar, mesmo assim, com margem cognitiva desprezível, para extinguir o processo, aplicando o efeito do art. 304, § 1º, CPC.
4.3. JURISPRUDÊNCIA E TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA
No perfil do Código de Processo Civil de 2015 as chamadas tutelas provisórias podem ser requeridas com fundamento na urgência ou na evidência (art. 294). A tutela da evidência a qual se ocupam as hipóteses do art. 311. ganha destaque no perfil do novel Código de Processo Civil, em especial as situações previstas nos incisos II, III e IV, as quais não possuem correspondência no CPC/73. Como já pudemos examinar em outra oportunidade, o art. 311. cuida da tutela provisória que prescinde da demonstração do elemento urgência.
Na jurisprudência pátria, podemos encontrar diversos casos em que os Tribunais de Justiça entenderam ser perfeitamente possível a antecipação da tutela para evitar o agravamento de danos às APPs, ainda que os efeitos do provimento fossem irreversíveis para o demandado. Confira-se:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação demolitória. Tutela antecipada para determinar a desocupação e demolição de imóveis construídos irregularmente em área de preservação permanente. Presença dos requisitos do art. 273. do Código de Processo Civil. Intervenção não autorizada pelo órgão ambiental competente. Receio de dano irreparável ou de difícil reparação quando se lida com controvérsia de natureza ambiental a envolver, na espécie, possível lesão em espaço territorial especialmente protegido. Decisão mantida. Recurso Desprovido”. (SÃO PAULO, 2013).
Outro exemplo passível de menção é o caso a seguir:
“REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL- PEDIDO DE SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DA DECISÃO DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA- AFASTADO. A tutela é antecipada quando estão presentes os requisitos que norteiam à concessão, nos termos do art. 273, I, do CPC, os quais não são exigidos caução ou patrimônio em caso de reversão. Pedido afastado. RECURSO DO INSS - RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO COM CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ TENDINOPATIA - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE REVELAM OS REQUISITOS PARA RESTABELECIMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA - TERMO INICIAL DATA DA CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA NOS TERMOS DA LEI N. 11.960/2009 CONDENAÇÃO DO INSS NAS CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE- SENTENÇA REFORMADA I- Conjunto probatório que revelam que o segurado apresenta seqüelas que o tornam incapaz para o trabalho ou para suas atividades habituais, mas não para toda e qualquer atividade laboral, somado ao fato que ainda está em tratamento médico e não há provas as seqüelas estão consolidadas, de forma que deve ser restabelecido o benefício de auxílio-doença e não deverá cessar até que "seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez", nos termos do art. 62. da Lei 8.213/91. II - O termo inicial é a partir da cessação do auxílio-doença. III- Honorários advocatícios mantidos. Ônus sucumbenciais e honorários periciais devem ser suportados pelo INSS, ressalvando que tal pagamento ocorrerá no final do processo, caso continue vencido. IV- Recurso do INSS conhecido e parcialmente provido para restabelecimento do benefício de auxílio-doença. Reexame necessário realizado com a reforma parcial da sentença.
(TJ-MS - REEX: 00119478920108120002 MS 0011947-89.2010.8.12.0002, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 05/11/2013, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/12/2013)
Recentemente o tribunal de justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento de recurso de agravo de instrumento, concedeu a tutela da evidência sob o fundamento, em primeira leitura, da tese apontada pelo recorrente estar firmada em precedentes do tribunal e do Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela provisória em ação declaratória cumulada com repetição de indébito. Cálculo de ICMS sobre cobrança de consumo de energia elétrica. Entendimento jurisprudencial de que as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Distribuição (TUSD) não incidem no cálculo do ICMS. Requisitos da tutela de evidência que restaram preenchidos (art. 311, inciso II, do CPC). Precedentes do C. STJ e deste E. Tribunal. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO."
(TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/03/2017)
A ementa do julgado em referência permite aferir que a tutela de evidência restou concedida com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do tribunal de justiça Estadual, a ampliar o rol restritivo do art. 311, II, do CPC. De igual modo, os fundamentos postos no voto condutor estão assentados em precedentes de qualificação distinta do art. 311, II, do CPC, pois tratam de precedente firmado pela corte especial Superior Tribunal de Justiça3 e diversos julgados do tribunal de justiça Estadual:
"(...) No mesmo sentido TJSP: Agravo de Instrumento nº 2179938- 2.2016.8.26.0000, Rel. Fermino Magnani Filho, j. em 16/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2201814-73.2016.826.0000, Rel. Osvaldo Magalhães, j. em 07/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2209219-63.2016.8.26.0000, Rel. Venicio Salles, j. em 09/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2118858-97.2016.8.26.0000; Rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. em 19/07/2016; Apelação nº 1049375-66.2015.8.26.0053, Rel. Ponte Neto, j. em 29/06/2016; Apelação/ Reexame necessário nº 1012339-53.2015.8.26.0032; e Rel. Ronaldo Andrade, j. em 08/06/2016. Sendo assim, considerando que o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, serviços de transporte e comunicação, nos termos do art. 155, inciso II, da Constituição Federal, e que a energia elétrica, para fins de tributação, é considerada como mercadoria, a hipótese de incidência do imposto restringe-se ao efetivo consumo pelo destinatário.
Portanto, em que pese o entendimento do ilustre Juízo singular, na hipótese em apreço, é de reconhecer-se a presença dos requisitos da tutela de evidência, que são a comprovação da alegação documentalmente e a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (art. 311, inciso II, do CPC/2015), o que afasta a necessidade de comprovação da urgência."
(Voto condutor do Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antônio Celso Faria, j. 20/03/2017, TJ/SP)
Greco (2015, p. 124) diz que não há mais distinção entre tutela antecipada e cautelar em relação a seus fundamentos fáticos e jurídicos:
“Quanto à consistência dos fundamentos fáticos e jurídicos, não há mais distinção entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, conforme já se sustentava anteriormente, e tampouco qualquer indicação quanto ao grau de convencimento para a concessão da tutela de urgência. O art. 299. exige apenas para a sua concessão que haja “elementos que evidenciem a probabilidade do direito”. Continuo a entender que, em face da sumariedade da cognição, e da possibilidade de concessão inaudita altera parte, essa probabilidade deve consistir numa convicção firme com elementos objetivamente verossímeis e consistentes”.
A jurisprudência está analisando os requisitos para a tutela provisória de urgência, usando a probabilidade do direito e o dano para a sua concessão. A distinção entre a tutela provisória de urgência e antecipada é um tema a ser construído pelos tribunais e pela doutrina.
O Fórum de Processualistas Civis, que vem se encontrando periodicamente, e realizando debates sobre o novo Código de Processo Civil vem contribuindo de modo destacada para esse objetivo, criando enunciados que estão sendo reconhecidos pela jurisprudência.
Assim, nos termos do art. 300, do novo CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco de resultado útil do processo. Ausentes os elementos que evidenciem a probabilidade de direito de que a parte requerente da tutela antecipada detém o direito capaz de ensejar o deferimento da medida que, na maioria das vezes, será demonstrado por meio do conjunto probatório, deve ser indeferida a tutela antecipada requerida. O endossatário-mandatário não age em nome próprio nos atos de cobrança da cártula, sendo a responsabilidade perante terceiros decorrente não de sua condição de endossatário, mas sim de sua posição de mandatário do credor primitivo (endossante) - responsabilidade esta que resulta das regras de direito civil, notadamente as aplicáveis à responsabilidade do mandatário em relação a terceiros -, ou decorrente de ato culposo próprio.
Nas ações de execução de título extrajudicial, ainda que reste demonstrada a prova da dívida líquida e certa, a ausência de comprovação bastante de que a parte executada está dilapidando o seu patrimônio, ou ainda, que se encontra em estado de pré-insolvência, impossibilita a concessão do arresto, em sede de tutela de urgência, registrando-se a necessidade de oportunizar a parte executada o pagamento voluntário da obrigação, antes do deferimento da medida. Ausentes os elementos que evidenciem a probabilidade de direito de que a parte requerente da tutela antecipada detém, e não sendo o direito capaz de ensejar o deferimento da medida demonstrado por meio do conjunto probatório, deve ser negado provimento ao agravo de instrumento.
Assim, a tutela de urgência de natureza antecipada NÃO será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Somente será concedida a tutela antecipada se for possível a reversão dos efeitos concretos concedidos pela decisão provisória. Como a concessão da tutela é de forma antecipada, com base em juízo sumário e não exauriente dos elementos constantes do processo, é necessário que a medida possa, em tese, ser revertida, caso o réu, ao final consagre-se vencedor da lide.